Jovem Deus escrita por Kamaire


Capítulo 3
Capítulo 2




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O pisciano havia acordado de seu sono, geralmente tranquilo, mais afobado dessa vez. O peito subia e descia rapidamente, e, enquanto Peixes tentava normalizar a respiração, tentava também se agarrar aos detalhes do sonho, o qual não se lembrava. Era como se soubesse que havia sonhado, mas lembrava-se apenas de uma mera sensação – nada mais do que algo que não podia descrever, de tão vago que lhe parecia, ainda que muito confortável.
Com um suspiro, ele se sentou na cama. O alarme tocava irritantemente, e Peixes deu uma batida forte em cima dele, estalando a língua. Suspirou aliviado ao percebê-lo parar de apitar, e foi se aprontar pra mais um dia de trabalho, prendendo os cabelos que caíam sobre o rosto. Ouviu um grito do colega da casa. Virgem, um rapaz moreno e ele dividiam um apartamento. Eram completamente opostos, mas acabavam se entendendo.
Ao terminar de se aprontar, saiu de casa junto com o virginiano. O dia estava nublado e Peixes concentrava seus pensamentos numa música ouvida recentemente, tentando se lembrar de sua letra e assobiando a batida, enquanto olhava pro céu. Tamanha sua distração, que não viu um homem pelo qual tropeçou, e só não caiu pois ele o segurou.
— Toma cuidado. – o mais alto proferiu. Peixes olhou pra cima pra observá-lo. Um moreno pálido com os cabelos presos numa trança. O azulado pensou já tê-lo visto antes, mesmo que não se lembrasse onde. Era como se ele tivesse mudado a aparência e aparecido depois de anos. – Não irá conseguir nada se ficar apenas olhando pro céu, não acha? – apesar de não sorrir, o tom era bem humorado. O homem o deixou de pé na calçada. – Agora, vá. Não se atrase para o trabalho, Peixes. – recomendou. O azulado só iria perceber mais tarde que o homem que nunca o havia visto na vida sabia seu nome e que estava indo trabalhar, mesmo que Virgem tivesse apontado isso quase imediatamente. Peixes não deu muita atenção. Mas, na hora, com seu foco tentando descobrir de onde o conhecia, apenas grunhiu algo e observou a misteriosa figura enquanto ele continuava sua caminhada no sentido contrário ao que o pisciano estava indo, sem ao menos olhar pra trás.
Peixes trabalhava em uma floricultura. Escolhera esse trabalho não pelo dinheiro – conseguia viver razoavelmente e se sustentar sozinho com o salário que ganhava. Gostava das histórias que às vezes tinha a felicidade de ouvir, o sorriso das pessoas enquanto escolhiam as flores, e aquela energia boa que circundava o ambiente. Às vezes se pegava pensando, perdido como usual, nos casos dos seus clientes. A mãe daquele que comprara rosas estava doente, e a amável moça que levara uma orquídea bonita iria se declarar ao vizinho. O azulado adorava aquele clima.
— Distraído de novo, Peixes? – perguntou uma voz masculina. O pisciano foi despertado de seus pensamentos e olhou para o moreno com longos cabelos cacheados. – Você vive no mundo da lua, francamente. – a floricultura era da mãe de Virgem antes dessa morrer, e o moreno acabou herdando-a. Responsável e frequentemente na liderança, adorava dizer frases como essa. Peixes não se importava em retrucar, de qualquer maneira.
— Gostei da coroa, Vivi. – o colega de Peixes estreitou os olhos ao ouvir o apelido pelo qual fora chamado, (uma mania que ele já tentara tirar do menor, sem sucesso algum) mas não reclamou. – Quais flores você escolheu, hoje?
O virginiano ajeitou a coroa de flores na cabeça e murmurou um “Obrigado.” – Narcisos. – respondeu sem dar detalhes, voltando ao seu serviço de organizar as flores por cor.

