Faro Fino escrita por Human Being


Capítulo 4
“A diferença entre os mocinhos e os bandidos é que o crime paga melhor.” - Kanon de Dragão Marinho




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Como amazona de Prata e sobrevivente de algumas guerras santas, Shina podia dizer que já tivera sua cota de maus dias na vida. Mas como aquele?

Nunca, jamais.

E o ponto alto era, seguramente, estar presa dentro de uma cela enferrujada da cadeia de Rodorio - por causa de um maço de cigarros cheio de baseados de maconha que ela jamais viu na vida - com ninguém menos que Milo de Escorpião.

Que, por sinal, não lhe dirigia mais a palavra desde que, idiotamente como sempre, ameaçou o Inspetor Teófanes de morte para defendê-la.

Como se ela precisasse de defesa contra um pulha como aquele. Só não o matara com suas próprias unhas porque o Inspetor certamente não valia o esforço de uma acusação de assassinato.

— Pelos Deuses, dá para você se sentar? - A voz irritada lhe escapou quando viu Milo recomeçar a andar na cela feito um bicho enjaulado.

— Qual o problema? Tá com medo do Teófanes aparecer aqui pra te interrogar, é? - Ele rosnou. - Não se preocupe, você está salva, o negócio dele é comigo.

— Você quer o quê, ouvir um muito obrigada? Eu não preciso da sua proteção, Escorpião. E também não tenho motivo nenhum para ser grata a você.

— Ah, sim, me desculpe. Esqueci que eu é quem tenho mil motivos para ser grato à sua magnificência por ter me prestado assistência em um dos meus inúmeros pileques!

— Ah, mas também não é como se essa criatura amarga e mal-amada aqui tivesse alguma coisa melhor para fazer, não? Talvez naquele dia realmente eu deveria ter ficado em casa curtindo minha fossa porque o Seiya não me quer, não é isso que você acha?

— Não, não é isso o que eu acho, mas em que te importa a opinião de um bêbado maconheiro que você teve que ajudar?  - Milo treplicou, ríspido, numa resposta que Shina não esperava.

Nem ele, pelo visto, pois se afastou dela para sentar-se, calado, em um canto da cela.

Tempo o suficiente para ela refletir um pouco sobre toda a situação.

Era fato que estavam ambos ali por conta daquele famigerado maço, apreendido pela pior pessoa das redondezas para apreender algo dessa natureza. Mas por mais que lhe revoltasse estar envolvida em algo desse tipo sem traço algum de culpa, tinha que dar o braço a torcer.

Milo podia ser muita coisa: Arrogante, ranheta, implicante... Mas mentiroso ele não era, e também não tinha o perfil de quem anda se escondendo pelo Santuário pra fumar baseado.

— Milo - O outro bufou em resposta. - Você realmente achou aquilo no campo das amazonas?

— Não. - Ele levantou os olhos na sua direção, meneando a cabeça de leve. - Comprei com o Camus pra ver se  me metia numa briga contigo porque estava doido para ser pego pela polícia.

Shina respirou fundo. Certeza que não lhe era agradável aguentar a língua ferina de Milo, mas dessa vez bem que ela tinha sido injusta em implicar que Milo poderia ser capaz de andar com baseados no Santuário, ainda mais perto de Teófanes.

— Olha… - Ela tentou capitular. - Eu não devia ter dito o que eu disse. Assumo meu erro, e peço desculpas. Mas você também não devia me acusar de ser leniente com as meninas. Desde que a área foi liberada para trânsito de todos, o Santuário inteiro anda por lá, inclusive os cavaleiros de ouro.

— Vai dizer agora que quem levou aquela porcaria pro Santuário foi um Cavaleiro de Ouro?

— Tem cavaleiro de ouro com mais perfil de usar essas coisas do que um bando de molecas adolescentes que mal tem dinheiro pra comprar uma caixa de chicletes.

Milo franziu os olhos azuis. Ele não podia dizer que ela estava errada.

— De qualquer forma... - Ele bufou. - Quem trouxe ou não trouxe o bagulho pra dentro do Santuário é o que menos importa agora. O que Teófanes realmente quer não é solucionar um casinho de porte de droga.

— Como assim?

— Ele quer interrogar a gente porque quer expor o Santuário.

— E o que é que ele ganha com isso?

— O Teófanes é doido de pedra, desde quando gente doida faz as coisas pra ganhar algo em troca?

— Sim, mas…

— A doideira dele é que ele acha que o Santuário é uma organização paramilitar que atua de forma paralela aos acordos da OTAN.

