Lady Luck escrita por Fadaravena


Capítulo 1
Capítulo 1




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They call you lady luck, 
But there is room for doubt,
At times you have a very unlady like way
Of running out.

Luck be a lady— Frank Sinatra

 

A porta automática do estabelecimento se abriu emitindo um breve zunido, de lá saía apenas um homem com as mãos enfiadas nos bolsos de um casaco de moletom vermelho e uma expressão taciturna. Provavelmente devendo-se a sua má sorte na jogatina daquele dia.

  O mencionado homem encontrava-se na casa de seus vinte anos, um jovem adulto que estaria pronto a se tornar um membro da sociedade, mas que, para desgraça da família, era o único filho ainda a depender dos pais. Ele vinha de uma família de oito e possuía cinco irmãos, todos na casa dos vinte. Cada qual se arranjara na vida, alguns com esposa e filhos, outros decidindo morar juntos, mas todos com um emprego de período integral. Era o que se devia esperar de homens na casa dos seus vinte.

  Nunca passou pela cabeça de Osomatsu sair de sua condição, como filho mais velho tinha a fantasia de que todos deveriam respeitá-lo e seguí-lo como bons irmãozinhos. Estava bom do jeito que estava.

 Certa noite o caçula da casa voltara sabe lá de onde com uma aura leve, parecia composto de ar rarefeito, sorria à toa, por bobagens, nem percebera quando seu chapéu fora surrupiado pelo mais velho com a alegação de que queria experimentá-lo. Era sim, de um ar rarefeito. Na manhã seguinte foi avisado de que estaria se mudando para outra cidade junto com um sujeito chamado Atsushi. Na mesma tarde ninguém mencionou nada, mas havia uma inquietação na sala.

  Dias depois veio uma carta endereçada ao quinto filho. Era de sua namorada. Dizia que arranjara um emprego em Tóquio de secretária em uma agência de jovens ídolos. Os olhos de Jyuushimatsu brilharam. Meses mais tarde estava casado e na expectativa da paternidade. Foram morar numa casa pequena perto do centro. Sua esposa, noiva na época, conseguira uma carta de recomendação ao terceiro filho na mesma agência em que trabalhava. E, não se sabe bem quando, se foi antes ou depois de Choromatsu ser admitido no cargo de agente de ídolos, o quarto e segundo filhos se mudaram juntos para um apartamento nas redondezas de Shinjuku. Mais especificamente na segunda avenida.

 Tudo acontecera tão rápido, que o deixassem pelo menos digerir os fatos aos poucos, um por um. Enfiou as mãos ainda mais fundo nos bolsos, parecia que iriam arrebentar a qualquer momento. Um rosto radiante formava-se no fundo da sua mente, era seu rosto, era um parecido com o seu, era igual, eram vários. Ora vestia-se de rosa, ora de roxo. Tinha olhos azuis, não, verdes. E um anel amarelo no dedo anelar da mão esquerda. Parou de súbito no meio do caminho. Agachou-se e curiosamente estendeu uma mão até o asfalto. Fechou-a num punho, depois retornou-a para dentro do bolso do casaco e se levantou. Seguiu caminhando sempre com o olhar voltado para baixo, passou rente à casa de seus pais sem desviar a atenção do percurso e terminou sentado num banco de uma praça.

   - Que deprimente. - suspirou. - Nem sequer posso me intrometer mais no que quer que estejam fazendo. - virou a cabeça para trás e ficou a olhar as nuvens mudarem ligeiramente de forma.

   - Com licença, não se incomodaria se eu me sentasse aqui? - uma voz doce e aveludada chegou aos seus ouvidos. Fez sinal com a mão de que não se importava, ainda olhando o céu. Minutos se passaram até perceber que havia alguém ao seu lado. E quando ocorreu de lançar-lhe um olhar seu queixo caiu.

 Era uma moça franzina de longos cabelos louros, vivos como ouro, um narizinho fino, com as maçãs do rosto coradas e os lábios levemente arqueados num sorriso inocente. Usava um vestido de verão verde que ia até seu joelho e sandálias de salto alto na mesma cor. Devia usar sutiã bojo cinquenta, observou ainda com um aceno de cabeça.

  - Nada mal. - deu um assobio.

 A moça riu baixinho do comentário, cobrindo adoravelmente a boca com as costas da mão.

  - É estrangeira? Você não parece ser daqui. - continuou o homem.

  - Venho a trabalho. – a moça respondeu.