~

À tarde, depois do trabalho, o azulado gostava de passar na piscina do clube atrás de casa, enquanto o colega ia para casa, fazer a limpeza que insistia em repetir todos os dias, mesmo que não houvesse necessidade pra tudo aquilo, afinal, moravam só os dois no apartamento. Para a surpresa do baixinho, estava vazio. Ele até desconfiou de que a piscina estivesse fechada, para o seu lamento, mas um funcionário o olhou com as sobrancelhas franzidas. Como sempre, não disse nada além do usual, repetindo o mesmo mantra de sempre. – Não nos responsabilizamos por nenhum pertence esquecido, os vestiários masculinos se encontram à esquerda. – não fazia esforço para parecer menos mal humorado. Peixes se perguntava, às vezes, como o homem não havia sido demitido, ainda. “Talvez não tenham ninguém mais pra contratar.”, pensava, com um suspiro.
Ele mergulhou na piscina e fechou os olhos. Sentir a água em torno de seu corpo era tão bom, que ele podia, da melhor forma possível, esquecer de seu exterior e focar mais nos seus pensamentos. Não era como se não estivesse fazendo isso toda hora, mas o azulado amava aquela sensação em específico. Era a hora do dia na qual finalmente tomava um tempo somente pra si, para tentar organizar aquele emaranhado de pensamentos que o distraíam pelo dia inteiro.
Percebeu, então, quando mais uma pessoa entrou na água. Subindo para pegar ar, Peixes olhou em volta. À sua frente, encontrava-se o mesmo homem que havia visto no caminho ao trabalho. Não...Não poderia ser ele. Dessa vez, seus olhos estavam num dourado mais vivo, as madeixas eram roxas escuras e sua trança estava de pé – como um escorpião prestes a dar o bote.
Finalmente parecendo se recordar dos detalhes e do seu sonho, como se nunca tivesse esquecido-o, sorriu. A criatura não parecia se importar em molhar as asas ou as roupas – já que não as havia tirado quando entrara na água.
— Interrompi seus pensamentos? Imagino que não possa iniciar uma conversa sem fazer isso. Sua mente é, de fato, agitada. - o mais alto começou. – Oh, perdão, Ainda não me apresentei. Meu nome é Escorpião, e é apenas isso que preciso que saiba. – disse com um sorriso gentil. – Não sou de repetições, então vou ser direto. – Aquilo que viu no sonho pode tornar a acontecer, Peixes. Imagino que, para você, acima de todos, não é difícil acreditar que o mundo não se resume em apenas o mundo em que vocês, os humanos, vivem. Posso te mostrar mais. Os que alguns acreditam ser lendas, você pode conhecer pessoalmente. – Peixes pensou em responder. – Não, não diga nada. Já tenho a sua resposta, não se lembra? – dito isso, Peixes assentiu devagar. – Vim te fazer essa visita para que não pense que eu sumi, é claro. Isso seria uma pena. Humanos descrentes ou desiludidos fazem coisas terríveis, é claro. Ou você realmente achou que era só um sonho? – ao ser indagado, Peixes não soube responder. Não tivera muito tempo para pensar naquilo, até porque não se lembrava com o que havia sonhado até o presente momento.
— Eu...Nunca pensei que fosse só um sonho. – não deixava de ser mentira, então pareceu a melhor coisa a se dizer. Isso pareceu agradar o escorpiano.
— Isso é muito bom. Agora vá, descanse. Ainda tenho planos pra você. – mesmo que tenha murmurado a última parte, o pisciano conseguiu ouvir. De repente, estava dentro da água de novo. Tornou a emergir. O funcionário mal humorado tinha sumido. Não tinha certeza de quando, exatamente, tinha ido embora, mas mesmo que a conversa entre ele e o anjo tenha durado apenas alguns minutos, um tempo razoável parecia ter se passado. Peixes não fazia ideia de como sabia disso, mas apenas lhe parecia verdade.
Cansado, ele foi pra casa depois de passar no vestiário, como sempre fazia.
Chegando no apartamento, Peixes encontrou Virgem limpando o balcão da cozinha.
Ao vê-lo, o virginiano correu até ele. – Onde estava?! Você demorou muito mais do que o usual! – bronqueou.
— Uhh. Resolvi ficar um pouco mais na piscina. – deu de ombros. Era a desculpa mais plausível para o momento. – Estou cansado. Se importa se eu for dormir sem comer? – Peixes abriu um sorriso amarelo. Ao ver o dar de ombros do colega, foi direto pro quarto. As coisas estavam começando a ficar estranhas. Estranhas até demais, pra dizer a verdade. E Peixes não sabia muito bem o que pensar. Gostava de se entregar a algo novo, mas aquilo era, com certeza, diferente do usual. Com a cabeça cheia, vestiu-se adequadamente e se entregou ao sono, sem ligar para mais nada.


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