— Mas… Nós somos uma organização paramilitar que atua de forma paralela aos acordos da OTAN.

— Sim, e a própria OTAN sabe disso. A OTAN, a CIA, a Interpol, todas as siglas de letrinhas do mundo civil que botam a gente pra ralar nas missões cascudas que eles não querem meter a mão. Só que o Teófanes acha que é dever civil dele, como bom homem da lei que é, expôr a gente para o mundo todo como se nós fôssemos um grupo terrorista…

— Que barulho é esse? - Shina se colocou em posição de defesa.

—  Alguém tá engatilhando uma arma… Shina, abaixa AGORA!!!

Shina tentou protestar, mas Milo literalmente se jogou sobre ela enquanto alguns estampidos abafados ecoaram na cela onde estavam.

— Teófanes!!! Você tentou disparar uma arma aqui, seu infeliz?- Ela gritou. - Vamos, Milo, sai de cima de mim!

Milo não saiu, em vez disso respondeu com um gemido abafado.

A mão de Shina voou para as costas do cavaleiro de Escorpião, temendo encontrar seu sangue por um ferimento de bala. Encontrou três seringas pressurizadas cravadas em seu dorso, cada uma delas grande o suficiente para sedar um elefante.

Milo, naturalmente, não era um elefante. E por mais que seus golpes fossem baseados em mimetizar os efeitos de um veneno no sistema nervoso de seus inimigos, Shina nunca tinha ouvido falar se os cavaleiros de Escorpião tinham a mesma resistência a venenos que os cavaleiros de Peixes.

— Milo? Milo??? Olha pra mim!!! - Shina, já saída debaixo do agora letárgico cavaleiro de escorpião, dava tapinhas em seu rosto para tentar mantê-lo acordado. A dificuldade que ele já mostrava em sequer focar seu rosto eram um claro sinal do tamanho do estrago que a droga já fazia em seu organismo. - Por todos os deuses do Olimpo, Teófanes, o que foi que você fez???

— É tiopental sódico com cetamina. - A voz vitoriosa do escrivão se fez ouvir. - Popularmente conhecido como Soro da Verdade.

— Você é completamente louco! - Shina gritou, sem se importar muito se Teófanes poderia atingi-la também. - Você DROGOU um cavaleiro com sei lá o quê que tinha dentro dessas seringas como se ele fosse um animal de zoológico!!!

— Sim, inclusive foi do zoológico que eu peguei emprestada a espingarda. - Teófanes deu de ombros. - Um sacrifício válido quando se trata de capturar o Corregedor das Tropas do Santuário de Atena para um interrogatório.

Shina voltou a dar tapas no rosto de Milo, que mal e mal conseguia se manter sentado com as costas apoiadas na quina da parede. Sua prioridade absoluta era mantê-lo acordado; três seringas pressurizadas daquele tamanho seriam mais do que o suficiente para levá-lo a uma overdose.

— Ah, relaxa, ele é um cavaleiro de Ouro. - Teófanes bufou. - Não bate as botas por qualquer coisinha.

— Qualquer coisinha? - Shina virou o rosto para encarar o escrivão. - Qualquer coisinha??? Você tem noção de que ele pode MORRER por causa dessa merda???

— Shina?... - A voz engrolada de Milo se fez ouvir, apesar de baixa. Ela virou o rosto para ver ele literalmente escorregando pela parede para deitar-se de lado, os olhos azuis vidrados enquanto ele começava a tentar balbuciar algumas palavras.

— Olha só, está vendo? Não vai morrer, não. - Teófanes sorriu. - Aliás, vai já é começar a falar os segredos do Santuário. Não é, Milo?

— Teófanes… - Milo respondeu, se é que aquilo podia ser chamado de resposta. - O Teófanes… quer que eu fale…  Os segredos do Santuário?...

Ele agora intercalava palavras com uma risada arrastada, voltando o rosto para o chão.

— Milo! - Shina se apressou em sentá-lo novamente, firmando o queixo dele com a mão direita. - Olha pra mim, presta atenção. Quantos dedos você vê aqui?

Milo olhou para os três dedos em riste, depois tentou focar novamente os olhos de Shina.

— Eu não tô cego, eu tô grogue… - A voz de Milo foi um sussurro, seguido de uma tentativa de gargalhada pelo nariz. Só não caiu deitado de novo porque foi segurado por Shina, seu rosto apoiado nos ombros dela enquanto ele seguia tentando rir. - Mas eu tô muito, muito, muito grogue. Muito, muito…

— Meu deus, quanto drama. - Teófanes revirou os olhos. - Agora, mocinha, me dá licença que eu e o seu namoradinho aqui vamos ter uma conversinha.

