Camp Paradise - Interativa escrita por Aninha


Capítulo 10
Capítulo VI - Histórias, velhos amigos e parentes


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoas!
Peço desculpas pela demora (como sempre)... Esse cap era pra ter saído muito antes, mas tive q mudar um pouco a história pq percebi q estava me afastando demais do foco. Espero q possam me perdoar ;)

Enfim, é final de ano e estou em período de provas, mas se td der certo dia 30/11 eu entro em férias e vcs vão cansar de me ver por aqui! (se Merlin quiser).

As músicas do capítulo são: The Neighbourhood - Greetings From Califournia e morgxn - home ♥

Boa leitura ^.^



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Elizabeth Manson, Effy 

(Julho – Terça-feira, final da madrugada).

 

 

Ooh, eu sei que quando você for para a Califórnia

Você nunca olhará para trás

Ooh, apenas um pouquinho pode fazer você se perguntar

Você tem isso

 

Caro vovô Header,

Antes de qualquer coisa quero lhe desejar um Feliz Aniversário! Espero que todos tenham comparecido apesar dos problemas e imprevistos. Espero que não surja nenhuma discussão sobre os problemas de Amiable ou a situação de Capricious. Espero que Gainer não se sinta o inútil que ele não é. Espero que o tio Saver não fale sobre os horrores da guerra no meio do jantar ou que papai comece mais um longo e tediante discurso sobre política. Espero que ninguém brigue pelas batatas ou pelo último pedaço da torta. Espero que não façam Major ficar constrangido – e caso aconteça fale a ele que sinto muito, mas que estou rindo.

Mas acima de tudo, vovô, espero que possa me perdoar. Eu não podia ir. Eu queria, mas não consegui. Não sei o que Cavalier ou os outros tem te contado. Mas por favor, por favor, não os obrigue a falar. Só quero que saiba que estou bem. Sua neta preferida (esse continua sendo nosso segredinho) está bem. Se estou me sentindo pressionada? Estou. Se estou me sentindo sufocada, sem ter para onde ir? Sim. Se estou me sentindo uma mentirosa que está arrastando todos para uma armadilha? Claro. Mas estou bem.

Estou na Califórnia com Thinker. As trepadeiras estão tomando conta da sua lápide, como ele sempre quis. Aparei algumas para que não cobrissem seu nome, mas deixei que tomassem conta daquele versículo ridículo sabendo o quanto ele o odiaria. Minha garganta dói de pesar. Por Thinker. Por Amiable. Por você. Por mim. Pela nossa família. Mas sei que isso é o certo a se fazer.

Eu gostaria de te contar o que está acontecendo de verdade. Na esperança de que no final do meu relato você me levasse para o jardim e me desse uma de suas sábias lições. Mas sei que não posso contar agora. Num futuro próximo, talvez. Só espero que o senhor saiba por mim e não por eles.

Antes, tenho um último desejo: neste ano eu quero que o senhor viva. Viva de verdade, intensamente. Passe tudo a Major confiando que ele ou Cavalier ou ambos tomarão conta das coisas. Viaje para onde sempre quis ir, coma o que der vontade, realize seus sonhos. Gaste seu dinheiro. Compre coisas extravagantes, presentei vovó – garanto que Dona Fate vai adorar. Faça tudo que sempre quis, mas que nunca pode, antes que seja tarde. Faça isso, mas não por mim ou vovó, mas por você.

Com muito amor,

Sua neta.

Enamor.

Obs. Espero que goste do presente.

Obs. 2. Diga meus parabéns a Major, por favor.

Obs. 3. Eu te amo. E Thinker também.

Pousei a pena que usei para escrever na mesa enquanto fechava o tinteiro. Encarei o papel amarelado sabendo que aquela carta simplória não representa nem cinco por cento de tudo o que eu quero dizer ao meu avô, mas que por hora deveria servir. Sabendo que a tinta demoraria um pouco para secar, girei a cadeira de couro em que estava sentada, encarando o quadro pendurado do outro lado do meu quarto sobre o armário de madeira.

A obra de arte é a única coisa da casa que pertenceu à construção que agora se encontra em ruínas, do outro lado de Lake Tahoe. É a única herança que minha Família tem dos seus antepassados que habitaram Nevada, há mais de 150 anos. O quadro tem um tamanho razoável e uma moldura dourada ao redor com pedras preciosas nos detalhes. A pintura de uma menina loira de cabelos compridos mostrando suas vergonhas aos admiradores da obra, com seus pés dentro da água de um rio ou lago e uma floresta escura se avolumando atrás dela, a copa das árvores impossibilitando de ver o céu é o conteúdo que remete muitas pessoas a sereias ou ninfas. Mas na verdade, a garota que olha sobre um dos ombros para a floresta é tão humana quanto uma mulher especial na minha Família pode ser.

Encaro o quadro, lembrando de que há seis anos ele ficava pendurado na biblioteca, alguns andares abaixo. Quando criança, Tommy e eu passávamos horas naquela sala criando histórias e teorias do por que a mulher do quadro olhava a floresta. Às vezes era porque ela tinha ouvido um barulho de um galho se partindo, às vezes porque seu amante ou namorado a olhava e em outras um animal se aproximava. Criávamos teorias e histórias às vezes tão assustadoras que não conseguíamos dormir. Lembrei que depois da morte de meu irmão eu passei dias a fio na biblioteca encarando o quadro sem parar para comer, beber ou dormir. Sem desviar os olhos nenhuma vez mesmo que em alguns momentos minha vista estivesse tão embaçada pelas lágrimas que eu mal conseguia enxergar.

Atualmente o quadro se encontra no meu quarto, na parede defronte a minha cama. Pensando agora, as histórias que inventávamos parecem ridículas comparadas as nossas próprias histórias ou até mesmo a história real daquela obra.

India Morgan Phelps, ou Imp, foi minha bisavó. Graças a algumas tradições um tanto quanto recentes da nossa Família, ela passou boa parte da infância e adolescência na floresta sem nenhum tipo de contato humano. Quando finalmente voltou para a casa, em Berlim, com seus vinte e poucos anos, Imp era uma mulher forte, inteligente e amável. Sabia ler, escrever e falar graças aos seus cinco primeiros anos de vida quando ainda estava sob a proteção de seus pais. Podia não ter muitos conhecimentos do nosso mundo, mas possuía um vasto conhecimento de ervas e outras coisas que as damas da época não possuíam o que a tornava atraente por alguma razão. Acho que as pessoas são atraídas por aquilo que não entendem por isso mistérios, suspense e serial killers fazem tanto sucesso no cinema. De qualquer forma, Imp tinha uma aura misteriosa muito atraente.

 Casou-se alguns meses depois, aos vinte e três anos, com um homem respeitado, bonito e rico, tendo a aprovação dos pais. Dizem que foi amor à primeira vista. O casamento ia bem até completar três anos quando Imp engravidou pela segunda vez, de uma menina. O medo de que sua filha fosse arrancada de seus braços e passasse pelo o que ela passou começou a enlouquecê-la. Apesar de aparentemente ser uma mulher forte, bonita e respeitável, por dentro India estava devastada, quebrada. Possuía inúmeros questionamentos do por que foi obrigada a passar pelo o que passou, por que seus pais permitiram isso, por que ninguém se preocupou com a possibilidade dos lobos a matarem... Imp fugiu ainda grávida com seu filho de dois anos e se refugiou na floresta, a mesma em que havia passado boa parte da sua vida. Fonte de seus pesadelos, mas o único lugar em que realmente se sentia em casa, segura.

 Ninguém a encontrou e todos que chegaram perto de fazê-lo eram estraçalhados pelos animais que protegiam a casa e que cuidaram da mulher durante ambas as estadias dela ali. Meses se passaram e India deu a luz a uma menina loira, gorducha e saudável. Voltou para casa apenas quando o bebê estava com um ano, quando seria tarde demais para determinarem se ela iria ou não para a floresta.

Apesar de ter feito o que fez para proteger sua filha e impedir que esta passasse pelos horrores que ela tinha passado, Imp foi internada num manicômio assim que colocou os pés em casa tendo seus filhos arrancados de sua proteção. A mulher não estava louca, mas como havia jogado o nome da família praticamente na lama deveria ser punida e ficar o resto da vida sem poder ver ou tocar os filhos, aquilo que tanto lutou para proteger, deveria ser punição o suficiente. Aos poucos Imp enlouqueceu de verdade e em um dos seus poucos momentos de lucidez pintou aquele quadro, em que se retratou na floresta.

Mãos pra cima, projete-se

Ninguém está deixando este quarto por um minuto

Todo mundo está inalando esses fumos

Que estão nele

Doente das pessoas que tomam as decisões

India Morgan Phelps está enterrada nos fundos do manicômio em que passou mais de cinquenta anos. Seu marido se tornou um homem amargurado pela culpa do que havia feito com sua esposa, mas quando foi tira-la daquele lugar horrível já era tarde. Imp estava completamente louca. Os filhos nunca souberam o que aconteceu de verdade. Todos contavam a eles a história de que a mãe havia morrido pouco depois do nascimento da minha vó, Fate, em um acidente. Aquele quadro ficou no manicômio durante anos até meu bisavô recupera-lo e pendurar em seu quarto, por fim enlouquecendo também depois de tanto encara-lo, a culpa remoendo em suas entranhas.

Agora ele está pendurado na parede do meu quarto, a única pessoa viva que conhece a real história por trás dele, mas não porque sou uma pessoa curiosa ou porque estou seguindo os passos de Sherlock Holmes, mas porque uma pessoa me contou. Como um aviso. Um alerta. Uma ameaça.

Talvez eu esteja a um passo de me tornar o marido de Imp.

Ponha as mãos para cima, projete-se

Esperamos que Deus ainda vá nos perdoar

A respiração de ninguém

Quem deixou o mal entrar?

Às vezes me pergunto se a pintura é uma lembrança, um devaneio ou um desejo. Se India iria responder todas as minhas perguntas sobre o quadro e talvez contar a verdadeira história por trás daquilo caso estivesse viva. Mas ela não está e ficar pensando nisso é perda de tempo.

Volto à realidade quando meu celular vibra em um dos criados mudos. Encaro o quadro por mais alguns instantes, pensando que a India Morgan Phelps da pintura não estava sendo observada. Não estava com medo. Mas estava, em um momento de vislumbre do futuro e lucidez, se despedindo de tudo. Imaginei que ela estava se perguntando se deveria entrar na água e esquecer os problemas pela eternidade, mas olhava para trás pensando em tudo aquilo que já tinha feito e que deveria fazer, que sabia ou que queria descobrir... Pensando no real motivo de tudo aquilo. Exatamente como eu há algumas horas atrás. Ainda não tenho certeza se tomei à decisão certa ao sair do lago.

O que está na água?

Você está incomodado?

Qual é o problema aqui?

Volto a minha cadeira para a posição inicial e me certifico de que a tinta já secou, fechando e lacrando a carta com o selo da Família em seguida. Passo meus dedos sobre o símbolo em alto relevo me perguntando se voltarei a usa-lo algum dia com noticias melhores quem sabe. Coloco a carta dentro da caixa em que o presente está fechando tudo logo em seguida. Espreguiço-me na cadeira, ouvindo minhas costas estralarem para só então me levantar e pegar meu celular.

Algumas notificações do Twitter com indiretas de meus amigos e campistas sobre mim fazem com que meu estômago revire. Minha cabeça lateja pelo álcool ingerido algumas horas atrás e pelas preocupações que parecem se acumular cada vez mais na minha cabeça, por isso em vez de entrar na rede social e ler tudo e talvez responder, eu apenas encaro uma foto minha e de Dylan no fundo da tela antes de desligar o aparelho.

Observo Meninas Malvadas na tela plana da televisão do meu quarto, num volume tão baixo que mal consigo ouvir, enquanto caminho em direção ao closet, onde tiro meu pijama e visto um short jeans escuro, coturno roxo e uma regata azul escuro com o brasão de Hogwarts estampado. Observo a última peça de roupa por um tempo, lembrando-me de quando Newt Brooke o enviou pelo correio no meu aniversário.

