A Escolhida do Destino escrita por Dama dos Mundos


Capítulo 12
Coisas que importam.


Notas iniciais do capítulo

Heiiii alguém ainda acompanha isso aqui? Espero que sim.
Eu sempre fico chocada quando eu paro pra observar a ultima vez que atualizei minhas histórias, essa aqui tá parada a quase dois anos. Eu realmente tenho que começar a me programa melhor, enfim.

Espero que todos gostem do capítulo. Boa leitura. :3



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/708880/chapter/12

Alyson Valoem engoliu em seco enquanto via, perplexa, a jovem que era recepcionista do estabelecimento, com os braços cruzados, uma expressão enfezada e aos gritos com Gilgamesh, algumas horas depois do ocorrido.

— Inacreditável, eu tive que colocar as pessoas para fora daqui alegando que podia haver um vazamento de gás, nós perdemos praticamente metade do que deveríamos ganhar hoje e você quase se matou no processo.

— Eu estava defendendo nossa casa, Emily… — a voz de Gil tinha um timbre mais frágil que o normal, além dele estar muito pálido. Claramente, o feiticeiro precisava de um descanso mais prolongado do que as horas que dormira até aquele momento, no qual acordara apenas para ser advertido por sua aprendiz.

— Não importa, mestre! Você poderia fazê-lo de outras maneiras sem se arriscar tanto, isso foi muito perigoso. Você sempre diz que eu nunca, em hipótese alguma devo extrapolar! Principalmente de uma maneira voluntária!

— Faça o que eu digo, não faça o que eu… — ele parou de falar, olhando então para a moça. Emily estava com os olhos marejados, prestes a ter uma crise de choro. Gil suspirou, sua habitual expressão de indiferença dando lugar a um pouco de gentileza, enquanto ele erguia a mão para colocar sobre a cabeça dela. — Naturalmente eu não deixaria que aquelas coisas ferissem minha adorável aprendiz, não é?

— Você… está desviando do assunto.

— Eu vou tomar mais cuidado da próxima vez, criança emotiva.

— Olha só, ele tem um coração. — argumentou Kensuke, que estava também próximo dali, enquanto um gato preto que acabara de adentrar o aposento ecoava com: “Olha só, ele realmente tem um coração”.

— Pro inferno, vocês dois.

O grupo estava numa grande sala, dedicada ao descanso, ou apenas a uma reunião casual para os mais próximos dos habitantes que ali viviam (isso considerando que Gilgamesh recebia visitantes, o que não deveria ocorrer com frequência). A área estava instalada acima dos dois salões de jogos, paralela ao escritório de Gil, e simulava um apartamento, com dois quartos, um banheiro, uma cozinha e aquela sala. Talvez houvessem bem mais cômodos, mas aqueles foram os que o grupo conseguiu perceber.

Quando o portal foi fechado e Gil esgotou sua magia, o escritório foi lentamente retornando a sua aparência original. Incrivelmente, aquela distorção não parecia ter afetado os andares inferiores e a própria área residencial, mas Emily sentira a interferência mágica e rapidamente agira para evacuar o prédio, mandando todos os clientes embora. Enquanto o fazia, ela concentrava-se nas barreiras entre ambientes, fortalecendo-as para que, fosse o que fosse que estivesse afetando o salão de seu mestre, não chegasse até elas. A moça não era tão poderosa quanto Gilgamesh, longe disso até, mas ela aprendera o bastante para conseguir guardar a barreira enquanto ele não pudesse. É claro que Crós ajudara bastante com isso, além da própria Alyson, sem querer concertando o escudo que ele havia criado.

A mulher praticamente correra para o último andar após ter certeza que todos haviam saído, apenas para deparar-se com o pequeno espaço ocupado por pessoas que estavam entre feridas, exaustas e simplesmente desmaiadas. Então ela, tentando manter o autocontrole, guiou-os em direção aos outros aposentos para que pudessem se reestabelecer. Beatrice deitara Gilgamesh na sala, sem dizer absolutamente nenhuma palavra, movera sua atenção para os outros presentes e apenas fizera um aceno com a cabeça, seu corpo diminuindo e modificando-se para a forma de um corvo, que pousou sobre um dos braços do sofá e permaneceu ali. Emily teria preferido levar o mestre para o quarto dele, mas visto que não queria incorrer no desgosto de Beatrice, preferiu deixá-lo ali mesmo. Então, ela indicou para Ken o caminho de seu próprio aposento privado, para que ele deixasse Chloe descansar em sua cama.

