Tratado dos Párias escrita por Isabela Allmeida


Capítulo 12
Conquistando confiança




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Fiquei dançando com as pernas moles e Nicolae me segurou com firmeza, sabia que eu estava abalada. — Está descomposta, dance como se sua vida fosse um mar de flores.

Dei um sorriso amarelo e forçado e continuei, mas ao virar no ritmo da musica meus olhos nublaram.

No palco não estava mais o príncipe e o rei apenas, apesar de estar parado como um conselheiro real do príncipe e de não apresentar nenhum tipo de perigo por estar tão focado no que dizia a ele eu o reconheceria em qualquer lugar em toda a minha existência.

Meu malfeitor falava com  o príncipe e este o escutava com atenção. Por sorte ele não olhava pra mim enquanto sussurrava no ouvido do príncipe, mantinha os olhos fixos em Samuel que retribuía seu olhar com uma fúria mal disfarçada.

— Nicolae.— Falei com minha voz falhando.

— O que foi pequena? Parece que viu um fantasma.

—Talvez seja um mesmo. Aquele soldado que fala ao pé do ouvido do príncipe é André meu malfeitor.

Nicolae me virou ao ritmo da música e fiquei de costas para eles. Era uma perfeita pirueta da dança, mas ele queria poder ver o que eu via. — Acha que fomos descobertos?

— Não sei, não teria como ele me reconhecer, eu teria que aparentar agora dezessete anos e não poderia ser de uma família nobre quando eu fui deixada para morrer na floresta.

— Não se preocupe, saberemos o que fazer se isso acontecer. Temos Rael por nós e na pior das hipóteses tiro você daqui mesmo que para isso eu precise matar quantos entrem em meu caminho.

Jamais permitiria isso, contudo sabia que ele faria, ele tinha sido contra aquilo tudo desde o inicio, só com a ajuda de Eva e Dimitri que conseguimos convencê-lo.

— Não Nicolae, teremos tempo se o pior acontecer seremos prisioneiros e pensaremos em algo.

Ele assentiu calmo e falou baixo, nem precisava, pois o furor no salão era geral. — Mesmo como prisioneiros não poderemos ser mortos, isso seria o inicio de uma guerra longa.

— Não quero nem pensar nisso, viemos aqui para descobrir esses planos para acabar com o sombrios não para dar a chance ao rei de destruir dois dos filhos de nosso pai supremo. Seria uma guerra longa sim, mas também decretaria o fim da raça sombria. Mesmo que matem muitos humanos ainda assim os Licans poderiam ficar do lado deles.

— Calma, saberemos em breve nosso destino. — Ao dizer isso ele segurou mais firme minha cintura puxando levemente para ele.

Era um abraço que ele não podia dar naquele momento, um sinal que estava tudo bem, mas não estava, ir ali tinha sido um erro, me arrependia amargamente de ter colocado Dimitri, Nicolae e Eva naquela situação.

Era graças a eles que eu estava viva e se tudo desse errado seria graças a mim que eles estariam mortos.

Quando a musica findou o rei se levantou, Dimitri já estava ao meu lado e assim como eu ele se curvou ao rei e Nicolae permaneceu perto também curvado. O rei olhava para todos e ninguém ao mesmo tempo, com a voz alta ele começou a falar.

— Meu povo... Sei que aconteceu uma cerimônia no inicio desse baile e sei que outra iria acontecer no término do mesmo, mas não posso permitir que uma dama tão comentada na casta nobre e suprema perdesse o baile de domingo por estar comprometida não dando direito igual ao meu filho, seu príncipe de a cortejar.

Ele reclamou o direito de tê-la solteira no baile para que suas chances não fossem diminuídas. Então como manda as regras eu intercedo nesse noivado.

Senhora Diana de Salazar filha de Rafael e Suzana de Salazar, proíbo até segunda ordem que aceite compromisso com qualquer homem de sua casta superior ou da minha real. Agradeço que compareça ao baile no domingo e que aceite como todas as outras o cortejo de meu filho.

Terá um mês de cerimônia a ser realizada diretamente na casa real. Não poderá sair se for escolhida entre as que ele achar mais digna de continuar a observar e lá permanecerá mais tempo caso assim ele assim o decida. Também não poderá ficar na casa de seus pais. Mas não é uma prisioneira. Poderá recebê-los uma vez por semana se eles não voltarem para suas terras nas extensões do reino para tratar de seus negócios.