Newt é um veterano da Coruja que entrou no Acampamento aos treze anos junto comigo, Jason e Elijah. Nas poucas vezes que conversamos ele foi educado e gentil comigo, o que era algo extraordinário para a época em que eu era o principal alvo de brincadeiras ruins. Nossa amizade começou mesmo quando eu era a última pessoa no Chalé das Larvas. Ele, ao contrário dos demais, não achava isso engraçado e vivia fazendo piadas ruins na tentativa de impedir que aquilo tudo me afetasse.

Suspiro fundo ao pensar que eu mal vi Newt no meu curto período no Acampamento. Pergunto-me como ele está se sentindo, se está falando com sua irmã mais nova e se está aproveitando sua ‘’última temporada’’. Sento-me diante da penteadeira afastando os pensamentos e encaro meus olhos claros rodeados por olheiras graças mais uma noite em claro e os vômitos por causa do álcool, as marcas de dedos no meu pescoço, o pequeno hematoma verde no queixo, o lábio vermelho rachado e a pele pálida apesar da exposição ao sol.

Passo a mão em meu cabelo comprido ondulado, sentindo a maciez apesar da finura dos fios, num claro indicio de queda. Começo a pentear meu cabelo em movimentos robóticos, encarando meu reflexo sem me ver. Fico alguns minutos pensando em nada enquanto luto com os nós. Observo o tom do céu pela janela sobre a minha cama e constato que tenho uma ou duas horas antes dos raios do sol começarem de fato a clarear South Lake Tahoe.

Largo o pente na superfície de madeira branca da penteadeira e passo as mãos nas marcas de dedos no meu pescoço, sentindo minha faringe inchada sob a pele, pensando que o causador dos meus ferimentos deve estar com sua faringe num estado bem pior que a minha neste momento, com não apenas sua garganta, mas sua pele, seus pulmões, seus ouvidos, todo seu corpo inchado pela água salgada do oceano, tornando-o um ser humano prestes a ter os órgãos explodidos como acontece com os mortos.

Balanço a cabeça negativamente e fecho os olhos, pensando em que momento exatamente eu me tornei uma pessoa que fala dos mortos como fala da previsão do tempo. Que da as costas as pessoas, as ignora e as deixa no escuro mesmo sabendo que isso vai a corroer por dentro. Em que momento eu parei de ter medo dos meus demônios e me tornei um.

Ooh, eu sei que quando você for para a Califórnia

Você nunca olhará para trás

Ooh, apenas um pouquinho pode fazer você se perguntar

Você tem isso

Tom começa a chutar com suas patinhas pretas enquanto dorme, se revirando no tapete ao lado da cama, provavelmente não dormindo muito bem por estar dentro de casa e não na floresta. Volto meus olhos para o meu reflexo, meus dedos fino com unhas compridas ainda encostando de leve nas marcas da minha garganta e tento novamente me lembrar de como isso aconteceu. Como eu consegui todos esses hematomas. Por que minhas unhas estavam cheias de sangue seco enquanto eu cavalgava em direção à Vila das Irmandades alguns dias atrás, depois de ter arrastado Joey Black por uma das pernas até uma fronteira do Acampamento e o deixado amarrado a uma árvore? Por que meus olhos estavam desfocados apesar de estarem arregalados? Por que os sons pareciam chegar abafados aos meus ouvidos, como se eu estivesse em baixo d’água?

Minha respiração se acelera e começo a tremer, com os olhos cheios de lágrimas. Eu prendi Joey Black por uma das pernas na cela de Fergus e o arrastei por quilômetros ouvindo seus gritos até que ele bateu a cabeça com força num tronco de árvore que meu cavalo negro pulara e ficou inconsciente. Eu passei as mãos pelo seu couro cabeludo ensanguentado enquanto o puxava para a árvore mais próxima e o sentava com as costas encostadas no tronco, prendendo-o ali com uma corda que estava num dos bolsos da cela. Eu chamei o símbolo da minha Família e mandei que ele chamasse os Piratas. Eu ordenei que o jogassem no oceano depois de extrair informações. Mas eu não me lembrava de ter feito nenhum dessas coisas até ver uma ave passar voando pela minha janela, sua silhueta iluminada pela luz da sacada do meu quarto.

Eu posso sentir isso descendo

Eu sentirei isso descer todo o caminho

Todo o caminho

Venha devagar, agora

Venha devagar, e então se arraste

Isso vem, e se solta

 Encaro um ponto do quarto sem ver de fato e tento controlar minha respiração e impedir que minhas lágrimas caiam. Fecho meus olhos com força e tento mudar o foco dos meus pensamentos confusos.

A música, a conversa e as risadas da festa acabaram tem uma hora. Stevie parou de bater na minha porta e o vi entrar no carro com Suzane Hagen, minha prima. Pergunto-me como ela pode sair com ele sabendo de tudo que Kingston fez. Quão poderosa é a lábia de Stevie, o herdeiro d’A Ordem? Boa suficiente para levar uma colegial estraçalhada pela morte do irmão para a cama? Sim. Boa o bastante para levar uma mulher para um motel qualquer? Aparentemente, sim também.

Sinto-me suja pelas coisas que fiz e falei, principalmente nos anos após a morte de Tommy. Sinto meus olhos arderem pelas lágrimas quando percebo que, apesar de não me deitar mais com qualquer homem, de não me drogar em banheiros imundos ou em qualquer outro lugar, de não assaltar lojas e dirigir em alta velocidade apenas pela adrenalina, eu não me tornei uma pessoa melhor. Enchi a cara por causa de uma aposta mesmo sabendo que passaria mal depois. Ordenei que torturassem um homem. Um homem que eu conhecia, que eu já havia visitado duas vezes, que me fizera rir apesar do olhar de ódio que os demais da sala me lançavam. Quase arranquei os olhos do mesmo com as próprias mãos enquanto ele tentava me sufocar. Quase arrancara a perna dele do resto do corpo enquanto o arrastava em direção ao mar.

Larguei meus amigos a própria sorte sabendo que sem mim para direciona-los as chances de ficarem bem são mínimas. É difícil lutar no escuro, mas é impossível lutar sem saber do inimigo. Sem vê-lo, sem senti-lo, sem estar preparado. E mesmo sabendo disso, larguei o Acampamento a própria sorte.

Ooh, eu sei que quando você for para a Califórnia

Você nunca olhará para trás

Ooh, apenas um pouquinho pode fazer você se perguntar

O quarto começa a me sufocar, por isso pego Tom com cuidado nos braços depois de tomar outra aspirina, desço as escadas e abro a porta do meu quarto, apesar de ser quase cinco da manhã. O segundo andar está relativamente silencioso. Ouço o pendulo do relógio do escritório balançar, Mickey roncando suavemente no seu quarto no corredor à esquerda e alguém tomando um banho rápido no quarto do andar inferior.

No corredor estreito que é separado do resto da casa por uma porta de madeira escura e pesada que está sempre fechada, ficam os quartos dos fundos para os empregados dormirem. É como se eles nem estivessem ali. Raramente as molas das camas rangem ou alguém ronca. É como se eles não quisessem incomodar mesmo enquanto dormem. Como se temessem provocar a ira da minha Família mesmo nos seus sonhos.

Ouço vozes baixas vindas da sala de jogos, o que me faz supor que ou alguém está tendo insônia ou dormiu no sofá. Caminho silenciosamente pelo corredor largo e bem iluminado pelas janelas e lustres pendurados nas paredes creme que fica defronte a porta do meu quarto. Passo pela biblioteca, escritório, sala de música, lavabo e paro em frente à porta de madeira dupla, que está entre aberta, da sala de jogos.

 A sala fica a direita do final do corredor defronte a pequena cozinha do segundo andar que é abastecida por um frigobar e armários cheios de comida e bebida para lanches rápidos. Antes de olhar pela fresta, volto meus olhos para a janela do final do corredor e observo o lago e parte da floresta. Vejo algumas corujas caçarem e os cães da propriedade rondarem a casa, acompanhados por seguranças. A mesinha redonda de madeira que está abaixo da janela sem cortinas possui um abajur de tamanho médio apagado e um porta retrato.

Pego o pequeno porta retrato e olho as duas fotos. Em uma delas, minha mãe segura um Tommy bebê dormindo e meu pai me segura enquanto eu tento olhar algo sobre seu ombro. Todos nós estávamos vestindo branco e apenas as bocas dos meus pais são visíveis. A aliança de minha mãe chama atenção, quase no centro da foto e seus cabelos loiros estão mais curtos e escuros. Meu pai não aparenta ser a pessoa rígida que é. Mas ninguém parece feliz na foto apesar do nascimento recente dos gêmeos.

Na foto ao lado Tommy e eu devíamos ter mais ou menos um ano. Ambos estávamos vestidos de ursinhos – ele de marrom e eu de branco. Ambos riamos provavelmente de uma das caretas de nosso primo mais novo, Apolo, em uma das viagens que fizemos a casa de nossos avós. Sei que não estamos em casa pelo tapete e sofá branco. Minha mãe detesta móveis e itens de decoração dessa cor, principalmente depois que teve filhos. Nossos olhos ainda eram um pouco escuros e nossas bochechas salientes o que nos deixava ainda mais fofos naquela roupa. Minha vó tem uma cópia dessa foto na sua casa e lembro-me perfeitamente de Apolo irritando a mim e a Tommy por causa da aparência fofa e os bochechões anos mais tarde. Lembro-me também como todos esconderam as fotos de Tommy quando ele morreu.

Fungo e sinto mais uma vez meus olhos se encherem de lágrimas. Coloco o porta retrato no lugar quando Tom se mexe no meu braço livre quase caindo, mas mesmo assim sem acordar. Olho pela fresta da porta dupla de madeira a sala de jogos e encontro Richard esparramado no sofá, roncando profundamente, cercado de garrafas de cerveja. A televisão está ligada num canal qualquer e as janelas e cortinas grossas fechadas. Abro a porta silenciosamente e entro no aposento, caminhando em direção à mesa de centro onde o controle repousa. Depois de desligar a TV e colocar Tom no sofá, junto todas as garrafas e as deposito sobre o tampo de vidro da mesinha, ao lado do controle, e desligo o ar condicionado. Em breve a temperatura da sala de televisão vai subir o que acordará Richard, obrigando-o a jogar as garrafas no lixo e ir para o seu quarto, talvez me xingando hoje, mas agradecendo amanhã por tê-lo livrado de uma bronca da governanta da casa.

Olho os vídeo games, DVDs, caixas de som, box de séries e outras coisas na estante de madeira escura que ocupa uma parede inteira com a televisão de tela plana no centro. Os sofás macios e espaçosos quase do tamanho de camas de um vermelho claro. O chão de madeira clara com um tapete macio com a mesa de centro sobre. As duas grandes janelas que dão acesso à varanda do andar. Como essa sala fica num dos cantos da casa, uma janela está na parede da direita, se você estiver vendo tudo da porta, e a outra na parede defronte a entrada. As cortinas brancas com detalhes em vermelho enquadram as janelas e impossibilitam que a luz do por do sol refletido pelo lago impeça de ver a programação. Lembro-me de pular e deitar naquele sofá com Tommy enquanto víamos nossos desenhos animados. De correr ao redor do segundo andar pela sacada enquanto brincávamos de esconde-esconde.

Reparo na mesinha atrás do sofá com um vaso de flores ao centro e encaro os dois porta retratos. Em um deles, minha mãe segura um Tommy de três anos no colo. Meu irmão tem seus cabelos loiros claros sob um boné azul escuro com um símbolo bordado em branco. A camisa branca com listras verticais azuis quase chega aos seus joelhos impedindo de ver a bermuda jeans clara por baixo. Ele come o pão de um possível cachorro quente e seus olhos azuis como o céu de verão olham para a câmera, levemente curiosos. Minha mãe o segura no colo, seu cabelo loiro da mesma cor que o de Tommy comprido e preso em duas tranças bagunçadas. Ela usa um boné parecido com o do meu irmão virado para trás e óculos de sol no rosto. Uma camiseta cinza com detalhes brancos e azuis escuros e uma calça jeans fazem com que Tommy pareça uma miniatura modificada do seu estilo. Ela está ocupada demais olhando para o jogo de futebol americano para que possa olhar para a câmera e como seu cabelo cobre seu rosto é difícil reconhecê-la.

