Como Ser um Príncipe - Interativa escrita por Mila


Capítulo 28
Um pesadelo vestido de sonho


Notas iniciais do capítulo

Olá, amigos! Espero que vocês estejam bem!
Demorei um pouco, mas, como planejei junto os próximos cinco capítulos, acabei escrevendo eles ao mesmo tempo também, conforme a criatividade me guiava.
Vou me organizar para finalizar os detalhes do próximo capítulo e terça que vem - se tudo der certo, tem mais!! uhuul!

Por enquanto, divirtam-se com esse! ♥
Obs: Temos link de música em "aparelho de som e o ligou".



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Dia 58

—Está bem, já chega! - Sienna decidiu por todos. Ela ergueu as mãos e se levantou, olhando os documentos de outro ano. - Precisamos ser mais estratégicos. Pensem comigo. - Ela trouxe o mapa da Nova Irlanda e da antiga Irlanda do Norte para o centro da bagunça e Liam, Álan e Finn se inclinaram sobre ele, atentos para o que a lady tinha para falar. 

Com uma caneta ela riscou todo o território da província de Wicklow e desenhou uma seta saindo da Irlanda do Norte até a região então destacada.  

—Geograficamente, Wicklow não faz fronteira com a terra de origem de nossos invasores. Dublin, por exemplo, é extremamente mais próximo que... a província dos senhores. - Sienna explicou, olhando para os três homens que se mantinham atentos às suas palavras. - Invadir províncias vizinhas é uma tarefa mais fácil e práticadigamos assimpara um "grupo de sobreviventes".  

—Mas eles invadiram Monaghan. - Finn a contradisse, apontando para outra província do mapa de Nova Irlanda que fazia fronteira com a Antiga Irlanda do Norte. Ele olhou para os desenhos e depois para os colegas. - O governo local registrou inúmeros roubos de caminhões e, ainda mais frequente, desvio de energia. Porém não recebeu grande auxílio da monarquia nessas situações.  

Sienna olhou para os três ligeiramente sem jeito.  

—Não posso dizer que esse é um reino perfeito como nos contos de fada... Até um rei tem suas preferências.  

Liam esfregou o cenho. É, ele não poderia idealizar que a Dinastia Hibernia, ou mesmo a ascendente Dinastia Éire fossem benevolentes e totalmente igualitárias. Às vezes, precisavam escolher apenas um dos problemas para se preocuparem. 

—Bom, eles não poderiam arriscar fazer isso com a capital. - Álan comentou, retomando ao assunto em questão. - Roubos de energia sob o nariz do rei e da rainha com certeza não passaria em branco.  

Os três concordaram em silêncio.  

Sienna puxou o mapa para perto de si novamente e retomou ao seu raciocínio anterior. 

—Então o histórico e intenso "ataque" à Wicklow pode nos apontar duas coisas: A primeira é que, se eles estão se locomovendo para uma região mais distante, eles estão em maior número e com maior "infraestrutura" do que a princípio imaginávamos. Os sobreviventes se expandiram e agora estão se reunindo em grupos de missões bastante organizadas. - Ela refletiu. - E, segundo, Wicklow, diferente de todas as outras províncias da Nova Irlanda que esse suposto grupo mais capacitado poderia invadir, tem algo único. Algo que eles conhecem e desejam há várias décadas.  

Ela observou os homens em silêncio, pensativos e voltou a se sentar, já tendo colocado todas as suas análises na mesa.  

—Vocês têm alguma ideia do que pode atrair os rebeldes à província de Wicklow, considerando que vocês... bem, viveram lá até então. Ou melhor, quanto à Wicklow Hills? Já que os ataques estão mais concentrados na região. - Ela observou o rosto deles, esperando que alguém viesse com uma nova ideia para alimentar uma discussão e um novo rumo das coisas. Sienna virou-se para Liam, percebendo o seu incomum silêncio. - Você está muito quieto hoje.  

O jovem herdeiro esfregou novamente as mãos no rosto e sentou-se com uma expressão cansada na cadeira.  

—Com os conhecimentos de história e política que aprendi na escola - Ele disse devagar, sabendo que talvez o que aprendera fosse simplista demais para formular um bom raciocínio, mas preferiu dizer o que tinha em mente, esperando que a Lady Sienna Hibernia o direcionasse para um caminho mais denso de informações sobre o assunto, como apenas ela, dentre todos ali, poderia fazer com sucesso. - ... e em vários filmes de ação, - ele comentou, um pouco mais envergonhado. -  é que as pessoas costumam almejar tudo o que lhes ofereça dinheiro e... consequentemente poder. Então invasores costumam procurar por poder bélico, poder tecnológico, informações sigilosas e... - ele deu de ombros. - Dinheiro mesmo, acredito. Ouro, diamantes.  

Ele olhou para Sienna, esperando sua reação quanto ao que acabara de dizer. 

Ela também deu de ombros tão perdida quanto ele. 

—Eu diria que podemos pensar a partir daí.  

Álan apoiou-se na mesa com as duas mãos sobre os documentos.  

—Ok... O que Wicklow Hills tem a oferecer dessas coisas? 

—Plantas. - Finn deu uma risada baixa, irônica e desanimada. - Soja, trigo... e vacas.  

O comentário do primo deixou Liam um pouco mais animado, o seu mundo poderia ter mudado bastante, mas Finn Seamair, o jovem que se dizia a favor de grandes mudanças e progressos, continuava o mesmo de sempre.  

Álan não deu tanta importância para o comentário do irmão mais novo, como já estava acostumado a fazer. Ele voltou a falar como se nunca tivesse sido interrompido, estava concentrado demais no assunto e com medo de perder o raciocínio. 

—Não há poder bélico, isso eu posso afirmar com certeza. Wicklow é uma província essencialmente agrícola e ainda assim, que só se desenvolveu e saiu do "fundo do poço" econômico quando meu pai e o tio Douglas se empenharam em reconstruir a força agrícola da região... o que os levou a conquistarem os seus títulos de visconde e conde. - Ele olhou para Sienna e viu que ela prestava bastante atenção no que ele dizia. - Isso implica que não temos grande poder tecnológico, a não ser, é claro, agrícola. Colheitadeiras, tratores...  

