Oposto Complementar escrita por Tai Barreto


Capítulo 5
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

Olar, queridas.
Eu estou feliz com a aceitação de vocês.
O título vai começar a fazer sentido.
Lembrando que cada capítulo se passas num único dia.

Sem mais, boa leitura.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/708404/chapter/5

Passava das quatro da manhã quando Harry apareceu no meu galpão. Ele acabara de chegar da saída com os amigos e ao vir se certificar de que eu estava bem, acabou ficando. Estamos no sofá: ele com a cabeça em meu colo, enquanto eu mexo em seus fios, sonolenta. Tive uma noite de sono irrequieta e eram três da manhã quando desci para ver a neve que cai desde ontem. Não tenho ideia se houve trégua em algum momento em que estive adormecida. Os cabelos negros são macios e eu percebo que gostaria de passar o resto da vida sentindo-os, fazendo cafuné no vizinho.

— Isso está me dando sono — diz, com a voz rouca e incrivelmente sexy.

— Em mim também, acredite. — Rio e ele me acompanha. — Seus cabelos são incríveis.

— Cuido bem deles. — Harry inclina um pouco a cabeça para trás e me olha nos olhos. — Não que os seus também não sejam...

Sorrio e puxo uns fios levemente, fazendo-o gemer.

— Desculpa — murmuro.

— Isso foi bom. Nenhuma mulher conseguiu.

Eu sinto minhas maçãs esquentarem e desvio os olhos dos dele.

— Por que não descansa um pouco? — Sugiro.

— Posso fazer isso aqui?

— Claro.

Harry se aninha ainda mais ao sofá, totalmente à vontade. Ele está apenas de camiseta e calca jeans, além de suas habituais botas. Graças a mim, os cabelos estão bagunçados e seus agasalhos, ocupam os ganchos próximos à porta, acima do aparador. Eu estou com as mesmas roupas que usei para dormir: baby doll com estampa de oncinha, com direito a alças finas e cabelo desgrenhado.

— Não para o cafuné, por favor. — Pede Harry e eu o olho, encontrando-o de olhos fechados.

— Pode deixar. — Sorrio e balanço a cabeça em negativa.

Jamais pararia, se fosse possível. Porém, o senhor tem sua vida e eu, a minha. Observo, através da janela imensa, a neve dar uma trégua, pouco a pouco e lembro de como fora nossa tarde ontem, brincando no parque. Pego-me sorrindo, descontraída. Inspiro fundo e fecho os olhos, recostando minha cabeça contra o encosto.

**

— Que pouca vergonha é essa? — questiona uma voz masculina, me assustando.

Abro os olhos e deparo-me com a barriga do Harry. Ergo o meu corpo, fazendo uns ossos estalarem, devido a posição em que eu estava; havia escorregado e como Harry estava deitado de lado, ficamos numa posição nada bonita. Olho para a porta e encontro Bruno, de cara feia para nós dois. Harry já está sentado, esfregando os olhos. Eu sequer imaginei que fosse dormir.

— Bom dia, Bruno. — Coloco-me de pé e vou até ele, abraçando-o. — O que houve? — questiono, quando ele não retribui.

— Bastou eu sair para você querer tornar a minha menina uma de suas vítimas? — Ele me coloca atrás de si.

— Do que você está falando? — indaga Harry, tão confuso quanto eu.

— Vocês dois. Juntos.

Estreito os olhos, querendo entender aonde ele pretende chegar e arregalo-os quando acontece.

— Não! — Harry e eu exclamamos ao mesmo tempo.

— Eu vi.

— Pelo amor de Deus, Bruno. — Saio de trás, sem graça. — Harry é apenas um vizinho. Jamais aconteceria algo entre nós dois.

— Eu respeito demais a Laila, Bruno. — Ele se coloca de pé. — Muito me surpreende que pense isso de mim.

— O que querem que eu pense?

Balanço a cabeça em negativa e começo a explicar o que realmente aconteceu.

— Eu acabo com você se atrever-se a fazer algo contra a vontade dela. — Ameaça Bruno.

— Nem deveria se preocupar.

— Harry está apenas me ajudando, me divertindo. É sério, Bruno. — Coloco o máximo de convicção na minha voz. — Agora, dá aqui essas sacolas. O que é isso?

— Trouxe um café da manhã para nós. Eu apenas não esperava encontrar meu ex-vizinho.