Na outra foto, eu com cinco anos estou sentada com as pernas cruzadas no iate de meu avô. Meu cabelo castanho está preso em duas tranças extremamente bagunçadas e o vestido de mangas compridas branco com detalhes em azul escuro quase deixam minha calcinha à mostra. Lembro-me que a meia fina e o sapato branco me incomodavam na hora de brincar, por isso eu não estava com o sorriso mais feliz do mundo, ao contrário de Tommy que quase caíra duas vezes do iate naquele passeio.

Pergunto-me onde foi parar a versão de Leona Manson que segurava seu filho no colo e o levava a jogos de futebol, passeios de barco, festas, parques... Que o presenteava com inúmeros bichinhos de pelúcia e carrinhos conforme ele foi crescendo. Que o vestia como um rapazinho comportado, mas que deixava ele  correr descalço com os primos. Onde a versão amorosa e preocupada de minha mãe foi parar? Lembro-me como Tommy chorava a noite, às vezes indo dormir comigo sem se importar que os primos mais velhos rissem dele por isso depois. Um menininho perdido, que de repente perdeu o afeto e o amor da mãe, que foi excluído das fotos, que aos poucos foi ficando cada vez mais em casa. Que foi perdendo muito mais que isso ao longo dos anos.

Pego Tom no colo e saio da sala de televisão que também começa a me sufocar, encostando a porta. Paro na soleira da mesma e respiro fundo. Encaro a fotografia em que minha versão de um ano com Tommy, ambos vestidos de ursos sorriem e me pergunto onde diabos eu estava quando meu irmão precisava de mim. Porque, ao contrário dele, eu não posso falar ‘’desculpe-me, mas eu estava morto quando minha irmã precisou de mim’’.

Algemado e eu pensei em você

Eu fiz amor e eu pensei em você

Meu pai morreu, eu só pensei em você

Minha irmã chorou e minha mãe também

Dou às costas as fotografias e ando novamente pelo corredor, ignorando os quadros e porta retratos pendurados na parede. Desço as escadas e encontro o primeiro andar incrivelmente arrumado levando em conta que em apenas algumas horas atrás uma festa repleta de jovens bêbados acontecera ali. Ouço a Sra. Popps se deitar em seu quarto no térreo.

Caminho para a porta francesa que dá acesso a varanda e assim que a brisa da noite nos toca Thomas se remexe no meu colo despertando. Aguardo alguns instantes até que minha raposa vermelha esteja completamente desperta e a coloco no chão, apoiando meu quadril no parapeito de madeira caramelo. Tom corre em direção à floresta e desaparece no meio da escuridão da noite. Fico alguns minutos sentindo a brisa fresca da Califórnia tocar minha pele e balançar de leve meu cabelo, fazendo com que eu me sinta viva. Observo a lua cheia refletida no lago onde a água praticamente não se mexe. Fico em silêncio alguns minutos, ignorando os cães e as pessoas que fazem a segurança da propriedade e tento me lembrar de quando foi a última vez que eu me senti em casa.

Ottawa é uma ótima cidade e eu amo o Canadá, mas passei pouca parte da minha infância na casa da minha Família. As casas na Europa sempre me pareceram casas de veraneio, aquelas que você vai passar férias divertidas, mas sabe que uma hora vai precisar voltar então nunca as chamei de lar, apesar da família dos meus pais morarem no país. A casa da Califórnia, essa em que estou agora, foi a minha preferida por muito tempo, pois era sempre aqui que eu me encontrava com Thomas e nossos pais, principalmente nos feriados.

Eu passava boa parte do ano em Ottawa ou no centro de treinamento, então apesar de estar na mesma casa que meu irmão eu não o via muito pelo fato da minha agenda estar sempre cheia. Quando íamos para a Europa nas férias de verão tínhamos que dar atenção aos familiares, ir a compromissos e festas. Tommy passava boa parte do tempo com Apolo, Evan e Joseph, nossos primos mais velhos, enquanto eu ficava com Daniel e Ursula, irmãos dos outros três. Tommy ficava mais com os homens e eu com as mulheres e conforme sua doença foi progredindo e o impedindo de brincar com os demais ele passava mais tempo dentro de casa com Daniel que o entendia melhor do que eu jamais poderia.

Portanto, era na Califórnia sem aulas, treinos e parentes que eu e meu irmão conversávamos, brincávamos e agíamos mais como duas crianças normais. Nossos pais iam a inúmeras festas de vizinhos e parentes dessa região principalmente para manter as aparências, mas ao contrario do que acontecia no Canadá ou na Europa, eles não me obrigavam a ir junto e deixavam Tommy aos cuidados da governanta. Eu ficava em casa com ele vendo televisão até tarde, comendo besteiras e divertindo Mickey, que já era meu guarda-costas naquela época.

Consegui um lugar, e eu pensei em você

Tentei decorar e eu pensei em você

Estou vendo vermelho, mas eu estou cantando azul

Nunca soube que o preto e o branco iriam te servir também

Porém, foi também na Califórnia que meu irmão gêmeo deu seu último suspiro. Numa praia a quase quatro horas de South Lake Tahoe meu irmão teve sua boca, garganta e pulmões invadido pela água salgada do mar, o afogando. Meu irmão gêmeo teve seus órgãos cheios por esse liquido que veio a matar. No oceano, Thomas Ian Manson teve seu corpo inchado ao ponto de explodir como acontece com os mortos. Assim como Joey Black.

Quando percebo, lágrimas salgadas escorrem pelas minhas bochechas atingindo a minha boca ou pingando do meu queixo, salgadas como a água do mar. Seco meu rosto com rapidez e até um pouco de violência sentindo o peso da culpa pesar sobre os meus ombros, o nó da minha garganta parecer aumentar assim como o peso no meu peito.

Ao contrário de Tommy, Joey não morreu para salvar seu irmão mais novo ou por causa de um acidente. Morreu porque foi condenado a morte. Condenado por mim que mesmo sabendo que Joey cometeu mais erros que acertos na vida, mesmo sabendo a qual família ele pertencia, mesmo sabendo que acrescentaria essa culpa a minha consciência e mesmo sabendo que não sou eu quem deveria decidir a hora de sua morte ou julga-lo por suas escolhas, decretei a sentença de seu óbito como uma espécie de deus que tem algum controle sobre a vida.

Balanço minha cabeça tentando afastar Black dos meus pensamentos e penso que afinal de contas, era ele ou eu.

Sinto um bafo quente nas minhas canelas e olho assustada para o chão onde um Golden Retriever caramelo me encara com olhos escuros sorridentes. Involuntariamente sorrio para ele e me agacho no chão de madeira da varanda e passo as mãos pelo seu pelo comprido e macio.

— Oi Luck – falo. – Achei que você estava com o velho Joe... Alguém está bem longe de casa, não é mesmo?

O cachorro late baixo e coloca a língua para fora. Rio pelo nariz enquanto me levanto e entro na casa, fazendo sinal para que ele me siga. Luck tem dez anos e era o cachorro do meu irmão. Tommy ficou muito deprimido quando descobriu sua doença e comigo cada vez mais ausente assim como nossos pais ele foi entrando em depressão. Na tentativa de reverter o quadro e num estranho momento de carinho com Tommy depois de anos, minha mãe comprou o Golden Retriever quando Thomas tinha seis anos. Luck tinha apenas alguns meses de vida e ele e meu irmão se deram bem logo de cara, virando companheiros inseparáveis.

Sempre o trazíamos para a Califórnia quando víamos para cá e apesar de ter ciúmes de Tommy o cão nunca pareceu se importar de dividir a atenção do garoto comigo. Depois que meu irmão morreu Luck ficou dias sem comer e dormir direito, me fazendo companhia enquanto eu, num estado parecido, encarava o quadro de Imp perguntando-me por que eu não havia morrido no lugar.

Hoje, quase sete anos depois, cheguei à conclusão de que sou um ser humano tão horrível que não mereço algo tão bom quanto morrer. Dormir sem acordar, um sonho sem pesadelos, sem problemas. Uma batida de carro, o barulho e depois nada. Sentir o vento passar pela sua pele com o grito das pessoas na calçada e depois apenas o silêncio. Sem a dor do impacto, da queda. Mas se até mesmo Tommy, a pessoa com o coração mais puro que já conheci, morreu de forma dolorosa por que eu, a culpada por essa morte e tantas outras, morreria de forma indolor? Eu não mereço algo tão bom.

Alguém, alguém, por favor

Eu estou implorando

Eu estou até de joelhos

Eu tenho uma dúzia de inseguranças

Mas eu não acho que você deveria estar preocupada por mim

Não, eu não acho que você deveria estar preocupada por mim

Luck se deita no tapete da sala de TV do primeiro andar, completamente alheio aos meus pensamentos enquanto eu caminho até a cozinha. Apesar de saber que Luck talvez fosse mais feliz morando em outro lugar não pude fazer muita coisa quando o cão se recusou a deixar a casa, mas como também não podia simplesmente larga-lo aqui e retornar para Ottawa, deixei que o velho Joe cuidasse do animal. Assim, Joe e Luck tem companhia durante o ano inteiro e eu posso ter o prazer de ver o cachorro quando esse acha que eu valho o esforço de descer a montanha.

Observo o céu pela janela da cozinha e vejo aos poucos a escuridão da noite ir diminuindo. Abro a geladeira de inox e depois de fazer um sanduiche de salame e colocar um pouco de suco de melão no meu copo – rindo quando penso no que Lucian diria se me visse escolhendo esse sabor –, deixo meu prato e copo no granito da ilha que se encontra no meio da cozinha e procuro dois potes que sejam adequados para eu colocar um pouco de água e comida para Luck. Depois de fazer isso, volto para a sala de TV com duas bandejas, uma em cada mão, e as pouso sobre a mesa da sala de jantar.

A sala de jantar e TV estão conectadas num conceito aberto e o sofá e o armário de madeira da mesma altura delimitam o espaço. Um pequeno degrau e um arco permitem que você passe da sala de estar para aquele espaço. Se você estiver observando o cômodo por esse ponto verá a sua esquerda uma mesa de dez lugares com tampo de vidro e um enorme vaso de rosas no centro. As cadeiras com estofado de tecido claro combinam com a cor do sofá do outro lado. Na parede da esquerda um enorme armário de madeira escura com portas de vidro permite que os pratos de porcelana, taças de cristal e a prataria fiquem a vista. Um enorme lustre de cristal fica em cima da mesa e a enorme janela defronte ao arco possibilita a vista para o lago e o cais. Do lado oposto ao armário de madeira com a louça, um armário da mesma cor e da altura do sofá com um vaso chinês, um relógio antigo e um porta retrato onde uma enorme mesa com toalha branca está cheia de pratos e comida, com incontáveis pessoas sentadas ao redor. A mesa está no meio da plantação de meu avô na Europa o que deixa tudo com um ar mágico. Apesar de não me lembrar, sei que aquela foto foi tirada no aniversário de um ano meu e de Tommy.

Portanto, é o armário com o vaso chinês de costas para um dos sofás que separa uma sala da outra. Do lado direito do cômodo, dois sofás e três poltronas rodeiam um tapete peludo cinza sob a mesinha de centro com tampo de vidro. Algumas almofadas coloridas estão sobre os sofás confortáveis enquanto as poltronas com estampa florida permanecem vazias. Na parede da extrema direita a televisão de plasma ocupa grande parte sendo localizada no centro. Um raque de madeira com gavetas e prateleiras de vidro fica logo abaixo. Ao contrário da sala de jogos esta sala não possui vídeo games, filmes nem nada muito tecnológico. Essa área é mais voltada para o sinal de TV a cabo portanto, ao contrário do que a maioria acredita, nas gavetas não estão CDs e DVDs, mas sim alguns cobertores e travesseiros. Nas prateleiras de vidro, abaixo de alguns equipamentos eletrônicos, uma foto de Tommy e minha mãe no dia das bodas de ouro dos meus avós.