 Osomatsu continuou a fitá-la com grande curiosidade. Ela virou-se graciosamente para ele fazendo seus olhares se encontrarem. O homem pode observar um brilho audaz neles, em muito contrastavam com sua primeira impressão sobre ela.

   - Matsuno Osomatsu. – disse pronunciando cada sílaba com cuidado como se lesse uma ordem judiciária.

   O homem arregalou os olhos, depois franziu as sobrancelhas.

   - Ei, como sabe meu nome?

   Ignorando a pergunta a moça continuou:

   - A Providência parece não o ter em conta, é uma pena, não acha? Como esquecer de uma lenda carismática com nome tão singular. – suspirou.

   Tudo o que Osomatsu conseguiu pensar foi em como ela ficava fofa inconformada daquele jeito. Como tamanha beldade foi puxar assunto logo com ele? Ou melhor, do que ela estava falando? Resolveu arriscar e se aproximou um pouco mais da moça, deixando sua mão quase encostar-se à dela.

   - Você sabia que é muito linda? Ah, como eu daria o meu último tostão para ter um encontro com você agora mesmo.

   Outra garota teria dado um tapa em sua cara e ido embora, ou mesmo chamado a guarda do parque. A moça sentada ao seu lado abriu um sorriso enigmático e mais uma vez olhou bem fundo em seus olhos. Osomatsu sentiu suas faces aquecerem. Engoliu em seco.

   - Digo o mesmo.

   De repente sentiu seus dedos entrelaçarem, quis aprofundar mais o gesto, mas percebeu um obstáculo, algo se colocava entre eles. Sem desfazer o sorriso a moça voltou a mão para o colo. Embaixo da palma de Osomatsu se encontravam dois maços volumosos de cédulas. Mirou-os incrédulo virando a cabeça ora para a moça ora para os maços diversas vezes.

   - Isso é sério? É sério mesmo?

   - Está no seu direito, se a Providência o esqueceu. Faça bom proveito. – e com isso ela se levantou com elegância e foi se afastando do homem até desaparecer de vista no meio de um bosque, bem ao fundo, no fim do parque.

   O que o homem fez foi exatamente ter sua vingança pelas perdas daquela manhã. Num salto já estava de volta ao estabelecimento de máquinas caça-níquel. As luzes vibrantes do ambiente faziam a adrenalina correr pelo seu corpo, suas mãos coçavam para girar o botão. 

  Aproximou-se da primeira máquina à direita da entrada, acomodou-se na cadeira e inseriu a primeira ficha. Uma chuva de bolinhas prateadas veio deslizando pela tela, e, enquanto o homem girava a mão num frenesi, mais bolhinhas caíam. E então colocava mais fichas na entrada, cada vez mais rápido girava a mão, mais perto da tela, mais perto. Parecia estar vislumbrando uma chuva de estrelas cadentes.

 Seu nariz quase encostava no vidro gelado quando a última torrente caiu para ir direto em jackpot . Com os olhos arregalados ele foi se afastando devagar; era como se tivesse acabado de presenciar um assassinato bem na sua frente. Sua expressão permaneceu assim, estática, por alguns minutos. Ele havia ganho. Todas. Diversas notas de dinheiro começaram a se amontoar em seus pensamentos.

 Imagina o que ele poderia fazer com tudo aquilo! Quem sabe teria a mesma sorte na corrida de cavalos do dia seguinte? Em questão de semanas estaria rico! E sem ter feito nada! Se pudesse teria dado um grito de júbilo ali mesmo, mas deixou para comemorar na saída em direção ao posto de trocas.

 Saiu de lá saltitante, cinquenta mil ienes em cada bolso. Um enorme sorriso o acompanhou até chegar em casa. Era por volta da hora do jantar quando retornou.

  - Já estou de volta! - anunciou-se tirando os sapatos e entrando no piso de madeira do corredor principal.

 Em vez da usual resposta de sua mãe pareceu escutar um silêncio cortado pelo som de soluços. Vinham da sala no andar em que estava. Ao aproximar-se devagar da porta corrediça, o barulho aumentava junto com o burburinho de vozes. Encostou com cuidado o ouvido e pode distinguir a voz de sua mãe.

  - ... está tudo bem, está tudo bem. Pode ficar o tempo que precisar.

 Mais soluços. E então outra voz familiar.

  - O que eu podia fazer, mãe? Tudo ia tão bem. Ele era - deu uma pausa - Atsushi era tudo para mim.


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