— Baixa essa guarda, está bem? Eu vim para Londres com um propósito e nada nem ninguém vai me impedir.

Seguimos os três para a cozinha.

— Ainda não comprou sua mesa? — Bruno parece chateado.

— Eu não recebi meu pagamento ainda e tenho poucas libras na minha conta. Estou mantendo para pagar as despesas. Tem a bancada. Dá muito bem para comer.

— E qual pretende comprar? — questiona, indo pegar os pratos.

— Eu não tenho ideia. — Confesso. — Morar sozinha não estava nos meus planos para os próximos cinco anos.

— Nunca viu qualquer programa de design de interior?

— Vi sim. Gostei de uma que vi certa vez. Simples. Tampo de madeira com pés cromados. Seis cadeiras. Para mim, estaria perfeito.

**

— Que tal irmos lá em casa, jogar um pouco de vídeo game? — Sugere Harry, depois do almoço. — Dia de domingo sempre é um tédio.

— Perfeito. Deixa só eu vestir algo decente.

— Bobagem. Está linda assim. E a temperatura no meu galpão é a mesma daqui. — Ele levanta. — Vamos?

— Claro. — Faço o mesmo, calço os chinelos e sigo-o para fora dali.

Estou usando short de cintura alta, curto e um crop top. Minha paixão. O costume de sempre subir o morro depois da escola me fazia querer refrescar a pele, mesmo depois de um banho.

Harry abre a porta e eu me deparo com uma sala de decoração preta e branca, mas incrível demais.

— Fica à vontade. — Ele larga as chaves do aparador e eu entro, fechando a porta atrás de mim.

— É lindo e impecável.

— Obrigado.

Observo-o ir em direção à imensa televisão de LED presa à parede, com um móvel sob onde estão diversos livros. Aproximo-me igualmente, porém, me agacho, a fim de ler as capas. Sigmund Freud. Friedrich Nietzsche. Karl Marx. Immanuel Kant.

— Caramba. Seus autores favoritos? — Olho-o de baixo.

— Sim. Alguns deles. Eu gosto de estudar umas coisas fora do mundo dos negócios.

— Tipo o quê?

— Lamarck e suas ideias. Não acha fascinante a lei do uso e desuso? — Ele vai até o sofá e senta, batendo ao lado para que eu faça o mesmo.

Eu sorrio.

— Sempre achei. — Admito e levanto do chão. — Um pouco primitiva.

— Admito, mas para a época...

— Fascinante.

E daí desenvolvemos um pequeno debate sobre Lamarck, acrescentando Darwin, Mendel, Pasteur. Eu fico ainda mais fascinada por tal coisas, e pelo fato de Harry ter um conhecimento tão amplo quanto esse. Quando dou por mim, estamos falando sobre a psicanálise de Freud, focando em Id, Ego e Superego.

O toque da campainha nos desperta e Harry ri.

— Desculpe.

— Tudo bem. — Acomodo-me pela milésima vez no sofá e olho a tela da televisão, onde o menu do PS4 nos aguarda com uma iluminação fraca. Pudera...

— O que fazem aqui? — A pergunta de Harry me interrompe e eu olho a porta, encontrando-a entreaberta e ele, mantendo quem quer que esteja do lado de fora, ali.

— Viemos jogar. Qual é o seu problema? Abre essa porta.

— Vimo-nos ontem à noite. Está de bom grado.

— Harry, deixa de frescura.

A porta é aberta de supetão e todos os que estão ali, me olham. Eu dou um pequeno sorriso e aceno, sem graça.

— Quem é essa gata? — questiona a única garota presente, se aproximando com a mão estendida. — Sou Mia.

— Laila. — Levanto e cumprimento-a com um aperto de mão.

Um assovio coletivo me faz olhar para a porta outra vez e perceber que os meninos continuam do lado de fora. Numa contagem rápida, graças a diferença de tamanho entre eles, deduzo que são cinco e Harry continua impedindo a passagem deles.

— Deixe de bobagem. — Um deles passa por baixo do braço do amigo. — Sou Jack. — E me estende a mão. Seus olhos castanhos fitam os meus. Seus cabelos estão escondidos numa touca cinza, porém, uns fios castanhos ainda escapam por ali. A barba por fazer o deixa com uma expressão mais adulta.

— Prazer. — Cumprimento-o.

— O prazer é todo meu. Estavam jogando? — Ele observa os joysticks sobre a mesa de centro.