Minha mãe está vestindo um blazer rosa claro sobre a camisa branca larguinha e uma calça jeans clara com rasgos num joelho. Algumas pulseiras pratas e douradas nos pulsos combinam com o anel em sua mão. Seu cabelo, assim como o de Tommy, está mais escuro, solto e ondulado e sua maquiagem está perfeita. Ela parece dizer algo a meu irmão enquanto arruma o terno branco e azul claro que o mesmo veste. Tommy não parece muito feliz, apenas entediado. Seu cabelo está bem penteado com gel, sua calça branca bem passada assim como a camisa da mesma cor. Tommy já tinha uns seis anos e já sabíamos da sua doença. Aquele foi um dos raros momentos em que minha mãe lhe deu atenção depois que descobriu que seu filho perfeito não era tão perfeito assim.

De cada lado da TV um quadro com pinturas que não fazem o menor sentido para mim, mas que contrastam com a parede areia. Ao lado da janela da sala de jantar, a janela da sala de televisão que tem praticamente a mesma vista, com alguma parte da floresta e das montanhas. Ambas as janelas possuem cortinas creme que naquele momento estavam abertas.

A luz do abajur de chão da sala de TV está acesso de modo que consigo andar por ali sem precisar acender o lustre. Depois de colocar as bandejas na mesa e ligar a televisão, coloco os potes de Luck no chão, fora do tapete para não correr o risco de suja-lo. Sento-me no sofá que fica de frente para a tela plana com a bandeja no colo e começo a procurar algo de útil para ver enquanto como, gesto imitado por Luck. Minutos depois, quando ambos já terminamos nossas refeições e os raios de sol começam a aparecer com mais empenho, eu ainda não achei nada para ver. Luck está deitado no tapete a minha frente e parece tão entediado quanto eu. Tiro meus coturnos e deito-me cansada de procurar.

Paro num canal em que passa um filme de romance qualquer quase na metade e não me esforço para tentar entender a história. Luck não demora muito para dormir e aos poucos sinto minha preguiça aumentar e o sono vir. Com medo de me mexer para desligar a televisão e acabar perdendo o sono, deixo o equipamento ligado, correndo o risco de levar uma bronca da Sra. Popps, e caio no inconsciente encarando a foto de Tommy, ouvindo sua gargalhada ao longe.

Ooh, eu sei que quando você for para a Califórnia

Você nunca olhará para trás

Ooh, apenas um pouquinho pode fazer você se perguntar

Você tem isso

 

(Manhã).

Acordo me sentando rapidamente com o coração disparado, a respiração acelerada e os olhos arregalados, vendo tudo embaçado. Pisco algumas vezes tentando enxergar e me localizar, sentindo uma leve tontura pelo movimento brusco feito. Demoro alguns segundos para perceber que estou na sala de TV do térreo, com Luck dormindo calmamente ao meu lado e com a televisão ligada. As informações do ambiente chegam até a mim confusas e meu cérebro parece ser incapaz de processa-las, como se eu estivesse tentando ler um dos livros em braile de Tommy. Demoro a entender que os sons de tiros e explosões vêm da tela plana e que eu estou segura em casa. Ou tão segura quanto o possível para alguém como eu.

Amaldiçoando o equipamento e o meu eu que dormiu com ele ligado, desligo a TV sem qualquer resquício de sono. Sabendo que tentar voltar dormir é inútil, sento-me e coloco meus coturnos encarando o pó seco na sola, apesar de não ter saído da casa com ele. Dando de ombros, levanto-me com cuidado para não pisar em Luck e caminho até o lavabo onde lavo meu rosto tentando tirar a cara de sono. Percebo que estou um pouco suada, provavelmente devido ao sonho inquieto e penso em trocar de roupa, por isso saio do lavabo e subo a escada o mais silenciosamente possível.

O relógio velho de pendulo do escritório no segundo andar, que eu consigo ver enquanto passo pela porta aberta, me informa que são seis da manhã e que eu tenho uma hora antes que os empregados levantem. Depois de passar pela porta do meu quarto e fecha-la, subo a escada que leva ao meu quarto e tiro o coturno colocando-o no chão do closet enquanto encaro meu reflexo no espelho pensando no que fazer.

Meu tio chegará por volta das três da tarde o que me dá oito horas livres. Oito horas que eu não posso passar dentro dessa casa, cercada de empregados e seguranças, me sentindo sufocada a ponto de querer correr e gritar. Eu precisava de um banho e de algo que me ocupasse por tanto tempo, de preferência longe de tantos olhares.

Decidi pensar enquanto tomava uma ducha para me livrar daquele suor grudento. Após me despir e colocar toda a minha roupa no cesto, liguei o chuveiro e fechei os olhos enquanto sentia a água bater contra minha pele clara, acalmando meus nervos e anestesiando meu cérebro. As palmas da minha mão e joelhos arderam por estarem ralados como se eu tivesse caído no asfalto, algo que eu não me lembrava de ter feito. Preferindo ignorar a dor e questionamentos que começaram a invadir minha mente, lavei meu cabelo e minha pele desligando o chuveiro e me enrolando na toalha macia em seguida.

Após me secar e pentear meu cabelo, abri a janela do banheiro e observei o maravilhoso tom verde da floresta graças ao sol. Voltei para o closet e vesti uma saia com estampa de flores rodada na metade das minhas cochas, uma camiseta preta de renda que deixou parte da minha barriga a mostra e um tênis com pouco salto preto. Deixei meu cabelo solto para que secasse naturalmente e coloquei alguns acessórios. Depois de passar protetor e um pouco de maquiagem, peguei uma bolsa onde coloquei um casaco leve e outros objetos que eu poderia vir a utilizar.

Enquanto arrumava meu quarto rapidamente e conferia se tinha feito tudo que precisava com meu destino em mente, avistei dois frascos alaranjados cheios de comprimidos em cima do criado mudo ao lado da minha cama. Peguei ambos e tomei uma pílula de cada, mastigando por causa da minha dificuldade em ingerir comprimidos. Comi balas de gelatina para aliviar o gosto ruim e guardei um dos frascos na gaveta, pegando minha bolsa e descendo silenciosamente as escadas.

Observo o frasco que ainda está na minha mão, vendo a figurinha de uma cara amarela sorridente e Happy Pills escrito com caneta de CD. Tomo essas pílulas desde que me lembro, mas as doses se tornaram mais concentradas depois que Tommy morreu. Não sei direito para o que elas servem, pois os médicos só falam com meus pais, mas sei que tem algo haver com prevenir que eu me torne uma suicida de fato já que eu sou uma suicida em potencial. Esses círculos coloridos inibem alguns pulsos nervosos fazendo com que eu seja uma pessoa quase incapaz de sentir com muita intensidade. Sou capaz de sentir alegria, tristeza, sabor de comidas, fragrâncias, mas tudo é meio desbotado. Às vezes me pergunto o motivo real de tudo isso. E como meus amigos conseguem conviver com uma pessoa como eu, incapaz de sentir qualquer coisa de verdade. 

Impedindo que pensamentos conspiratórios tomem conta do meu ser, coloco minha bolsa sobre uma poltrona na sala de estar e caminho para a sala de TV onde Luck e Tom brincam no tapete. Sorrio ao ver essa cena e dou uma risada nasalada que chama a atenção dos animais que vêm até mim e me seguem para a cozinha.

Olho meu relógio de pulso e percebo que tenho trinta minutos antes dos empregados saírem dos seus aposentos, por isso acelero o passo e fecho a porta da cozinha ao passar.

Os móveis de madeira branca contrastam com a parede de azulejos amarelos. A janela em cima da pia de mármore escuro está com as persianas brancas abaixadas e assim que as abro o sol da manhã invade o cômodo. Todos os eletrodomésticos são de inox e as luminárias em cima da ilha são fios pretos com lâmpadas penduradas na ponta com potes de vidro ao redor, o que dá um ar personalizado ao ambiente.

Pego um prato e uma xicara da pilha colorida do armário de madeira escura sem portas e as coloco em cima da ilha, caminhando até a geladeira e pegando um pote com salada sem tempero, maionese, queijo e um pouco de carne temperada. Viro-me com a intenção de abrir a janela, mas quase caio quando Luck começa a brincar de ficar passando por entre minhas pernas. Rio e faço carinho em suas costas com o pé antes de voltar aos meus afazeres.

Coloco uma frigideira no fogão e acendo a chama, colocando um pouco de óleo enquanto abro o único armário com portas amarelas da cozinha, que vai do chão até o teto, e pego um saco com pães e pó de café. Tom observa minha movimentação e a de Luck, que ainda está andando entre minhas pernas, sentado na frente da porta azul turquesa com preto que da para a varanda dos fundos. Graças ao fato da porta possuir vidro eu consigo ver o lado de fora sem problemas.

Depois de colocar água e café na cafeteira, passar maionese num pão e colocar cinco pedaços de carne para fritar, abro a janela da cozinha e me sento na ilha, o que faz com que Luck se sente aos meus pés e fique me encarando nem um pouco feliz por eu ter acabado com sua diversão. Rio de forma nasalada e vou até a dispensa pegando quatro potes para cachorro. Encho dois deles com água e os coloco perto de onde Tom está, vendo meus acompanhantes beberem felizes. Depois de colocar um pedaço de carne no meu pão com salada, divido os restantes entre Luck e Tom e coloco seus potes no chão para que eles possam comer.

Sento-me ao redor da ilha numa banqueta preta da cozinha e como em silêncio, ouvindo ocasionalmente os pássaros do lado de fora. O cheiro de café impregna na cozinha e encho minha xícara depois de colocar meu prato e a frigideira na pia. Tomo meu café enquanto caminho para a porta azul turquesa e saio para a varanda dos fundos. Sento-me nos degraus que dão para o jardim e observo aos poucos o lago se iluminar pelos raios de sol e assumir um tom azul, lilás, rosado e uma mistura de amarelo com laranja, refletindo o céu. A pequena ilha no meio do lago me parece um ótimo lugar para ficar sozinho pelo fato de não possuir contato com os arredores.

Tom esfrega sua pequena cabeça avermelhada no meu braço, encostando seu focinho preto úmido na minha mão quando faço carinho em sua cabeça.

— Não Thomas – falo brava quando ele lambe meu braço, abanando o rabo peludo feliz. – Seu nojento! Não quero ficar cheirando a bife mal passado comido por uma raposa.

Tom sorri para mim, mostrando aqueles dentinhos pontudos e transformando seus olhos castanhos escuros em fendas contentes antes de me focinhar uma ultima vez e correr em direção à floresta, tendo seu lugar logo ocupado por Luck.

— Espero que ele saiba que estou indo dar uma volta e que não vou esperar ele voltar – falo para o cão, virando a caneca em seguida.

Luck responde com um latido baixo e fica alguns minutos sentado ao meu lado observando a paisagem. Passo um braço por seu corpo e encosto minha cabeça na sua enquanto tento impedir que meus pensamentos corram livremente em direção ao Acampamento. Apesar de me impedir de sentir as Happy Pills infelizmente não impedem meus pensamentos de correrem livremente, o que no meu ponto de vista é bem mais torturante que sentir. Penso que se passaram três dias desde que sai do Acampamento e que é natural meus amigos pararem de me procurar e que isso é bom porque significa que eles voltaram aos seus afazeres, mas não posso evitar pensar que isso significa que não sou uma pessoa difícil de esquecer.

Quando percebo que não pensar está se tornado uma missão impossível, levanto-me e entro na cozinha, sendo seguida pelo melhor amigo do meu irmão. Depois de fechar a porta e colocar minha caneca na pia, abro a porta da cozinha e confiro se a casa continua silenciosa. Ouço molas rangendo levemente e passos suaves no segundo andar, por isso corro em direção a minha bolsa e pego minha escova de dentes e pasta, indo até o lavabo do térreo fazer minha higiene pessoal.