— Não ver ter conversinha nenhuma, imbecil. - Shina se postou diante de Milo. - Você não vai chegar nem perto dele.

— Mocinha, você está abusando da sua sorte…

— Não, não, escrivão. Você está abusando da sua. - Reluziu seu cosmo, sua paciência com Teófanes tinha chegado ao fim.

OOO

— Então, ó, a gente vai fazer o seguinte: Eu entro na delegacia, meto um satã imperial nas fuças daquele escrivão de merda e pego meus pertences. Servicinho limpo, facinho demais.

Máscara da Morte ouvia, exasperado, o terceiro plano mirabolante e infalível daquela maldita tarde. Ele tinha certeza que era mais um plano pra dar muito, muito errado; mas só estava entrando nessa porque queria, de algum jeito, tentar ajudar a pobre coitada da Shina de Cobra, junto com Milo sob custódia policial.

Por incrível que pareça, ele realmente queria dar um jeito de que pelo menos ela saísse ilesa das mãos da polícia rodoriense. Não que ele tivesse particular apreço pela conterrânea: Ela era uma mulher inegavelmente bonita, com certeza isso contava pontos em sua escala de simpatia, mas ele jamais - jamais mesmo - viu em Shina algum prospecto de interesse romântico, sexual ou qualquer coisa parecida.

Afrodite de Peixes, seu amigo doido varrido que fala com plantinhas, diria que esse afã em ajudá-la só podia ser sinal de que ele estava realmente perdendo seu toque psicótico e virando uma boa pessoa. Prova do quanto ele era doido, aliás.

Isso era o que se chamava por aí de um ato aleatório de altruísmo, e nada mais. Inclusive a única pessoa que ele pretendia tirar do meio desse enrosco era Shina - Ele esperava que Milo e Kanon ficassem aos cuidados um do outro em relação ao famigerado maço de cigarros do mais velho. Esse era o seu plano mirabolante particular.

— Ei, cara, concentra aqui e pára de viajar, vamos em frente. A gente tem que ser rápido. Se alguém dá conta que nós estamos aqui, vamos estar bem arrumados e… Caralho. - Kanon parou em seco, puxando Máscara da Morte para um canto. - Caralho!!!

A ilusão de Gêmeos que os encobria se tornou mais pesada e detalhada. Aliás, pesada e detalhada como nunca até então.

Máscara da Morte ia perguntar o que diabos agora o assustava tanto, já que até então a maneira que ele conduzia a situação - e a ilusão de gêmeos que os encobria - poderia classificar-se como displicente, descuidada até. O que era compreensível, não era necessário muito para manter uma ilusão-disfarce para um bando de polícias barrigudos.

Porém Kanon acenou cortando sua incipiente pergunta, concentrado como nunca em manter a ilusão, e o puxou aos trancos para que entrassem os dois pela primeira porta que pudesse servir de esconderijo.

Apenas para darem de cara com Plutarco Queromeu - o delegado que, pese todo o rebuliço do lado de fora, estava fechado dentro da sua sala.

— Merda!!! - Kanon apertou o braço do cavaleiro de Câncer, quase que em pânico. - Nós viemos bater justo na sala desse filho da puta???

— Relaxa, ele não tá vendo a gente, é só o delegado… Ué, mas você conhece o delegado?

— Cala essa boca pelo amor que você tem à vida!!! - Kanon grunhiu, duplicando seus esforços para mantê-los ocultos.

As lâmpada da luminária oscilou uma, duas vezes; e então Máscara da Morte também percebeu a presença que tanto assombrava seu ‘companheiro de aventura’.

Um portal dimensional, e à sua frente estava Saga.

Máscara da Morte se encolheu, prevendo os gigantescos problemas que teriam se o disfarce de Kanon falhasse nem que fosse por um segundo. E prevendo, também, que a qualquer momento o Delegado teria um passamento pelo susto de ver o Cavaleiro de Gêmeos ali, materializado diante de si como que num passe de mágica.

— Ah, desfaça essa cara de tacho, Saga. - O Delegado nem sequer piscou. - Seu dia não está sendo pior do que o meu.

— Ah, sim? - Saga soltou uma risadinha anasalada, não sem desdém. - Então em que eu posso ajudar… Senhor?

