Páginas sobre a chuva escrita por Miss Houston


Capítulo 7
Mais tempo para os segredos




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Não demorou para que Maya percebesse que Anthony não a estava levando para a sua casa, nem mesmo para a dele. Não deveria, mas a amedrontou. Talvez devesse ter pensado melhor antes de pedir para que um vizinho que tinha tido um surto durante a chuva a levasse para qualquer lugar seguro que fosse. As aluminações de Halloween passavam como se fosse apenas vagalumes voando.

— Para onde está me levando? — perguntou confusa.

Anthony franziu o cenho como se tivesse dúvida do onde estava indo, tornando mútuo o sentimento de confusão. Apertou o volante antes de virar na próxima esquina.

— Um lugar seguro. — respondeu.

Maya fez uma careta, retendo a vontade de dizer que aquele não era um pensamento mútuo, pelo menos não depois do encontro desastroso na casa do rapaz. Como não conhecia a cidade, resolveu apenas aproveitar a vista, recostando sua cabeça no banco e suspirando.

Anthony a encarou de soslaio, aliviado por ela parecer mais relaxada. Quando a encontrou no meio do café tendo uma crise de pânico, era como se tivesse visto um reflexo de si quando retornou para casa do exército. Sentia-se culpado todas as vezes que Jillian acordava junto. Por mais que ela afirmasse que não era nada demais, seus olhos demonstravam o contrário. Havia um limite em Jillian, um limite que Anthony tinha conseguido ultrapassar.

Percebeu Maya esfregando as mãos contra os braços e se apressou em ligar o aquecedor, ganhando um pequeno sorriso acolhedor em resposta. Desviou o olhar para não retribuir o sorriso e percebeu um suspiro de desgaste vindo de sua acompanhante. Quando chegaram ao limite da cidade, ele desacelerou permitindo que sua mente relembrasse o caminho até o lugar especial. Maya ficou alerta, olhando para os lados como se esperasse algo pular no carro. Anthony não queria admitir, mas a apreensão era mútua.

— Chegamos! — ele anunciou.

Maya demorou a identificar a velha construção do teatro, por nunca ter ido antes ali. Lisa tinha mostrado o prédio em uma das fotos de infância quando seu pai a levou um dia antes de fechar há quase dez anos. Anthony parecia familiar com o local caminhando até uma abertura atrás de um barril e o empurrando até que tivesse espaço o bastante para que ambos passassem. Maya se sentiu estranha por Anthony deixar que o conhecimento dessa passagem fosse mútuo.

Seguiram para o lado de dentro, guiados pelas luzes que saíam de seus celulares até que Anthony encontrasse a caixa de energias e todas as luzes se acendessem instantaneamente. Era quase como se estivessem dentro de um dos livros premiados de Maya, e ela esperava que um assassino aparecesse a qualquer momento. Maya recuou pela mudança súbita de ambiente, parando para piscar os olhos com força antes de seguir Anthony em direção aos bancos.

— Quando era mais novo, tivemos uma peça de teatro aqui. — murmurou sentando-se em um dos bancos forrados por um pano azul já desgastado. — Eu e a atuação tínhamos sentimentos mútuos um sobre o outro. E não era dos melhores. — gracejou. Maya estava parada diante dele, talvez temerosa que seu bom humor durasse pouco. Anthony deu dois tapinhas no banco ao seu lado. — Venha se sentar comigo. Prometo que irei me comportar.

Maya hesitou por mais alguns segundos, recordando-se das palavras que Lisa tinha dito sobre seu vizinho no começo do dia. Anthony demonstrava instabilidade, algo que a escritora que queria manter longe por um longo tempo. Mas Lisa e Anthony tinham um consenso mútuo: Ele não era perigoso. Suspirou mantendo os braços cruzados contra o peito e preferiu não se arriscar, mantendo uma cadeira entre os dois.

— Acho que mereço isso — Tony respondeu e para o sobressalto mútuo, ele sorriu. Mas esse pequeno gesto durou pouco tempo. Ficou sério, relembrando o modo como tinha se encontrado com Maya e a dúvida fazia com que sua cabeça doesse. — O que houve lá?

Maya desviou o olhar.

— Assim como você tem os seus segredos, eu mantenho os meus. — murmurou.

Anthony suspirou por não gostar de ver a garota fechada daquele jeito. Sentou-se na cadeira entre eles e pegou na mão dela, como um jeito de chamar atenção.  Ele só não esperava que ao tocar nas macias mãos de Maya, se sentiria tão confortável. E pelo jeito que os olhos de Maya estavam arregalados, aquela sensação era mútua.

— Se eu te contar um pouco dos meus segredos, você me conta os seus? — propôs.

Ainda imersa no toque, Maya assentiu. Anthony começou a traçar um círculo na palma da mão da escritora – um contato íntimo que por muito tempo não teve, mas uma mania incurável.  Por mais que estranhasse, Maya não pediu para que ele parasse a carícia. Aproveitaria enquanto Anthony continuasse com a guarda baixa.