—Mas não pode ser isso. - Liam o interrompeu. - Não é Wicklow que fabrica essas máquinas, elas são compradas de outra província. Se eles quisessem a "fórmula" de como construir as máquinas, iriam para essa outra província; como nós aqui estamos supondo que eles também têm a capacidade de invadir territórios longe de sua terra de origem. - Ele observou os inúmeros documentos sobre a mesa e não conseguia ver nenhum relativamente importante. - Se eles não quisessem construir, estariam roubando essas máquinas, ou pelo menos suas peças. E não temos registros de tratores roubados. - Completou ligeiramente irônico.  

Finn riu novamente e observou: 

—Não que tenhamos procurado por registros de roubos de tratores. 

—Ainda podemos pedir esses documentos à delegacia de Wicklow Hills, se for realmente o caso. - Sienna concordou com Finn, balançando a cabeça como quem pondera sobre o assunto. Depois seu olhar foi para Álan. - Mas como Álan colocou, o ápice do desenvolvimento agrícola na província foi quando os pais de vocês se dedicaram à causa. Antes disso, Wicklow ainda estava marcada pela destruição dos conflitos e invasões que já aconteciam há mais tempo ainda. Então não podemos supor que "maquinaria agrícola" seja o tipo de tecnologia que eles estão procurando.  

—É a única disponível, moça. - Finn respondeu melodicamente.  

Liam puxou o mapa e escreveu em seu verso todos os possíveis objetos de almejo dos invasores. Confiante no que já fora discutido ali entre os quatro jovens, ele riscou os itens "poder bélico" e "poder tecnológico" das prováveis opções.  

Álan inclinou-se para ver suas anotações e refletir sobre o próximo tópico.  

—Informações sigilosas. - Ele leu em voz alta. Um tanto decepcionado, ele bufou. - A não ser que eles tenham interesse em saber quais são os nossos produtos agrícolas, qual é a nossa produção, produtividade e lucro... Eu não acredito que tenha qualquer outra informação minimamente relevante para explicar as invasões. Comparada à Capital, Wicklow não é um epicentro de informações importantes.  

Sem hesitar, Liam riscou o seguinte tópico de sua lista.  

—Dinheiro. - Finn comentou a última anotação do primo. Ele se espreguiçou na cadeira e abriu um sorriso presunçoso. - Ah, se antes tivéssemos isso.  

—Wicklow é uma das províncias de maior potência econômica da Nova Irlanda. - Sienna comentou, com uma centelha de dúvida em forma de ruga em sua testa.  

—Devido à agricultura. - Álan lhe respondeu com paciência. - É um mercado forte, porém estável. O capital continua o mesmo há muito tempo. Se a verba tivesse sido desviada na última década, as produções sofreriam uma grande baixa.  

—Mas fazendas foram tomadas! Não é possível que as invasões não estejam correlacionadas com a agricultura! - Sienna insistiu, com um tom de voz mais alto, um pouco mais teimoso e um pouco mais descontrolado.  

—Pelo governo. - Álan lhe explicou com a mesma paciência de antes. Ele compartilhava de seu aflorado sentimento sentir que estavam perdidos entre muitas informações com pontas soltas. - Devido as invasões, o governo tomou inúmeras propriedades privadas para impedir que os habitantes fossem prejudicados ou mesmo feridos pelas invasões que, a princípio parecem acontecer de fato nas fazendas ou em algum lugar próximo a elas. Os militares estão ocupando essas regiões há algum tempo, mas não há significantes relatórios de combates aos rebeldes nas fazendas.  

Finn pegou a caneta e usou-a para batucar na mesa, hiperativo. 

—Meu pai nos escreveu há pouco tempo que a nossa fazenda aumentou a produção e está conseguindo suprir as produções que pararam devido a tomada das fazendas menores. Ele contratou inúmeros morados que foram despejados como funcionários nas plantações, mas eles ainda não estão satisfeitos com isso. Eles querem suas terras de volta.  

Sienna olhou de Finn para Álan e depois para Liam como se eles fossem loucos, mas no fundo, era seu próprio olhar que estava um pouco enlouquecido.  

—A fazenda de vocês não tem nenhum histórico de invasão? É a principal fonte produtora da província! 

Os garotos se entreolharam e depois negaram. 

—Não quanto aos produtos e às maquinarias... nem mesmo no capital. A fazenda é bem grande, nem todo o território é utilizado. Talvez fomos invadidos, mas é difícil ter controle sobre todos os cantos, principalmente aqueles que não tem produção alguma. - Finn respondeu e Sienna viu Álan e Liam concordando com a observação do mais novo.  

Sienna mexeu no cabelo, jogando-o para trás do ombro e, outra vez, falou seus pensamentos em voz alta: 

—Então nós temos fazendas tomadas, pois aparentemente invasões acontecem por ali. Mas a principal fazenda produtora do estado não sofreu nenhuma baixa. O que mostra que os rebeldes não estão atrás dos produtos agrícolas, das tecnologias rurais e nem mesmo do dinheiro arrecadados; eles focam suas invasões em algumas fazendas menores que podem nos indicar alguma coisa... mas também podem nos indicar nada.  

Ela suspirou, cansada, e os outros fizeram o mesmo. Por hoje, embora todos ainda se sentiam perdidos para entender a situação, eles já haviam feito progresso. Precisavam descansar e espairecer a mente. Amanhã poderiam voltar a pensar mais claramente sobre a questão.  

Eles se organizaram para voltar a seus aposentos. 

Porém, Liam permaneceu ali por mais alguns segundos. Ao invés de riscar o último item como riscara os outros, o herdeiro colocou um ponto de interrogação ao lado da anotação. 

Dinheiro, ouros e diamantes atiçava sua intuição, como uma pequena coceira no fundo da mente de uma lembrança que não conseguia ser evocada, mas que definitivamente estava ali.  