Prometo que será bem cuidada e se não for escolhida será entregue incólume aos seus pais podendo assim aceitar a mão do homem que sei pai achar digno da mesma.  Será tratada como todas as moças. Entendendo que como forasteira não teve tempo para se preparar para o baile peço para que se organize, uma carruagem irá lhe buscar nesse dia.

Depois de mais uma saudação respeitosa de seu povo o rei saiu do recinto caminhando firme, porém parecendo cansado e contrariado.

O silêncio tomava conta do salão. Muitas famílias que tinham por certo o ingresso de suas filhas na família real me olhavam como uma intrusa. Todos aqueles sorrisos e simpatia tinham sumido, eu era mais uma a disputar, uma forasteira que vinha de longe para perigar o direito de suas filhas de subir um grau na casta, o grau mais alto daquele reino.

Dimitri segurou meu cotovelo. — Melhor irmos embora filha. Os olhos que a cobiçavam agora maldizem sua vinda, vamos sair logo daqui.

Não pude ser mais teatral, sai chorando do salão e olhei triste para Samuel que não podia me dirigir a palavra, mas tocou no lenço mostrando que ainda tinha esperanças de me desposar um dia.

Escondi o rosto no peito de Dimitri e não pude deixar de sorrir maldosa, ele realmente acreditava que eu poderia amar um homem como ele. Se ao menos ele soubesse...

Mas era um capricho de um filho mimado real, eu passaria mais esse tempo e logo voltaria ao plano.

A carruagem chegou rápido e entramos sem dizer uma palavra, os servos dormitavam em esteiras na cozinha e Eva preparou uma mistura de ervas e deixou queimando em uma terrina em cima da mesa, logo os criados estariam desmaiados e não dormindo.

E então como todas as noites naquela casa a conversa poderia seguir seu curso tranquilamente.

— Eva descanse. — Disse Dimitri a segurando pelos ombros. — Não pode ficar acordada tanto tempo.

—  Se me permitir quero participar um pouco e ajudar no que eu conseguir.

— É bem vinda Eva sabe disso. — Dimitri falou sem ânimo.

Eu tinha colocado eles naquela situação e não conseguia mais me segurar, Nicolae adentrava pela porta do porão, assim que o vi o abracei.

— Me perdoe  por colocar vocês nessa encrenca, nunca imaginei que aquele maldito filhinho de papai real iria estragar tudo, parecia um plano tão perfeito.

Nicolae sorriu e me apertou forte como era seu costume quando eu estava preocupada. — Acha mesmo que tudo está perdido minha linda? Já pensou que tudo poderia estar acontecendo melhor que imaginávamos?

Eva e Dimitri franziram o cenho e eu não consegui acompanhar seu raciocínio e então Dimitri falou espetando.

— Meu querido irmão. Sei que é um sábio de milênios no corpo de um homem de trinta que agora aparenta o corpo de sessenta, mas não pode estar falando sério? Nada do que planejamos aconteceu, o noivado foi cancelado e Samuel não abriu as portas de sua casa.

— Realmente não meu irmão, mas o rei abriu, o príncipe se interessou e se nosso plano era investigar os planos reais, porque não fazer isso tendo uma dama real lá dentro?

Fiquei a olhar para ele tentando entender e ele com a calma de sempre começou a explicar.

— Enquanto estiver na proteção do rei Diana nenhum homem poderá lhe falar, a não ser os de sua família, o próprio rei, o príncipe e os servos que estarão aos seus serviços. Então mesmo que queiram, sua vida não poderá ser investigada. O rei prometeu publicamente que ninguém mexerá com você enquanto estiver em sua proteção, isso quer dizer que não corre perigo enquanto estiver lá dentro, e nem mesmo o príncipe poderá lhe tocar porque isso quebraria a palavra pública do pai.

Agora eu entendia aonde ele queria chegar, estupros vindos das castas superiores eram sempre perdoados e ali dentro dos domínios reais eu era um grau inferior de todo os moradores de dentro do castelo.

Então eu poderia ser violada por um homem da família real sem obter justiça, o máximo que aconteceria seria Dimitri como pai receber uma indenização por meu hímen rompido e negócios arruinados, mas com a palavra do rei publicamente isso anularia qualquer tentativa.

Uma chama acendeu dentro de mim e pela primeira vez na noite senti esperança de verdade de que as coisas iam dar certo. E Nicolae sorrindo continuou.

— Entende agora pequena, está mais protegida lá dentro do que aqui fora.

