WSU's O Temerário escrita por Lex Luthor, WSU


Capítulo 2
Round I – Agindo Como Temerário




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Três anos depois

 

— Senhor Marcos — disse a psiquiatra, olhando para a ficha de Marcos. —, pela significativa conduta apresentada na sua estadia nos últimos seis meses na Casa Maia, avalio que o senhor esteja pronto para voltar às suas atividades em sociedade

Ela abaixou a ficha e olhou para o homem sentando numa poltrona marrom à sua frente.

— O senhor promete seguir o tratamento? — indagou a médica.

— Claro e evidente, doutora — respondeu Marcos..

A psiquiatra assinou a alta de seu ilustre paciente.

— Fico feliz por você, Marcos — elogiou a psiquiatra, com um sorriso no rosto.

Marcos, de malas prontas deixou a clínica. Do lado de fora, Fernando Franklin Ventur, seu advogado, o esperava escorado no carro.

— Grande Marcos! Enfim livre, te falei que seis meses não eram nada!

— Vá se foder! — Marcos não pôde conter a raiva. — Eu devia te processar, ouviu? Minha carreira está acabada agora! — Olhou para o meio da rua. — Esquizofrenia! — disse num tom irônico.

— Mas está no seu histórico, Marcos. — explicou o advogado com calma. — Foi a melhor saída que tivemos para arranjar um acordo para nos livrarmos dos escândalos com o Ari antes de ir a julgamento e, não era pior do que ir para a cadeia com o nome sujo!

— Eu não tenho mais isso desde a adolescência, falou? — disse Marcos, com um olhar de quem queria fulminar o seu advogado. — E além do mais, a minha licença de lutador está caçada pelas polêmicas agora. Tanto faz, prisão ou não! Não tenho esposa, não tenho a guarda da minha filha, emprego, nada!

— Tem a liberdade. — abriu a mão direita mostrando a palma e fazendo um aceno único, em trajetória de arco, como um arco-íris, enquanto falava, dando destaque a palavra. — Uma casa com uma academia própria e um carro. Dá para reconstruir a vida. E além do mais a cassação é temporária, podemos reverter num novo contrato, só precisamos sentar e falar com a Ana.

Franklin destravou as portas de seu carro com um alarme à distância e ambos seguiram a entrar no veículo para que o advogado conduzisse Marcos até sua nova e humilde residência, enquanto conversavam.

— Só me restou isso da partilha de bens? — indagou Marcos, espantado ao sentar-se no banco de passageiros.

— Claro que não — respondeu o advogado, sentando-se em frente ao volante —, sobrou uma Taurus 9mm. — Soltou uma risada, que o fez ter que limpar a garganta.

— Uma coleção inteira de armas importadas de cinquenta e seis países e só me resta uma? — perguntou Marcos, com um sorriso amarelo e incrédulo, para evitar mostrar a vontade de estrangular o homem no volante e assim evitar até mesmo sua própria morte.

— Você tinha dívidas a pagar, cara. — falou, enquanto conduzia o veículo.

Chegando ao destino, Marcos desceu e contemplou a casa que morava antes de Vanessa nascer. Ao entrar no imóvel, atravessou a garagem de três carros e podia-se ver claramente sua antiga academia de MMA abandonada.

Só atrás da academia que realmente via-se a minimalista casa que Marcos iria morar novamente. Pequena, dois quartos, um banheiro e uma cozinha apertada.

 

É, acho dá pra recomeçar a vida.

 

As lembranças rodavam a sua cabeça, Marcos decidiu adentrar o quarto que um dia fora seu e de sua esposa. Ao dar o primeiro passo, com o pé direito, e luzes apagadas, escutou um grunhido agudo e sentiu sua perna sendo arranhada logo em seguida.

Por reflexo, Marcos chutou o que quer que fosse e acendeu a lâmpada do quarto; vazio, assim como o resto da casa. No canto do cômodo, um gato branco.