Depois de dar um remédio anti-enjoo para Luck e conferir se não me esqueci de nada, escrevo um bilhete no caderno de anotações da cozinha.

Bom dia Sra. Popps,

Vou estar fora de casa até às 15h. Lembrando que meu tio chegará nesse horário, peço que não se esqueça de preparar algo do agrado dele para saborearmos no decorrer de sua estadia. Arrume um quarto para ele e caso eu me atrase mantenha-o entretido.

Diga a Richard e Mickey que fui sozinha, mas que não irei longe da propriedade e que estou com Luck, por isso não há com o que se preocupar. Não atenderei ligações.

Do mais tardar.

Enamor.

Deixei o bilhete num local visível e caminhei para a garagem com Luck nos meus calcanhares e os sons da casa aumentando. Após ter fechado a pesada porta de correr estilo celeiro da garagem, peguei a chave do range rover branco mesmo sabendo que Luck preferiria ir no conversível. Abri o carro e coloquei minha bolsa no chão do banco do passageiro depois de Luck ter se sentado no lugar. Fechei a porta e contornei o carro sentando no banco do motorista, colocando meu cinto de segurança e ligando o motor enquanto o portão da garagem abria. 

Saí de ré e fechei a garagem antes de acelerar pela estrada em direção ao portão, abrindo a janela de Luck quando ele latiu ao meu lado. Olhei a casa pelo espelho retrovisor a tempo de ver alguns empregados abrindo as cortinas e janelas. Suspirei fundo e voltei meus olhos pelo caminho enquanto mudava de CD pelo controle do volante.

Alguns minutos mais tarde, depois de algumas curvas suaves e apenas ouvindo os sons do carro, do vento e da música avistei o pesado portão de ferro negro com o símbolo da Família fechado. Olhei para o meu lado direito pelo canto do olho e observei Luck com seu pelo esvoaçante e língua de fora com os olhos fechados e um sorriso de cachorro sentindo o vento. Passei a mão pela sua cabeça e ele arfou feliz, me fazendo sorrir e me lembrar sem querer Shot, o alfa do Acampamento. 

Voltei os olhos para o caminho apertando o volante com força e me amaldiçoando por não conseguir deixar o Acampamento para trás.

Você tinha uma cama feita
E todas essas memórias preciosas
Você teve que fugir
Você está olhando para esse palco maior
 

Voltei os olhos para o caminho apertando o volante com força e me amaldiçoando por não conseguir deixar o Acampamento para trás.

Diminui há alguns metros do portão e abaixei o volume da música enquanto o guarda se aproximava. Enquanto esperava alguma atitude vinda de sua parte, me inclinei sobre o câmbio automático e procurei meus óculos de sol no porta treco, voltando a me sentar corretamente depois de tê-lo colocado.

— Srta. Enamor – o homem de terno e cabelo com gel falou.

— Bom dia – disse.

— A senhorita vai sair sozinha? – ele perguntou.

— Sim.

O homem hesitou durante alguns segundos, mas diante do meu olhar firme ele apenas engoliu em seco sem retrucar e fez sinal para que abrissem os portões. Enquanto aguardava, olhei pelo espelho retrovisor uma figura esquia de estatura mediana e capa vermelha parada atrás do carro. Senti os pelos da minha nuca se eriçarem diante do olhar penetrante da figura encapuzada que não parecia se importar com a brisa que balançava sua capa e seus cabelos compridos. Engoli em seco e pisquei, não vendo ninguém atrás do carro quando voltei a olhar.

O portão estava aberto. Minhas mãos se fecharam ainda mais contra volante e eu acelerei, passando pelos homens e pelos muros da propriedade sem hesitar, virando para a direita em direção a Emerald Bay. Oito minutos depois estacionei a alguns metros do chalé de madeira do velho Joe.

Daquele ponto era possível ver boa parte do lago e da floresta pelo fato da casa ficar quase no topo da montanha. O nascer do sol dava ao lago um tom azulado e a floresta parecia ser de um verde não real. Tirei meu cinto e peguei minha bolsa, voltando meu olhar para o chalé.

A varanda de madeira na frente do imóvel está com alguns sacos de lenha encostados à parede, uma galocha e uma espingarda apoiada ao lado da porta principal. O telhado verde está com alguns pontos desbotados e a chaminé por onde sai fumaça me informa que Joe está em casa ou que saiu há pouco tempo. A janela da frente está com as cortinas brancas abertas e por ela passa uma luz amarelada, assim como na janela da lateral esquerda que possibilita ver o abajur da sala. A madeira do chalé deitada numa imitação de tronco de árvore brilhando me informou que o dono da casa envernizou tudo há pouco tempo.

Do lado de fora, na lateral da casa uma mesa de piquenique vazia com os bancos maltratados pelo tempo. Observei que Joe havia colocado uma lâmpada em uma das inúmeras árvores que cercam sua casa. A garagem está fechada assim como o galpão e o portão de madeira preso por um cadeado que tive que abrir para entrar no terreno depois de descer do carro acompanhada de Luck. O cão latiu anunciando nossa chegada e correu atrás de uns pássaros que estavam sobre a grama e a terra do terreno de Joe.

Sorri de lado e acenei para o velho jardineiro que espiou o movimento pelo vidro da porta antes de abri-la e se encostar-se a uma das pilastras de madeira que sustentam o telhado verde da varanda. Joe acenou com a cabeça coçando sua barba de um grisalho predominantemente branco.

— Estava me perguntando quando você iria me visitar depois da festa de ontem – ele disse com sua voz rouca e forte com um leve sotaque do interior.

Ri pelo nariz antes de fechar o cadeado e caminhar até ele.

— Como soube da festa? – perguntei colocando minha mão esquerda no seu ombro direito ao passar por ele e entrar no chalé.

Joe deu de ombros antes de me acompanhar, encostando a porta ao passar.

— Patrick passou aqui com aquele namorado não tem muito tempo. Queriam saber se a caça aos patos já havia começado e essas coisas. O namorado dele pediu algumas dicas já que está trabalhando numa floricultura ou algo assim – Joe deu de ombros antes de apontar para uma das cadeiras de madeira da cozinha e caminhar para o fogão a lenha. – Soube que Kingston estava lá e que você fez uma aposta idiota.

Sentei-me a mesa de madeira clara sem nenhum enfeite e coloquei minha bolsa na cadeira ao lado antes de responder. O primeiro cômodo da casa de Joe é a sala de jantar junto com a cozinha. A mesa de madeira com quatro cadeiras estofadas logo abaixo da janela da frente com cortinas brancas fica ao lado o fogão a lenha que esquenta o pequeno imóvel. Uma geladeira, um fogão e uma pia são cercados por armários de madeira branca que contrastam com a parede escura. Na parede estão penduradas algumas fotos de Joe pré-adolescente com seu pai pescando, com uns dezesseis anos consertando um carro com o irmão mais velho, criança no meio do jardim da mãe na casa simples que morou durante a infância e adulto com alguns amigos num bar e numa viagem.

A pia fica defronte a janela da frente. Uma porta entre a pia e a despensa dá acesso à sala de TV onde um sofá azul de três lugares e uma poltrona de couro preto são os únicos lugares para sentar. Um tapete persa velho cobre o chão de madeira e separa os cômodos. A janela da esquerda tem vista para a mesa de piquenique enquanto a da direita mostra o lago alguns quilômetros abaixo. Móveis de madeira com abajur, fotos, livros e outras coisas estão espalhados pelo local de forma organizada. Armas penduradas nas paredes ao lado de fotos de Joe caçando me davam arrepios quando pequena, mas hoje em dia nem me importo.

Um corredor pequeno com um banheiro e dois quartos – um de Joe e o outro para visitas – é o que constitui o resto do chalé. Todas as paredes são da mesma madeira marrom escura do lado de fora e o piso é um pouco mais claro.

O velho Joe construiu aquela casa com o dinheiro que ganhou trabalhando para minha Família. Como aposentadoria e agradecimento por todos os anos que nos serviu, minha Família deu aquele terreno em Lake Tahoe para ele. O velho jardineiro poderia ter escolhido um pedaço de terra em qualquer lugar do mundo, mas escolheu aquele para permanecer na terra em que nasceu e trabalhou durante a vida inteira.

Para todos aqueles, todas aquelas luzes ofuscantes
Há algo, algo que eu não encontrarei

Vou voltar para casa para o lugar onde eu pertenço
Não há nada como ele
Não, nada como ele

Tome-me de volta para casa
Onde o sangue corre através da minha alma
Eu não posso descrevê-lo, não há nada como ele

            - Brad? – perguntei. – O rapaz moreno que se mudou para São Francisco?

— Esse mesmo – Joe respondeu enquanto esperava a água na chaleira ferver. – Ele e Patrick estão namorando faz tempo, eu acho.

Brad Carter é um garoto canadense que estudou no mesmo colégio que eu, Dylan e Mavis. Ele e minha melhor amiga namoraram durante alguns meses, mas acabou não dando muito certo. Brad é quase três anos mais velho que nós e jogava no time de futebol americano da escola, por isso quando recebeu uma bolsa de estudos na Califórnia por causa do esporte se mudou e terminou com Mavis que não gostava dele o bastante para tentar um relacionamento à distância.

Os pais dele eram amigos dos meus pais, por isso quando o senhor e a senhora Carter ligaram comentando que Brad não estava se adaptando muito bem a Califórnia meus pais sugeriram que eu viesse para Lake Tahoe e ajudasse o rapaz. Fiz algumas festas e apresentei Brad a algumas pessoas, entre elas meus primos e Patrick. Apesar de morar em São Francisco    Brad e Pat ficaram amigos e meu primo tomou para ele a missão de ajudar o moreno a lidar com a mudança de país.

— Tem um ano, se não me engano – comento.

Joe da de ombros sem muito interesse enquanto ferve óleo numa frigideira para fritar ovos e bacon. Pergunto se ele quer ajuda, mas Joe recusa. Mantemos o silêncio por um tempo enquanto o velho termina de preparar o seu café da manhã.

— Tem certeza que não quer comer? – ele pergunta quando deposita seu prato na mesa e vai encher uma xicara de café preto.

— Obrigada Joe, mas comi em casa.

Ele me encara como se estivesse buscando algum ar de mentira no meu rosto, mas dá de ombros e se senta na minha frente quando se dá por convencido.

— Você vai almoçar comigo – ele fala sem me olhar, cortando um pedaço de pão e colocando na boca. – E não mude de assunto. Qual foi a aposta?

— Sim senhor – respondo quando Luck entra na casa e apoia sua cabeça na minha perna. – Tive que beber duas canecas de Chopp por quinhentos dólares. Não me olhe assim, preferi colocar as tripas pra fora depois a ser zoada o resto da minha vida por ter recusado.

— Você tende a fazer coisas idiotas quando Kingston está por perto – Joe comenta.

Penso em retrucar que a aposta não teve nada haver com Stevie, mas desisto no ultimo segundo. Passo a mão pela cabeça do cachorro distraidamente enquanto Joe come. Alguns minutos mais tarde quando ele levanta para lavar a louça pede que eu desembuche.

— Você está batendo o pé desde que sentou aí, então trate de falar logo porque está me irritando – diz.

Suspiro sabendo que é impossível mentir para Joe. Ele me conhece desde que nasci e eu venho a sua casa desde que aprendi a enganar os seguranças ou me ternei autossuficiente para sair da propriedade da minha Família sozinha. Ele sabe coisas sobre mim e minha Família mais do que eu mesma e com meu avô muito longe para me dar conselhos, não consigo pensar em ninguém melhor que Joe para me ouvir.

Você foi meu vagabundo
Você nadou pela lagoa dos demônios
Deixe o conforto de sua família
Entregar todas as suas fantasias

Fico alguns minutos em silêncio pensando em como começar, de que ponto partir. Passo as mãos pelo rosto e cruzo os dedos das mãos sobre o tampo da mesa enquanto Luck deita aos meus pés.