♕ ♕ ♕ 

As duas garotas adormeceram entorno das quatro e meia da manhã, estavam exaustas do chá da tarde com as realezas dos reinos aliados e a ala hospitalar do Palácio Real era de fato um lugar silencioso que instigava o sono.  

Mas bastou alguns batuques firmes, a princípio indistinguíveis, mas que foram crescendo como se estivessem se aproximando e a porta do quarto foi enfim escancarada repentinamente.  

Anne Marie Chevallier pulou da poltrona onde dormia no mesmo instante. Colocou-se de pé como um soldado pronta para as próximas ordens e quase caiu devido ao sono.  

Moreena McLorden demorou um pouco mais para despertar, porque não achou que fosse com ela. Abriu os olhos, fechou, apertou e abriu de novo, tentando compreender que algo acontecera no quarto hospitalar onde ela passara a noite em observação.  

—O que aconteceu aqui? O que aconteceu com vocês? - Como já esperado, Caitlin Dublin que se postara na frente delas. Bem desperta e muito irritada. - E como eu não fui informada sobre isso? 

Ela virou-se de costas para as meninas e colocou a cabeça para fora do quarto.  

—Há alguém trabalhando por aqui? - Questinou para quem quer que passasse pelo correr. - Alguém pode aparecer e me orientar do que está acontecendo por favor?  

Embora polido, seu tom não expressa um "pedido". Era uma ordem.  

A mulher voltou-se novamente para as meninas e respirou fundo para controlar a impaciência antes de falar com elas – a Semana da Paz estava testando seus limites e tudo que ela queria era ter um assistente um pouco mais competente que Shawn Keyes.  

—Tive que deixar o sr. Keyes em responsabilidade das meninas no Salão das Selecionadas, porque vocês duas não apareceram para o café da manhã. Elas estão finalizando seus projetos para apresentar hoje à noite no Telejornal e eu as deixei na mão daquele... - Ela percebeu o que estava falando e engoliu o que ia dizer. - Queria saber se há alguém competente nesse Palácio! - Reclamou, voltou a se encaminhar em direção à porta. Quando pôs a cabeça para fora uma médica entrou acompanhado de um jovem enfermeiro. Caitlin mais uma vez engoliu suas reclamações e se afastou.  

—Bom dia, senhoritas. Peço desculpas pela demora. - A médica pediu em um tom simpático e bem mais educado e paciente que o de Caitlin. A profissional virou-se para a assessora. - E deo me desculpar por ninguém ter te informado. Pedi que deixasse a senhorita a par do que estava acontecendo, mas infelizmente o nosso número de funcionários diminuiu... - Ela abaixou a voz e Anne jurou tê-la visto ruborizar, apreensiva.  

—Desde quando? - Caitlin não pareceu perceber a sutil mudança expressiva na médica e continuou com a sua postura impaciente. - Quando as selecionadas foram encaminhadas para a Ala Hospitalar no Dia do Desfile este lugar estava cheio de funcionários. 

Foi o jovem enfermeiro que respondeu dessa vez: 

—Exatamente, senhorita. Muitos entregaram sua carta de demissão logo depois disso.  

A médica umedeceu os lábios, incomodada, e trocou um olhar significativo com Caitlin, que entendeu. Seu rosto se abriu e ela fechou a boca antes que tocasse em mais assuntos delicados.  

Anne apertou os olhos. O que aquilo significava? Será que era porque Liam foi vaiado e humilhado em público no já histórico momento com os tomates? Moreena observou que a amiga tentava compreender o que acontecia ali e seus lábios subiram num sorriso torto de aprovação. Anne era bem astuta. 

—Ahn, bom. Certo. - Caitlin tentou se reestruturar. Olhou de soslaio para as garotas, ciente de que elas estavam ali ouvindo tudo. - Pois bem, poderia me explicar por que as jovens passaram a noite na Ala Hospitalar? 

A médica também se reestruturou. Apontou para Anne primeiro. 

—A senhorita Chevallier não tinha nenhuma necessidade de ficar aqui, mas decidiu acompanhar a amiga.  

Anne esboçou um sorriso amistoso que logo desapareceu quando Caitlin a olhou com certa fúria. 

—Você poderia ter me avisado do estado de Moreena, Anne. - Ela a repreendeu e Anne, obedientemente voltou a se sentar.  

Foi Moreena quem salvou a colega.  

—Ela acabou me contando uma história muito legal. Um fato, no caso. No chá da tarde de ontem a própria Rainha Rowena usava joias falsas. — Ela comentou com orgulho, como se a descoberta fosse dela. - Anne trabalhava em uma joalheria e não há ninguém aqui que entende melhor de joias do que ela, então ela pode falar com certeza sobre isso. A rainha da Escócia estava usando JOIAS FALSAS!  

Caitlin ficou sem reação por um par de segundos.  

—Quanto à senhorita McLorden... - A médica voltou a falar como se nada tivesse acontecido. - Ela veio com a queixa de fortes dores de cabeça... que a vem acometendo por vários dias, talvez semanas. Eu lhe transcrevi um remédio... - Ela mostrou para Caitlin as anotações da prancheta. - Preferi mantê-la em observação durante a noite para ver como reagiria aos remédios, mas em cerca de uma hora terá alta.  

O enfermeiro completou: 

—Como de praxe, procuramos pela ficha médica dela para ver questões como alergias e histórico de cirurgias ou mesmo doenças significantes. Mas o histórico médico das selecionadas fica sob a autorização da responsável por elas, no caso, a senhorita. Embora eu não concorde com... — Ele sussurrou num tom que todos poderiam ouvir. 

A médica o interrompeu: 

—Gostaríamos de olhar o histórico da srta. McLorden, srta. Dublin. 

—Não. - E sorriu como se tivesse concordado. Caitlin apertou a mão dos funcionários com demasiada empolgação e os agradeceu por toda ajuda. - Agora pode nos deixar a sós, por favor? - Já os empurrava em direção a porta e os agradecia mais algumas vezes.  

Ela fechou as portas atrás de si e voltou para perto das meninas, sentando-se ao pé da cama de Moreena. 