— Você não está aqui para ‘me ajudar’. - O delegado ignorou a ironia na voz do outro. - Está aqui para zelar pelo bom nome da instituição que você representa…

O delegado então havia chamado Saga até aqui? Isso não fazia sentido. Máscara da Morte estava pegando as coisas de orelhada e isso era um tremendo viés na hora de avaliar uma situação. Mas até agora as coisas que ele estava ‘pescando’, ele não estava gostando.

— ...Há uma situação aqui que necessita de sua intervenção direta. - O Delegado afirmou calmamente. - Ou, claro, o Santuário pode não gostar das consequências.

— Intervenção direta?... - Saga torceu o rosto numa carranca e cruzou os braços.

— Ora vamos, Saga. - Plutarco bufou. - Não é como se você nunca tivesse feito isso antes. Inclusive para… como é mesmo aquilo para o que vocês não podem usar seus poderes… ‘Benefício próprio’, não é isso?

— Eu era um adolescente! - Saga sibilou entre os dentes. - Um aprendiz! Vivendo uma situação pessoal muito delicada!...

— Não olha assim pra mim. - Kanon sussurrou enquanto o colega da quarta casa o olhava de alto a baixo. - Eu não tenho culpa de nada! Nunca que eu ia imaginar que o Delegado ia chamar justo o Saga aqui e...

— E isso, Saga, era motivo para alvejar o Teófanes com seus Satãs Imperiais toda vez que ele botava as mãos no seu irmãozinho delinquente quando ele tocava o terror em Patroklou?

— Como é que é??? - Máscara da Morte quase pulou no pescoço do outro, que se encolheu como podia enquanto mantinha a ilusão intacta.

— Eu não tinha outra escolha!!! - Por sua vez o dedo de Saga quase voou em no nariz do delegado; que se danasse o ‘desacato à autoridade’. - Você queria o quê, que eu deixasse aquele louco do seu escrivão trazer meu irmão pra Rodorio? Você tem ideia do que meu irmão ia aprontar nessa delegacia? Eu fiz foi um favor pra vocês!

— O favor de quê? Deixar o Teófanes mais doido do que ele já era?

— Ora deixe de graça! Ele sempre foi doido desse jeito! Vocês só não demitem ele porque ele é concursado! Tanto é que, depois, você vinha por sua muito livre e espontânea vontade me pedir para eu ‘dar meu jeitinho’ naquele mentecapto porque ninguém aqui também pode com ele.

— Lá isso é verdade... - Kanon disse os dentes.

— Cala essa boca, seu filho da mãe! - Máscara da Morte estava para bater no outro. - “Não é culpa sua”, imagina se fosse…

— ...E você quer saber do que mais? Dessa vez NÃO ME INTERESSA o que foi que o Kanon aprontou pro Teófanes pegar ele, eu não estou NEM AÍ pro que o vai acontecer! Pois você que se vire nos trint-

— Espera aí, o Kanon está de volta no Santuário? - Plutarco cortou sua verborrágica demonstração de descontentamento.  

Saga, antes tão empenhado em lançar perdigotos na cara do delegado enquanto vociferava sua indignação por se ver - oh, pobrezinho - “obrigado” a “disciplinar” Teófanes quando adolescente, agora estava mudo como uma porta.

E Kanon, mais ‘por aqui’ do que o Delegado poderia imaginar, agora suava frio de tanto nervoso.

Máscara da Morte acharia muito bem-feito para ele, não estivesse ele também no meio desse enrosco.

— Delegado Plutarco - Saga pigarreou e modulou sua voz para soar o mais educado possível; coisa que ele sempre fazia, Máscara da Morte sabia bem, quando ele queria se passar com seu jeitinho. - Creio que estou um pouco confuso a respeito do quê o senhor está falando.  

— Deixe de tergiversar, Saga Tiropoulos, que eu te conheço desde que você era um moleque remelento. Você e aquele meliantezinho de merda do seu irmão! - O Delegado Plutarco agora apontava o dedo no rosto de Saga, certamente ignorante do fato de que o ‘moleque remelento’ que ele um dia conheceu já tinha também sido o sanguinário Grande Mestre do Santuário enquanto se passava por Shion. - Portanto vamos parar de conversinha mole que nós dois aqui sabemos que tem dedo nele nessa história, ou eu não me chamo Plutarco Agnélius Queromeu!

— Mas, Delegado Plutarco Agnélius Queromeu…  - Saga ainda mantinha seu tom falsamente conciliatório. - O que há de errado nessa tal ‘história’ que você acha que tenha relação com meu irmão? Bem sei eu que o Kanon está longe de ser um santo, mas… Se o senhor nem sabia que ele andava por aqui de novo…

— Cinco baseados de maconha dentro de um maço de cigarro estão de bom tamanho para você, Saga?

