Start escrita por Queen Of The Clouds


Capítulo 2
Azul




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Anastasia

Decidi ceder ao convite de Alexy e Rosalya e os acompanhei até em casa, apesar de algo insistentemente me pedir para recuar. Fomos de ônibus, já que a aula do irmão dele acabava bem mais tarde e o carro estava com ele. Estávamos sozinhos na casa. Não tive muito tempo para ver bem o lugar, mas parecia ser grande, com um vasto jardim. As únicas luzes acesas eram a da escada que levava para o segundo andar e a do corredor do quarto de Alexy.

O quarto dele era uma mistura de cores. Na parede, havia alguns desenhos de roupas colados e um quadro com tecidos ao lado da televisão. Havia uma bandeira com as cores do arco-íris pendurada sobre a sua cama. O cômodo até estava arrumado, antes de chegarmos e espalharmos um monte de revistas, livros e cadernos pelo chão.

Para o seminário, ficamos com o tema referente à moda dos anos sessenta. Eu me prontifiquei para fazer a pesquisa histórica, enquanto Rosalya desenhava o modelo que iríamos apresentar e Alexy buscava pelas melhores cores e tipos de tecidos para o trabalho. Eu poderia desenhar, mas preferi evitar. Tive medo de fazer algo que ficasse ruim. Pelo menos a pesquisa histórica era algo concreto, impassível de críticas ou opiniões.

Já havia se passado quase três horas desde que cheguei ali e passei todo esse tempo com os olhos vidrados no notebook. Minha cabeça já começava a doer. Não aguentava mais ver aquele monte de roupas coloridas na minha frente.

E para agravar a dor, Alexy e Rosalya falavam... demais! Era divertido ouví-los, mas eles conversavam tanto que eu nem conseguia acompanhar o ritmo da conversa. Quando eu achava que estava começando a entender, eles já haviam trocado de assunto.

"Mas isso até que é bom. Assim eles não perguntam sobre mim", pensei... tarde demais.

—Anastasia, pergunta importante.—Alexy disse, subitamente. Eu respirei fundo.—Você prefere margaridas ou girassóis?

Pisquei algumas vezes, confusa.

O quê?

—O quê?—Repeti a pergunta em minha mente, dessa vez, em voz alta.

—É para a barra do colete que vamos costurar.—Explicou simplesmente, levantando duas amostras de tecido ao lado do seu rosto. Uma onda de alívio tomou conta de mim.

—Ah, nesse caso...—Eu parei de falar quando vi Rosalya gesticular por trás dele. Eu franzi o cenho, tentando entender o que ela queria dizer, mas acabei chamando a atenção de Alexy. Ele se virou e deu um leve tapa no braço dela.

—Ei, não corrompa a decisão dela, sua canalha!

Os dois começaram a rir, mas logo voltaram a atenção para mim, perguntando outra vez sobre as flores.

—Acho que prefiro os girassóis.—Respondi, indicando com a cabeça o tecido cor de caramelo com pequenos girassóis estampados.

—Ah, essa é a minha garota!—Alexy estendeu a mão para que eu batesse. Não consegui conter um pequeno sorriso. Eles eram extremamente animados com tudo.

Rosalya balançou a cabeça e se deitou no chão ao meu lado, continuando seus rascunhos.

—Então, Anastasia... você sempre morou aqui na França?

O-oh. Aí estavam elas: as perguntas que eu tentava evitar com todas as minhas forças.

—Hum... não.—Pensei por um momento antes de continuar explicando. Eu não queria mentir, só precisava falar o mínimo possível e da forma mais impessoal que eu pudesse.—Eu nasci aqui, mas me mudei para os Estados Unidos para morar com os meus avós e agora voltei.

Perfeito.

—Uau! Que mudança de ares!—Rosalya exclamou.—Então voltou a morar com os seus pais?

Talvez não tão perfeito.

Hesitei em responder.

Meus pais? Eu não tinha notícias da minha mãe há, pelo menos, dois anos. Da última vez que a vi, nem mesmo falei com ela. Eu não conseguiria, mesmo se quisesse.

Ela estava ajoelhada aos pés da minha avó, pedindo perdão.

—Na verdade, eles... se mudaram... eu acho.—Respondi, tentando tirar a cena da minha mente. Cocei a cabeça.—Não os vejo há anos.

—Não sente falta deles? Nem dos seus amigos?

A imagem voltou a me invadir a mente, sem aviso prévio. Adquiri um certo terror por terninhos cinzas desde aquele dia. Minha mãe vestia um desses quando, aos prantos, se ajoelhou na calçada para pedir desculpas aos meus avós. Como se fosse simples assim, perdoar o imperdoável.