As horas seguintes desdobraram-se com os ânimos sendo acalmados e com as feridas sendo tratadas, e também com Alyson apaixonando-se pela aparência felina de Crós que, como gastara também muita magia, preferia assumir uma forma na qual pudesse recuperá-la mais rápido. A forma em questão era de um gato preto, de pelos lustrosos e porte pequeno, que a propósito, falava.

Era precisamente para ele que a jovem olhava agora, uma expressão animada cruzando seu rosto e com as mãos indo para frente na tentativa de pegá-lo.

— Pelos deuses, você parece que quer me comer.

— Na verdade eu quero só abraçar.

— Não importa, é assustadora de qualquer jeito. — o felino espreguiçou-se longamente e virou sua cabeça em direção a Gilgamesh. — Estou contente que tenha acordado, e Emily tem toda a razão, você foi imprudente.

— Imprudência ou não, eles foram rechaçados. Uma pena que não consegui matar o mago que criou toda essa situação.

— É possível que ele seja um problema mais adiante, mas estaremos mais preparados para lidar com isso, então. — Crós bocejou longamente, voltando sua atenção para Alyson. — E toda essa situação serviu de algo, agora temos uma amostra do que você pode fazer.

— Não que eu saiba exatamente o que eu fiz.

— Você usou magia. Mesmo que fosse uma muito simples, também parece ser bastante poderosa… — ele respondeu, inclinando um pouco a cabeça. — Você desejou ajudar e concertar a barreira, e esse desejo acabou se materializando. Eu diria que, se for devidamente treinada, pode fazer coisas ainda mais complexas.

— O quão complexas? — Alyson demonstrou interesse, seu corpo vergando-se um pouco para frente, em direção ao gato, o que ele percebeu, afastando-se num salto. — Ah…

— Isso depende de acordo com sua especialização, se é que deseja especializar-se. — Gil que respondeu desta vez, voltando a deitar-se no sofá e colocando um dos braços em frente aos olhos. Emily alegou que daria uma olhada em Chloe, que ainda não havia acordado, e era velada por Sasha. — De qualquer forma, se o que Crós disse é verdade, você pode ter talento para magias defensivas ou de materialização. Eu sugiro que busque um tutor quando chegar em Diamond…

— Foi verdade, nós todos vimos com nossos próprios olhos. — alegou Ken, parecendo irritado. Na verdade, ele estava realmente zangado, mas era visível que estava se segurando também.

— Você é descrente demais das coisas, Gil. — Crós suspirou de desagrado, correndo de mais uma investida de Alyson para capturá-lo. — De qualquer forma, se ela desejar, eu próprio posso ensiná-la.

— Você… haha. — ele riu um pouco, então descendo o braço para encarar Beatrice que começara a grasnar. — Até você está do lado deles, Bea… me sinto traído.

— É o que você ganha por ser um babaca.

— Tsc, estão começando a me irritar. — ele sentou-se e esforçou-se para erguer-se do sofá, cambaleando um pouco no processo e começando a caminhar em direção ao quarto, o corvo branco alçando voo e seguindo-o. — Vamos terminar essa conversa mais tarde. Não estou em condições para isso agora…

— Ele vai mesmo ficar bem? — Alyson questionou, ao ver Gilgamesh deixar o cômodo.

— Irá, o pior já passou. Ele só vai precisar recuperar suas forças por um tempo… imagino que Emily terá de manter a barreira nos próximos dias.

— Entendi… — foi tudo o que ela disse, ainda observando o local por onde o feiticeiro havia saído, e então voltou-se para os dois ainda presentes na sala, Ken e o próprio Crós. — O que exatamente ele fez? Isso de extrapolar é realmente tão perigoso assim?