Talvez não fosse aparente para Plutarco o leve tremor nas feições de Saga no momento em que ouviu a menção aos beques do irmão. Mas para Máscara da Morte, aquele breve momento de desconcerto era prova cabal de que Saga também tinha plena consciência de que aquilo não podia ser atribuído a outra pessoa que não seu irmão Kanon.

Que seguia suando frio, concentrado em mantê-los ocultos como se sua vida dependesse disso.

Bom, talvez dependesse.

— Delegado… - Era nítido o esforço de Saga em não soar hesitante e manter a voz afável. - Mas… Por acaso você encontrou esses baseados com o Kanon?

— Como assim?

— Se o senhor está acusando meu irmão de algo, eu presumo que existam provas, sim?

— Quer mais prova do que o Teófanes ter achado esses bagulhos?

— Sim, Delegado, eu quero provas de que os baseados efetivamente pertençam ao meu irmão... - Saga devolveu enquanto parpadeava docemente, sua voz mais sacarina do que nunca. - ...Provas concretas.

Plutarco estreitou os olhos.

— ...Ele sempre foi bom assim em livrar tua cara? - Oculto sob a ilusão de Gêmeos, Máscara da Morte ironizou.

— Cala a boca. - Kanon gemeu, claramente afetado pelo esforço que fazia. - Se o Saga me pega aqui, ele vai acabar com a minha vida…

— Ué, ele tá aí te limpando a barra e você tá com medinho dele?

— Não, seu demente. Eu estou zelando pela minha paz de espírito, o Saga vai colar no meu pé feito um carrapato se me pegar aqui. Agora fica quieto, pelo amor de Zeus…

— Teófanes achou esses baseados com Milo de Escorpião e Shina de Cobra. - O delegado respondeu, contrafeito. - Os dois brigando porque, segundo Milo, ele achou esse maço de cigarros com os entorpecentes na área de treinamentos das amazonas de prata. E Shina devolveu as acusações dizendo que ele é quem tinha trazido os baseados para o Santuário para fumar ele mesmo.

O bem óbvio elevar de ombros que veio em seguida foi uma mostra de que Saga não via a relação entre essa rusga de Milo e Shina com baseados na mão do irmão.

— Ah, Saga, pára com isso. Você sabe que nem Milo, nem Shina iam trazer erva pra dentro do Santuário. Pelo amor de Deus, nem eu tenho a intenção de ir atrás de confusão, menos ainda por conta de uns baseados. O problema é o Teófanes ter achado isso na mão do Corregedor das Tropas do Santuário, porque você sabe a confusão que ele quer fazer…

— ...Então o que você está me pedindo é que eu ‘dê o meu jeitinho’ no seu subalterno Teófanes, de novo? - Saga, agora, claramente valorizava seu passe. - Olha, Delegado Plutarco, não sei não, eu…

Foi interrompido pelo estrondo de algum móvel batendo na parede ao lado.

— Delegado - Saga disse pausadamente. - Você não deixou o Teófanes sozinho com o Milo e a Shina, deixou?

O delegado franziu a testa e apertou os lábios enquanto os estrondos seguiam.

OOO

Na sala ao lado, a de interrogatórios, Shina elevava seu cosmo perigosamente - e por isso algumas cadeiras foram arremessadas para a parede.

Teófanes seguia de espingarda em punho, bestamente acreditando que podia enfrentá-la com alguns dardos cheios de tranquilizantes.

O pobre diabo. A única coisa que ele conseguiria com esse trabuco seria o que já conseguiu: Deixar Milo de Escorpião tranquilinho, tranquilinho.

— Inspetor... sebo nas canelas… - Milo, novamente deitado de lado e largado feito uma boneca de trapo, balbuciava palavras engroladas no meio de gargalhadas. - ...Eu vou te contar uma verdade do Santuário. Nesse momento... se você não correr… a Shina vai te matar…

E vou mesmo, pensou Shina enquanto seu cosmo eletrificava o ar para suas Garras de Trovão. Porque não tinha a menor possibilidade de Teófanes escapar vivo dessa.

— SHINA!!!

A voz tonitruante de Saga de Gêmeos se fez ouvir junto com o estrondo da porta se abrindo, seguido pelo Delegado Plutarco.

— Teófanes - Enquanto Saga se ocupava em paralisar Shina, Plutarco olhava abismado para a espingarda na mão de seu escrivão. - O que foi que você fez???

