Admirável Novo Mundo escrita por Joana Guerra


Capítulo 13
Desertos fontes trémulas campinas


Notas iniciais do capítulo

Muito obrigada à Gilmara Santos por ter favoritado (saudades de você :)) e à 6ª pessoa que favoritou (não consigo ver o seu nick, mas muito obrigada!) Agradeço ainda o incentivo dos comentários! :)
Nota: Com o tempo de viagem de volta ao Rio, este capítulo decorre na segunda metade de março de 1822. Os acontecimentos históricos retratados suportam essa data.
No último capítulo fiz referência ao General Avilez. Acredito que, na novela, ele seja baseado em Jorge de Avilez Zuzarte de Sousa Tavares, 1º Conde de Avilez. A personagem histórica teve um desentendimento grave com Pedro e voltou para Portugal em fevereiro de 1822. Cometi um erro ao montar esta timeline. Para encaixá-lo na história, o “meu” Avilez não é o histórico, teve outra função e regressou a Portugal em março de 1822. Tomei uma mini-liberdade histórica. Trinquei a língua e vou para o inferno ;).



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Anna despertou do pesadelo, se sentando com um movimento único na cama e reconhecendo de imediato as paredes do seu cárcere privado.

Estava de volta ao seu quarto habitual no palácio e à noite instalada. Em frente ao leito, dormindo numa cadeira de vime com a cabeça inclinada sobre o peito, a rechonchuda enfermeira encarregue de a vigiar ressonava com a boca aberta.

Miss Millman não perdeu tempo e fugiu pela porta não vigiada, auxiliada pela adrenalina que superava a fraqueza fabricada que procurava tolher os passos da inglesa.

Ela sabia que, desde que tinha regressado, a vinham sedando, tornando difusa a passagem dos dias, mas pressentia também que não tinha mais tempo a perder.

A ampla camisa de noite branca esvoaçava à medida que os leitosos pés descalços da espia corriam pelo chão do palácio e o cabelo solto desgrenhado flutuava atrás dela, procurando não ficar para trás.

Se o espírito de Anna estivesse nas melhores condições, teria reparado de imediato nos sinais de luto há muito espalhados pelas salas que atravessava e na ausência da lembrança de riso pelos cômodos.

Pedro e Maria Leopoldina estavam reunidos na sala privada da família, tentando reestabelecer uma normalidade familiar que nunca mais seria deles.

Sentada diante do conjunto de candelabros acesos cujas velas morriam, a princesa bordava, sem sair do mesmo ponto repetido, e, na sua frente, o marido analisava a última correspondência recebida, mas sem conseguir sair da mesma página.

A inglesa abriu dramaticamente as portas de par em par e se ajoelhou diante de Pedro, procurando a coerência dentro da sua mente confusa pelo consumo forçado de fármacos:

— O Capitão Ferrão é inocente de todos os crimes de que o acusam. Eu sou a espia que organizou a revolta contra você. Eu tenho que pagar pelos meus crimes, não Tiago.

Se a mente arguta de Anna estivesse disponível, ela teria identificado o selo inconfundível de Miguel de Bragança bem impresso na carta que Pedro pousou numa mesa de apoio.

O Príncipe fez um rápido sinal com a mão para que os guardas de plantão e as usuais damas bisbilhoteiras se afastassem, depois de muitos terem sido atraídos pelos gritos à porta da sala íntima do casal Bragança, e todos se retiraram, fechando as portas atrás de si.

O casal de príncipes se entreolhou, procurando um no outro uma resposta.

Leopoldina levantou a sua amiga do chão, a embalando nos braços cansados. As olheiras profundas da antiga arquiduquesa austríaca deviam ter denunciado o seu estado de espírito, bem antes das suas palavras sentidas:

Meine Liebe, porque é que você está inventando isso? Sei, no fundo do meu coração, que a minha querida amiga Anna nunca faria algo contra a minha família. Você nunca nos abandonaria.

Pedro se sentia comovido pela cena e procurava reter as lágrimas. Se um homem não chorava, muito menos um príncipe ungido o faria.

Ele sabia que Maria Leopoldina estava fragilizada. Menos de dois meses antes, tinham perdido o seu filho muito amado, em quem tantas esperanças tinham sido depositadas, e, menos de duas semanas antes, ela tinha dado à luz mais uma menina, estando ainda se recuperando do parto.