— Basicamente, seres mortais têm limites que precisam respeitar para que sua vida continue. Independente se são magos, guerreiros ou lutadores de artes marciais, há um ponto em que sua magia, poder ou força não podem ultrapassar, caso contrário… correm risco de morte. — Kensuke foi quem respondeu, virando a cabeça para fitar Crós. — Altair me falou certa vez que extrapolar esse limite era algo estúpido de se fazer…

— Certamente, é estúpido, quando você é um novato e não tem ideia do que está fazendo. Nós vivemos por muitos séculos, Kensuke. Um feiticeiro é, por experiência, o tipo de pessoa mais adequado para extrapolar sem morrer no processo. — o gato respondeu, sentando-se sobre as patas traseiras e movendo as orelhas. — Ainda assim, não deixa de ser perigoso. É o tipo de coisa que, mesma feita de forma voluntária, tem de ser bem pensada. Gilgamesh precisou retirar sua própria proteção da barreira para lançar o ataque com força total, se tivesse tentado manter os dois, certamente algo teria falhado. E pior, ele poderia realmente perder a vida.

— Isso é… algo assustador de se pensar. — Ly disse, encolhendo um pouco os ombros e olhando para o chão.

— As vezes não há outra opção. Se você quer proteger algo, você precisa dar tudo de si para isso. — Crós piscou os olhos amarelados e observou a moça, do outro lado da sala. — Gil pode ter agido mais por fúria do que por outra coisa, e pode ser uma pessoa bem desprezível na maior parte do tempo, mas ele fez o que fez pensando nas pessoas que estavam nos outros níveis, em Emily e até mesmo em nós.

— Acho que ele merece um pouco de crédito por isso. — Ken disse, apoiando o cotovelo sobre o braço do sofá em que estava.

— De fato ele merece… — A jovem sorriu um pouco, suas mãos movendo-se mais uma vez.

— Sério, pare de tentar me pegar.

— É mais forte do que eu, desculpe.

 

 

Sasha estava sentada numa cadeira ao lado da cama. Chloe não estava ferida, na verdade todo o sangue que havia no corpo dela, incluindo nas roupas, não era dela e sim da grande quantidade de demônios que havia picado em pedacinhos enquanto tentava salvá-la. Se é que… Chloe de fato estava tentando salvá-la naquela hora. Era muito difícil de ter certeza, ainda mais porque a amiga mordera Crós sem dó nem piedade quando este se aproximara para detê-la. Ela estava realmente fora de si, de uma maneira assustadora, principalmente quando se lembrava que era tão centrada e controlada com suas emoções.

Por um momento, era como se Chloe tivesse deixado de ser Chloe. E isso fora tão chocante quanto a sua própria situação de quase morte. Na verdade Sasha não sabia mais se deveria continuar aquele caminho. Ela… estava com medo. Estava apavorada… seu corpo tremia só de pensar naquela cena, e em como aquela luta toda acabara, com o fogo negro descendo de cima e ameaçando consumi-los todos. Mesmo sabendo que nada acontecera, que aquele golpe viera para destruir os inimigos e não eles, ainda era assustador.

— Hum, ela ainda não acordou? — questionou Emily, que acabara de entrar no aposento.

— Ah… não, ainda não. — Sasha teve um sobressalto com a chegada da outra, relaxando um pouco logo depois. — Desculpe-nos, sua cama está repleta de… gosma preta e desagradável.

Emily apenas observou aquilo sem demonstrar muito incomodo. — Ah, tudo bem, não tem problema. Eu estava mais preocupada que ela estivesse ferida, mas aparentemente está tudo bem, então… acho melhor que ela se banhe quando acordar, sei bem como deve ser perturbador desmaiar e acordar em outro lugar com as roupas trocadas.

Sasha estreitou os olhos com aquele comentário, abrindo os lábios e fechando logo depois, decidindo que não gostaria de saber como ela tinha esse tipo de memória.

— Mesmo assim acho estranho essa demora, pelo que entendi o que fez ela apagar foi um golpe de Crós, ela já deveria ter voltado a consciência.

— Isso é… muito ruim?

— Não sei, não parece ser. Pode ser algo relacionado ao trauma, você disse que ela caiu, não foi?

Sasha estremeceu de novo, limitando-se a apenas assentir com a cabeça, levando algum tempo para responder de fato. — Ela teve realmente muita sorte. Não, na verdade… não sei dizer se é certo chamar isso de sorte.