— Desculpa, bichano. — estendeu as mãos em direção ao felino, para tentar mostrar que não era uma ameaça ao animal. — Amigo, amigo... — disse Marcos tentando acalmar o gato, ao aproximar-se do felino assustado. — Na verdade, bicho... tu deve ser a coisa mais perto de um amigo, que eu tenho agora mesmo.

 O gato chiou, hostil e ameaçou um bote, mas acabou saindo por um buraco na janela de vidro do quarto.

— Filho de rapariga, bicho. — Assustado, recriminou a atitude agressiva do animal. — É melhor correr mesmo! — Parou pensativo por um momento. — É, acho que ninguém quer ser amigo de um louco.

Como não havia móveis na casa, Marcos voltou ao estacionamento.

Lá estava ele: o Opala 1971 que pertencera a seu pai.

Marcelo Fonseca, pai de Marcos, abandonou seu filho aos oito anos de idade, deixando de presente um carango velho, porém bem conservado.

— O canalha; soube me agradar, ao menos. — sorriu em meio às lembranças. — Deu aquela velha comprada de cigarros, mas foi a pé e esqueceu o carango. — puxou a capa, que envolvia o veículo, o protegendo da poeira e pôde ver aquela cor preta, que ainda não desbotara. — E ele nem fumava.

A mãe de Marcos nunca o vendera, nem mesmo quando conheceu Ari. Seu padrasto supriu a falta de uma figura paterna para Marcos. Não só isso, como também o tornou o campeão que fora um dia.

O toca-fitas do carro estava intacto e várias fitas estavam no porta-luvas. Tudo naquele carro lhe trazia várias memórias. A mais marcante, um dos últimos diálogos com seu pai, havia sido quando levara uma surra na escola. Ambos estavam sentados nos bancos da frente.

— Filho, está tudo bem?

— Tá sim, pai. — Enxugou as lágrimas com a camisa. — Só passaram alguns ninjas cortadores de cebola aqui.

— Malditos ninjas! — disse o pai dando um tapinha no ombro de Marcos. — Eles deveriam saber que toda arte que eles aprendem deve ser usada em última ocasião.

— Eu também quero aprender, pai.disse o garoto, com raiva. Quero lutar, dar uma lição neles.

Marcelo soltou uma risada.

— Os meninos do bairro do Cícero de novo?indagou Marcelo.

— Eles atiraram num passarinho com um estilingue. O pobrezinho do pássaro gritava “socorro, socorro!” e não podia fazer nada.

— Você agiu bem, filho. Mas tenha calma, garoto. — deu um cheiro na cabeça do menino. — A melhor luta é aquela que é evitada. — Afagou seus cabelos. — Poderia ter resolvido com palavras e evitado encrenca.

— Tem alguma exceção?

— O direito deles termina quando o de outro começa. E se eles seguem; agem como temerários e saírem impunes, seja como eles.

— Temerário? — Marcos arqueou as sobrancelhas, confuso.

— Sim, filho. — Sorriu Marcelo. — Alguém que age com malícia, imprudência, sem se importar com o próximo.

— Não é isso que tá escrito na bíblia, supercrente. — repreendendo o próprio pai.  

— É, filho! Outro dia te ensino o que é ironia. O lance é: Toda vez que você faz algo contra sua moral, você se torna menos sábio e mais temerário.

Marcos reclinou a cabeça sobre o volante, pensativo em sua solitária melancolia, que o fazia sentir saudades até mesmo de seu pai, que não via desde 1987.

 

Por que você me deixou?

 

Notou que, pela falta de móveis na casa, seria melhor reclinar o banco do carro e dormir ali mesmo.

 

 

 

6 meses atrás

 

Marcos parecia impaciente.

Exercitava seu antigo hobby de tiro esportivo com alvos de silhueta humana montados de improviso no jardim de sua casa. Mesmo com raiva e com a cabeça nas alturas, ele com, sua exímia pontaria, acertava os alvos de maior pontuação.

— Bela pontaria, garoto. — disse Ari elogiando Marcos. — Quando decidir parar de lutar pode ingressar no tiro esportivo, mas espero que demore.