— Eu fui para a guerra procurando a glória e me esqueci de todas as outras coisas importantes da minha vida. — Tony murmurou mantendo seus olhos claros baixo. — Perdi minha esposa porque não conseguia me acostumar com uma vida normal. Pelo menos não depois disso. — tocou seu joelho, hesitante.

Maya relembrou como ele tinha ficado nervoso quando ela tinha tentado tocá-lo. Tony suspirou, fechando os olhos com força como se estivesse tomando coragem. Maya queria que essa coragem fosse mútua, pois a sua vontade era de impedi-lo. Era como se contar aquele segredo o ferisse e quando ele terminasse seu relato, seria a vez dela.

— Não precisa fazer isso se não quer — ela se apressou em dizer botando a mão por cima da dele. Anthony se afastou um pouco.

— Eu preciso fazer isso — ele disse.

Antes que ele puxasse a calça, Maya descontrolou-se. Aquilo foi a gota de água para que ela atingisse o limite do seu autocontrole e se jogasse de cabeça no precipício. Só de pensar em expor seu segredo, suas mãos tremiam e uma gesto impulsivo, segurou o rosto de Anthony com as duas mãos, beijando-o. Tony apertou sua cintura com força – mas ainda sem a machucar – e arfou. Ela abriu os olhos, pensando que o tinha machucado. Abaixar a guarda foi uma falha dela.

Anthony trocou suas posições e Maya sentiu os dedos dele entrando em seus cabelos ondulados. Afastaram-se por um segundo  e Maya sentiu a respiração de Tony contra o seu rosto. Seus olhos permaneciam fechados e ele voltou a beijá-la com voracidade e paixão que ninguém deveria possuir. Pôs os cotovelos nos ombros dele e suas mãos desceram para seus ombros.

Era tão perfeito que deveria ser proibido. E para um erro, seu beijo era muito bom. Intoxicante, envolvente, inebriante. Por mais que estivessem arfando por falta de ar, não queriam se separar. Aos poucos se acalmaram. Maya arfou ao tomar consciência do que havia acabado de fazer. Botou as mãos na boca, em choque.

— Meu Deus, me desculpe por isso. — pediu. Passou as mãos por seus cabelos, como se quando os organizassem seus pensamentos também ficassem ordenados. — Não sei o que dizer. Acho que essa noite me deixou louca.

Anthony preferiu permanecer em silêncio a contar que se estava abalado por aquele toque. Fazia muito tempo que ninguém o tocava e menos tempo ainda que seu coração ficava acelerado daquele jeito. Por isso, teve a certeza do que faria em seguida. Maya ainda estava lamentando o seu movimento precipitado quando ele puxou o jeans da calça para cima revelando seu segredo.

— Todas as vezes que chove, minha perna dói. — ele disse massageando a prótese que se estendia desde o seu joelho até o final de sua perna. Os olhos de Maya quase saltaram das órbitas. — Antes eu usava a bebida para me remediar, mas a ressaca me matava. Não demorou muito tempo para que percebesse que quebrar coisas deixava a dor mais suportável.

Maya esticou a mão movida por sua curiosidade. Fixou os olhos no rosto de Anthony, pedindo sua permissão e ele assentiu. Tocou na superfície plana, sentindo falta do calor característico daquela região e deixou que seu dedo deslizasse até a panturrilha. Anthony aguardou apreensivo que a escritora dissesse algo. Estava surpreso consigo mesmo por permitir que alguém se aproximasse dele tão rápido.  Maya descansou a mão na coxa de Tony e apertou.

— É lindo — sussurrou e o viu suspirando aliviado. Mordeu o lábio batalhando em seu interior contra a sua curiosidade irrefreável. — Mas se dói, por que você não troca?

Anthony segurou a mão de Maya novamente preso em seus pensamentos.

— Não é a dor física que me faz pirar — ele explicou. — É a lembrança de antes. Estava chovendo muito no dia em que perdi a minha perna e quase não conseguia enxergar nada. Disseram que tive sorte por pisar em uma mina de baixa precisão e perder só a perna. — bufou. — Incrível a visão que as pessoas têm de sorte.

Maya deu um leve aperto na perna dele.

— Sinto muito.

Ele a encarou.

— Por que está se desculpando? Foi você quem colocou a mina lá? — provocou e suspirou abaixando a perna da calça e escondendo sua prótese novamente. Forçou que o bom humor que o tinha feito sair de casa retornasse e que se tornasse mútuo entre ele e Maya. — Vamos! — chamou levantando-se. — Precisamos entregar os doces às crianças antes que encham nossa casa de papel higiênico.

Maya assentiu concordando. Deu um último olhar para a perna de Anthony e se aliviou por ter mais tempo antes de contar o seu segredo.


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