Atlantis escrita por Argonauta


Capítulo 5
Capítulo 4 - Chaveiros


Notas iniciais do capítulo

Olá, queridos leitores!
Me desculpem qualquer erro, boa leitura e espero que gostem!



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Estou com uma sorte inabalável hoje, e é claro que estou sendo sarcástica.

                Na faculdade foi tudo bem, e eu estava acreditando que hoje o dia seria bom, sem imprevistos. Mas é a minha vida, não sei como ainda me iludo, achando que não vou pirar de raiva pelo menos uma vez.

                Quando Brenda e Geórgia descobriram que eu iria pegar o mesmo ônibus que elas e ir até o hospital, não demoraram menos de cinco minutos para deduzir que eu iria ver Jayden. Eu tentei explicar que eu só estava preocupada com ele, até porque não é todo mundo que tem um amigo sofrendo de leucemia, mas as duas entenderam isso como um “eu estou loucamente apaixonada por ele”.

                O caminho todo no ônibus foi infernal, as duas ficavam me enchendo o saco e dizendo o tempo todo que eu estava apaixonada, e que nunca acharam que eu viveria algo do tipo. Brenda chegou até a dizer que acreditava que eu não tinha coração.

                Assim que cheguei no hospital, entrei duas vezes na porta errada de novo. Minha mãe com certeza não colocou minha reclamação na caixinha de “melhorias do ambiente”.

                Agora, estou sentada na sala de espera, com o computador ligado, fazendo um trabalho atrasado e esperando que Jayden ainda esteja no hospital, já que minha mãe alegou não ter certeza.

                Eu não quero que ninguém ache que estou apaixonada por Jayden, até porque eu não estou. Claro, eu posso estar agindo como uma louca morrendo de amores, mas na verdade é só preocupação, juro. Sei que Jayden já tem vinte e um anos e que pode se cuidar sozinho, mas também sei que a doença o deixa muito vulnerável.

                Embora eu tenha certeza de que ele jamais se entregaria à doença, sei que qualquer um que estivesse passando por uma situação dessas ficaria ao menos um pouco triste, e, por Deus, eu não quero que ele fique triste.

                Além do mais, tem Scarlett. Não tenho duvidas de que ela ama seu filho, mas também sei que ela é incapaz de demonstrar qualquer tipo de carinho. Jayden precisa se sentir amado, assim como todas as outras pessoas. Scarlett precisa entender que ele é só um garoto com câncer, e não um câncer num garoto.

                – Raven?

                Olho em direção da voz que me chamou, e dou de cara com Jayden abrindo a porta do consultório. Ele usa uma calça jeans escura e uma camisa branca lisa e bem larga. Seu cabelo está todo bagunçado, e isso faz com que ele pareça ainda mais bonito. Seus olhos azuis encontram os meus e, assim como ele, sou incapaz de não sorrir.

                – Jayden! – Exclamo e largo o computador na cadeira, enquanto ele se aproxima e me abraça rapidamente – Como vai? Eu soube que você teria uma consulta hoje e... Sei lá, eu estava com saudades. Você está com uma cara ótima – Bagunço seus cabelos um pouco mais, e ele sorri.

                – Estava morrendo de saudades também. – Não posso deixar de notar olheiras sutis bem abaixo de seus olhos, e, embora seja natural, isso me assusta um pouco. Olheiras parecem mais doentias no rosto de Jayden.

                Scarlett, que está logo atrás dele acena com a cabeça, mas sem mudar seu semblante sério. É, o Sr. Boman tem razão. Ela realmente precisa de um psicólogo, precisa desabafar. Sinto que ela precisa confiar em alguém, já que parece não confiar nem em si mesma.

                – Olha só! Vejo que os dois já se encontraram – Diz minha mãe, aparecendo por trás de mim – Como foi a consulta, Jayden?

                – Tudo bem, eu acho.

                – Por que vocês dois não vão dar um passeio? Tem um parque há duas quadras de distância. Eles podem ir, certo, Scarlett?

                – Ah, claro – Scarlett diz, sem o mínimo de confiança em sua voz – Só não demorem muito.

