Um Cãoto escrita por Nathalia Schmitt


Capítulo 9
Capítulo IX




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Estávamos há um tempo caminhando. Pipa conhecia caminhos bem legais e distantes de pessoas. Eu ainda queria entender porque dessa repulsa por gente, humanos são tão legais! Talvez ela não tenha tido oportunidade de conhecer pessoas boas. Noite passada me contou como, quando era filhote, foi jogada em uma caçamba de lixo. Não sei o que é uma caçamba, mas ela disse que era algo onde os humanos jogam coisas que não servem mais, que eles não querem. Aí, quando alguém foi dormir lá dentro, jogou ela pra fora. Isso parece bem triste, principalmente porque ela lembra de chover e estar frio. Pipa também disse que ao longo da vida ela passou fome, foi chutada, espancada e que só sobreviveu porque é boa de focinho. Ela fareja muito bem, mesmo!

Tentei convencê-la de que nem todos são assim, que ela não teve sorte e expliquei que meus pais me davam comida boa todos os dias porque sabem que não gosto daqueles biscoitos com gosto de farinha, que me levam para passear todos os dias, que durmo junto deles e ainda me compram presentes e brinquedos! Ela olhou pra mim com as orelhas baixas. Para ela, essas coisas não eram boas, já que eram consequência de viver preso com humanos.

Chegamos aos trilhos finalmente.

— O que tem pra lá?

— Grama, mato e muito trilho. Por quê?

— Porque você pode se virar daqui em diante e se não tem comida ou abrigo, prefiro ficar.

— Você vai embora?

— Todos um dia vão, loirinho. E pra mim, quem está indo embora é você.

Pipa era inteligente demais. Olhei para os trilhos. Se eu cheirasse em volta, encontraria minha marca. Mas Pipa não ia comigo. Eu estava com saudade dos meus pais, é claro, da minha casa e de dormir na cama, mas também ficaria com saudades da Pipa e era como se eu tivesse duas casas.

— Boa sorte. — ela disse de repente e eu fiquei sem reação. Ela simplesmente deu meia volta e foi embora.

Só me restavam os trilhos. Então os segui novamente, dessa vez para casa. Encontrei aqueles mesmos pontos de lixo e dei uma fuçada, sempre tinha algo gostoso ali. Notei que estava mais forte, apesar de mais magro.

Sem Pipa as coisas pareciam sem graça. A gente brincava, corria, ela me chamava a atenção toda hora e me ensinava coisas novas o tempo todo. Aprendi a atravessar ruas, onde sempre tem comida boa, com saber quando vai chover e outras coisas úteis e legais. Mas a verdade é que era a vida dela, não um manual de sobrevivência. Isso me deixava inseguro, porque se pai e mãe conhecessem ela, certeza que iam amá-la e cuidar, mesmo que da rua. Mas Pipa estava tão descrente da vida com alguma influência de humanos, que não tinha como ajudarmos, e seu medo acabou se tornando ódio.

Depois de dias caminhando e pensando nessas coisas e como, na verdade, nem adiantava pensar em nada porque ela tomou a decisão que achou melhor, finalmente cheguei na minha rua. Cheiros, cores, eu reconhecia tudo! E era milhões de vezes mais bonito que aquela periferia suja que refletia as pessoas que viviam ali. Queria correr, mas a verdade é que estava cansado demais, mesmo assim, a euforia dentro de mim fugia pela minha cauda que teimava em sacolejar.

Cheirei tudo, mas estava feliz demais pra focar em cada canto isoladamente. Cheirava aqui, cheirava ali, depois voltava, aí pulei e segui meu caminho. Eu só queria tomar uma água e comer algum presunto bem fresquinho.

Quando finalmente cheguei no portão de casa, eu vejo aquilo. Não sabia se ficava curioso ou se fugia dali pra sempre, mas eu o vi. Tinha um maldito filhote na minha casa. Eu fui trocado!

Como meus pais poderiam fazer isso comigo? Eu e Luz deixamos a casa por algum tempinho e… há quanto tempo eu estava fora? O bebê se lambia todo e abanava o rabo pra mim. O que eu podia fazer além de cheirá-lo? E tinha cheirinho de leite, como eu já tive. Cadê a mãe dessa criança?!


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