Passar por emoções tão fortes em tão pouco tempo, sem a companhia e o apoio da sua amiga, tinha feito com que a princesa se recusasse a perder alguém que lhe fosse próximo.

Pedro estava demasiado ocupado em não deixar colapsar um governo frágil para conseguir carpir a própria dor e, se não conseguia se valer a si mesmo, muito menos conseguiria valer à esposa:

— Leopoldina, minha querida, você não tinha dito que queria ir ver se as crianças já estavam dormindo?

O subterfúgio óbvio de que ele se serviu para ficar a sós com Anna foi por todos percebido. Daquela vez, em lugar de ser recetor, Pedro se via obrigado a ser portador de más notícias, abraçando a dama de companhia confusa:

— Anna… João Carlos morreu…

Ela sentiu o grito de dor que lhe veio de dentro. Se fechasse os olhos, ainda conseguia sentia a criança nos seus braços.

 Não a destruía quando a tragédia caía sobre a sua cabeça, mas Anna se sentia demolindo por dentro quando quem lhe estava próximo sofria na sua vez, certa da sua culpa perante o destino.

Sentindo as pernas da inglesa cedendo, Pedro a segurou nos braços e a sentou no cadeirão anteriormente ocupado pela sua Princesa.

Depois de esperar em silêncio que a loira se recompusesse, o herdeiro de Dom João teve com ela a conversa difícil que vinha adiando por conta da confusão mental da sua dama:

— Anna, por experiência própria sei que uma mulher seduzida é capaz de tudo para defender o homem por quem se enamorou. Aprendi da pior forma que não dá para acreditar na palavra de mulheres apaixonadas. Nada do que você disser vai mudar o que penso sobre o Capitão Ferrão.

Atónita, ela arregalou os olhos para encarar o futuro líder daquela terra. Não era possível que ele não conseguisse ligar os pontos em falta. Era aquele cego quem iria liderar o novo país. Seria possível que cada ser político fosse acompanhado por tantos defeitos óbvios e ninguém se levantasse contra isso?

Pedro suspirou, passando as mãos pela face que já não sentia, dialogando mais consigo mesmo do que com a inglesa:

— O problema vai ser resolvido. Quase todos os traidores fugiram para parte incerta, mas vou ter que manter sigilo sobre aqueles documentos. Avilez vai ter que silenciar tudo o que sabe. O meu pai se vai encarregar disso… Esses papéis serão apagados da História para o bem maior e porque eu não tenho como saber se um dia vou precisar de tornar os meus inimigos em meus aliados, mas Ferrão… ele tem que morrer pelo que fez. Alguém tem que servir de exemplo.

Ela tomou as mãos do príncipe no meio das suas, apertando com força para o fazer despertar:

— Não! Tiago não pode morrer por algo que eu fiz.

Pedro se libertou e a afagou ao de leve na face, levantando o queixo da inglesa para a encarar olhos nos olhos. Dançando no limite da sanidade, ele necessitava de alguém com quem pudesse finalmente repartir a carga pesada:

— Anna, você estava ausente quando João Carlos nos deixou… temi que Leopoldina não fosse aguentar o desgosto. A minha esposa está num estado muito frágil e não iria suportar perder outra pessoa que ama. Eu não sou o melhor dos maridos, mas tenho a obrigação de fazer a mãe dos meus filhos feliz. Ela carece de você. Consegue entender isso?

Na loira, doeu ainda mais perceber a real razão para estar sendo poupada. Ao príncipe, não lhe faltavam capacidades cognitivas para, de fato, entender todos os pormenores sobre o que se tinha realmente passado. Pedro só estava cego porque se recusava a ver a verdade. O sofrimento da perda recente não o deixava enxergar.

Ela gritou, ignorando as convenções de tratamento da realeza, e agarrou o homem de sangue azul, com força, pelo colarinho engomado. Com o rumo que a situação tomava, estavam os dois no mesmo patamar amaldiçoado:

— Não! Você está fazendo tudo errado! Eles vão te destruir e você nem vai perceber isso até ser tarde demais! Pedro… Pedro!

O Príncipe nada perfeito apanhou às cegas e fez tocar uma campainha de prata e, ao seu sinal, um guarda agarrou Anna e a carregou novamente de volta ao quarto, perante o olhar consternado de Pedro.

Ele se deixou ficar na sala até que se apagasse a derradeira das velas e, com ela, a última luz da esperança. Pedro se sabia só.