                – Enquanto vocês vão ao parque, podemos ver os remédio que Jayden vai precisar, certo? Temos uma farmácia aqui no hospital – Continua minha mãe, sem desviar o olhar de Scarlett e seu semblante ilegível.

                – Certo.

                – Não demorem, vocês dois – Assim que minha mãe diz isso, eu e Jayden saímos da sala de espera imediatamente, com meu computador jogado na minha bolsa.

                                                                              ~*~

                –  Na verdade, acho que minha mãe é meio paranóica. – Jayden fala, com as mãos nos bolsos de seu jeans – Ela tem medo de eu piorar de uma hora para a outra. Já aconteceu umas duas vezes, e... Sabe como é. Mas eu não a julgo, não muito. Imagino como é difícil ter um filho com leucemia.

                – Sim, mas ela tem que te deixar viver. Qual é, o parque é praticamente do lado do hospital. Não é como se eu fosse te sequestrar.

                – Como ela pode ter certeza que você não vai me sequestrar? – Pergunta ele, com um meio-sorriso maroto que faz meu coração acelerar.

                – Ah, claro. Em falar nisso, entre naquela van para que eu te leve ao cativeiro, arranque seus cabelos e faça uma peruca com eles. Ah! E não me deixa esquecer de arrancar seus belos olhos azuis para usar como chaveiro para as minhas chaves do carro – Brinco e Jayden gargalha.

                Algo me diz que Jayden percebe que fico um pouco desnorteada quando ele ri. Não porque estou apaixonada por ele, até porque eu não estou. Mas porque é uma risada bonita, e não parece nem um pouco forçada.

                – Deus, como minha mãe pôde pensar isso?! Você definitivamente não sabe fazer organizar um sequestro – Nós dois rimos por alguns longos segundos, mas logo Jayden continua – Mas é verdade isso?

                – A história da peruca?

                – A história do carro.

                – Sim! Eu esqueci de contar – Exclamo, e Jayden presta muita atenção no que digo – Eu comecei a fazer aulas de direção. Se eu me sair bem, vou tirar minha carta de motorista. Imagina que foda ter seu próprio carro.

                – Olha só, Raven está aprendendo a dirgir... Só que você é meio desajeitada, vê se não quebra o carro da autoescola logo no primeiro dia – Jayden brinca, e ri da própria piada.

                – Hahaha, muito engraçado – Reviro os olhos – Já estou economizando dinheiro. Quero comprar meu carro assim que minha carteira estiver pronta. Eu sei que não é simples assim, e eu realmente não faço ideia de quanto um carro custa, mas eu sei que vou conseguir.

                – Eu posso te ajudar, se quiser.

                – Sim, você vai. Preciso que encontre alguma concessionária que venda carros baratos, okay? – Pergunto, e tenho certeza que Jayden se indaga se estou falando sério ou não – Eu estou falando sério. Eu fiquei o final de semana inteiro procurando e não encontrei nada. Talvez você seja melhor do que eu nessas coisas de pesquisa.

                – Tudo bem, eu ajudo. Mas só porque sou um amigo incrível – Brinca ele, e dou um sorriso.

                Penso em concordar e, sabe, puxar um pouco seu saco. Todos precisamos de algum elogio. Mas acabo não dizendo isso, deixa para a próxima. Jayden deve saber que, na verdade, é um amigo mais do que incrível.

                – Mas me conta, como você está? O médico trocou os remédios? – Pergunto, sem me preocupar com a mudança abrupta de assunto.

                – Alguns. Diz ele que vai reduzir os remédios aos poucos, para o meu organismo não sentir tanta falta. Mas não sei, Rae. Algo me diz que isso não é tudo – Ele parece um pouco mais sério – Eu sinto como se minha mãe não estivesse me contando a verdade, sabe? Como se houvesse algo mais.

                – Eu entendo, mas... Não acho que sua mãe esteja mentindo para você, Jay. De verdade – Digo, mas não consigo me esquecer do dia em que ele teve alta do hospital.