— Não. Harry me convidou para isso, porém, nos entretemos na conversa sobre Lamarck, Darwin e encerramos em Freud.

— Além de linda, inteligente — diz outro, aproximando-se. — Tyler. — E me estendendo a mão. Cumprimento-o.

— William, mas pode me chamar de Will.

— Isaac.

— Aidan.

— Riley.

— De onde você é? — questiona Will.

— Rio de Janeiro.

— Está explicado o corpão — diz Mia. — Inteligente, linda, simpática. Quais dotes mais você possui?

Eu olho para Harry e ele fecha a porta e se aproxima.

— Chega de interrogar a menina como a uma criminosa. — Ele me abraça de lado. — Assim ela vai querer cruzar o oceano a nado.

Eu rio e todos se acomodam totalmente à vontade.

— Está morando aqui? — questiona Isaac.

— No antigo galpão do Bruno — digo, sentando ao lado do Harry.

— E onde ele está?

— Com a noiva.

— E o que você veio fazer aqui? — Aidan questiona.

— Que parte do “chega de interrogar a menina como a uma criminosa” você não entendeu?

— Harry, você já foi mais receptivo.

Ele revira os olhos.

— O que vieram fazer aqui?

— O que fazemos todo domingo. — Mia dá um meio sorriso.

**

— Como podem ser tão diferentes e tão amigos dessa forma? — questiona Riley, balançando a cabeça em negativa.

— Como assim? — Franzo o cenho e repouso o guardanapo ao lado do meu prato.

Estamos na cozinha. Tivemos uma tarde agradabilíssima, rimos e conversamos, jogamos vídeo game e agora, estamos finalizando o jantar. Eu não tenho ideia do nome do prato que prepararam, porém, eu tinha que comer, já que estava faminta, apesar do lanche da tarde. Eu admito que havia ficado insegura com essas novas pessoas, mas agora eu estava totalmente à vontade com eles.

— Conhecemos Harry há muito tempo e sabemos do temperamento dele. E apesar das poucas horas, concluímos que você é absolutamente oposta a ele.

— São... — Mia hesita, como se procurasse a palavra para certa. — Opostos Complementares.

— O que isso quer dizer? — Continuo sem entender nada.

— Que, apesar de serem opostos, se completam. — Ela sorri. — Não tem explicação, mas se namorassem, teriam o tipo de relacionamento que todos acham perfeito.

— Harry e eu? Namorados? — Eu o olho e ele sorri. — Harry é o tipo de pessoa que não namora. E vocês que o conhecem há tanto tempo devem saber bem do que eu estou falando.

— Eu concordo — diz Will. — Quer dizer, quantas garotas ele nos apresentou? O vimos com dezenas, mas nunca conhecemos uma além da, como é mesmo o nome dela?

— Hannah. — Harry lembra.

— Isso. A Hannah é como a melhor amiga dele. Uma irmã. É a única além da Mia que conhecemos. E a Hannah... — Ele faz uma careta e eu olho para Harry, sem entender.

— Hannah é muito...

— Metida. — Mia o interrompe.

— Burguesa. — Harry retifica.

— Você também é burguês, entretanto, a diferença entre você e ela é gritante.

— E vocês não são? — Começo a retirar a mesa e Tyler me ajuda.

— Não. Somos os amigos camponeses.

— Deixem de preconceitos. — Harry repreende a todos.

— Somos da classe média. A classe do Harry e da Hannah é altíssima.

— Ah. — É tudo o que eu digo.

— Voltando ao assunto: você é a única além da Hannah e da Mia — diz Will.

— E isso é um problema? — Continuo meu serviço.

— Não. Estou apenas reforçando sua ideia de que ele não é o tipo de pessoa que namora. Ele tem apenas... Casos. Ontem mesmo, o vimos com uma, todavia a coisa foi tão rápida que em minutos, Harry estava com outra. — Ele aparece ao meu lado. — Deixa que eu cuido da louça.

— Eu posso fazer. — Dou um pequeno sorriso.

— Eu insisto, Laila.

— Certo. — Ergo as mãos e volto a sentar.

Opostos complementares. Balanço a cabeça em negativa.

— Então, como funciona isso de oposto complementar? — Harry parece interessado de repente.

— Qual é o seu signo? — indaga Mia, me encarando.

— Eu não sei.

— Como assim não sabe? Qualquer pessoa que se preze nesse mundo sabe o signo solar.