—Por que não quer deixar os médicos verem o meu histórico? - Moreena perguntou como se aquela fosse a pergunta que devesse ser feita no momento.  

Caitlin virou o rosto e sorriu com empatia para a jovem. Em um tom bem mais calmo do que antes, disse: 

—Você tem um belo de um segredo em seu histórico médico.  

—Eu não sei do que você está falando. - A mais nova rebateu com teimosia.  

—E é ainda mais incrível como ninguém percebeu isso. - Ela continuou falando como se não tivesse sido interrompida. - Gosto de pensar que é como a concepção de magia para alguns tradicionais novo-irlandeses: As pessoas só a percebem quando realmente prestam atenção à ela.  

Moreena então ficou em silêncio, sem saber o que dizer. 

Então Caitlin foi direto ao assunto: 

—Com que eu estou conversando agora? 

Demorou alguns segundos até Moreena responder: 

Kyndra 

 

Caitlin gostou de ter a certeza. É claro que ela lera a histórico médica de cada uma das selecionadas e o de Moreena era, de longe, o maior de todos. Mas ela nunca entendeu jargões médicos com precisão e era um tipo de mulher que acreditava mais nas coisas que eram fitas por ela do que pelos outros, por isso demorou a acreditar que fosse verdade. E naquele momento disse que sua própria intuição a fizera acertar.  

Aquele pensamento a deixou bem mais tranquila.  

—Quem se inscreveu na Seleção? - Perguntou no mesmo tom baixo e manso de voz. 

—Eu. - Kyndra ergueu o queixo e suspirou. - Ela nunca teria feito.  

—"Ela"... seria Moreena? - Perguntou com cuidado.  

—Gosta de ser chamada de Meena já que ambas costumamos utilizar nosso nome do cartório mesmo. - Ela se ergueu um pouco mais no travesseiro, ficando mais sentada e acomodada para poder conversar. - Ela é a "original", se quer saber. Embora eu odeio esse nome. Foi a que veio primeiro. Eu apareci depois de um acidente elétrico na McLorden Inc., as indústrias de minha família, surgi, mais especificamente, depois de um coma. - Seus olhos parecem estar longe em lembranças antigas. Não é de se estranhar o porquê do histórico médico de Moreena McLorden ser tão extenso. Voltou ao presente de súbito e disse num tom quase ameaçador: - Mas Meena precisa de mim! Precisa da minha sagacidade, minha desinibição e poder! Ela precisa de mim! 

Anne recuou ligeiramente em sua poltrona. Ela já estava sabendo do Transtorno de Múltiplas Personalidades de sua amiga – ficara próxima dela e era impossível não estranhar as diferenças de humor e atitude.  

Eram duas completamente opostas: Meena, sensível, cautelosa e discreta. É bastante intuitiva e intelectual, gosta de seguir seus próprios instintos com base em seus conhecimentos, como também é bastante curiosa para aprender coisas novas. É pouco expressiva, mas extremamente prestativa e companheira, nunca se esquece de suas motivações e isso a torna uma pessoa bastante decidida e forte em seus interesses e metas. Kyndra, por outro lado, é comunicativa, positiva, criativa, também impulsiva, impaciente e dramática. Era uma pessoa que atraia e conquistava os outros, que chamava atenção, também sabia ser calorosa e empática. Era o tipo de pessoa que gostava mais do desafio do que da conquista.  

E ela – ou ambas – era susceptível a fortes enxaquecas, ansiedade e pânico, como também crises depressivas.  

Entretanto, Caitlin Dublin não recuou. Ela apenas voltou a sorrir, um pouco triste. 

—A Seleção também precisa de vocês. - Ela respondeu repentinamente. - Ou, pelo menos eu preciso. Vocês sabem que eu não tenho o direito de escolher ninguém para a Elite e muito menos para o posto de rainha, mas ando meio apreensiva com a possibilidade de uma grande eliminação se aproximando. Apeguei-me a todas vocês, meninas.  

As duas jovens sorriram, agradecidas pelo gesto de carinho de Caitlin.  

—Foi por isso que não deixei a médica e o enfermeiro terem acesso a sua ficha. - Ela confessou, voltando sua atenção para Kyndra. - Foi ilegal? Foi. Mas acredito que os médicos e psicólogos que te entrevistaram para a Seleção também não foram lá corretos. A única função deles era filtrar situações como a sua. Mas depois de olhar para as pilhas e pilhas de prontuários médicos para a participação no concurso percebi que o foco não eram... bom, "doenças mentais", mas sim físicas mesmo. Qualquer coisa era melhor que uma herdeira infértil. Dinastia Éire simplesmente não podia ter a mesma "maldição" da Dinastia Hibernia.  

—O que? - Anne finalmente falou, tomada pela surpresa. - Foi um problema genético? Por toda a linhagem dos Hibernia? Pensei que fosse apenas um caso de incompatibilidade do rei e da rainha! 

—Bem, já que estamos compartilhando segredos hoje... - Caitlin deu de ombros, totalmente despreocupada. - É uma síndrome que se tornou mais frequente nas últimas duas linhagens, as quais foram compostas por herdeiros homens.  

Anne ergueu as mãos e voltou a se recostar na poltrona. 

—Eu desisto. O dia já me surpreendeu demais hoje, antes mesmo das nove da manhã! 

Isso fez Caitlin ter um sobressalto. Já era tarde e ela tinha muito o que fazer e definitivamente não podia deixar Shawn Keyes por mais tempo no controle dos assuntos da Seleção. Depois que o fizera passar semanas investigando a vida das selecionadas, ela não tinha mais ideias para ocupá-lo. Argh, como garotos lhe davam trabalho! 

—O dia não para. Senhorita Chevallier... - Caitlin colocou-se de pé e olhou na direção da jovem sentada na poltrona. - Você vem comigo para finalizar seu projeto. Agora. Já teve o seu descanso.  

Anne sentiu vontade de rir, mas se impediu. Levantou-se a acompanhou a assessora até a porta. Mas antes a mulher virou-se para Moreena. 