— Não te vi chegando, se fizer isso de novo vai tomar tiro — de rosto sério, ironizou a repentina chegada do treinador.

— Calma, macho man. — Ari tentou descontrair Marcos, mas optou por ir direto ao assunto. — Acho que está na hora de acabar essa palhaçada e conversar de vez com a Elisa.

— Não, cara. — Marcos alterou a voz. — Eu não converso com mulheres que trazem homens pra dentro da porra da minha casa!

— Como você pode concluir isso? Só pelo fato de que ouviu alguém falar durante uma ligação com ela? Isso é ridículo! — Ari sorriu abrindo os braços. — Eu ouvi a gravação da ligação, não tem ninguém Marcos!

O técnico andava de um lado para outro ao explicar.

— E além do mais — continuou Ari —, Elisa era seu alicerce administrava como ninguém suas contas, cuidava de você e da sua filha, te amou como ninguém e o que ganhou? — Fez uma pausa para frisar a frase porvir. — Ameaças de morte! Ainda bem que isso não virou processo.

Ari olhou ao seu redor e viu todo aquele quintal coberto pelo mato alto.

 — Olha pra isso, parece a Amazônia! — esbravejou o técnico, indignado. — Nem sequer um jardineiro você contrata pra podar essas merdas! Você agora só liga em pagar festas caras e farras e tudo pra — Ari parou para pensar num termo adequado —; pra suprir a falta delas!

— Na verdade duas ligações. — disse Marcos. — E sabe o que a vadia me disse? É coisa da sua cabeça. — Marcos pegou a arma novamente e mirou no alvo. — Duas vezes? É uma coincidência?

— De tudo o que eu disse você só escutou essa parte não foi? — falou Ari, com raiva. — Tá bom, tá na hora de eu te contar algo importante.

 Marcos pôs os fones para proteger os ouvidos do som dos tiros antes que Ari terminasse de falar, não queria o ouvir. Disparou três vezes, em três alvos diferentes. Retirou os fones e Ari continuava.

— Quer parar pra me escutar? — indagou Ari de cenho franzido. — Eu fiz sexo com a Elisa, foi uma ou duas vezes, mas...

Uma gota de suor frio desceu pela testa de Marcos. Seu coração bateu mais rápido, suas mãos ficaram instantaneamente geladas.

— O quê?! — impediu que Ari terminasse de falar.

Já o odiava por comer sua falecida e adorada mãe, agora isso?

A raiva era tamanha, que mal conseguia terminar uma frase direito.

— Eu falei alguma coisa errada? — perguntou Ari assustado.

O furor subiu aos olhos de Marcos, suas pernas bambeavam. Procurou chão, mas não o tinha. Não sabia o que falar. Pegou a arma, mirou no rosto de Ari, suas mãos estavam trêmulas.

— Marcos, calma. — disse Ari aproximando-se lentamente de Marcos. — Você não quer fazer isso!

O disparo é ouvido. Ari caiu. Suas mãos trêmulas o fizeram errar o alvo; acertara o ombro direito de Ari.

O atirador ficou de joelhos no chão, ao lado do alvejado.

 

 

 

Academia do Marcos

 

Um adolescente gordo e cheio de espinhas e sua namorada, que parecia mais uma irmã, uma senhora de uns sessenta anos e um garoto nerd de óculos fundo de garrafa. Estes eram os quatro alunos da turma única da recém inaugurada Marcos’s Fight Academy

— Vocês foram sensacionais hoje, turma. — elogiou Marcos. — Continuem dando duro. — incentivou os alunos. — Oss! — os cumprimentou.

Matheus, o primo policial de Marcos e ex-integrante de sua comissão técnica, assistia o final do treino. Quando os alunos deixaram a academia, começaram os comentários.

— Então esses vão ser os futuros campeões mundiais? — comentou Matheus.

— Os gordos não conseguem fazer um alongamento certo, bicho. — analisou Marcos. — A velha é lenta, mas é perdoável. — Balançou a cabeça conformado. — O que não é perdoável é um ser humano como o magrelo ser quase parado. São quase deficientes.