— Ele DOPOU o Milo com essa maldita espingarda de dardos! - Shina gritou, furiosa. - Acertou ele pelas costas com três seringas cheias até a boca com Soro da Verdade!!!

Os dois cravaram os olhos em Milo, deitado no canto da sala, rindo até que lágrimas saíssem dos seus olhos.

Plutarco levou as mãos à cabeça, saindo da incredulidade para o desespero.

— É ele… - Teófanes agora apontava a arma para Saga, que agora olhava para ele com uma mistura de incredulidade e desprezo. - É ele, o Usurpador do Trono do Patriarca!!!! Delegado! É ele!!!! EU VOU PEGÁ-LO E MOSTRAR PARA TODO MUNDO QUE-

— Teófanes - Saga o cortou, estirando o braço direito e apontando-lhe o indicador. - Pára tudo e dá uma olhadinha aqui no meu dedo. Vai sair uma luzinha, óóó...

Um flash de luz, e Teófanes caiu no chão inconsciente.

Shina não conseguia acreditar no que viam seus olhos.

— Você… Na frente do Delegado, você deu um Satã Imperial no Teófanes???

— Não exatamente um Satã Imperial - Saga suspirou. - Ele só vai ficar aí, apagado por algumas… horas, talvez.

— Mas ele vai lembrar de ter encontrado o bagulho? - Plutarco esticou o pescoço na direção de Saga enquanto se ocupava de tentar, sem sucesso, colocar Milo de Escorpião de pé. - Não, porque se ele lembrar…

— Não, não vai lembrar, vai esquecer a maior parte do que aconteceu.

— Mas você tem certeza que…

— Delegado, foi o que deu pra fazer. - Saga cortou o mais velho. - Milo, a gente precisa ir embora, levanta daí.  

Milo nem sequer parou de chacoalhar com as risadas.

Saga bufou, logo em seguida pegou Milo para levá-lo apoiado em seu ombro direito.

— Ai, Saga... também precisa me levar assim… - Milo protestava entre risadas. -  Você sempre faz isso… Porque você é muito cuzão. Sempre te achei cuzão, sabia?...

— Não me diga. - Saga grunhiu. - Vamos, Shina. Fala tchau pro Delegado, Milo.

— Tchau... Delegado… - Milo abanou a mão livre na direção de Plutarco.

OOO

Máscara da Morte ainda não conseguia acreditar no que tinha acabado de presenciar.

Não só a parte de ver Teófanes levar um Satã Imperial a pedido do Delegado Plutarco, o que por si só já era uma coisa em que ele só acreditaria vendo - como viu em primeiríssima mão por cortesia de Kanon de Gêmeos e Dragão Marinho, que deixou a ilusão se desfazer abruptamente assim que a Saga, Shina e Milo deixaram a delegacia e Plutarco Queromeu se encarregou de levar o desacordado Teófanes para a casa dele no camburão da delegacia. Na verdade, o que realmente lhe era inacreditável era que eles tivessem escapado de um flagrante por Plutarco e por Saga dentro da delegacia, e razoavelmente ilesos.

Só não dava os parabéns a Kanon porque, bem, aquela merda toda era culpa dele em primeiro lugar; então ele merecia uma surra e não felicitações por serviços prestados.

Mas, convenhamos, o grau de exaustão que veio dele ter que manter uma ilusão tão detalhada  por tanto tempo já estava valendo.

Como também estava compensando muito ver Kanon, ainda arfando pelo esforço, procurar o maço de cigarros que tinha desaparecido no meio da confusão.

— Kanon, cara… - Não continha o sorrisinho pícaro por essa pequena satisfação. - Tentar cê tentou, mas é hora de cê encarar a dura realidade. Perdeu, é oficial.

Kanon olhou para ele como se quisesse matá-lo. Mas seu atual cansaço realmente o impediria de continuar sua busca pela ganja perdida.

— Caralho. - Kanon rosnou, levantando da cadeira onde tinha se sentado. - Vou te falar, viu, só acontece comigo essas merdas.

— Enfim, cara. Vamos pegar o beco porque outra oportunidade dessa a gente não vai ter. A gente pode até sair daqui pra encher a cara na Taberna…

Kanon, mesmo rosnando e praguejando, se levantou para segui-lo delegacia afora.

Na recepção, porém, deram de cara com Dona Aglair, ajeitando as unhas tal qual estava quando haviam chegado. Só que dessa vez eles não estavam encobertos por uma ilusão.

Os dois gelaram, arregalando os olhos.