—Senhoritas McLorden, lhes encontro no Salão das Selecionadas em cerca de duas horas. 

—Eu... Eu irei ficar? - Kyndra realmente se surpreendeu, já se revirando na cama de empolgação. Acreditava realmente que "aquele seria o seu fim". Bom, ela era um pouco dramática.  

—Até hoje à noite para o Telejornal a senhorita vai sim. - Caitlin Dublin respondeu com firmeza, recuperando o controle da situação. - Então trate de parar de procrastinar nessa cama e volte logo para os seus afazeres, certo? - Ordenou num tom engraçado, mas definitivamente autoritário.  

♕ ♕ ♕ 

Responsável pelas selecionadas na ausência de Caitlin, Shawn Keyes olhou para a bagunça que as meninas faziam no salão para as organizações finais de seus projetos e se sentiu um pouco satisfeito. A bagunça não era culpa dele, afinal.  

Teria que aguentar por pouco tempo, dissera a si mesmo, a assessora logo estaria de volta e, se não estivesse, estava quase na hora do almoço e tudo o que ele precisaria fazer seria levar as garotas para a sala das refeições. 

Gwendolyn Seasher-Pryx já havia terminado e revisado seu projeto de intervenção que apresentaria no Telejornal da noite, especial do Dia da Política da Semana da Paz enquanto sua dupla, Riley O'Codagh fazia desenhos e esculpia com uma tesoura sua borracha.  

Riley não só estava totalmente despreocupada com o trabalho – o qual Gwen fizera sozinha – como parecia ausente de todas as atividades e interações. Estava distante de todas as amigas, desaparecia frequentemente, evitava conversas pessoas e todos os seus comportamentos pareciam diferentes. A garota animada, louca pelas novidades do Palácio, havia partido há muito tempo.  

Embora irritada por ter feito todo o trabalho sozinha – e parte disso porque seu perfeccionismo não a deixaria fazer nada além do perfeito – Gwen estava mais incomodada com o distanciamento da amiga. Afinal, o que estava acontecendo? 

Inclinou-se sobre as anotações espalhadas pelo chão e chamou a atenção de Riley, ainda completamente envolvida e distraída com sua borracha.  

—O que está acontecendo? Está preocupada com as eliminações ? 

Riley lançou um olhar desafiador ao sr. Keyes que passava ali ao lado, analisando o progresso das selecionadas – como se ele tivesse coragem de obrigá-la a fazer algo diferente de picotar sua própria borracha. E em seguida se concentrou em Gwen, ficando ligeiramente surpresa com a preocupação dela. Sorriu em resposta, transmitindo um pouco de confiança.  

—Sinceramente? Estou tranquila quanto a isso! - Comentou casualmente. - Meu lugar não é aqui e o príncipe nunca se interessou por mim mesmo.  

Foi a vez de Gwen surpreender-se com a reação da outra. Não esperava por essa sinceridade. Abriu a boca e tornou a fechá-la. Só tentou falar de novo após refletir sobre o que queria dizer, e, a essa altura, Riley já voltara a espetar os farelos da borracha com a ponta da tesoura.  

—Riley, por que você se inscreveu na Seleção? 

Então a jovem corou diante da pergunta. Seu olhar transpareceu uma pontada de desespero.  

—Hm... Por alguns mistérios? 

Gwen não soube dizer se era uma sugestão, brincadeira... ou uma verdadeira confissão.  

Antes que pudesse esclarecer a confusão, Andressa Simmons ergueu-se – fazia dupla com Branka naquele projeto, pois suas amigas fizeram uma dupla após ela se dispor a fazer seu trabalho com outra pessoa.  

Ela estava revisando seu trabalho e suas falas pela segunda vez quando se estressou com o tédio que sentia e a pressão de tudo aquilo.  

—Eu cansei! - Declarou com um sorriso no rosto. - Se eu não fizer outra coisa agora mesmo eu juro que explodo!  

Mirelle riu de sua reação e no segundo seguinte colocou-se de pé também. 

—O que faremos então? 

Shawn Keyes olhou de uma menina para outra e depois para todo o grupo que se levantou, apoiando a ideia de mudarem de atividade. Definitivamente era uma situação que saíra do controle. Ele tentou argumentar, pedir por "vamos conversar sobre isso"... Não funcionou. 

Não demorou muito para que o plano mirabolante fosse criado e logo a maioria das garotas começaram a investigar a vida de Caitlin Dublin. O argumento? Se ela sabia tanto sobre as selecionadas elas também deveriam saber mais sobre ela.  

Veronika Égan, sentada no sofá com uma perna cruzada sobre a outra, tirou os olhos da unha que lixava e sorriu maliciosamente para a expressão de "não sei o que fazer" de Shawn Keyes.  

—Hm, parece que alguém tem um problema. - Provocou.  

Ele olhou para ela com um pouco de fúria e muito ceticismo – ela realmente estava "zombando" dele? Quantos anos ela tinha? 

—Você deveria tentar ser mais empática. - Ele sugeriu sem pensar. - Ter mais compaixão, sabe? 

—Colocar-me nos pés do outro, você quer dizer? - Veronika completou, interpretando com facilidade o que Shawn queria dizer. Ela era uma pessoa bastante astuta. Com iso ampliou seu sorriso malicioso. - É claro que não. Meus pés e sapatos são melhores que qualquer outros. - Ela ergueu a perna cruzada sobre o joelho e sacudiu o salto cor-de-rosa para provar sua justificativa.  

Incrivelmente, ele não desistiu da provocação.  

Ele era um jovem sensato e comedido na maioria de seus atos, sabendo colocar o respeito pelos outros acima de qualquer atitude. Mas ele também era muito bom de lábia e tinha uma certa aptidão para discussões produtivas. 

E naquele momento, Shawn sentiu que Veronika precisava tomar conhecimento de algumas coisas sobre ela mesma.  

—Você prioriza sapatos e roupas acima de qualquer outra coisa ou pessoa. - Ele observou com cautela, sem o tom provocativo que a moça usava com ele. - Talvez não seja algo tão simples como compaixão. Talvez seu problema seja com o amor. Você não acredita em amor. 

