Dia 13

As grades do portão do Palácio e os inúmeros guardas reais não impediam os curiosos, fanáticos e jornalistas de se espremeram nas calçadas e se acotovelarem para conseguir uma mínima gotinha da chegada das selecionadas. 

Uma das quinze limusines pretas que passaram e ainda passariam por aquela estrada entrou no campo de visão da multidão. Desacelerou quando alcançou os portões fechados e o vidro do veículo se abriu lentamente para o delírio dos presentes e da própria selecionada.  

Riley O'Codagh colocou a cabeça para fora e deu um grande sorriso.  

—Oi! - Ela gritou, acenando entusiasmada. Não acreditava que todas aquelas pessoas sabiam o seu nome, que estavam ali por ela. - Olá! Oooi! 

A passagem foi liberada e a limusine ganhou velocidade novamente, seguindo pela estrada de 5 km que levaria ao Palácio, antes que Riley pudesse pagar algum mico. 

A jovem de dezessete anos e cabelos castanhos curtos encostou-se no banco e respirou fundo. Seu coração pulsava forte, animado. Estava amando cada momento desde que fora anunciada como selecionada até quando recebeu o uniforme para o primeiro dia, mesmo que não combinasse com seu estilo singular.  

Os poucos minutos que levaram para ela alcançar as grandes escadarias do castelo pareceram uma eternidade. Mas a emoção não foi embora em nenhum momento.  

Abriram a porta para ela e Riley pisou com o pé direito, como pedia as superstições de Nova Irlanda. 

No topo da escada, Cailtin Dublin a esperava com um sorriso seguro.  

—Seja bem vinda, srta. O'Codagh. Como foi a viagem de Monaghan à capital?  

—Foi tranquila. - Ela sorriu de volta, porém com um pouco menos da intensidade dos momentos há pouco. - É perto daqui. 

—É uma honra recebê-la aqui. - Caitlin insistiu. - O sr. Keyes estará a sua espera no primeiro salão a direita para o buffet de recepção. Por favor, fique a vontade. 

Os olhos castanhos de Riley brilharam novamente.  

—Ah, agora você está falando a minha língua. - Ela suspirou, sem pensar se o seu comentário era apropriado ou não. 

Não importava em que lugar estivesse ou que requinte e elegância a situação exigia, comida sempre deixaria a garota enlouquecida.

♕♕♕

A sala estava linda, mas a tensão era perceptível. 

As enormes janelas se estendiam por toda a parede da direita, exibindo os jardins bem cuidados, amarelo e alaranjados pelo outono. Andressa Simmons amava essa estação. Mas o clima do ambiente interno era um grande estraga-prazeres. 

Ela foi a última a chegar ao Palácio e obviamente atraiu as atenções das outras meninas, o que a deixou ligeiramente nervosa. Todas eram concorrentes e ela obviamente sabia disso, mas o distanciamento emocional entre as pessoas ali dentro era tão intenso, que a fazia ter coceiras apenas por não fazer nada a respeito. 

Aproximou-se da menina que estava mais perto, observando os aperitivos do buffet.  

—Minha nossa! É possível colocar tudo isso dentro dessa coisinha? - Gwendolyn Seasher Prix se surpreendeu após ouvir que naquela pequena casquinha havia queijo, damasco, castanha, gengibre e alecrim. 

Andressa achou graça e interagiu com ela: 

—Isso é porque você não sabe quantas bebidas diferentes meu irmão Fred pode usar para fazer um drink.  

A selecionada de dezoito anos e cabelos rosa-arroxeado se virou para ela e sorriu. 

—Quanto a isso, eu não tenho tanta certeza se quero experimentar essa combinação um dia. - Brincou, tentando soar casual, e estendeu a mão logo em seguida. - Sou Gwendolyn, a propósito. Melhor, apenas Gwen. 

—Então apenas Dressa. - A própria apertou a mão dela, sorridente. - Tem irmãos?

—Nem mesmo um. - Revelou com o sorriso puxado para o lado. - Você tem mais algum além do Fred?

—Somos uma família de coelhos. Além dele, tenho mais quatro irmãos. - Os olhos da jovem brilharam ao lembrar-se deles, ao mesmo tempo que sua nova amiga abria a boca, realmente surpresa, o que fez Dressa dar risada. Não querendo que o silêncio voltasse, apontou para o aperitivo e perguntou: — Você não vai experimentar? 

—Passo. - Gwen respondeu após hesitar por alguns segundos. - Não como queijo, sou vegana. Mas você deveria experimentar esse... combo de ingredientes.  

Antes que Andressa pudesse pegar a casquinha, outra selecionada se enfiou no meio das duas, com os olhos arregalados de animação ao ver tanta comida. 

—Alguém sabe do que é feito essa comidinha? - Riley perguntou como uma criança enxerida. 

—Muitas coisas. - Andressa resumiu, divertindo-se com a aparição repentina da desconhecida.

Riley suspirou e colocou as duas mãos sobre o coração:

—Então definitivamente isso foi feito para mim! 

Ela se esticou para alcançar o aperitivo e o enfiou inteiro na boca, murmurando enquanto mastigava. Gwen riu alto com uma cena que não esperava ver e Andressa a acompanhou.