Anna não gostou de perceber como se tinha tornado fácil entrar e sair do palácio sem ser notada. Qualquer lunático munido com uma arma e dessa informação poderia atacar a Família Real.

A vontade de Pedro em se aproximar do povo tinha boas intenções, mas a inglesa duvidava dos objetivos de quem aconselhava o príncipe e não o tinha advertido para o perigo em que se colocava.

Com tantos pontos de entrada e de saída simples, ela se escondeu debaixo de uma capa e correu para o edifício que sabia ser usado como posto de interrogatório para os maiores inimigos da Coroa.

O ingresso de admissão para o espetáculo macabro era de baixo custo. Ela tirou do dedo um anel que usou para subornar um dos guardas de vigia. Segundo os registos oficiais, Anna Millman nunca teria estado ali.

O guarda a conduziu pelos corredores escuros e eles desceram silenciosamente as escadas apertadas, iluminados precariamente pela tocha trémula.

Anna evitava se apoiar nas paredes de pedra húmida, onde só floresciam os fungos que não viam o sol.

A última das celas parecia desocupada, mas, enquanto ela se segurava nas grades ferrugentas, o militar subornável fez rodar uma chave enorme na velha fechadura e fez sinal para que ela entrasse.

Nem como espia, nem como mulher, Anna teve medo em entrar sozinha naquele buraco escuro.

O chão coberto por várias camadas de palha podre se abatia debaixo dos seus pés, enquanto alguns dos restos daquela massa putrefacta se colavam à barra do seu vestido imaculado, e um cheiro insuportável penetrava as suas narinas.

A cela não tinha as menores condições de salubridade, mas albergava há vários dias um ser humano.

Os olhos da inglesa precisaram de um momento para se habituarem à quase escuridão, antes de reconhecerem o homem deitado como um bicho num canto do cómodo.

Ele tinha as costas em ferida, carne viva macerada por um chicote e prova da tortura eficaz dos carcereiros que lhe tinham atribuído.

Aquelas não eram as feições que Anna tinha decorado. O sobrolho aberto era uma ferida com muitas horas e começava a infecionar, a metade da face inchada deformava a expressão anteriormente feliz e um fio de sangue que escorria do lábio inferior tinha já a consistência de um caldo grosso.

O prisioneiro percebeu que já não estava só e se sentou, se virando na direção da loira, fazendo tilintar o ferro dos grilhões pesados em volta dos seus tornozelos.

Um laivo de alegria coloriu os olhos cansados, ainda que um deles estivesse mais apertado do que o usual, graças a um hematoma.

Ela se sentou na frente dele e o abraçou com delicadeza, mas, naquele ponto, Tiago já não tinha como ser mais magoado:

— Eu contei a verdade, my love, mas não acreditaram em mim. Não sei mais como te tirar daqui.

Ele levantou a custo os braços e a envolveu. Ao contrário da lógica do momento, era Ferrão quem confortava e Anna quem se sentia reanimada.

— Tudo está certo, Anna. Não vai ter golpe. Quando li aqueles documentos, entendi tudo. Você só estava seguindo ordens.

Ela reprimiu as lágrimas de culpa e retirou do decote um lenço lavado, o humedecendo em água limpa antes de o usar para limpar as feridas na face de Ferrão. A cambraia fina absorveu e se encharcou com o sangue inocente derramado.

Anna não estava resignada em deixá-lo ali muito mais tempo, mas perdia minutos preciosos se martirizando com as decisões anteriormente tomadas:

— Piatã conseguiu prever que eu seria a sua ruína, mas eu só fui perceber isso tarde demais.

Tiago a segurou pelo braço, procurando mostrar um sorriso na boca torcida pela violência dos homens:

— Não fala besteira, Marquesa.

Ele conhecia bem o destino que o aguardava, mas não era com isso que o pirata se preocupava no momento:

— Para quem você escreveu aquela carta, quando a gente estava no navio?

Ela torceu o lenço, procurando uma ponta que ainda estivesse limpa, antes de responder vagarosamente:

— Para o Conde, o meu superior…Pedi ajuda, mas ela nunca chegou…Agora sei que ela nunca virá.

Ferrão a abraçou e a beijou em jeito de despedida. Se o destino dele já estava selado e ele estava calmo com isso, o da loira permanecia em aberto:

— Morro feliz porque te conheci. Parto tranquilo sabendo que você vai continuar nesse mundo, mas você não está segura. Mais tarde ou mais cedo, vão acabar percebendo quem você realmente é.