Veronika apertou os olhos, refletindo que não gostava de ser analisada. Reagiu a isso revirando os olhos, com ironia e nojo.  

—Você acredita? - Perguntou sarcástica  

—Acredito que você não encontrou o cara certo ainda. - Ele responde com seriedade e com uma coragem que se assemelhava demais com uma atitude desafiadora.  

Ela descruzou as pernas e apontou para ele com a lixa de unha, dramaticamente.  

—Querido, supomos que você esteja certo. Eu não vou gastar minha energia, minha vida procurando por esse cara. Eu prefiro ter alguns casos para a vida continuar seguindo em frente. - Abanou a mão como se aquele assunto fosse "banal demais para ela". 

—Não deixe Caty ouvir isso. - Shawn alertou-a com severidade, mas seu olhar guardava o divertimento de um menino que sabia que estava certo. Pronto para finalizar a discussão, ele se afastou e sorriu, inevitavelmente. - Muito menos o príncipe. Mas não se preocupe... eu vou guardar seu segredo. 

Veronika o viu se afastar e sentiu seu corpo esquentando rapidamente. O que era aquela sensação? Ódio, talvez até desespero. Não haveria de ser outra.  

E ele não estaria se referenciando àquele beijo entre os dois, certo? Aquele que de fato era um grande segredo. Ele não... 

Ou será que estaria? 

♕ ♕ ♕ 

Era um belo salão com piso de madeira por quase toda a sua extensão. Um pequeno trecho do chão era de carpete vermelho com arabescos dourados, em que saiam duas colunas de lustroso mármore, contornados por sofás vermelhos estofados com um tecido do mesmo tom do carpete. Era incomparável ao gigantesco Salão de Baile, mas ainda assim era grande demais para duas pessoas.  

Charlotte Wonder O'Dornan olhou ao redor, um pouco deslumbrada e bastante nervosa. O lugar pedia por músicas e danças e ela tentava não se sentir pressionada quanto a isso. Sabia que era uma péssima dançarina. 

Liam aproximou-se do aparelho de som e o ligou. Uma música imediatamente se espalhou pelo ambiente. Satisfeito, ele virou-se para Charlotte e abriu um grande sorriso.  

A jovem arregalou os olhos. 

—Não! Isso... isso é muito agitado. Nem é valsa! - Ela contestou. Esperava um ritmo mais lento e definitivamente mais fácil de acompanhar. Para ela, Liam Éire nunca conseguiria guiá-la numa música energética como aquela.  - Impossível. Totalmente impossível. 

—Você não pode fugir disso, senhorita. - Ele insistiu fingindo um olhar sério. Aproximou-se dela e lhe ofereceu a mão esquerda. - Dar-me-ia a honra dessa dança? 

Ela inspirou fundo, hesitante, e encaixou sua mão direita na dele, sabendo que não teria outra opção. Seu outro braço apoiou-se no ombro do príncipe e ele desceu sua mão livre para as costas dela.  

Liam deu o primeiro passo, para frente, e Charlotte foi "empurrada" para trás. Desequilibrada, olhou para o próprio pé e ele imediatamente a repreendeu: 

—Não, você não pode olhar para baixo. Não é uma questão de olhar. É de sentir. — Explicou-lhe paciente. - Quando eu me movo, você se move.  

—Na teoria parece fácil... - Ela murmurou, distraída, ainda preocupada com o que fazia de certo e errado. Era difícil abrir mão do racional.  

Ele afrouxou a mão na cintura dela, percebendo o quanto a jovem estava distraída. 

—Relaxe.  

Não pense, foi o que Charlotte conseguiu dizer a si mesma com incentivo e quando se deu conta, Liam estava novamente a conduzindo-a conforme a melodia.  

Ela não conseguiu contar quantos passos foram – talvez apenas cinco, mas Charlotte manteve seu olhar fixo em Liam durante todo esse tempo e, conforme ele havia prometido, ela não caiu, se desequilibrou, nem tropeçou nenhuma vez. E não olhou para os próprios pés, embora a vontade de fazer isso fosse agora guiada pela curiosidade.  

—Agora nós giramos. - Liam sussurrou. 

E com a mesma tranquilidade com que ele falou isso, eles giraram juntos por todo o salão, vários passos. Ele a soltou, segurando-a apenas pela mão. Girou sob seu braço e a puxou de volta para si.  

Charlotte soltou o ar que não sabia que prendia.  

A música voltou a crescer, seu ritmo aumentando e ela sentiu Liam acompanhando a música. Os passos ficaram mais rápidos e mais curto. Dançaram no mesmo lugar por alguns segundos, com a mão do príncipe mais na base da coluna de Charlotte, fazendo-a mexer o quadril. Não parecia mais valsa, era quase salsa.  

E sem avisos, ele subiu a mão, ajeitou a postura e voltaram a rodopiar. Ele definitivamente não lhe dava tempo para pensar a respeito dos passos que dava.  

Liam soltou-a novamente, girou-a sob seu braço, afastaram-se e aproximaram-se de novo. Ele era um excelente dançarino e corrigia a falta de jeito de Charlotte com facilidade.  

Num movimento um tanto clichê, ele a empurrou e Charlotte sentiu-se sendo jogada para trás, os cabelos se desfazendo do coque. Liam a puxou de volta e Charlotte riu, finalmente relaxando, sem se preocupar com o que fazia de certo e errado. E ele também riu, divertindo-se.  

—Você poderia muito bem ter escolhido uma música mais fácil. - Ela gargalhou, mal percebendo que ainda dançavam.  

—Ah, eu definitivamente não podia. - Ele respondeu, provocativo, entre risadas.  

Quando a música finalmente acabou os dois estavam ofegantes e continuavam sorrindo, extasiados. Charlotte simplesmente não conseguia acreditar que ela fora capaz de fazer todos aqueles passos.  

—Eu acho que eu nunca poderei reproduzir essa coreografia. - Brincou, tirando a mão que estava no ombro dele para prender o próprio cabelo atrás da orelha.  