— Parece ser o tipo de coisa que te preocupa. — Emily disse, então deu um passo para fora do quarto, observando o corredor, e voltou para dentro, fechando a porta atrás de si e fazendo um sinal para que falassem mais baixo. — O mestre sempre diz que, se estou com dúvidas demais, deveria parar e repensar sobre o que eu realmente quero. Foi assim quando nos conhecemos e ele me ofereceu a chance de aprender magia.

— Você não nasceu com isso?

Ela negou com a cabeça levemente. — Não. É raro que pessoas desta terra nasçam com esse tipo de habilidade, quando acontece é normalmente porque elas já tem a magia advinda de ancestrais.

Sasha observou Chloe de novo, ela despertara algo que, definitivamente, deveria ser considerado um tipo de poder mágico. Quando ocorrera com Alyson fizera mais sentido, afinal o pai dela sempre fora uma figura um tanto quanto misteriosa que ninguém além de Leah conhecia muito bem. Mas Chloe, entretanto… não demonstrara nada muito diferente do normal além de suas crenças e da sua inteligência, até então. Talvez entrar demais naquele assunto fosse uma perda de tempo, então ela apenas retornou sua atenção para o que Emily falava.

— Ele me explicou que, de onde vinha, de Diamond… pessoas que lidavam com magia eram separadas em duas frentes: aqueles que já nascem com essa habilidade, os magos, e aqueles que estudam para desenvolvê-la, os feiticeiros. Para se tornar um feiticeiro, era preciso muito esforço, estudo e concentração. Assim como de alguns artefatos mágicos no começo, para estimular a criação da magia, principalmente nesse mundo onde ela quase não é presente nos humanos. — dizendo isso, ela retirou um colar que estava escondido abaixo do tecido de sua roupa. A corrente era de prata, mas o pingente era feito de algum tipo de pedra carmesim que Sasha não tinha certeza se realmente pertencia à Terra. — Eu estava realmente empolgada para aprender, mas… o início foi muito mais difícil do que eu pensei. Parecia que eu estava tendo todo esse esforço para apenas me frustrar e simplesmente não conseguir produzir nada.

— Mas você não desistiu, não é?

— Não, eu desisti. Por um tempo. Vendo que eu estava frustrada, o mestre disse que, se eu desejava parar por ali, eu deveria fazê-lo. Que as coisas só se tornariam ainda mais difíceis.

— Uau, ele parece ser realmente uma pessoa bastante otimista…

Emily sorriu de canto.

— Gil é uma pessoa bem difícil, realmente. Mas ele não é de todo mal, também.

— O que a fez desejar aprender magia de novo, então?

— Bom, eu… pensei que eu não poderia deixar todo aquele trabalho ser em vão. O tempo que eu passei longe desses ensinamentos foi o que me mostrou isso. Eu senti falta deles, em um dado momento, e lembrei o quão maravilhoso me pareceu a magia assim que tive contato a primeira vez com ela. E então eu decidi tentar mais uma vez. E mais outra, e outra. E aqui estou eu.

— Como a pessoa que trabalha pra manter a barreira ao lado do Gildamesh?

— Como esse tipo de pessoa. Embora me falte ainda muito trabalho pra poder me igualar a ele. Muito trabalho mesmo. — ela suspirou, parecendo um tanto quanto cansada, mas logo sorriu de novo. — Mas foi o que eu escolhi fazer, e eu tenho que lidar com tudo o que isso envolve. Toda escolha que fazemos tem suas partes boas e ruins.

Emily parou de falar e moveu sua cabeça em direção a porta, abrindo-a um pouco, apenas uma fresta. Ela observou de novo por ali e pareceu ficar preocupada com o que via, então abriu a porta totalmente e sussurrou para Sasha.

— Apenas… mantenha isso em mente, independente do que você quer fazer agora. Você sempre pode mudar de ideia, mas tem que ter responsabilidade para lidar com as consequências disso, seja por qual caminho deseje seguir. — então, a mulher deixou o quarto e fechou-o, Sasha só conseguindo ouvir vagamente ela andando em uma certa direção e discutindo algumas palavras com alguém, então uma porta próxima dali foi aberta e, seguidamente, fechada também.