— Voltei para o treinamento em maio – falo devagar. – Meus pais querem que eu acredite que isso ocorreu por causa do pedido que fiz para Sophie pudesse entrar no Acampamento, mas sei que isso é mentira. Eles planejavam isso desde sempre. Aprendi novas táticas, novas formas de combate. Os laços com a Eurásia ficaram mais estreitos e com as outras bases também.

— É por isso que está aqui em pleno verão?

Suspirei fundo e fechei os olhos, me encostando a cadeira.

— Não. Quer dizer, mais ou menos. Eu fui para o Acampamento com uma missão que eu sabia que ia ser difícil, mas quando cheguei lá e vi todos... Eu não sei se posso fazer isso Joe. Treinei durante minha vida inteira por um motivo que eu não entendia e agora, quando tudo finalmente foi esclarecido e minha hora de lutar chegou, eu não consigo.

— Mas suponho que esse não tenha sido o motivo que te trouxe aqui – Joe falou enquanto se sentava. – Qual foi à gota d’água?

Olhei para Joe impedindo meus olhos de marejarem. Aquele senhor sentado na minha frente é mais meu pai, meu avô, minha família do que minha própria Família. Eu o amo e sei que isso é reciproco, apesar do seu jeito bruto e seco. Joe foi criado assim, demonstrando poucos os sentimentos e sei que não sou a pessoa mais indicada para julga-lo nesse sentido ou em qualquer outro, mas eu não tenho certeza se posso falar para ele o que fiz. Eu não consigo lidar com meus demônios sozinha e não preciso jogar esse peso em outra pessoa.

E para todos aqueles que, todas aquelas estrelas que brilham
É um tipo diferente, diferente de luz

Um nó se forma na minha garganta e eu olho para a janela o lado de fora. As árvores balançando suavemente com a brisa, o lago refletindo o céu da manhã. Não consigo impedir meus pensamentos de se desviarem momentaneamente para o Acampamento, calculando o fuso horário e chegando a conclusão que falta mais ou menos uma hora para o almoço. Penso no que os campistas estão fazendo. Se algum Líder está levando os calouros para fazer uma trilha. Se eles irão pescar depois e talvez acampar. Penso no que os demais Líderes estão fazendo, assim como Lucian, Carl, Newt e tantos outros veteranos.

Joe, percebendo meu momento de distração, se levanta e vai até a geladeira pegar uma jarra com suco de morango natural e um copo limpo na pia, depositando ambos na mesa a minha frente. Então caminha até a sala para pegar seu cachimbo e palha, voltando a sentar na minha frente. Ficamos alguns minutos em silêncio, ele enrolando a palha e eu tentando organizar meus pensamentos.

— No sábado a tarde um homem invadiu o Acampamento. Eu estava numa reunião na Biblioteca com os Líderes e depois que os deixei com uma tarefa sai para dar uma espairecida – comecei num tom monótono. – Estava descendo uma das escadas quando ouvi alguém perguntar por mim, alguém que eu não reconheci pela voz imediatamente. Continuei descendo e avistei Carl falando com o homem que quando me viu me nocauteou e saiu correndo.

— Isso explica o seu queixo – Joe falou entretido com seu charuto.

— Quando voltei a mim, o homem havia corrido para fora da Biblioteca – prossegui ignorando seu comentário. – Lembro-me de Elijah e Mavis estarem correndo atrás de mim, de alguns novatos assustados, de montar em Fergus e correr em disparada pela floresta com Tom guiando. Shot se juntou a caçada e ordenei que os lobos e corujas percorressem a área na busca de algo estranho.

‘’Lembra-se que eu disse ter apenas flashbacks de alguns momentos? Então, a partir do momento que eu entro na floresta só lembro-me de algumas coisas. De parar numa clareira com o homem de costas pra mim, de achar que era uma emboscada porque seria idiotice demais invadir o Acampamento sozinho. Desmontei de Fergus, ficando parada ao seu lado me perguntando por que o homem questionava Carl sobre mim e quando me viu fugiu. Quando ele se virou, com apenas um tronco caído entre nós, eu pude reconhecê-lo. Eu suspeitava que fosse ele, mas quando tive certeza... ’’.

— Quem era? – Joe perguntou fumando seu charuto e olhando para fora pela porta.

— O filho mais velho dos Black. Por um momento achei que ele estivesse ali para pedir ajuda e por isso tinha feito todo aquele teatro. Achei que Joey havia decidido mudar de lado por causa do irmão ou que estava ali para leva-lo e queria minha ajuda – falei apertando as mãos, nervosa. – Lembro-me dele falando algumas coisas que agora eu não consigo ver sentido, palavras desconexas. Algo como uma missão para me pegar, eu não sei. Perguntei como ele entrou no Acampamento, mas não lembro a sua resposta.

— Do que se lembra?

— Uma luta, como está óbvio – falei. – Não lembro por que começamos, mas lembro de Joey me erguendo do chão pelo pescoço, tentando me sufocar depois de eu ter dado um soco no seu supercilio e uma rasteira. Vi nos olhos dele que não estava cem por cento certo de que queria fazer aquilo comigo, como se lembrasse das vezes que fui na casa dele, do que significo. Quase arranquei os olhos dele com as mãos, o que fez ele me lançar contra uma árvore e me sufocar novamente quando estava caída. Aproveitei-me da situação para levantar o quadril e desestabiliza- socando seus olhos, garganta e joelhos até pedaços de carne de nós dois serem arrancados, nossos sangues se misturando. Lembro-me mais dos sons de terra, gemidos, ossos quebrados, ofegos.

‘’ Amarrei sua perna à cela de Fergus e chamei o símbolo mandando o mesmo chamar os Piratas. Tenho flashes de Fergus correndo, árvores passando rapidamente e troncos caídos. Gemidos de dor, a água correndo não muito longe, o vento na minha pele, minhas mãos e garganta ardendo, meus lábios sagrando. Tudo num borrão que passa rápido demais na minha mente de modo que eu não consigo organizar’’.

— Você o entregou aos Piratas? – Joe perguntou.

Dei de ombros, incerta.

— O amarrei num tronco de árvore fora da fronteira, perto de um rio que leva ao oceano. Ele estava desacordado. Deixei alguns lobos de olho nele, corujas sobrevoando a área e ursos de olho na fronteira. Recebi uma mensagem de Pan dizendo que enviaria informações assim que as conseguisse e que Black estava em alto mar.

Ficamos alguns minutos em silêncio. Temi o julgamento de Joe assim como estava temendo a consequência dos meus atos.

— Ele tentou te matar – Joe falou depois de soltar fumaça pela boca calmamente. – Alegue legitima defesa. Ele com certeza faria algo pior com você caso tivesse a levado.

Balancei a cabeça negativamente.

— Joe, ele é o filho mais velho dos Black. Eles estavam do lado contrário a minha Família muito antes de eu matar o filho deles. Você sabe de quem ele é irmão!

Joe suspirou, se levantando e caminhando até a porta. Percebi as nuvens do céu que ficavam a cada minuto mais cinzentas. Luck dormia aos meus pés calmamente, completamente alheio ao meu desespero. Se o velho Joe não me entendesse ninguém me entenderia. Eu não queria a compreensão da minha Família pelo simples fato de eles estarem acostumados com o horror, com assassinatos, com sessões de tortura. A compreensão deles seria a mesma coisa que ter a compreensão de monstros. Eu precisava da empatia de alguém de fora, alguém bom. Precisava disso para sentir que eu não era tão horrível quanto eles quando no fundo sabia ser pior.

— Joey não era o filho preferido – Joe falou. – Mesmo depois de tudo que fez, o caçula continua sendo o filho pródigo. Os Black querem o mais novo de volta e se esse tivesse morrido você estaria com problemas. É claro que Joey não deixa de ser filho deles por isso vão buscar vingança, mas seria pior se fosse o outro. Eles sabem que você não fará nada ao caçula, não há com que se preocupar.

— Eu matei o irmão dele Joe, indiretamente, mas matei – falei num tom amargo enquanto enchia meu copo de suco. – Matei da mesma forma que Tommy morreu, de um modo que me atormenta tem quase sete anos. Eu transferi parte desse pesadelo a alguém que não merecia isso. Como acha que ele vai ficar quando souber que eu matei o irmão?

Joe se voltou na minha direção sério e com os braços cruzados sobre o peitoral. Encarou-me em silêncio por tempo suficiente para que eu me sentisse incomodado e então falou:

— Os Black sabem as regras do jogo. É matar ou morrer. O irmão dele fez uma escolha, você também teve que fazer uma. Garanto que se o contrário tivesse acontecido Joey não estaria se remoendo com peso na consciência, mas com certeza estaria comemorando por finalmente ter feito algo grandioso o bastante para sua família. Pare de se punir pelos seus atos, por quem sua Família é, por quem você é e aceite de uma vez o monstro que mora em você. Só assim poderá reconhecer o monstro dentro dos outros antes que eles te ataquem.

Encarei Joe em silêncio, com os olhos arregalados. Eu sempre soube que em um momento da minha vida eu deveria parar de me pagar de vitima e agir como devo, sem arrependimentos. Sempre soube que teria que matar minha bondade e empatia antes que elas me sufocassem e me atormentassem pelo resto dos meus dias graças às coisas horríveis que fiz e que vou fazer. Talvez o momento de deixar a Effy de dez anos, aquela que estava destruída pela morte do irmão e pela queda da imagem da família perfeita que havia criado em sua cabeça, para trás. Talvez fosse a hora de matar a Effy adolescente que enchia a cara, fumava e transava por diversão sem se importar com o amanhã. Talvez o tempo de fugir da realidade da minha Família, dos meus atos, do monstro que sou tenha chegado ao final. O ciclo da Effy escondida atrás de máscaras finalmente se fecha.

É o momento de assumir o meu demônio interior.

Vou voltar para casa para o lugar onde eu pertenço
Não há nada como ele
Não, nada como ele
Tome-me de volta para casa
Onde o sangue corre através da minha alma
Eu não posso descrevê-lo, não há nada como ele
 

Tomo um gole do meu suco com as mãos tremendo enquanto penso na minha decisão. Eu já não era a melhor pessoa do mundo enquanto negava a minha parte ruim, portanto evito pensar em que tipo de monstro posso ser agora que a abracei completamente. Joe ainda me encara, por isso aceno positivamente com a cabeça e falo:

— Você está certo. Tenho que parar de me preocupar com o que já foi, parar de pensar nos ‘’e se’’ e lidar com os acontecimentos apenas quando eles acontecerem. O que posso fazer é apenas estar preparada para quando a avalanche ocorrer.

O velho Joe dá um sorriso de lado, orgulhoso, e apaga o cachimbo enquanto caminha para a sala. Termino meu suco e mexo os pés para que Luck levante, mas ele apenas rola para fora da mesa sem acordar. Rindo, coloco meu copo na pia e a cadeira no lugar, pegando Luck no colo e me sentando no sofá. Joe reclina a poltrona de couro e liga a televisão num canal de pesca que me entretêm estranhamente. Ficamos sem falar nada por uma hora e tiro meus olhos da TV apenas quando Joe se levanta anunciando que vamos fazer algo útil.

Vou voltar para casa para o lugar onde eu pertenço
Não há nada como ele
Tome-me de volta para casa
Onde o sangue corre através da minha alma
Eu não posso descrevê-lo

Reprimo a vontade de coçar os olhos passando a mão pelo rosto e me espreguiçando. Controlo um bocejo quando Luck acorda e me encara com a cabeça no meu colo. Sorrio e faço carinho por entre suas orelhas enquanto o velho Joe está no quarto fazendo sabe-se lá o que. Prendo meu cabelo num coque alto e bagunçado e me levanto sendo seguida pelo cachorro até a cozinha onde tomo um gole de café e lavo a louça suja.

— Muito bem, espero que esteja com uma roupa confortável – Joe fala no vão da porta entre a sala e a cozinha.

— Confortável pra que? – pergunto olhando-o dos pés a cabeça.

Joe trocou seu chinelo, camiseta e calça de moletom por roupas mais apresentáveis. Observo sua camiseta xadrez verde com as mangas dobradas até o cotovelo sob o colete vermelho grosso, mas fresco. A calça jeans de lavagem escura está por fora do coturno de couro marrom que combina com o cinto. O cabelo penteado com um pouco de gel e o cheiro de protetor me informa que Joe pretende sair de casa e considero a possibilidade de ele estar apaixonado por uma bibliotecária ou algo assim.