— Isso me lembra daquela entrevista: “Se fosse qualquer outra pessoa estacionando nessa vaga, esse aleijado miserável não processaria. Como o foi o campeão mundial ele quis se aproveitar”.

— Pura verdade, eu estacionei rapidinho. — disse Marcos, sério. — Eles têm previdência social, cotas, aquele corcunda do caralho traiu o Leônidas; o que mais essa raça quer?

— Falou, Hitler. — disse Matheus. — Eu vou capar o gato, misera. Tenho ronda agora.

O primo foi embora. Marcos organizava a academia para fechar. Mal sabia ele que teria uma visita inesperada.

— Olá! — cumprimentou o visitante.

— Escuta, estamos fechados. Então volte amanhã. — Baixou a cabeça, pegando as manoplas de treino. — Ou não — disse em voz baixa, sem olhar ao homem que entrara em sua academia.

— Quero me matricular — disse olhando esperançoso nos olhos de Marcos.

Ambicioso, o professor olha e vê que se trata de uma cadeira.

— Volte quando puder chutar — respondeu seriamente.  

— Então é verdade — soltou um riso amarelo. —, você é um filho da puta preconceituoso? — Jogou as palavras na face de Marcos.

— Escuta aqui, aleijadinho. — Sorriu ironicamente. — Dez defesas de título, cara. Recorde mundial.

Ele aproximou-se do cadeirante jogando as manoplas no chão.

— E só o tribunal foi capaz de me derrubar. — Apontou o indicador para o chão. — Sou um campeão, preconceito não faz parte do meu vocabulário. — disse, irritado. — Só quis evidenciar que você é inválido pra esse esporte. Vá procurar sua turma, rapaz! Jogar xadrez, não me amola!

— Isso, me chama assim! — esbravejou o cadeirante. — Você não é um campeão, é uma farsa. Campeões inspiram pessoas. Você é uma vergonha. — Virou-se e empurrou as rodas de sua cadeira, para sair. Surpreso e sem reação, Marcos observou o cadeirante deixar a academia.

— Em 2016 vai ter paraolimpíadas, procure inspiração por lá!

Mesmo de costas, o visitante mostrou o dedo médio antes de sair.

 

 

Casa dos fundos

 

As palavras do cadeirante haviam mexido com a mente de Marcos.

Faminto, entrou em casa e ainda pensando naquilo. Havia conseguido mobiliar a casa, menos o quarto em que o gato havia tomado dele. Dentre os móveis comprados, uma bela geladeira inox, que ele abriu, mas estava vazia. Fechou-a novamente. Desiludido, deitou-se no sofá da sala. 

Marcos observou a porta do quarto do gato abrir-se, era o único cômodo vazio da casa. Recolheu-se no sofá, como forma de defesa, pois o gato sempre o atacara depois de ter o chutado no primeiro encontro. Desta vez, foi diferente.

— Tô com fome — disse o Gato.

De olhos arregalados, ele não acreditava no que vira e ouvira. Primeiro o gato invadiu sua casa e, agora, o avisara formalmente de suas necessidades.

— Meu Deus! — exclamou Marcos. — Demônio!

Pulou sobre o sofá e correu o mais rápido que pôde. Entrou dentro do carro, tentou dar partida, mas o velho Opala morria engasgando. Assustado, Marcos fechou os olhos e começou a cantar.

— O sangue de Jesus tem poder, tem poder, tem poder. — cantou Marcos repetidamente. — O sangue de Jesus tem poder, tem poder, tem poder.

Ele sentiu as pequenas patas felpudas em seu peito, de repente a língua áspera lambendo seu rosto. Olhou para o lado e viu, que no desespero não fechou as janelas do carro que sempre deixava aberta, por estarem emperradas de velhas e precisarem de muito esforço para que ficassem cerradas.

— Tô com fome.