—Não foi exatamente uma aula... - Liam concordou, sorridente.  

Seus olhos brilhavam de animação e não demorou muito para que eles encontrassem o de Charlotte. O rosto dos dois tinham expressões de exaustação e algumas gotas de suor pelo esforço, mas o sorriso que permanecia numa expressão congelada foi desfazendo-se aos poucos quando ambos perceberam o quão próximos estavam. 

E então... Charlotte teve um sobressalto, percebendo o que estava prestes a fazer.  

Ela se livrou dos braços de Liam com facilidade e afastou-se rapidamente, indo para o outro lado do salão. Suas mãos tremiam e seu coração batia descompassado dentro do peito.  

—Charlie...? - O rapaz a olhou com uma expressão confusa, preocupada e definitivamente ressentida. Ela imediatamente se sentiu culpada, não queria que ele achasse que a culpa era dele.  

—Desculpe. - Ela falou sem saber direito o que estava falando. - Logo teremos a apresentação ao vivo e eu devia reler minhas anotações... e tomar banho e...  

A selecionada continuou se movendo, caminhando apressada em direção à porta. Tropeçou no próprio pé e Liam avançou, pronto para ajudá-la. Charlotte ergueu a mão, evitando o contato.  

—Estou bem. - Respondeu. - Eu vou para os meus aposentos. 

—Eu posso te acompanhar. - Liam sugeriu, cavalheiresco, o que fez a jovem se sentir ainda mais culpada. 

—Não! Não precisa. - Ela cuspiu as palavras, sem pensar antes sobre ela. 

E antes que pudesse fazer ou dizer qualquer outra coisa que se arrependesse, Charlotte saiu correndo.  

♕ ♕ ♕ 

Depois do encontro com Charlotte, Liam teve pouco tempo para se arrumar para ao Telejornal da noite – Kevin aguardava-o com muita ansiedade e o jovem teve que aturar alguns resmungos e sermões do estilista. Porém logo estava pronto, sobrando os minutos necessários para correr até o primeiro andar, antes do evento começar. 

Mas alguns corredores antes ele parou.  

Liam tentou distinguir as duas figuras que se beijavam.  

Gustav Walsh e a Princesa Davina se separaram quando o príncipe pigarreou.  

—Alteza. - A mulher cumprimentou Liam com o rosto sério, comedido, porém corado. O jovem herdeiro retribuiu seu aceno e ela se afastou sem dizer nada.  

Walsh esperou pelo príncipe, visivelmente envergonhado, e então acompanhou-o pelo corredor enquanto viam a Davina rapidamente desaparecer na porta no fim do corredor. Com passos mais lentos os dois andaram na mesma direção. Em silêncio.  

E foi o apresentador do Telejornal que quebrou o silêncio. 

—Ela está divorciada. - Disse rapidamente querendo se justificar. - Não tornou público ainda, por isso o boato de que o príncipe está numa viagem de trabalho... E isso é recente, eu digo, entre eu e a princesa... Não que haja alguma coisa! - Ele começou a se enrolar como Gustav Walsh nunca deveria fazer. O elegante apresentador não era perfeito o tempo todo, aparentemente. Ele era tão humano quanto todos ali naquele Palácio cheio de histórias. - Eu quero dizer que não sou eu a causa do divórcio! 

—Walsh. - Liam o interrompeu e parou em frente ao amigo antes de entrarem no salão do evento. O jovem mal conseguia esconder o sorriso divertido que aparecia e reaparecia em seu rosto; a falta de jeito de Gustav era bem engraçada na opinião do príncipe. - Eu não perguntei. 

As palavras fizeram sentido imediato na mente de Walsh e ele recuperou a postura elegante da melhor forma que pôde - um gesto bastante parecido com o da Princesa Davina quando ela escondera o rosto de expressões e se afastara com o rosto corado. Recuperada da vergonha de ter sido flagrada, porém ainda com resquícios do último crime.  

O homem revirou os olhos e suspirou. Por que ele estava se justificando, afinal? 

—Acredito que você esteja se tornando mais um príncipe a cada dia, Liam. - Ele disse com um olhar ao mesmo tempo brincalhão e repreensor. - Está emanando autoridade. Fazendo os outros confessarem segredos a você.  

Liam Éire não pode deixar de sorrir. Definitivamente gostou de ouvir aquilo. Ele lutava muito para conseguir cada vez mais respeito ali dentro do castelo, como também a consequente autoridade que seu título carecia.  

Antes dos dois cavalheiros entrarem, entretanto, o herdeiro não resistiu a um pequeno comentário provocativo: 

—Confesso que esperava isso da outra princesa da Escócia, a Suzanna. Ela me parecia bem mais "desesperada".  

E ele subitamente entrou no salão, deixando Gustav Walsh novamente atordoado, sem saber como reagir ou mesmo entender o sentido das palavras do garoto. 

—Princesa Suzanna? Espera... "desesperada"?! 

 

As selecionadas haviam feito excelentes trabalhos para a apresentação do Telejornal e pela primeira vez durante a Semana da Paz, Liam Éire pode suspirar de alívio que ao menos uma coisa estava funcionando como deveria. A Rainha Kiara, inclusive, agradeceu ao vivo Caitlin Dublin pela sua organização e direcionamento nos projetos das garotas, pela sua excelente coordenação da Seleção. E Caitlin corou na frente de milhões de telespectadores.  

Ali e Mirelle apresentaram um plano de intervenção para a construção de abrigos para pessoas em situação de rua, isso envolvia famílias e inclusive instituições, principalmente as escolares, que tivessem passado por algum desastre e estivessem temporariamente ou não desalojados. A intenção era organizar esses abrigos conforme a necessidade e, em seguida, estabelecer metas para que as pessoas pudessem voltar para o seu lugar de princípio. A ideia dos abrigos foi de Mirelle e o auxílio às escolas foi de Ali, combinaram as duas ideias, deixando o trabalho com aparência complexa e astuta, entretanto, talvez complexa demais.  