                Naquele dia, minha mãe parecia estar escondendo alguma coisa também. Não sobre mim, mas sim sobre Jayden, e isso que me deixa mais preocupada. Se as duas estão escondendo algo – e eu não faço a menor ideia do que pode ser – espero que não seja algo que acabe ferindo alguém no final.

                – Não sei, tudo parece muito estranho para mim. Ela e o médico ficam se entreolhando, e minha mãe nunca me deixa ver os e-mails que ele manda.

                – Deve ser coisa de medicamento. – Jayden faz que não com a cabeça – Escuta, você não pode ficar pensando nisso, não vai te fazer bem. – Ele não diz nada, e logo me sinto culpada por ter trazido esse assunto e, consequentemente, tamanho desconforto – Mas e quanto às músicas que lhe apresentei? Você gostou mais de Coldplay, certo?

                – Sim! – Exclama ele, parecendo mais feliz. Me sinto bem melhor por ter conseguido mudar daquele assunto – Amei a música The Scientist, fiquei ouvindo inúmeras vezes.

                – É minha música predileta deles – Admito, e Jayden sorri.

                – É linda. A música.

                – Essa música me lembra a London Eye.

                – London Eye? A roda gigante? – Pergunta ele, parecendo curioso.

                – Sim! Da primeira vez que fui lá, estava com minha mãe, minha tia e meu primo. Eu era pequena, e lembro que fiz um escândalo para entrar. Mas assim que eu estava no ponto mais alto, falei para minha mãe que era meu lugar predileto do mundo. Ela me pegou no colo e, por algum motivo, começou a cantarolar essa música. Nunca me esqueço disso. A cidade toda, e minha mãe cantarolando bem baixinho.

                – Deve ser incrível estar lá – Diz ele, após ficar um instante em silêncio, respeitando minha nostalgia – Nunca fui. Minha mãe não tinha muito tempo, já que passava o tempo todo nos Estados Unidos, trabalhando.

                – Nunca foi?! Você precisa ir! Podemos ir assim que eu tirar minha carteira de motorista! Faço questão que você seja o primeiro a ocupar o banco de carona. Topa?

                – Topo! – Exclama ele – Mas, me diz, eu não vou morrer de medo? Tipo, é bem... alta. E parece que ficamos muito tempo dentro daquelas cabines fechadas.

                – Você não vai nem ter tempo para ter medo. É uma sensação maravilhosa.

                – Espero que você tenha razão.

                – Eu tenho.

                Jayden não está muito diferente da ultima vez que o vi. Parece menos cansado, mas algo me diz que ele não está completamente feliz. Claro, seria difícil quando se tem leucemia linfoide aguda, mas ele não parece ser o tipo e pessoa que se entrega completamente à doença.

                Ele continua sendo uma das pessoa mais lindas que conheço. Seus cabelos loiros ondulados que parecem sempre bagunçados estão um pouco grandes, o que faz ele sempre passar suas mãos nas mechas para tirá-las dos olhos. Seus olhos azuis continuam lindos e foscos, e me pergunto se um dia os verei brilhando. Sua boca está mais rosada, embora ainda seja pálida comparada à minha.

                Jayden segura uma flor branca e delicada em seus dedos com as pontas azuladas e a entrega para mim, com um gesto delicado.

                – Uma flor para uma flor – Brinca ele, e reviro os olhos rindo. – Brincadeira. É uma flor pra ver se consigo convencer você de não fazer uma peruca com meus cabelos e nem usar meus olhos como chaveiro.

                – Wow, essa flor realmente me convenceu. Salvo pela flor – Pego a flor em minhas mãos e a encaro, sem deixar de notar tamanha delicadeza. – Bom, é melhor voltarmos ao hospital, antes que sua mãe chame a polícia.

                – De acordo.

                E, falando sobre as coisas mais aleatórias possíveis, caminhamos até o hospital. E, para alguém que nunca foi muito fã de flores e natureza, estou encantada demais por aquela pequena e indefesa forma de vida em minhas mãos.

                É como se Jayden tivesse acabado de me dar um pedaço de si mesmo, mesmo que não faça muito sentido. E eu sorrio, mesmo sem motivos, e ainda assim tendo todos os motivos do mundo para o fazer.


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Notas finais do capítulo

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