Um sorriso se formou em meu interior logo sendo colocado pra fora, não resisti e estiquei o sorriso que quase rasgou minhas bochechas. — Ainda posso ter Samuel se o príncipe me dispensar muito rápido, fiz questão de mostrar o quanto sofria por não poder noivar com ele nessa noite.

— Fez bem. — Disse Nicolae tranquilo me beijando o topo da cabeça.

Dimitri se aproximou risonho, segurou minha orelha e puxou. — Você foi adotada por nós Diana, não vá nos deixar preocupados. Poderia ser uma esposa, estar sendo cortejada por um de nós três, mas o destino é uma coisa estranha e o amor fraternal cresceu mais que o físico.

Nicolae também começou a falar sério, e quando estava preocupado nada o fazia brincar como Dimitri.

— Não me perdoarei se algo acontecer a você. Tem que encontrar seu caminho, terá centenas de anos para viver e tem o direito de viver uma era por vez. Use o que lhe ensinamos, não abaixe a cabeça, você não é inferior a nenhum deles, mas saiba quando poderá fazer isso sem por risco a sua vida.

Assenti, eu aprendi o meu valor no reino sombrio, mas ali no reino Humanis eu não era nada senão um produto e produtos ruins eram descartáveis.

Dimitri encostava a cabeça em meu ombro. —Tome cuidado Dianinha, não esqueça que para nós você acabou de nascer. Espero que depois de ter engatinhado por mais de dois anos nos braços desses três patetas e uma única mulher sábia ao nosso lado você não caia em seus primeiros passos.

Não tinha como, lágrimas escorriam pela minha face borrando toda a minha maquiagem. Aquilo era o começo de uma despedida e me emocionei.

Nada se comparava ao carinho que eu sentia por eles, por minha verdadeira família. Eu os amava até mais que minha própria vida, e por eles eu a entregaria sem pensar uma única vez que fosse.  Abracei os dois pela cintura e deixei minhas lágrimas manchar a camisa de Nicolae.

Chorar de dor, tristeza e magoa é uma coisa ruim, mas chorar de emoção e felicidade é a melhor coisa para deixar a alma limpa e o vigor renovado.

— Amo vocês e agradeço todos os dias por ter sido encontrada e cuidada por vocês, e mais ainda por ter uma oportunidade mesmo que pequena de ajuda-lo a sair do perigo de extinção.

Dimitri riu. — Obrigado querida por nos comparar a animais, ficamos realmente lisonjeados.

E ali ficamos rindo, Nicolae abraçou Eva que para eles tem um preço impagável, era uma das servas mais fiéis, bastaria apenas uma palavra dela um dia e eles entregariam a ela a mistura de seus 25 anos que estava guardada em um cofre no quarto de Rael.

Ela tinha o direito de escolher envelhecer e morrer, mas como garantia Rael tinha preparado uma poção com seu sangue depois de doze anos convivendo entre eles. Essa era sua garantia de vida eterna e prova do quanto eles a amavam.

Uma diferença iria existir entre a minha mudança e a dela.

Eu mudei fisicamente, amadureci na idade mais aproximada da mistura de meu sangue com o sangue deles e como ainda era muito nova, apenas quinze anos e eles aparentavam em torno de trinta anos, fiquei com aparência de vinte e cinco anos enquanto Eva iria ter a aparência de vinte oito ou trinta anos seguramente. Nicolae havia me dito isso quando tinha me contado da mistura guardada para ela.

Seria interessante se um dia Eva se decidisse por ficar com eles e tomasse a mistura, eu a veria rejuvenescer quando que comigo eu envelheci.

Depois de muito e longos conselhos dos três eu me retirei para meu quarto, ao contrário deles eu precisava de quatro horas de sono por dia já Eva precisava de oito. Dimitri e Nicolae não podiam dormir, senão rejuvenesceriam, apenas uma noite de sono equivaleria há cinco anos mais jovens e alguém poderia perceber a diferença sem contar que o horário de seus sonos eram de dia, não a noite, então como sempre acontecia ficaram conversando até tarde sobre vários assuntos.

Depois de lavar o rosto e vestir uma camisola me deitei, mas o sono não chegava, tanta coisa para acontecer e tudo ainda tão incerto.

Queria que tudo o que tínhamos planejado tivesse dado certo. Agora seria tudo sem planos e só podia contar com a sorte, e rezava para que tivesse muita sorte, porque até agora só tinha tido azar naquele agitado baile.


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