Start escrita por Queen Of The Clouds


Capítulo 32
Navio




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Armin

Eu nunca pensei que dirigir pudesse ser uma tarefa difícil até quase bater o carro pela terceira vez em uma única tarde. Minha mente estava em outro lugar. Eu circulava ao redor daquele quarteirão, como se estivesse fazendo uma ronda policial. 

E o pior é que tudo parecia estar conspirando à favor de Alexy: a rua estava vazia, não havia nem um único engarrafamento, todas as vagas estavam desocupadas e Lily me mandou mensagem dizendo que iria se atrasar para o nosso encontro.

Ia ser um jogo rápido: eu ia subir até o apartamento de Annya, checar se estava tudo bem, levar um fora dela e ir embora. Simples. No máximo eu voltaria para casa mais irritado ainda e com o orgulho ferido.

Eu finalmente estacionei o carro e fui até a portaria. Era um porteiro diferente, mas eu também o conhecia. O cumprimentei, peguei o elevador e parei no quinto andar. Mas... antes de bater na porta, eu surtei um pouco. O que eu estava fazendo ali? Nós não éramos mais amigos. Eu disse que não queria mais olhar na cara dela!

Eu tinha certeza da grosseria que eu ia receber. Annya ia abrir a porta com sua melhor aparência, um sorriso de canto, colocaria a mão na cintura, correria os dedos pelo cabelo e me dispensaria com um "é óbvio que estou bem, eu não preciso de você". 

Eu revirei os olhos e dei uma risada só de imaginar. Já faziam três meses que não a via mas eu ainda conseguia sentir o efeito do seu sarcasmo mesmo sem vê-lo. Eu já havia me irritado e nem havíamos discutido ainda.

Eu respirei fundo, estufei o peito, colei uma expressão confiante no rosto, ajeitei o cabelo e... finalmente bati na porta. E precisei bater por mais dez minutos, porque ninguém me atendeu.

Talvez ela tivesse ido embora mesmo. Podia ter voltado para a casa dos avós e eu nem saberia.

Depois de tanta espera, desisti. Ela não estava mais ali. Eu suspirei e me virei, pronto para ir embora, mas escutei o som de uma chave girar na fechadura. Voltei num pulo, infelizmente esperançoso porque a veria. Eu não podia negar que estava feliz, toda raiva que eu estava sentindo se esvaiu em questão de segundos. Pensei até em pedir desculpas, implorar para que ela voltasse a falar comigo, que se dane se eu iria ferir meu orgulho ou se ela fosse me dispensar. Eu precisava ver aquele rosto mais uma vez, ver aqueles lábios, aqueles olhos, aquelas bochechas... eu precisava vê-la.

Quando a porta se abriu, eu já estava pronto para uma chuva de ironia... mas assim que nossos olhares se cruzaram, eu senti algo quebrar dentro de mim. Não havia sorriso de canto. Não havia mão na cintura. Não havia nem mesmo o habitual brilho desafiador no seu olhar. Annya parecia... mal. Talvez até mesmo doente.

Sua expressão endureceu e, num piscar de olhos, ela reagiu de forma bruta, empurrando a porta para fechá-la. Eu corri para mantê-la aberta. Não empurrei com muita força, mas foi o suficiente para fazê-la cair de joelhos no chão.

—Annya! Me desculpe, eu...—Eu me abaixei ao seu lado, para ajudá-la a se levantar. Tirei o cabelo dos seus olhos e ergui seu queixo. Suas bochechas e nariz estavam avermelhados. Seus olhos pareciam inchados e olheiras escuras pairavam abaixo deles. Eu franzi o cenho, confuso. Não era aquela Anastasia que eu esperava encontrar.—O que... o que aconteceu?

Ela afastou minha mão com um tapa e se levantou, se virando na direção do quarto. Eu segurei seu pulso. Ela tentou se soltar, relutante, mas eu não podia deixar que ela se trancasse no quarto. Eu tinha tanto medo de machucá-la. Não sei se eu estava vendo coisas, mas ela parecia magra demais. Uma fragilidade que eu nunca havia notado agora saltava aos meus olhos. Ela vestia uma blusa vermelha listrada de branco muito maior que ela e seus pés estavam descalços.

Ela virou o rosto, fazendo com que seu cabelo caísse sobre os olhos, bagunçado. De repente, me lembrei de todas as vezes que suas mãos pentearam meu cabelo, carinhosamente. Senti meus olhos arderem e me ajoelhei, segurando sua cintura de ambos os lados.

—Annya, fale comigo... fale qualquer coisa.

—Não...—Sua voz estava fraca. Eu quase não a escutei mesmo estando tão próximo dela.

—Não? 

—Não encosta em mim.—Completou, rouca, voltando a andar em direção ao quarto. Ela me lançou um único olhar, rude.—Não quero ver seu rosto nunca mais.

Saber a que ela estava se referindo só me machucou mais ainda.  Eu havia dito aquilo para ela. Quando ela tocou a maçaneta, eu me levantei e sussurrei:

—Não me ignore...

Ela se voltou para mim, enfurecida.

—Ignorar? Eu deveria fazer muito pior do que i-ignorar!—Ela berrava mesmo com a voz falhando.—Você apagou... a minha... existência!—Gritou, socando meu peito.

—Eu sei...—Sussurrei, sentindo um nó na garganta.

—É bom que saiba!!—Ela bateu uma última vez mais forte e se apoiou em mim, chorando pesadamente. Seu corpo tremia e ela hiperventilava. Eu já havia visto-a daquela forma antes e sabia que precisava acalmá-la. A abracei, hesitante, e toquei seu cabelo. Eu não sabia que sentia tanta saudade daquela cor até ver aqueles fios alaranjados entre os meus dedos outra vez.

—Annya, respire devagar. Está tudo bem. Já passou.

Ela se afastou bruscamente, soluçando.

—V-Você não veio até aqui porque quis. Quem te mandou me procurar?

—Alexy...—Respondi, sem vontade.

Ela recuou outro passo e limpou as lágrimas com as costas das mãos. Sua respiração continuava descompassada.

—Ótimo. Já pode ir embora.

—Eu não vou te deixar.

—Você já fez isso uma vez, pode estar mais experiente na segunda.

Ela escancarou a porta para que eu fosse embora, mas eu a fechei, irritado.

—Você está dizendo que eu te abandonei mas você não agiu muito diferente de mim! Por que não me procurou?

—Ah, agora você está tentando virar o jogo ao seu favor.—Ela evitava me olhar nos olhos.—Sua namoradinha decidiu que eu não deveria te ver mais, lembra?

Annya tentou subir na bancada da cozinha como sempre fazia, mas dessa vez não conseguiu. Suas mãos pareciam tremer e sua boca estava pálida.

—Annya, quando foi a última vez que comeu alguma coisa?

—Não é da sua conta.

Eu bufei.

—Que droga, Annya, eu quero te ajudar!

Ela apertou os olhos, me ignorando completamente. Eu perdi a paciência.

—Perfeito! Então continue assim, você está indo muito bem! Não saia de casa, não coma nada, se afunde na cama e...!

Ela cambaleou até mim, trocando os pés.

—Me segure.—Balbuciou, desmaiando nos meus braços.


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