— Olha, senhor gato, ou Satanás, como preferir. — Engoliu o nó na garganta. — Minha geladeira está vazia, também estou com fome. Nem por isso eu estou lhe pedindo comida. — Deu uma nervosa risada. — O que você quer afinal? Que eu roube?! — indagou retoricamente.

— É. — respondeu o gato. — Rouba. — lentamente seus lábios e bochechas formaram um sorriso.

Marcos olhou para cima e riu assustado. Olhou novamente para o felino, que sorria sádico.

— Não dá pra acreditar, olha só pra isso! A porra do gato tá sorrindo pra mim, bicho!

— Faz alguma coisa. — disse o Gato. — Mas me dá comida, pelo amor de Lúcifer.

— Tudo bem — O baque estava dado. —, só me deixa pensar.

Marcos foi para dentro de casa, estava decidido a seguir os conselhos de seu amigo Gato. Pegou um casaco de capuz preto, óculos escuros e sua Taurus 9mm. Voltou para o carro, pegou a primeira fita que viu e tocou.

Era Eye of The Tiger.

— Genial, a música que todo lutador escuta quando precisa de um momento de superação desde Rocky III. — Trocou a fita. — Não quero me sentir culpado. — Apertou o play.

Desta vez, Girls Just Wanna Have Fun.

— Menos mal, não, Gato? — perguntou para seu amigo no banco ao lado.

— Sim. — disse o gato enquanto o carro deu partida. — Taca-lhe pau nesse carrinho, Marcos!

 

 

 

Supermercado Litoral Sul

 

Marcos e Gato foram até o supermercado mais longe que puderam na cidade. Marcos pôs a 9mm na parte de trás da calça e Gato ficou esperando no carro.

Antes de entrar, lhe chamou atenção um mendigo segurando um papelão escrito: “Deus não está morto”.

— Assistiu ao filme, hein? — indagou Marcos o olhando. — Deus não está morto, mas esse filme tentou matá-lo de vergonha.

Olhou para a entrada do supermercado, observando as pessoas passando pela porta de vidro com sensor, que se abria.

— Será que tudo hoje quer me fazer repensar nas minhas futuras atitudes? — indagou ainda pensando no cartaz. — Droga! — Olhou novamente para o mendigo. — Obrigado por lembrar, hein? — agradeceu fazendo sinal positivo com a mão para o homem velho, barbudo e maltrapilho segurando o papelão, que retribuiu.

Entrando no supermercado, Marcos passou pelas prateleiras com as mãos nos bolsos do casaco preto. Pegou um Doritos e lá mesmo abriu.

— Que larica! Adoro comer esses isopores temperados. — passeou por um instante pelas prateleiras e avistou sachês de Whiskas. — Acho que ele vai gostar disso! — Pegou um sachê.

Foi até a fila do terceiro caixa, jurando estar fazendo de tudo para não ser reconhecido. Não era o bastante.

— Pai? — disse Vanessa, que esperava sua vez logo atrás.

— Papai? — indagou descontentemente surpreso. — Quer dizer — Preparou-se para corrigir o tom. —, Papai! — falsamente admirado, até que travou por um instante.

Suas pernas ficaram bambas. Começou a suar, nervoso. Com tanto tempo sem ver a sua filha, o reencontro seria naquela ocasião.

— Que Saudade! — disse Marcos, que, ajoelhou-se, para abraçar Vanessa.

— Eu sabia que você iria sair logo. — Sua filha apertou o pai com o braço. — Você ainda é o meu herói. Sempre vai ser!

Aquele abraço tirou o fôlego de Marcos, o fez refletir sobre o que ele era.

Uma lágrima solitária escorreu no rosto daquele pai. Elisa se aproximava com um carrinho de compras naquele momento. Ele não conseguia ficar ali na presença das duas. Sentia vergonha e espantou-se ao ver aquele fantasma do passado, que era sua esposa.

— Eu tenho que ir, meu amor — despediu-se abruptamente, saindo da fila.

— Espera pai — pediu a filha.