Essa amava muito sua família e sentiria falta da presença deles enquanto morasse no castelo, além disso sabia que estava em uma competição e que aquelas meninas eram suas adversárias, mas o modo introvertido de Gwen e a inocência da desconhecida que ainda não sabia o nome já haviam conquistado Dressa.  Ela logo percebeu que não adiantaria continuar racionalizando toda a situação... 

Era difícil demais não fazer amizades.  

♕♕♕

Liam olhava-se no espelho com atenção. Não tinha os olhos azuis de um príncipe de contos de fadas, ou verdes irlandeses. Também não era loiro e tinha exatamente um metro e setenta de altura, nem um centímetro a mais, nem um a menos. Mas o que mais o incomodava no momento era que gastara uma semana provando um terno que só usaria por cinco minutos, na recepção das selecionadas. E a gravata combinava com a cor do vestido delas. 

Ele afastou-se de sua imagem, resignado. Virou-se para Ronan Irish que mantinha-se distante, mas pronto para qualquer ordem do príncipe.

—E se elas tiverem uma voz estranha? - Perguntou de repente.

—O que? - O guarda não conseguiu reagir de outra maneira.

—São todas lindas, maravilhosas...Acho que essa é a centésima vez que digo isso...Mas e se elas tiverem uma voz horrível? Nasal ou esganiçada, talvez uma risada esquisita? Isso pode acontecer! - Liam chacoalhou o dedo na cara do soldado, convicto de suas próprias palavras. - A questão é que eu estou acostumado a conversar por linguagens de sinais, os dias mais barulhentos eram quando meu tio ouvia as músicas pré-históricas dele! Eu não posso simplesmente mandar uma garota pra casa porque a voz dela é insuportável.

Ronan não conseguiu impedir uma risada e Liam o olhou com as sobrancelhas erguidas. O guarda logo tratou de se desculpar e disse que não é de seu feitio rir daquela maneira.

Mas o príncipe deu de ombros e reforçou:

—Algumas pessoas podem ser lindas... até abrirem a boca.

Ronan esboçou um sorriso mais comedido.

—Então só nos resta esperar que o amor também seja surdo, Alteza.

♕♕♕

As mãos de Moreena McLorden suavam e ela tentou secá-las no vestido. 

As selecionadas se reuniram no saguão de entrada já no final da tarde e lá no alto, no largo mezanino, o oficial real anunciou a presença do Rei e da Rainha, que surgiram atrás dele e entraram no campo de visão das meninas. 

Seu coração palpitava tão forte dentro do peito que ela teve medo dele pular para fora de seu corpo.

As palavras da assistente que lera seu formulário de inscrição para a Seleção surgiram como uma voz de fundo em sua cabeça:

—Puxa! A senhorita tem um histórico médico surpreendente. Toma algum medicamento?

Ela se inclinara para a frente, olhando diretamente nos olhos da funcionária.

—Não é essa a pergunta que você deseja fazer, convenhamos. Mas eu respondo ao que está subentendido: Não é contagioso, não é degenerativo e não está nos meus genes. Não irei dar bebês doentes ao príncipe por causa de um fato isolado no passado. 

Moreena voltou para a realidade antes que não conseguisse mais impedir o fluxo de lembranças. Além disso, a realidade era algo que ela precisava encarar, lidar com as decisões do passado.

O rei e a rainha se afastaram e então o príncipe tomou-lhes o lugar.

Liam Éire ergueu a mão e acenou, sorridente.

Atrás dela, Veronika Egan deu um suspiro exagerado. McLorden não lembrava o nome de todas as meninas, mas Veronika havia feito questão de marcar-se na memória das demais selecionadas logo nos primeiros cinco minutos que chegara ao Palácio.

Moreena acompanhou as demais garotas numa reverência e Veronika ergueu a mão para o alto e mandou beijos para o príncipe.

Embora nunca fosse agir como essa outra selecionada, uma parte de Moreena também queria estar de olhando para o príncipe e não para o seu próprio sapato. Depois de alguns segundos, com as mãos ainda úmidas, ela ergueu o olhar e ousou espiá-lo. Surpreendia a si mesma por não conseguir pensar absolutamente nada sobre ele, mas quanto mais observava-o, mais sentia que o sentimento de curiosidade aumentava - queria saber aonde tudo aquilo a levaria. Quando ele começou a falar, para lhes dar as boas vindas, ela prendeu a respiração e chegou a ouvir o sangue pulsar em seus ouvidos.

Por um segundo, preocupou-se mais uma vez com as reações de seu corpo, mas lentamente se acalmou. Afinal, ela estava na presença do príncipe herdeiro: Disparar o coração era algo totalmente aceitável.

♕♕♕

No mezanino, Ronan se aproximou de Liam, mas ainda mantendo a distância respeitosa necessária.

—Já decorou o nome delas?

Liam continuou fitando o rosto das meninas com um sorriso que aos poucos ia parecendo cada vez mais como o de uma criança que fez alguma travessura. 

—Não será necessário. Ao menos, não por enquanto.

Ronan tinha apenas dois anos a mais que o príncipe e talvez por ser ainda tão novo, a curiosidade, de vez em quando, falava mais alto que todo o seu esforço de ser sério e comedido. Então perguntou:

—Perdão, Alteza. Acho que não entendi.

—Não precisarei saber o nome delas quando formos apresentados pela primeira vez. - Liam esclareceu. Inspirou fundo, confiante. - Pois amanhã a noite teremos um baile de máscaras.