O último desejo do condenado era uma promessa simples, que ele tentou arrancar a ferros da loira:

— Você está remando contra a maré. Não vai dar certo. Me jura que vai fugir antes que isso aconteça, Anna. Só assim vou ficar em paz.

Ela permaneceu em silêncio, balançando negativamente a cabeça. Anna Millman sabia que a única pessoa a quem nunca conseguiria mentir era Tiago Ferrão.

Anna era a segunda visita que ele recebia naquele dia.

O prisioneiro pirata tinha acordado a meio do dia, depois de espancado pela duração da noite anterior, vislumbrando um novo vulto encostado à grelha de grades que o prendiam.

O Capitão do Marquesa se agarrou aos tubos de ferro e se apoiou neles até se conseguir levantar com esforço e falar com o homem, ocupando o mesmo patamar de altura:

— Posso ajudá-lo, Alteza Real?

Pedro ficou surpreendido por ter sido reconhecido tão rapidamente. O Príncipe media Tiago e o avaliava em silêncio, cofiando de tempos a tempos o bigode encerado, antes de lhe dirigir a palavra:

— Estou tentando perceber qual é a eterna magia do Capitão Ferrão, que foi capaz de corromper a mais virtuosa das damas.

Ferrão aceitou o desafio implícito. No meio da sua desgraça, o pirata ainda não tinha perdido toda a ironia fina e, levantando um meio sorriso, perguntou, zombando:

— Isso são ciúmes, Alteza?

O herdeiro do trono conteve as gargalhadas na garganta, tentando parecer sério na hora de responder:

— São constatações.

Por um momento, Pedro de Bragança teve pena de ter sangue real. Num mundo em que ele não fosse um príncipe, poderia fazer de Ferrão um amigo. Sem as rédeas dos deveres da realeza, era com homens como aquele que ele se via cavalgando a alta velocidade ou bebendo até cair numa taberna anónima.

Pedro inspirou fundo. Os seus conselheiros iriam odiar saber que ele se tinha encontrado com aquele criminoso e seria ainda pior se conhecessem o motivo para a reunião:

— Contra o meu melhor julgamento, vou lhe dar uma última oportunidade de, olhos nos olhos, me contar a verdade.

Tiago manteve uma expressão enigmática, mas gostou da atitude inesperada do Regente. Tinha simpatizado de verdade com ele. Era uma pena que os seus caminhos divergissem:

— Pode não acreditar, mas eu sou um homem de palavra. Mantenho o que disse: eu sou o único responsável pela rebelião.

O Príncipe abanou ao de leve a cabeça, numa atitude de resignação, e saiu dos calabouços. Pedro era um homem intenso, mas não era violento.

A inconformidade de Anna deu frutos na noite da véspera da execução, quando voltou à cela de Tiago com um plano cujas repercussões não tinham sido pensadas:

— Você vai fugir. Charles já tratou de tudo.

Por um momento, o Capitão colocou em dúvida a sua capacidade auditiva, já que os seus carcereiros não o vinham alimentando, mas compreendeu que não estava alucinando.

O diamante recolocado no dedo anelar da mão direita da loira reluziu na semiobscuridade e Ferrão entendeu o preço pesado da sua liberdade:

— O que é que você foi fazer?

Se ele se desesperava, ela mantinha uma calma calculada, o segurando pelos ombros moídos:

— Se você não fugir nesse exato momento, amanhã eu vou gritar para todo mundo ouvir que eu sou a verdadeira culpada. Eu vou gritar tanto que só vou parar quando colocarem a minha forca do lado da sua.

Apenas Tiago Ferrão conseguia perceber quando Anna Millman estava firmemente resolvida a fazer algo:

— O pior é que você é suficientemente louca para fazer mesmo isso…

Ela sentia que, pelo contrário, estava muito lúcida no momento de orquestrar um plano para salvar Ferrão.

Pedro e os seus conselheiros estariam distraídos. As tropas portuguesas tinham abandonado o Rio no mês anterior, aumentando a clivagem em relação a Portugal, e ocupando muito do tempo de quem se ocupava em política.

Anna tinha uma outra ideia quando entrou nos aposentos de Charles Johnson sem ser anunciada, exigindo, com porte majestoso, a cooperação do espião:

— Quero a sua ajuda para libertar o Capitão Ferrão.