Dona Aglair, olhando-os por cima dos óculos de gatinho, torceu a boca num muxoxo de enfado. E, com a mão esquerda espalmada porque estava secando o esmalte, fez um gesto com a mão para que eles sumissem de suas vistas.

OOO

— Mas precisa mesmo carregar ele assim?

Shina não queria mais confusão, mas realmente estava preocupada. Carregar escadarias acima um Milo completamente fora de si assim, dependurado nos ombros, com a cabeça baixa, poderia ser até perigoso.

— Isso mesmo… Precisa carregar o coitadinho do Milo... feito um saco de batatas...?

— Aí, ó - Saga bufou. - Ele está ótimo.

O mau humor evidente de Gêmeos fez com que ela seguisse calada enquanto subiam até a porta da Casa de Escorpião. Evidentemente, Saga não havia movido um músculo de seus braços para reacomodar o cavaleiro mais jovem.

— Ai - Milo seguia protestando, posto que uma vez dentro de seu quarto Saga jogou-o na cama sem sequer se preocupar lhe tirar os sapatos ou ajeitá-lo melhor.

— É isso. Tá entregue. - Saga suspirou, esfregando o ombro. -  Fui.

— Mas espera aí, você vai deixar ele aqui sozinho? - Shina insistiu. - É sério, ele levou três seringas cheias de sabe-se lá o quê que o Teófanes tenha colocado lá dentro…

— Oh sim, tem razão. - Saga levou o indicador até o queixo. - Melhor trancarmos a porta para ele não sair até o efeito passar.

— Saga!  - Shina se exasperou. - O Teófanes dopou ele com entorpecentes pesados! Uma dose dessas pode até dar uma overdose nele!

— Ele vai ficar bem. - Saga rolou os olhos. - O máximo que vai acontecer é termos um Milo que fala “a verdade, somente a verdade, nada mais do que a verdade” sem parar por algumas horas. O que é precisamente o que o Teófanes queria, mas dentro de casa ele não vai causar problemas.

— Saga, ele não pode ficar sozinho! É perigoso!

Em resposta, Saga torceu a boca e franziu a testa.

Shina imaginava que Saga rebateria seus argumentos dizendo que Milo tinha condições suficientes para ficar sozinho em sua própria casa (o que ele claramente não tinha), mas ele se manteve em silêncio. Em vez disso, foi até uma cadeira próxima próxima à entrada do quarto e a puxou displicentemente até a borda da cama.

— Tudo bem, Shina. Então você fica com ele.

E antes que ela pudesse responder, ele girou nos calcanhares e foi embora.

OOO

Saga, entrando pela porta da Terceira Casa, praguejava baixinho sobre como essas coisas de resgatar Milo e Shina da delegacia e dar Satãs Imperiais em Teófanes só aconteciam com ele.

Tudo por culpa daquele irresponsável, inconsequente, pilantra malparido que era o seu irmão.

— ...E o muito do vagabundo daquele escroto filho de uma puta me leva baseado de maconha pra dentro da Arena de Treinos das meninas. Há. Eu vou te falar, eu só posso ter jogado pedra na estátua de Atena porque passar por tudo isso e…

Interrompeu sua linha de pensamento porque talvez brandir um punhal contra Atena Infante devia ser muito pior do que jogar pedra numa estátua.

‘Mas era ele e não eu’, Saga pensou enquanto entrava pelo seu quarto, engatilhando o mecanismo de defesa que sempre tinha em relação às ações de sua contraparte maligna. E, mesmo antes disso, ele já tinha que ficar gastando seu tempo, suas pestanas e seu equilíbrio emocional correndo feito um palhaço para consertar as cagadas do Kanon. Porque sim, senhor: ‘tocar o terror em Patroklou’, como disse o delegado, foi um eufemismo quando se trata de Kanon. No sábio ditado da comunidade rodoriense, esse povo não sabe ‘da missa um terço’.

Saga era capaz de enumerar sem esforço pelo menos umas vinte ocasiões em que Kanon fora deliberadamente preso para propositalmente ser fichado pela polícia só porque ele achava, talvez, que isso era uma boa ideia de entretenimento. E olhe que não estamos sequer entrando nos detalhes a respeito do seu irmão lutando em brigas de rua ou depenando incautos que tinham o azar de se sentar com ele em uma mesa de pôquer. E pra quem sobrava a tarefa de se descabelar para consertar as merdas do irmão? Isso mesmo, pro pobre do Saga, que agora enchia a banheira com água quente desfiando um rosário de impropérios.