A jovem ficou em silêncio por alguns instantes, sem saber muito bem o que deveria fazer ou como agir naquele momento. O que ela realmente queria… Sasha precisava considerar aquilo, precisava realmente pensar a fundo sobre o assunto, porque, a partir do momento que deixassem aquele lugar, estariam na etapa final da jornada. E talvez atravessar o portal para Diamond acabasse se tornando uma escolha sem volta.

Chloe se remexeu na cama, tirando-a de seus devaneios, e então moveu o braço em direção a cabeça, erguendo-se e ficando sentada.

— Que… dor de cabeça… — ela resmungou, abrindo os olhos, então piscou-os, observando atentamente o próprio estado e então olhando para Sasha que parecia prestes a chorar por vê-la acordada. — O que foi que…

Ela foi impedida de continuar por um abraço bem forte que quase tirou-lhe o ar. Sasha apoiou a cabeça no ombro da amiga e segurou-a contra si com toda a força que tinha, como se não quisesse tirá-la da frente de seus olhos nunca mais.

— Que bom que você acordou, que bom que está bem!

Chloe apenas retribuiu aquele abraço, não havia muita coisa a se fazer naquela situação e sentiu que Sasha estava realmente preocupada com ela, afastá-la seria muito insensível. Então franziu o cenho, tentando se lembrar do que acontecera antes de apagar. Num primeiro instante, apenas veio a frase que Gilgamesh lhe dissera: Você tem cheiro de Bruxa. E então, eventualmente, as memórias foram retornando e encaixando-se em seus devidos lugares. E ela começou a suar frio.

Porque se dera conta de que, por um período de tempo, não controlara nada que seu corpo fizera. E aquilo era amedrontador.

 

 

Chloe não pode dizer que não houve uma tentativa para deixá-la mais confortável. Após seu despertar, ela fora esmagada por uma Alyson preocupada, que desfilara um monte de pedidos de desculpas por ter envolvido-a naquela situação. Ken parecia estar sensibilizado também, assim como Crós, e a jovem aprendiz de Gilbert, Emily, a levou para o banheiro daquele… apartamento, pelo que parecia, para tomar um banho e vestir roupas limpas.

Alguém lhe ofereceu um remédio para dor de cabeça, ou talvez fosse uma poção? Não importava muito, no fim a enxaqueca foi arrefecendo e ela conseguiu finalmente focar nos próprios pensamentos. Não era bem o que queria naquele instante em específico, onde estava começando a questionar sobre as suas origens e sobre si mesma. Algo que até então achara ridículo. Ela achava que se conhecia o bastante para não precisar entrar em algum tipo de crise existencial.

— Você está pensando demais. — alegou o gato, o qual estavam chamando de Crós. A esse ponto não se sentia muito surpresa com aquilo, estava apenas aceitando qualquer coisa que surgia na sua frente como algo fruto daquela parte fantástica do universo que só se dera conta de existir a algumas horas.

— É da minha natureza pensar demais sobre tudo. — resmungou em resposta. Os dois estavam a sós no quarto, apenas por conveniência da própria Chloe. Se a impressão de Gilgamesh estava certa, então deveria ser algo que o próprio Crós notara. E ela não se sentia muito confortável em discutir aquele tipo de coisa com as amigas naquele instante. Era… novo demais. Fora de sintonia demais. — Explique melhor sobre essa questão da transformação, por favor.

O gato estava sentado sobre as patas traseiras, sua calda balançando de um lado para o outro enquanto encarava-a dos pés da cama. Os olhos de retina vertical piscaram suavemente, antes que ele respondesse. — Não creio que seja essa a sua dúvida real. Você é inteligente, entendeu muito bem como funcionou a de Alyson.

Os olhos de Chloe estreitaram-se um pouco. Ela parecia prestes a entrar numa longa discussão sobre as leis da física, química e biologia, as quais estudara até então, e consequentemente o que a magia fazia com cada uma delas, mas pareceu pensar melhor sobre aquilo. Soltou o ar dos pulmões lentamente. Manteve a calma.

Havia um novo receio sobre soltar sua raiva em alguém.

— Nós não somos iguais, é claro.

— Sim, é claro. Vocês duas têm cernes diferentes, experiências diferentes e principalmente maneiras diferentes de se comportarem. Eu diria que o último ponto é a chave para sua resposta.

— Quer dizer… que é algo relacionado as minhas emoções.

