Jovem Deus escrita por Kamaire


Capítulo 2
Capítulo 1




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Tinha um homem parado exatamente pra onde meus olhos apontavam, e ele olhava pra mim. Era alto e seus cabelos escuros, trançados em uma única trança que caía sobre seu ombro. Era, com certeza, mais alto que eu. E tinha asas. Asas brancas e lustrosas, grandes o suficiente para sustentar o corpo de alguém. Quis falar. Quis perguntar se ele era um anjo, mas agora era como se a voz com a qual eu gargalhara tão alto nunca tivesse existido.

— Eu sei o que você quer. – Foi a primeira coisa que ele proferiu. Eu, sem entender. Ele levantou as asas e as bateu, e eu senti uma lufada de vento vindo em minha direção. Ergueu-se uns centímetros do chão. Falou mais alto. – Sei exatamente com o que sonha. – Continuou. As asas pesadas batiam de um modo ritmado e o mantinham no ar. Eu engoliria em seco se não fosse meu estado contínuo de estupefação. Meu corpo parecia ter sido colado naquela árvore. – Você sonha. E sonha muito, sonha alto. Mas... – a pausa dramática que ele fez foi o suficiente para me prender mais ainda em suas palavras, como se, por si só, não fosse enigmático o suficiente. Ele sabia como proferir cada sílaba de um jeito que me encantava. – Você não sonha com dinheiro ou bens, como outros seres humanos. – Ele afirmou, e estava correto. Como ele sabia de tudo isso, eu continuava me perguntando. Mas me deixei levar pela correnteza e foquei somente nele, direcionava meu olhar geralmente tão disperso, que não parava em um só ponto, apenas a ele. – Você sonha em voar. Percorrer os céus com passos tão suaves e rápidos que o próprio deus Hermes lhe invejaria. – O homem tirou as palavras da minha mente. Era esse tipo de pensamento que vivia passeando por minha cabeça, como um sonho de criança que se recusara a deixar a consciência.

Eu me recordei dos diversos sonhos que tivera, e eles pareciam nunca terem desaparecido mesmo eu tendo-os esquecido. Costumava correr sobre os céus, com os pés descalços, rindo-me alto. Pisava no manto de nuvens suavemente, e meus pés não caíam no vão quando a nuvem na qual eu corria ficava para trás. Eu erguia as asas gigantes que pareciam sempre estarem ali e as batia, e voava. Brincava comigo mesmo e rodopiava pelo céu, atravessando as nuvens que pareciam tanto pedações de algodão doce. E eu me lembrava bem, que era como se o som das minhas risadas ecoasse por toda aquela infinidade e preenchesse o céu.

Eram sempre sonhos parecidos, como vislumbres felizes, com tudo de bom que eu conseguia imaginar.  Minha visão mudou e eu pude ver as pessoas em baixo de mim, olhando-me maravilhadas. Estava revendo, eu percebia, mais um daqueles sonhos, mas pela primeira vez eu enxergava o público que eu nunca notara que estava lá, concentrado demais nas minhas próprias piruetas. Conseguia ver o rosto claro de cada indivíduo olhando para o céu. Era como se eu conseguisse sentir a felicidade do coração de cada um, e as batidas deles. E escutava suas risadas e vozes animadas, das quais eu não conseguia, porém, reconhecer o que realmente diziam, mesmo podendo ouvi-las tão alto. E as pessoas se movimentavam, não haviam uma única delas parada. Elas dançavam e celebravam, davam as mãos e estavam unidas como os versos de uma música. Tão rápido quanto aparecera, a visão voltou a se dissolver, mas eu ainda podia sentir o sentimento único e caloroso.

Meus olhos se abriram e ali estava ele, parado na minha frente. Estava se equilibrando no galho da árvore e seu corpo dava a sensação de pesar uma pena somente. – É isso o que você quer, não é? – Eu assenti sem hesitar. – Seremos nós dois. – Ele sorriu. Um sorriso, pensei por um momento, quase assustador, mas a sensação de anestesia cobria sua pele como um manto pesado. – Como dois reis que se levantam lado a lado. Não, reis não! – O anjo se autocorrigiu, e parecia animadíssimo. Refiro-me a ele como um anjo porque, já nesse ponto, o enxergava apenas como isso, e estava claro que não haveria necessidade de lhe perguntar nada – Como deuses! – se aproximou perigosamente e segurou meu rosto, colando os olhos nos meus. Eu tive aqueles segundos para observar e guardar suas feições que pareciam tão angelicais, mas ao mesmo tempo, maduras. O local onde ele tocava minha pele queimava, mas era um calor gostoso. Ele aparentava estar compartilhando a emoção que sentia, como se lhe fosse muita para ser guardada e transbordasse pelas suas mãos – Mas preciso da sua ajuda para que estejamos completos. – Contrapôs-se, e voltou a apresentar-me outro grande sorriso. – É o que você quer, ser um deus, não é? Voar livre pelo céu por quanto tempo quiser? – Perguntou com a mesma segurança e firmeza de antes. Eu pensei por mínimos dois segundos antes de responder o anjo. E pude, finalmente, pronunciar a minha primeira palavra ali.

— Sim.

E, aos poucos, tudo à minha volta foi deixando seus contornos, desaparecendo lentamente. Eu me senti como se flutuasse, voltando a experimentar a sensação de liberdade dos meus sonhos. A macieira não estava lá, e apenas eu e ele levitávamos no ambiente vazio. Mas, senti seu toque que queimava calorosamente sobre meu rosto esfriar, era quase como se estivesse ficando invisível, e seu contorno começou a desaparecer assim como o lugar inteiro. Seu sorriso que permanecia em seu rosto, não parecia vacilar, e eu, contagiado por toda aquela segurança, sorri também, o meu sorriso mais sincero ele pôde ver, e eu me senti como se mostrássemos um ao outro as nossas emoções nuas. Ele foi a última coisa a desaparecer, junto aos seus olhos, num tom de dourado escuro e hipnotizante. Eu pude ouvir uma voz sussurrar em meu ouvido:

— “Peixes. Peixes. Peixes” – repetia continuamente o meu nome, sumindo aos poucos. Eu desejei, pela primeira vez no tempo em que estivera ali, que não fosse abandonado sem instruções, mas não aconteceu como eu queria e eu caí no vazio.


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