Banheira cheia, Saga pegou as roupas e a toalha que estavam separadas desde que aquele outro cínico, o Delegado Plutarco, típico funcionariozinho público de merda que se pendura em um cargo para o qual ele não tem a mínima estrutura, ligou para interrompê-lo no conforto da sua residência porque ele mais uma puta vez tinha nas mãos um problema com o qual não conseguia lidar.

E, puta que pariu, quando ele tinha, sei lá, treze anos de idade o Teófanes já dava esse trabalhão todo.  O que será que está faltando para que alguém se digne a dar um jeito definitivo nesse lunático?

‘Não, não é nem uma questão de matar o filho da puta’, Saga pensava meio na defensiva. Mas vamos e venhamos, acertar o Milo com uma porra de uma espingarda de zoológico para dopar o puto com soro da verdade? Ele passou de todos os limites, porque numa dessas vai que dá uma zebra e o Milo acaba morrendo de novo?

Pensou por um momento em Milo enquanto entrava no banheiro, ouvindo uma vozinha perguntando para si se tinha sido uma boa ideia largar ele lá com a Shina, ou se ele não tinha soado meio insensível sugerindo que o bicho ficasse trancado no quarto enquanto não passava a rebordosa do bagulho que o Teófanes injetou nele.

‘Ah, foda-se o bicho, também’, pensou afastando a incipiente sensação de culpa. Poxa vida, fazer toda essa confusão com a Shina por conta de uns beques?

Que foi o Kanon que trouxe sim senhor, lógico que foi, e quando ele aparecesse ele ia ter o dele.

Mas, por enquanto, ficar sem os bagulhos seria punição suficiente.

Depois de tirar a camiseta, Saga meteu a mão no bolso direito da calça para puxar de lá o maço amarrotado. Tirou a calça e a cueca, entrou na banheira, então espichou a mão para pegar o maço e rodá-lo na mão.

Saga olhava para o maço com um sorriso ladeado no rosto.  Porque sabia que sim, seu irmão ia ficar muito puto de perder os negócios dele assim, do nada.

E ele faria questão de que o irmão jamais botasse os olhos nos ‘pertences’ dele de novo.

— Escroto, maloqueiro dos infernos… Onde já se viu, trazer maconha pra cá… - Saga bufou, meio que rindo, enquanto tirava do maço o isqueiro e um dos baseados.

Colocou-o na boca e o acendeu, puxando o ar numa tragada longa. Fechou os olhos, soltando um gemido grave sem abrir os lábios, e apoiou a cabeça da borda da banheira.

Uma coisa tinha que reconhecer: Seu irmão podia ser um puto, um safado, um pilantra, um delinquente; mas nunca perdia tempo com artigo de má qualidade. Deu outra tragada, e outra, e mais outra; pensando que, bem, o saldo final daquela merda toda não tinha sido de todo ruim.

Mantendo os olhos fechados, sentiu a mente desacelerar. Estava despreocupado porque, com todo o fuzuê que foi a apreensão de Milo e Shina pelo escrivão Teófanes, Kanon ia demorar para dar as caras; isso Saga sabia com certeza.

Um barulho no banheiro, e Saga quase morreu de susto ao dar de cara com… Afrodite.

— Boa noooooite, amiguinho. - O sueco cantarolou. - Tá tendo festinha privê e nem chama, é isso?

— O que você tá fazendo aqui??? - Pego no flagra, Saga teve o ímpeto de afogar o baseado na banheira, mas o olhar de Afrodite para o negócio o fez congelar sua mão no ar.

Afrodite olhou para Saga, batendo as pestanas cinicamente, para depois lançar um olhar para um inocente vasinho de plantas que Berta, sua empregada, tinha deixado na janela.

Saga desviou o olhar do desgraçado do vasinho e olhou para Afrodite.

Tinha que avisar urgente para Berta nunca, jamais colocar plantas nos recintos privados de Gêmeos.

— Licença. - Afrodite esticou as mãos de dedos finos e delicados para pegar dos dedos de Saga o baseado e o maço de cigarros ao lado. Deu uma tragada demorada, piscou os olhos azuis e assentiu com a cabeça, como que aprovando o produto.

— Pô, Afrodite… - Saga bateu os braços, exasperado.

— Ó. Pra você não dizer que eu tô sendo malvado. - Afrodite respondeu devolvendo o baseado aceso para Saga. - Você pode ficar com esse!

Saga fungou, olhando para Afrodite que, da porta do banheiro, lhe acenava em despedida. Deu então outra tragada, e deu de ombros.

O que fazer, né.

OOO

 

 


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Notas finais do capítulo

FIM?

Calma. Ainda tem o Epílogo!!!



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