Eu dou de ombros e estreito os olhos, tentando lembrar da vez em que Marcela falou algo sobre.

— Peixes. — Soa mais como uma pergunta. — Faço aniversário no finzinho de fevereiro.

— Peixes. E Harry, até onde sabemos, é de virgem, pois ele segue bem os estereótipos.

Ele revira os olhos.

— Tão cético. — Will balança a cabeça em negativa.

— Enfim. Realmente não tem explicação. Apenas teriam o relacionamento perfeito. Definitivamente se completam. Pelo menos o signo de vocês.

— Entendo... — Concordo com a cabeça, meio aérea ao que ela falou.

Quer dizer, o que o signo tem a ver com quem eu sou? Conheço outras pessoas do signo de peixes que são completamente diferentes de mim. Isso não passa de baboseiras. Ou será que não? Mas, de qualquer maneira, meu relacionamento com Harry jamais passaria de amizade e eu estou mais que satisfeita com ela.

A risada da Mia me desperta e eu olho-a.

— Não sou vingativa. — Defende-se.

— Você também segue ao pé da letra essa de estereótipo. — Will ri e Tyler se senta ao meu lado outra vez.

— Galera, já deu nossa hora — diz Mia, levantando.

— Ah, não. Fiquem mais um pouco. — Faço beicinho

— Moramos longe daqui. Vamos de ônibus...

— Ela está apenas querendo fugir da conversa. — Isaac ri.

— Vão ver se eu estou na esquina. — Ela abana o ar e eu levanto.

Acompanho o pessoal até a porta e eles se despedem a se vão.

— O que vamos fazer? — questiono.

— Que tal vermos um filme?

— Diga qualquer?

Franzo os lábios.

Um Amor para Recordar. — Sorrio imensamente.

— Mas nem fodendo eu assistiria algo desse gênero.

— Por quê? — Faço beicinho e sento no sofá, cabisbaixa.

— Eca. É muito drama para mim. E felizmente eu não tenho.

— Não conhece quem tem?

— Laila. — Ele meneia a cabeça em negativa e passa a mão pelos cabelos compridos.

Como eu gostaria de fazer isso...

— Tudo bem. — Encolho os ombros. — Eu vou nessa.

— Por quê? — Harry franze o cenho.

— Você não quer ver o filme comigo. Vou ver sozinha.

— Eu não tenho esse filme, meu doce. — Seu tom de voz muda completamente, quase se tornando persuasivo.

— Tudo bem. — Repito e levanto. — Vemo-nos amanhã.

Harry solta um grunhido.

— Vou ver se a vizinha do andar debaixo tem. Fica aí.

Eu o abraço e beijo sua bochecha.

— Obrigada.

— Eu sei que vou me arrepender amargamente por isso... — Ele passa por mim e sai.

Sento o sofá outra vez e cruzo as pernas, esperando-o. E depois de sabe-se lá quanto tempo, Harry volta, de cara feia, e com um DVD em mãos.

— Conseguiu? — Levanto. Ele mostra a capa e eu dou um gritinho e o abraço outra vez. — Obrigada. — Encho sua bochecha de beijinhos

— Vamos ver essa coisa melosa. — Ele estremece e vai colocar. — Eu ainda acredito que me deixei levar. Não conte ao pessoal que eu vi essa baboseira, está bem?

Eu sento e reviro os olhos para o drama dele.

— Vai ser o nosso segredinho.

— Laila... — Harry me olha por sobre o ombro e eu sorrio.

— Juro pela nossa amizade.

— Vou confiar. Isso acabaria com a minha reputação. — Ele pega os controles.

— Como se ela fosse das melhores. — Ironizo, baixinho.

— O que disse? — E se aproxima.

— Pode confiar. — Sorrio imensamente.

Harry senta na parte chaise do sofá.

— Vem. — E me estende a mão.

Eu levanto e vou até ele, sem saber exatamente o que vou fazer. Ele me puxa, fazendo-me sentar, coloca uma perna sobre as minhas e me faz recostar em seu peito.

— Que maravilha. — Aninho-me.

— Cala a boca que essa porcaria vai começar. — Ele aperta o play e eu sorrio, vitoriosa.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Laila e sua paixão por biologia.
Sinceramente, essa é uma característica minha. Adoro Lamarck e suas ideias.
Ainda veremos mais assuntos como esse por aqui.
Até dia 10.