— Ou a falta delas. Melhor dizendo, ao controle exacerbado que possuí sobre as mesmas. — a calda dele fez um longo arco no ar. — Animais, com exceção do homem, são seres primariamente instintivos. Eles comem, dormem e se reproduzem, e assim sobrevivem e perpetuam a própria espécie através do tempo. Apesar de ser um animal racional, o ser humano e outras raças com a mesma capacidade intelectual tendem a ter seu lado mais emocional, também. A emoção está mais ligada ao instinto do que a razão.

— É por isso que para Alyson não houve diferenças visíveis em seu comportamento.

— Sim. Afinal ela é naturalmente emotiva. Você, ao contrário, é prioritariamente racional. Para uma consciência selvagem emergir e lutar pela sua própria sobrevivência, ela precisou momentaneamente sobescrever a sua mente. Isso causou a perda de controle e a atitude animalesca.

Chloe não conseguiu evitar de fazer uma careta. Ela acordara com um gosto horrível na boca, literalmente, e precisara usar muita pasta de dente e enxaguante bucal para extirpá-lo. Uma pena que a memória, ainda que nevoenta, permanecesse. Só de se lembrar o que fizera com aquele demônio já sentia a bile subir para a garganta.

Ela ainda estava pensando se aquilo poderia ser tóxico de alguma forma para si mesma, enquanto mais uma vez fixava-se na própria respiração. Inspirar, expirar, inspirar, expirar. Ótimo. Estava tudo como deveria, ou melhor, a maior parte.

— Lamento por ter mordido você.

— Não tem como eu te culpar por isso, mas doeu um bocado. — aparentemente, a pata dianteira dele ainda estava marcada pelos dentes, mesmo que tivesse mudado de forma. Chloe engoliu um pouco de saliva.

— A incompatibilidade da minha personalidade com meu cerne pode ser a razão pela qual voltei ao normal depois de desmaiar?

— Correto. Embora, é claro, haja casos e casos. — ele mudou a posição, deitando-se de uma maneira comportada sobre a cama, como todo felino que se prezasse. — Embora seu Id tenha sobrescrito o Ego, ele ainda é uma parte sua. É você, não outrem. A partir do momento em que foi desacordada, não havia mais nada para mover seu corpo. A parte agressiva retornou para o interior e a transformação foi revertida ao mesmo tempo.

Ela assentiu com a cabeça. Sim, fazia sentido. Entretanto, isso não deixava as coisas mais fáceis. Apenas mais próximas de um entendimento.

— Isso… ainda voltará a ocorrer, não é?

— Uma vez que a magia é acessada… sim. É possível que outros traumas ou situações que causem emoções fortes podem levar a uma nova transformação. É natural, afinal é um meio de sobrevivência.

— Então, se eu continuar essa viagem, a probabilidade será maior.

— Pra não dizer que será uma constante. Eu lhe disse, é uma jornada perigosa. — a pequena criatura bocejou um pouco, as presas bem a mostra, e voltou a encará-la. — Eu imagino… que é você quem deve dar uma resposta agora, não é?

Havia ainda algumas perguntas óbvias a serem feitas, mas ele tinha razão quanto àquilo.

Havia uma escolha a ser feita.

E não era só ela que precisava escolher.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Bom, acho que já tava na hora de pegar uma parte mais psicológica de certos personagens. Principalmente depois de uma luta igual a dos últimos capitulos, achei que era bom ter um breve momento de calmaria enquanto alguns tentam engolir, aceitar e entender tudo o que está rolando.

É apenas um momento para dar uma respirada e fazer resoluções, ou pensar a fundo sobre elas. A primeira parte da jornada está quase terminando, pessoal, e logo logo as coisas irão esquentar ainda mais.

Agradeço a todos que acompanham e leem, e peço para se quiserem trocarem ideias comigo, não se acanhem. Eu não mordo, pessoal, sou amiguinha. ♥

No mais, espero que todos estejam bem mesmo com toda a situação extrema que o país (e o mundo) está passando. Fiquem bem, não saiam de casa a menos que seja necessário e tentem manter a mente sã.
Vai dar tudo certo pessoal. Vai passar.

Kisses kisses para todos e até a próxima. ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Escolhida do Destino" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.