—Rosalya, pelo amor de Katy Perry! Depois sou eu que deixo a garota tonta!—Alexy brigou com ela, por sorte, me tirando do meu cenário pavoroso.

—Só estou curiosa!

—Está tudo bem. Eu não me importo em responder.—Menti, acalmando-os.—Eu morei nos Estados Unidos por pouco tempo e também não mantive contato com ninguém daqui...

Graças a Deus.

—...então não tive muito tempo para amizades, entendem?

Os dois pararam o que estavam fazendo para me olhar.

—Então... você... não tem amigos?

Oh, droga... era exatamente esse tipo de reação que eu queria evitar! Odeio quando as pessoas fazem essa cara de pena, como se eu fosse solitária e necessitada de atenção. Eu costumo mentir sobre esse assunto, mas Rosalya foi tão direta que não consegui me preparar!

—Desculpe, acho que fui mal-educada...—Ela fez uma careta, tentando esconder o misto de surpresa e pena que sentia por mim.

—N-não precisa fazer essa cara!—Dei de ombros.—Ter ou não amigos não quer dizer nada, não é? Eu estou bem, sempre fui assim!

—Até quando pretende ficar aqui?—Alexy perguntou, de repente, levantando-se.

Franzi o cenho. Eu não fazia a mínima ideia. Nunca tive o costume de pensar demais no futuro. Depois da faculdade, aceitaria o que viesse pela frente.

—Até terminar a faculdade, imagino.

Ele se sentou ao meu lado e passou o braço por cima dos meus ombros.

—Então, se prepare minha querida, porque temos muito tempo para te importunar e convencer você a gostar de nós dois.

—Mas...

—Não aceito não, como resposta!

Eu sorri, tentando sustentar seu olhar amigável. Definitivamente não estava acostumada àquilo e admito que... tinha medo. Me senti encurralada. Algo voltou a me dizer que eu deveria sair correndo dali naquele segundo. Eu não precisava de amigos, não precisava gostar de alguém, eu não precisava de ninguém...

—Obrigada, Alexy.—Agradeci e, então, olhei para Rosalya.—Vocês são... muito gentis.

...mas, ainda assim, havia uma parte de mim que me implorava para tentar outra vez... dar mais uma última chance à mim mesma.

Voltei a pensar na mulher de terninho cinza, com as mãos cruzadas como se fizesse uma prece. O rosto vermelho como se tivesse chorado por horas, mas não haviam se passado nem mesmo dez segundos. Pensando melhor hoje, vejo que ela não implorava só por perdão... ela estava aterrorizada. Apavorada com a possibilidade de simplesmente... ficar sozinha.

Me senti mal, de repente.

Às vezes eu odiava ter sentimentos.

Pigarreei e me levantei.

—É... Alexy, onde é o banheiro?

—Tem esse aqui, mas está sendo reformado.—Ele disse, apontando para uma porta branca atrás de mim.—Então... ah! Pode ir no banheiro no quarto do meu irmão. É aqui do lado e ele ainda não chegou.

—Tem certeza?

—Claro, é só entrar.

—Certo. Obrigada.
          Mesmo com seu conselho, bati na porta do quarto. Quando percebi que ninguém respondeu, entrei e acendi a luz. O quarto era grande e havia jogos e livros espalhados pelas prateleiras de uma larga estante. Me lembrou meu quarto nos Estados Unidos, com exceção da cama de casal. Até me perguntei se não havia entrado no quarto errado, por conta do tamanho da cama, mas depois de ver um quadro enorme do Kratos preso à parede eu concluí que com certeza os pais do Alexy não dormiam ali.

Entrei no banheiro e tranquei a porta. Passei um bom tempo encarando o meu reflexo no espelho. Meu cabelo era ruivo, igual ao do meu pai, mas todo o resto vinha dela. O formato e a cor dos meus olhos, minha boca, meu nariz, meu queixo... era tudo dela. E eu precisava parar de pensar nela. Eu já não o fazia há bastante tempo e estava começando a ficar realmente boa nisso. Não me importava mais o que ela estava fazendo, como ela estava, com quem ela estava ou até mesmo onde ela estava. Seja lá como ela estivesse agora, ela não era mais problema meu.

Não tinha outro jeito. Eu não tive opção. A culpa não era minha.

Ponto final.

Lavei as mãos apenas por costume, ajeitei o cabelo, apaguei a luz e saí do banheiro... dando de cara com alguém que acreditei ser Alexy. Demorei um segundo para raciocinar quando, ao invés de um rapaz com cabelo de cor chamativa, encontrei um par de olhos azuis confusos me observando.