— Vamos caçar, oras – ele fala pegando sua espingarda da frente da casa e voltando para conferir as balas e a limpeza. – Pensei em pescar, mas a época não está muito boa para salmão e eu estou com vontade de comer lebre ou esquilo.

Torço o nariz contrariada no exato momento em que Joe me encara.

— O que? – ele pergunta. – Não vai me dizer que consegue matar humanos, mas tem dó dos bichos. A gente vai comer eles, o que você faz com humanos? Isso sim é ruim.

— Não é bem assim – falo. Tento não me encolher quando Joe me acusa de ser uma assassina e me lembrar de que a decisão de acolher o meu eu do mal foi minha.

— Não? – Joe pergunta enquanto carrega a espingarda com munição depois de ter a limpado. – De qualquer forma, você vai.

— Mas não vou matar nenhum animal – falo cruzando os braços e erguendo uma sobrancelha.

Joe revira os olhos e coloca a arma sobre a mesa para afiar suas facas.

— Faça como quiser. Tem roupas suas no quarto de hospedes.

Sorrio e caminho pelo corredor até o local indicado. A porta de madeira branca está aberta de modo que consigo ver a cama de solteiro com uma colcha verde claro e um travesseiro, o tapete creme sob o criado mudo de uma gaveta com um pequeno abajur em cima, uma poltrona no canto com uma almofada com estampa de flores e um pequeno guarda-roupa de madeira escura do lado da porta. As paredes são pintadas de branco e a cortina azul escuro aberta permite que eu consiga ver o ponto que deve ser minha casa pela janela.

Entro no quarto e fecho a porta, abrindo o guarda-roupa e pegando uma muda de vestimentas. Dispo-me e dobro minha roupa colocando-a sobre a poltrona. Visto uma calça de couro justa e uma bota de cano alto do mesmo material com salto grosso, prendendo coldres em minhas pernas e um cinto ao redor da cintura sobre a camiseta branca larga de mangas até o cotovelo e decote em U sobre a minha regata da mesma cor. Prendo meu cabelo em uma única trança e coloco um colete azul marca texto. Penso em colocar minhas luvas sem dedo de couro marrom, mas mudo de ideia quando vejo as faixas brancas ao redor dos meus nós da mão. Aplico protetor nos braços e rosto. Volto a colocar o óculo de sol na cabeça e finalmente abro a porto caminhando até a varanda.

O velho Joe está saindo do galpão acompanhado de Luck. Uma espingarda está nas suas costas e uma na sua mão. Uma bolsa de couro grosso pendurada num dos seus ombros para colocar a caça e um chapéu de caubói completam seu figurino.

Vou até a mesa de piquenique e coloco as facas que estão em cima da mesa nos lugares certos do meu cinto e coldres, assim como duas pistolas. Passo a aljava cheia de flechas pelo meu tronco e seguro o arco com firmeza. Joe termina de se arrumar e logo partimos a pé para fora do seu terreno em direção ao lado mais afastado da montanha com Luck nos nossos calcanhares.

Antes de estarmos muito longe Joe me aconselha a voltar e colocar o carro na garagem. Eu obedeço e saio do carro depois de pegar meu celular e fones de ouvido, correndo para alcança-los após fechar o portão.

Sinto a brisa cada vez mais fresca conforme subimos a montanha o que é um alivio para o sol que fica a cada minuto mais quente. As nuvens de chuva se amontoam no céu indicando que uma chuva de verão não tardará, mas nem Joe nem eu estamos muito preocupados com isso. Luck caminha um pouco mais a frente farejando presas com seu focinho seguido de perto pelo seu dono. Permito-me ficar para trás e enquanto espero meu celular ligar desembaraço meu fone.

Eu adoro a natureza, principalmente as florestas. Acho lagos e rios encantadores, mas não gosto de me aventurar neles desde que Tommy morreu. A floresta é silenciosa e cheia de vida ao mesmo tempo. As árvores fazem sombra, mas permitem que os raios do sol passem por entre seus galhos. A brisa passa por suas folhas como se contassem segredos sussurrados. A matéria morta no chão alerta os animais quando uma ameaça descuidada e demasiada barulhenta invade seu território.

Porém, não gosto de ouvir os sons da floresta quando estou caçando. Joe diz que ouvir música atrapalha meus sentidos e que por isso posso perder uma caça ou ser perseguida de forma fácil, mas mesmo assim continuo com meu fone nas orelhas. Não gosto do silêncio, do clima levemente tenso das caçadas. Não gosto de me sentir como um inimigo, um intruso, algo ruim, não na floresta. Já sinto isso fora dela.

Me leve de volta para casa para o lugar onde eu pertenço
Não há nada como ele
Não, nada como ele
Tome-me de volta para casa
Onde o sangue corre através da minha alma
Eu não posso descrevê-lo, não há nada como ele

Pingos de chuva começam a cair quando Joe mata sua primeira lebre e não consigo evitar o pensamento que o céu chora. As gotas se tornam mais intensas quando eu atiro uma flecha entre os olhos de um esquilo. E no corpo de outro. E uso uma única flecha com dois coelhos. Apesar de ter dito que eu não iria caçar, não consigo evitar quando meus instintos berram me alertando sobre uma presa.

Meus pés começam a ficar grudados nas folhas e na terra do chão que umedece com a água, mas continuo andando atrás de Joe e Luck. Avisto um bando de pássaros voando quando o cachorro corre para assusta-los. Um puma pula de uma árvore para outra a cima da minha cabeça e paro para observar seus movimentos graciosos.

Quase uma hora depois que entramos na floresta, paro numa clareira e fico mirando em árvores para melhorar minha pontaria enquanto Joe segue caminho com Luck. Sozinha, permito que meus pensamentos se manifestem para que eu possa descontar tudo. A frustração, a raiva, a tristeza, o medo... Quando as flechas acabam começo a atirar facas e adagas, sem errar meu alvo uma única vez.

Quando o sol me informa que são onze e meia da manhã Joe e Luck voltam com a bolsa pesada e um ar de satisfação. As gotas de chuva estão grossas e molham com mais empenho, gelando e paralisando meus pensamentos.

O velho Joe me encara antes de falar:

— Vou para casa limpar a caça. Deixarei Luck com você.

Aceno com a cabeça e Joe vai embora pelo caminho que fizemos. Luck se senta num tronco de árvore em baixo de outra e me observa tirar o que atirei na árvore. Depois de recolher tudo volto para a casa de Joe me sentindo levemente melhor.

Entro no galpão seguida do cão e afio novamente as facas e flechas, limpando-as e arrumando. Tempo depois, quando Luck se deita num cobertor no chão e encara a chuva pela porta dupla de madeira aberta, levanto-me da cadeira de metal em que estava sentada e tiro o cinto e os coldres do meu corpo. De pé, coloco as facas que estão em cima da mesa de madeira lascada nos devidos lugares da bolsa de couro gasto e as flechas na aljava. Pego o martelo de cima da mesa e caminho até o centro do galpão parando sob a lâmpada amarelada.

Levanto o martelo à cima da cabeça e desço no tronco de árvore seco repetidas vezes até ter lenha suficiente por tempo indeterminado. Desconto o resto das minhas energias, permitindo que as lágrimas corram pelo meu rosto quando cada golpe na madeira é um golpe em mim mesma, na minha versão humana. Largo o machado sobre a mesa e apoio minhas mãos espalmadas no tampo, ofegante. Luck me observa em silêncio. Meus braços tremem ao lado do meu corpo e balanço a cabeça pensando em ligar para Dylan.

Depois de empilhar os pedaços de madeira num canto e cobri-los com lona, varrer o galpão e colocar tudo em seu devido lugar, arrasto a cadeira de metal até a entrada do galpão e sento-me observando a chaminé soltar fumaça na casa.

— Por favor, me diga que as coisas estão bem – falo quando Dylan atende no terceiro toque.

Ele ri baixo.

— Estão voltando aos trilhos. Mavis foi fazer uma trilha com os novatos, as aulas estão começando... O clima está meio tenso, mas nada demais.

— Tenso por quê?

— Mavis não ficou muito feliz que você ligou para Lucian e as coisas não ficaram muito bem quando eles descobriram que eu ia ser o Líder do Acampamento. Ela está chateada com você.

Suspirei fundo me perguntando como ele mesmo não estava chateado comigo.

— Eu sei.

— O que estava fazendo? Parece cansada.

— Joe me levou para caçar, mas não quero falar sobre isso.

— Tudo bem. Quer falar sobre o que?

— O que está fazendo?

— Um minuto – Dylan falou afastando o celular e falando algo. Cinco minutos... Eu sei, mas isso pode esperar... Sim, o que estou fazendo é mais importante... Copper, quem é você pra falar o que devo ou não fazer? — Sam é muito chato, pode me dizer de novo por que o nomeou como seu ajudante?

Ri pelo nariz.

— Ele parecia mais legal na época.

— Não acredito nisso, mas ok. Enfim, estou na varanda da Enfermaria tentando resolver o caso Oliver sem muito sucesso.

— Os pais dele...? – perguntei nervosa.

— Foram informados, mas não me pareceram muito preocupados. Acho que sabiam que ele ia se meter em algo assim.

— Como ele está?

— Isso na sua voz é preocupação? – Dylan perguntou soando enciumado, mas rindo em seguida. – Melhorando. Vai ficar com algumas cicatrizes, mas não acho que ele esteja se importando muito com isso. Vai dar um ar de durão.

Revirei os olhos.

— Ele não precisa de um ar de durão, precisa de cérebro. Algum outro problema?

— Maxine Vause, uma novata das Larvas, invadiu os arquivos da Enfermaria para procurar algo sobre Oliver, acho, mas acabou encontrando uma pasta sua.

Senti um calafrio e me sentei mais ereta na cadeira.

— Que pasta minha?

Dylan hesitou.

— Dois anos atrás, começo do verão.

Engoli em seco e senti minha garganta fechar e meus olhos querendo marejar, ainda vermelhos.

— Não acho que ela tenha tido tempo de ler algo realmente relevante – Dylan se apressou em dizer. – Desculpe por isso Effy. Aumentei a segurança em todas as áreas e vou manter todos ocupados para evitar isso.

— Não é culpa sua – falei com sinceridade.  – A culpa é minha por ter sumido.

— Bom... Sinto que só temos falado de problemas ultimamente – Dylan diz com um tom leve.

— Eu sei, desculpe por isso. Prometo que da próxima vez que ligar terei noticias melhores.

— Não estou te cobrando nada Effy, é que...

Avistei Joe na varanda da casa me chamando para almoçar. Olhei o relógio do celular e constatei que eram meio dia e meia.

— Desculpe Dylan, tenho que ir – falei. – Tio Vicent vai vir me ver e eu tenho que ir pra casa arrumar umas coisas. Mantenha tudo em ordem, por favor.

— Tudo bem. Espero que seu tio não traga nenhum problema... Eu te amo S.

— Também te amo B.

Desligo o celular e coloco a cadeira no lugar, em seguida pegando Luck no colo, apagando a luz e fechando o galpão para então correr até a varanda.

— Deixe Luck aí fora, vou ter que dar um banho nele – Joe diz mexendo uma panela na cozinha. – Tome um banho rápido e venha comer.

— Sim senhor – falo entrando depois de ter tirado minha bota, beijando sua bochecha e correndo para o quarto.

Dez minutos depois estou de volta com a roupa que eu estava usando e um casaco quente. Sento a mesa comendo e conversando com Joe. Creme de milho, salada, arroz e bolinho de carne é minha refeição preferida feita por ele. O velho jardineiro concordou em deixar os esquilos e as lebres para outro dia, portanto comemos sem maiores problemas falando da caçada e dos planos.

— Está se sentindo melhor? – ele pergunta.

— Sim, obrigada Joe – falo com sinceridade pela primeira vez em muito tempo.