Andou rapidamente até a prateleira mais distante da fila. Sentiu uma dor, um aperto no peito e falou entre os dentes com o rosto cheio de lágrimas:

— Meu Deus, que vergonha! — Socou uma parede próxima. — Que vergonha! — Eu não posso fazer isso. Eu devia morrer aqui mesmo.  De fome, desonra e vergonha!

Seu lamento é então interrompido por um tiro seco. 

— Todo mundo no chão! — anunciou um assaltante com uma touca-máscara. — Isso é um assalto!

Uma ironia do destino. Enquanto o primeiro anunciava o assalto, outro recolhia dinheiro e pertences das pessoas que estavam na fila.

— Esvazie o caixa, sua delícia — disse o anunciante para a operadora de caixa mais próxima, em seguida também foi à fila para subtrair dos clientes que esperavam.

 

Desta noite esse supermercado não passava.

 

O mascarado parou de frente à Elisa, deixando Marcos preocupado com a família ali.

Tinha medo.

A polícia chegou do lado de fora. Logo, o assaltante viu que a única saída seria fazer reféns, ele optou, covardemente, pelo alvo mais fácil e próximo: Vanessa.

Puxou-a dos braços de Elisa e a menina ameaçou para a polícia, que assistia a tudo do outro lado das portas de vidro.

— Não! — implorou a mãe e tentou desesperadamente puxá-la dos braços do assaltante, caindo no chão após levar uma coronhada.

Marcos estava observando atônito à cena de longe. Sua filha era a refém escolhida. O pior de seus medos havia se concretizado. Aquele era o pior dia de sua vida.

Ele começou a lembrar das palavras de seu pai:

Eles agem como temerários, seja temerário como eles.

Olhou sério, e partiu em direção aos meliantes. Passou pela fila onde o segundo assaltante recolhia pertences dos clientes e aproximou-se do mesmo à distância de um corpo.

— Fica quietinho aí, cara — disse ele, percebendo a imprudência do desesperado pai.

Marcos empurrou a arma do assaltante, segurando firme com a mão esquerda e com a direita socou o cotovelo do rapaz por baixo, que soltou a arma, quando o estalo das juntas separando-se foi ouvido. Aplicou-lhe um clinche, golpe que consiste em agarrar o oponente pela parte de trás do pescoço, o fez com a mão direita, puxando-o em direção ao joelho direito, que acertou a face do mascarado com brutal precisão.

Pôde sentir os ossos do nariz quebrados em seu joelho, tirou sua arma do bolso apontando a 9mm para o assaltante que estava caído, desnorteado pelos golpes.

— Ei, vacilão! — falou, Marcos pedindo a atenção do outro criminoso. — Os pertences das pessoas e o dinheiro estão aqui, na mochila desse pacote de bosta no chão.  

Apontou a 9mm para a cabeça do parceiro do anunciante.

— Solta a garota e se entrega. — disse Marcos. — Você não está em posição de negociar. Essa é uma luta que você pode evitar, mas não uma que pode vencer.

O primeiro assaltante, ainda mantendo Vanessa de refém, não sabia o que fazer. Não previa aquilo.  

— Ouve o que ele tá dizendo, pai. — disse o nocauteado, arquejante, na mira da 9mm.  — Vai ser melhor assim.

— Não vai acontecer nada com você e nem com o seu filho, eu prometo — disse Marcos.

O assaltante soltou Vanessa, que correu em direção à mãe. Então, tirou o pente e pôs a arma no chão, chutando-o em direção ao lutador. Em seguida, levou as mãos à cabeça.

Logo após, o seu filho levantou-se e também com as mãos na cabeça, saiu do supermercado ao lado de seu pai.

Marcos foi em direção às duas e envolveu-as em seus braços. Tudo aquilo foi registrado pelas câmeras do estabelecimento. As lágrimas corriam pelo rosto dos três e de muitos ali presentes.

— Viu, pai? — indagou Vanessa. — Você é meu herói — falou aos soluços.

Marcos escutava aplausos e seu nome sendo gritado mais uma vez. Havia vencido aquela luta.

Era de novo, um campeão.


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