—Quem é você?—O rapaz arqueou uma sobrancelha e por um momento eu realmente esqueci quem eu era. Seu olhar estava uns vinte centímetros acima do meu. Ele estava sem blusa e uma camisa preta repousava sobre seu ombro. Seu cabelo descia até pouco abaixo do queixo, escuro e levemente ondulado. Ele era inegavelmente bonito.

E eu estava inegavelmente paralisada. Arrisco dizer que era por isso.

Todos os detalhes do seu rosto pareciam pertencer à Alexy, mas ainda assim havia algo que me deixava simplesmente vidrada... e eu estava quase certa de que deveriam ser seus olhos. Era como se todos os tons de azul estivessem ali. Eu me sentia tensa só por olhá-lo e um arrepio insistente percorria toda a extensão das minhas costas. Mas não era só pela cor, aquela nem mesmo era a minha cor favorita, até então.

Só que havia algo a mais naqueles olhos que, de alguma forma... me atraía.

—Ei, tudo bem?—Ele passou a mão na frente do meu rosto. Eu pisquei algumas vezes e respondi roboticamente:

—Eu sou amiga do Alexy.—Quase cuspi as palavras— D-desculpe, ele disse que você não estava em casa, então e-eu... desculpe.

—Ah... sem problemas. Olá, amiga do Alexy. Pode me dar licença?—Ele deu um sorrisinho simpático e entrou no banheiro atrás de mim, fechando a porta.

—...claro.—Respondi, sem reação, como se tivesse acabado de sair de um transe. Pelo menos não esqueci de respirar dessa vez. Balancei a cabeça e voltei para o quarto do garoto de cabelos azuis. Quando entrei, ele e Rosalya pararam de falar. Senti seus olhos acompanharem todo o meu trajeto até a mesa do computador.

Eu esperei que eles dissessem algo assim como fizeram a noite inteira, mas eles não disseram nada. No momento que eu precisava, eles não deram nem um único pio! Fiquei quieta o máximo que pude, mas não consegui evitar de comentar.

—Não me disse que tinha um irmão gêmeo.—Falei, finalmente, girando na cadeira para ver Alexy.

—Bem, eu ia falar, mas você não me deixou chegar lá, disse que não estava interessada...

—E eu não estou interessada.—Menti. Então era esse cara que ele queria me apresentar?

Seu olhar desviou da revista que folheava para mim, lentamente. Eu senti o cinismo na sua voz quando ele disse:

—Percebi.

—Eu não estou interessada! Só é algo tão... improvável... que... eu fiquei surpresa.

—Então você só ficou surpresa com o fato deles serem gêmeos?

—Ué. Sim.

—Não foi porque achou o Armin bonito?—Rosalya interveio, direta. 

—O quê? Claro que não!—Meu coração deu um salto quando me lembrei que o Alexy era seu irmão gêmeo e imediatamente tentei me consertar.—Quero dizer, não sei! Acho que tanto faz... ele é... normal, eu acho. É dificil dizer já que ele e o Alexy têm o mesmo rosto, então... não que isso interfira no grau de beleza dele, porque não interfere nem um pouco...—Eu suspirei, percebendo o quanto me enrolei. Eles seguravam o riso.—Eu não reparei tanto, está bem?

Rosalya e Alexy se entreolharam.

Droga, droga, droga! Eu e minha maldita boca!!

—Já percebi que devo falar menos na presença de vocês.—Murmurei, me virando de costas para eles.

—Você quem começou a falar sobre o grau de beleza dele.

—Vocês já decidiram o modelo para a gola da blusa?—Perguntei, tentando mudar o rumo da conversa.

—Ah! Não mude de assunto, mocinha!—Alexy disse, ainda rindo.

—Alexy, você pode me emprestar uma tesoura?—Armin apareceu na porta, segurando uma mecha de cabelo acima do nariz. Nossos olhares se encontraram, mas eu logo tratei de interromper o contato visual.

Por que meu coração estava batendo tão forte?

—Ah, oi, Armin! Que coincidência, estávamos falando de você!—Rosalya disse, com um sorriso enorme. Eu o observava pelo canto dos olhos, apreensiva.

—De mim?—Ele arqueou a sobrancelha outra vez.

Caramba, ele não é bonito, ele é perfeito.

—Por que quer a tesoura? Você não vai cortar o cabelo sozinho de novo, não é?—Alexy reclamou, buscando a tesoura entre o monte de revistas e livros no chão.

—E, por acaso, eu já fiz isso antes?

—Sim.—Alexy o olhou.—Várias vezes.

—O que vocês estavam falando sobre mim dessa vez, hein?—Ele ignorou o comentário do irmão. Eu já havia encontrado a bendita tesoura de longe e estava começando a me perguntar se Alexy só não estava enrolando, fingindo que não havia encontrado.