— Sempre que precisar pequena Eliza – ele diz sorrindo sem mostrar os dentes, mas mesmo assim dando um sorriso sincero.

Depois de comermos eu lavo a louça e Joe seca, nós dois guardando tudo no final. Agradeço pela manhã e pelo almoço, mas digo que tenho que voltar.

— Tio Vicent sempre pode chegar adiantado, prefiro não arriscar – falo enquanto caminho para a varanda com ele me seguindo.

— Diga a Stephan que mandei lembranças – Joe fala enquanto faz carinho em Luck. – E um abraço para Mickey e Richard.

— Direi. Vou falar para a Sra. Popps mandar uma torta de abóbora para você.

Joe sorri e eu o abraço apertado, sem conseguir conter o pensamento de que não tenho certeza se irei repetir esse gesto algum dia. Reprimo as lágrimas e para disfarçar me agacho e estendo a mão para que Luck coloque sua pata. Abraço o melhor amigo do meu irmão pela última vez e corro até a garagem, entrando no carro e dando a partida depois de colocar o cinto. Dou ré e aceno para Joe quando passo pelo portão aberto por ele.

Observo Joe acenar de volta com lágrimas escorrendo pelas bochechas enrugadas e permito que minhas lágrimas façam o mesmo enquanto desço a montanha.

Me leve de volta para casa para o lugar onde eu pertenço
Não há nada como ele
Não, nada como ele

 

(Tarde).

Tédio. Faltavam exatos dez minutos para Vicent chegar. As tortas, bolos, bolachas e bebidas estavam prontas na cozinha assim como os empregados que estavam apostos para servir. A segurança havia sido reforçada.

Assim que cheguei em casa, quase duas da tarde, Mickey me sentou na sala de estar e me deu uma bronca.

— São tempos sombrios Elizabeth. Você não pode ficar saindo por aí sozinha independentemente de quando treinamento tenha.

Tentei argumentar com ele, mas percebi que era uma batalha perdida quando nem Richard nem a Sra. Popps ficaram do meu lado. Depois de me desculpar e prometer que não iria repetir o ato fui liberada para esperar meu tio.

Conferi minha roupa mais uma vez no espelho de corpo inteiro do closet. Meu cabelo estava seco e preso num coque alto bem preso com alguns enfeites prateados. Lápis ao redor dos olhos com rímel, batom vermelho, um pouco de pó e blush no rosto. Uma calça flare preta, uma camiseta branca relativamente larga por dentro, uma jaqueta de couro preta e um sapato de salto alto fino. Cinto, colar, brincos, anel e relógio como acessórios. Eu estava como uma aparência social e rebelde ao mesmo tempo o que me deixava orgulhosa da minha escolha.

Peguei meu celular e entrei no Twitter onde Mavis havia postado uma foto dos campistas fazendo uma trilha. Lucian havia postado uma foto de um jogo de basquete dos Ursos contra os Lobos. Elijah estava com alguns campistas no lago com canoas e varas de pesca. Matthew jogava vôlei com alguns membros de sua Irmandade e dos Búfalos. Jason estava estranhamente quieto. Suspirei pensando que aos poucos o Acampamento estava voltando à normalidade. Eles me citavam cada vez menos, mandavam mensagem cada vez menos. E ao contrário do que eu pensei, eu não estava totalmente feliz com isso.

Bloquei a tela do celular e deixei sobre a mesa do meu quarto antes de descer as escadas para a sala de estar no minuto em que o carro de Vicent parava na frente da varanda e Tom entrava pela cozinha correndo em minha direção.

Um mordomo se apressou em abrir a porta e pude ver Stephan Vicent Schneider descer do banco de trás do Duster preto e ajeitar seu terno risca de giz feito sob medida. Seus sapatos pretos bem engraxados, o cabelo loiro bem penteado e a barba feita. Ele guardou o óculo de leitura e o celular no bolso interno antes de subir os degraus da varanda acompanhado do seu guarda costas e do mordomo que segurava um guarda-chuva para que meu tio não se molhasse.

Vicent passou pela porta principal e me adiantei em sua direção.

— Tio, que prazer em vê-lo – falei.

— Enamor – ele falou sorrindo e abrindo os braços.

O abracei rapidamente e dei um beijo em cada bochecha no hall. Seu guarda costas acenou para mim antes de caminhar até Richard.

— Como foi de viagem? – perguntei querendo revirar os olhos pela formalidade.

— Tudo ótimo. Estou um pouco cansado, mas nada que uma boa noite de sono não resolva.

— Voltará para Alemanha quando?

Caminhávamos em direção à sala de estar onde a Sra. Popps servia duas xicaras com chá e biscoitos.

— Pretendo retornar amanhã de manhã. O Dom está passando aos poucos as coisas a Matthew e pretendo estar por perto caso seja necessário antes de me mudar por tempo indeterminado para o Canadá.

E com isso eu soube que as formalidades haviam acabado e que iriamos direto ao ponto a partir dali.

— Temos alguns meses antes disso, não se preocupe.

— Estaria mais tranquilo se você estivesse no Acampamento cumprindo sua missão em vez de estar em sua adorável casa.

Tomei um gole de chá.

— Houve um problema de percurso.

— Soube que chamou os piratas. Black mais velho, certo?

Assenti com a cabeça enquanto Vicent se encostava à poltrona. O irmão mais velho do meu pai tem cinquenta anos e cinco filhos com a mesma mulher, minha tia Norma. Ele é general do exército alemão e primeiro ministro há mais de quinze anos, portanto seu jeito de agir é compreensível. De qualquer forma, não é como se eu não estivesse acostumada com o jeito direto dos militares.

— Os Black comentaram algo sobre? – perguntei.

— Evan não me falou de nada vindo da Inglaterra, mas irei confirmar. A essa altura já devem saber que você não está morta De qualquer forma, sugiro que faça o que tem que ser feito o mais breve possível.

‘’ É claro que faremos algo com relação ao ataque. Pelos seus ferimentos percebo que houve uma luta e qualquer ataque a nossa Família deve ser punido para que sirva de exemplo. Faremos algo em relação aos Black. Só espero que isso não cause uma guerra entre as famílias’’.

— O Dom saberá o que fazer. De qualquer forma isso me mostrou o quanto à segurança do Acampamento é frágil – falo. – E, com todo respeito, o senhor deveria saber que não é tão simples executar minha missão no Acampamento.

Stephan suspira.

— Não lhe demos essa missão porque era simples, mas sim porque você foi treinada a vida inteira para isso – ele fala com os dentes levemente cerrados.

Ficamos alguns minutos em silêncio. Eu não sei quais eram minhas expectativas para essa conversa, mas não imaginei que Stephan fosse me intimar de tal forma.

— Lembra-se do período que passou na antiga Romênia, Ucrânia e Criméia? Na companhia da princesa Mikaella e dos seus irmãos? – Vicent pergunta. Confirmo com a cabeça. – Ótimo. Preciso que volte a estreitar os laços com a família real, de preferencia com o futuro rei.

— Algum motivo especial? – pergunto intrigada.

— É sempre bom manter os aliados no nosso lado, principalmente com o futuro que se aproxima.

Assinto com a cabeça, intrigada. Tomamos o chá e comemos algumas bolachas em silêncio durante os próximos minutos.

— Aceita um pedaço de torta Sr. Schneider? – a Sra. Popps pergunta levemente receosa.

Meu tio nega com a cabeça enquanto se levanta.

— Agradeço Popps, mas vim para uma visita rápida. Elizabeth sabe o que deve ser feito. Acho bom que retorne para o Acampamento antes dessa semana acabar.

— Sim senhor – respondo sem emoção, me levantando.

Stephan abre a boca novamente enquanto me encara. Penso que irá se despedir ou pedir para ir ao banheiro, mas as palavras que saem de sua boca parecem nunca chegar aos meus ouvidos.

Narrador Onisciente

Elizabeth Naomi Manson franze as sobrancelhas, confusa, enquanto Stephan fala num tom monótono. A pobre Sra. Popps se retira para a cozinha mesmo com seu coração dizendo que isso é errado. Os guarda-costas mantiveram-se na sala de TV como se não soubessem de nada e o bom moço Richard Jones de fato não sabia. Não sei se teria feito algo diferente se soubesse.

Miguel Coppola, o bom e companheiro Mickey, em sua defesa não estava presente quando o tio de sua protegida invadia a mente dela de modo que não pode fazer nada para impedi-lo. E mesmo que tivesse acho que se juntaria a Jones.

— Dez. Água-marinha. Pólvora. Oito. Rua vazia. Tommy. Nove. Habitável. Introdução.

Stephan murmurava pausadamente e sem pressa palavras que pareciam aleatórias para Effy, mas que faziam seus músculos tencionarem involuntariamente. Seus ouvidos pareciam cheios de água, as palavras pareciam percorrer anos, séculos, universos até o seu cérebro.

Seus olhos azuis penetrantes aos poucos iam perdendo o brilho, ficando de um azul esverdeado opaco. Suas bochechas iam empalidecendo assim como os lábios outrora vermelhos. Suas mãos suavam sem motivo aparente.

— Pronta para obedecer – ela murmurou em resposta a Stephan sem saber ao certo o motivo ou se ele havia lhe feito uma pergunta. Sua cabeça doía e seus músculos contraiam e relaxavam, mas algo lhe dizia que era melhor permanecer calada.

Elizabeth Naomi Manson havia voltado a ser apenas um fantoche na mão de sua cruel Família. Um ser humano sem emoções, sentimentos ou memórias que só iria seguir as ordens de Stephan sem questionar por tempo indeterminado.

Eu observava tudo da varanda, atrás da porta francesa aberta. Eu não deveria estar ali, milhares de pessoas chamavam por mim e meu trabalho se acumulava, mas eu não conseguia me afastar daquela garota. Mesmo sabendo que ela sofria por causa de seu amado irmão, do que deveria fazer com seus amigos, do que fez com o namorado. Mesmo sabendo de todos os horrores que ela cometeu. Mesmo sabendo de todos os horrores que ela cometeria, eu não conseguia me afastar dela.

Stephan terminou de falar calmamente a mais nova missão que Enamor deveria executar e ordenou que a garota fosse se arrumar. Elizabeth deu meia volta, passando seus olhos sem vida por mim, e caminhou escada acima como se estivesse normal. Como se ainda fosse ela naquele corpo. Como se fosse responder caso a chamassem pelo nome. Como se não fosse cometer atos horríveis do qual não se lembraria depois.

Stephan cruzou os braços sem remorso pelos seus atos, era tudo em nome de um bem maior, e passou os olhos pela sala, por fim olhando para a varanda. Para o exato ponto em que eu estou parada. Mas ele não me viu. Não viu uma figura de estatura mediana, cabelos compridos e rosto escondido na sombra do meu capuz. Não viu o som farfalhante que minha roupa fez quando o vento passou por ela. Não viu o ser de capa vermelha parado a sua frente se perguntando como os seres humanos podem ser tão desprezíveis.


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Notas finais do capítulo

Aqui estão as fotos dos porta retratos na ordem que aparecem:

1. (https://data.whicdn.com/images/143048194/large.jpg)
2. (https://data.whicdn.com/images/269486919/large.jpg)
3. (https://data.whicdn.com/images/196579495/large.jpg)
4. (https://data.whicdn.com/images/197013537/large.jpg)

Acho q é isso, se esqueci de alguma foto por favor me avisem! ;)

Alguns avisos:
1. Por mais q eu demore para responder os coments eu sempre leio tds e eles me animam e incentivam muito;
2. Eu criei um Twitter para tds os Líderes e o Lucian, então quem quiser seguir e interagir com eles é só ir na minha conta (https://twitter.com/Mad_Hatter_of_W) e encontrar eles nos meus seguidores ;)

Espero q tenham gostado. O q será q o Stephan fez com a Effy? Será q ela vai voltar para o Acampamento? Quem são as pessoas da família real que o tio cita? Tcham tcham tcham...! Comentem suas teorias, o q acharam ou só o q vão almoçar ahsuahsuh

Até.
XOXO,
Tia Mad.