O inglês separava e destruía documentos comprometedores, fazendo contas ao dinheiro para subornos de que ainda dispunha.

Hassan já tinha partido, seguindo ordens para fazer desaparecer rastros sob a forma de testemunhas que não pudessem ser controladas de outra forma. Naquele momento, Anna Millman constituía a única ponta solta.

Johnson rosnou em desdém, mais preocupado em salvar a sua pele do que a de um indivíduo que odiava com todas as suas forças:

— A nossa operação foi destruída, tenho quase a certeza de que foi a mando dos espanhóis que você foi atacada em janeiro e você me vem com pedidos idiotas? Eu nunca aceitaria ajudar esse criminoso imundo!

Conseguir ver através dos olhos dos inimigos é uma vantagem inestimável. Anna fez uma oferta desesperada, certa de que seria atendida:

— Nem mesmo se eu aceitar ser a Mrs. Johnson?

Ela jogava com as armas que tinha à disposição.

— Me ajuda a libertar Tiago e eu aceito ser a sua esposa, Charles. Você pode marcar a data que quiser para esse casamento. Não foi isso que você sempre quis?

Os olhos azuis de gelo do espião inglês reluziram. Anna estava desarmada e faria o que ele quisesse. Podia negociar uma contraproposta, com a certeza de que ela seria aceite:

— Quero o casamento e a sua ajuda para derrubar Pedro, sem colocar qualquer objeção aos meus planos. É esse o meu preço pela liberdade do seu pirata, Miss Millman.

Quando Charles Johnson entrou na cela, carregando os instrumentos necessários para lhe retirar os grilhões, Tiago teve vontade de o mandar embora, mas Anna não deixou.

Os ingleses colocaram os braços de Ferrão em torno dos seus pescoços e carregaram o Capitão ferido para fora daquela cave escura.

Com todos os guardas subornados ou chantageados, os britânicos passaram com o prisioneiro através de cômodos ocupados por gente que olhou para o lado, assobiando, ou se ausentou justamente naquele momento.

O sétimo guardião daquele forte os esperava à saída com um animal de carga, mas fez questão de também desaparecer logo na escuridão da noite.

Anna e Charles ajudaram Tiago a subir na égua mansa e ele se inclinou sobre o pescoço do animal, a única posição que o seu corpo maltratado permitiria para a viagem.

A loira lhe entregou o mapa e as indicações necessárias:

— Não dá para a gente seguir com você a partir deste ponto, mas Charles vai garantir que o caminho está livre. Piatã e o resto da tripulação foram avisados e te vão estar esperando no lugar marcado.

Ferrão relutava em partir, sabendo que teria que a deixar definitivamente para trás, e deixou escorregar até ela uma mão com a palma virada para cima.

Ela sabia o que ele estava pedindo. Tiago suplicava que ela subisse naquele momento na garupa e desaparecesse com ele:

— O mundo é um lugar muito estranho. Te voltei a encontrar para te voltar a perder.

Justiça era um vocábulo a que se recorria muitas vezes, mas nunca lhe davam a sua real importância e raramente se via concretizada.

Para Ferrão e para Anna, aquele final não era o justo, mas o possível.

Sabendo que não ia aguentar manter a charada por muito mais tempo, a inglesa bateu com a mão no posterior da égua e o animal correu para segurança, carregando um Tiago que já nem conseguia segurar nas rédeas.

Anna só não estava oca por dentro porque lhe sobrava o oásis de saber que o seu sacrifício colocaria o seu pirata a salvo. Congelado esse pequeno paraíso, ela sabia que não lhe viriam mais lágrimas pois enfrentava a seca de um deserto.

Inconformada com o que o destino lhe tinha reservado, Anna olhou com horror para Charles, depois de Ferrão desaparecer no nevoeiro cerrado.


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Notas finais do capítulo

Nota histórica: é um fato que, anos mais tarde, Pedro dependeu do apoio dos ingleses para reconquistar o trono português. Este capítulo termina com Ferrão dando uma de D. Sebastião e se enfiando no meio do nevoeiro, mas ele volta no próximo;). No próximo capítulo: um salto de dois meses, já que, em abril de 1822, Pedro estava em Minas Gerais, e um cliché que o povo ama. Feliz 2017 e beijo para todos!



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