—Ah, é que estávamos perguntando à Annya se...—Rosalya começou a falar.

—Nada demais, não me perguntaram nada. Era só uma brincadeira deles.—Eu a interrompi, me levantando e levando a tesoura até o Armin. Precisava encerrar o assunto antes que eles falassem alguma besteira.

—Ah, valeu, amiga do Alexy.—Ele sorriu para mim.—Boa sorte com esses dois.

—Muito obrigada...—Agradeci entre dentes, forçando um sorriso. Assim que ele se foi, eu me virei para a dupla que me encarava, se esforçando tremendamente para não rir.—Eu vou matar vocês!

***

As horas seguintes à minha ameaça foram uma tortura... mas definitivamente não para Rosalya e Alexy. Eles eram assustadores! Se eu ficasse mais um segundo naquela casa, não duvidava que pudesse sair dali com uma aliança na mão esquerda e um "até que a morte nos separe" nas costas. Em parte, era culpa minha, claro. Céus, eu não sabia que estava tão despreparada para lidar com outras pessoas. Aparentemente eu não era tão inexpressiva quanto pensava ser. Ou aqueles dois eram bons demais. Eles conseguiam me ler como se eu fosse o livro mais manjado do mundo!

Não é possível que eu tenha deixado tão óbvio assim que achei o Armin bonito. Do jeito que eles brincavam sobre o assunto, eu me senti como um cachorrinho babão abanando a cauda pra receber um ossinho!

Já havia passado da meia-noite, quando Alexy me acompanhou até a porta.

—Tem certeza de que vai recusar aquela carona?—Perguntou, pela milésima vez.

—Tenho muita certeza. Até amanhã, Alexy.—Eu acenei para ele e desci os degraus da varanda rapidamente.

Não se envolva com ninguém, Anastasia, vai acabar se ferrando de novo. Não se envolva com ning...

—Eu e Rosalya vamos no centro da cidade amanhã para comprarmos os tecidos. Se quiser aparecer...

—Claro! Vou sim.—Eu virei a cabeça apenas para lhe dirigir um sorriso, mas continuei caminhando.

Cai fora daí, Anastasia! Esses dois são doidos! Uma erguida de sobrancelha e ele vai descobrir até o que você comeu no almoço!

—Ah, tem uma lanchonete bem legal aqui perto, o milkshake que eles fazem é ótimo, a gente pode passar lá antes de irmos.

—Aposto que vou adorar.—Falei, quando alcancei o portão para a rua.

—E, não sei se é o seu tipo de programa, mas à noite meu irmão vai participar de um campeonato de sei-lá-qual-jogo a algumas quadras daqui, nós podemos ir para lá depois também...—Ele disse, sugestivo.

Isso conseguiu me desacelerar. Talvez eu realmente parecesse um cachorrinho fissurado por um ossinho! Eu parei de andar e me virei. Alexy me observava com um largo e esperto sorriso.

—Sério?

—Sério, e ele joga muito bem, você deveria ver.—Respondeu, claramente se fazendo de desentendido.—Bom, pelo menos é o que ele me diz, eu não entendo nada disso.

Eu abaixei a cabeça e cruzei os braços, me esforçando para evitar um sorriso.

—O que foi?

—Ah, não sei, eu só tive o leve pressentimento de que você queria voltar a falar sobre o seu irmão.

—O quê? Eu? Claro que não! Que absurdo.—Falou, dramático. Eu balancei a cabeça, sorrindo.

Eu também não era tão fraca assim. A única coisa de que posso me orgulhar é o meu autocontrole. Armin era apenas um rosto bonito, eu não iria abrir mão da minha promessa e cair na tentação por uma pessoa que nem conheço.

—Obrigada pelo convite, Alexy. Eu adoraria, mas não posso perder mais aulas. Já estou atrasada nas matérias.

—Ah, tudo bem. Sem problemas. Quer dizer, haverão outras oportunidades pra vocês dois se conhecerem melhor.—Ele piscou para mim, confiante. Eu abri a boca para retrucar, mas fechei. Optei por virar de costas e ir embora, antes que dissesse algo que me comprometesse ainda mais. Ainda assim, um sorriso persistia em se mostrar no meu rosto e Alexy, obviamente, se aproveitava disso.

—Tchau, Alexy.—Tentei soar impassível.

—Ele é um cara bem legal, viu?

—Aham, até amanhã!—Falei, fechando o portão.

—E fique sabendo que eu não desisto fácil!

—Boa sorte, gêmeo do mal!—Me despedi, já atravessando a rua e escutando sua risada. Quando me voltei para vê-lo uma última vez, ele já havia entrado em sua casa. Eu virei a esquina, me apressando para fazer o mesmo.


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