Mas as figuras presentes no Telejornal acharam o projeto inovador e que, com alguns ajustes poderia funcionar de maneira inteligente. A rainha da Inglaterra demonstrou profundo interesse no trabalho.  

Skyla e Brianna também focaram seu projeto em educação, principalmente à facilitação ao acesso à educação. Em sua idealização, todas as crianças deveriam ter a oportunidade de uma educação de qualidade. Elas trouxeram exemplos reais da má funcionalidade das instituições de ensino, o que deixou o clima no estúdio perceptivelmente tenso. Porém, a ideia era forte e o projeto envolveu a manutenção dos gastos, do tempo necessário para a concretização do projeto e todos os ideais envolvidos nisso – a educação, ideia de Sky, e o apoio às crianças carentes, de Brie.  

Gwendolyn conquistou os representantes reais dos diversos reinos com seu projeto de fortalecer a aliança internacional. Revisou aspectos políticos já presentes no cenário atual e completou com possibilidades de novas leis e acordos para priorizar a paz – uma ótima jogada dentro da Semana da Paz – e propagar cultura, ciência e companheirismo através das fronteiras. Ficou conforme o modo como o trabalho foi apresentado, que a liderança e toda a organização foi dela, Riley apenas incentivou e reforçou a intenção de Gwen com um estranho exemplo de "não podemos terminar como a Antiga Irlanda do Norte".  

Charlotte e Branka enfatizaram a imigração. As questões tanto de preconceito quanto de estrutura. Articularam bem as suas ideias, questionaram as capacidades de Nova Irlanda de abrigar novos moradores e o acolhimento deles dentro das leis de imigração do reino. O ponto principal foi quando relacionaram o tema com casos históricos antigos de refugiados, o que deixou todo o projeto profundamente impactante. 

Por fim, Dressa e Veronika lutaram para se entender durante a organização do projeto, pois tinham ideias opostas: A primeira queria explorar o tema de inclusão social e igualdade e a segunda insistia na temática da fome – achava aquilo um absurdo. Mas Veve não tinha grandes fundamentos para construir sua ideia em comparação com a angústia que sentia diante daquilo e, infelizmente, ela teve que abrir mão dessa indignação por um momento para explorarem temas de igualdade.  

O projeto não era muito estrutural, as verbas necessárias para a sua realização eram poucas e os desprendimentos menores ainda. Consistia em campanhas, anúncios e formulação de algumas leis contra os diversos tipos de preconceito, como também sua a fiscalização de seu cumprimento. Por ser um tema mais "abstrato" ele foi extremamente bem desenvolvido. Não podiam mudar a cabeça das pessoas para elas deixarem de ser preconceituosas, mas poderiam realizar ações que apoiassem aqueles que sofriam discriminações e punissem aqueles que as realizavam.  

Nenhum trabalho foi "raso" ou mesmo abstrato a ponto de não ser possível de ser realizado, todos foram bem articulados.  

Alguns ajustes poderiam ser feitos sobre eles, conforme alguns conhecimentos que as selecionadas não possuíam e sequer tinham acesso a eles, mas com certeza eram planos funcionais.  

Como num digno reality show, os representantes de cada reino votaram em um dos projetos e no final da transmissão Gustav Walsh declarou o trabalho vencedor, o qual seria levado para as reuniões políticas para pôr em prática seu desenvolvimento, com a participação das jovens que os elaboraram. E extremamente contentes com a vitória, Gwen e Riley viram seu projeto ser o escolhido. Talvez Gwendolyn um pouco mais contente do que a amiga... 

 

Com as coisas dando certo dentro do Palácio e naquele quarto dia da Semana da Paz, Liam podia enfim relaxar...  

Ou se preocupar com outros assuntos que tomavam sua mente.  

Ele precisava refletir sobre Wicklow Hills.  

♕ ♕ ♕ 

Antes de dormir, o Príncipe Liam olhou para aquela pilha de papéis que já lera e relera inúmeras vezes mais como um fazendeiro que como um príncipe.  

Os conflitos em Wicklow Hills lhe tiravam tanto o sono por, principalmente, ser a sua cidade natal. Sua casa. Onde crescera como filho de prósperos fazendeiros que receberam seus nobres títulos devido ao progresso na revitalização do solo local, fazendeiros que auxiliaram os cidadãos a se reorganizarem estrural, social e financeiramente ao longo das duas últimas décadas.  

Liam crescera com seus primos, em meio à música, muitas plantas e animais domésticos. Era disso que ele de fato sabia. 

Diferente do primo Finn que desde criança tinha o sonho de mudar-se da casa da família para um lugar mais urbano, Liam Éire sempre soube que ele continuaria ali na fazenda para sempre. Como fazendeiro. Como herdeiro daquela – apenas daquela – terra.  

E depois da humilhação de ser atingido por tomates em público em meio ao Desfile pela Capital e da consequente crise emocional que teve ao perguntar-se se o seu lugar era mesmo como Príncipe Herdeiro de Nova Irlanda.  

Naquele momento, na quietude no meio da noite, Liam permitiu o incansável príncipe descansar e ceder espaço ao adormecido fazendeiro. Mas ele tinha um propósito nisso: Raciocinar.  Trazer uma diferenciada – e com sorte, mais certeira - óptica sobre a atual incógnita das invasões do povo da Antiga Irlanda do Norte.  

Porém, conforme as horas foram se passando, a única coisa que surgia era o sono. Ele teve certeza de apenas uma coisa: Mesmo pensando como antigo morador de Wicklow Hills, ele não tinha conhecimentos suficientes para concluir qualquer teoria.  

Suas informações já estavam desatualizadas e também, ele deveria ser sincero, vinham de uma realidade mais privilegiada que dos outros cidadãos e fazendeiros da região - seus pais eram conde e condessa, afinal.  

Para completar seus pensamentos ele precisava de alguém que lhe fornecesse o conhecimento necessário para preencher algumas lacunas. E esse alguém lhe veio à mente tão rápido que o surpreendeu: Ali Siobhan Mackiney.  

A selecionada de sua província. De sua cidade.  

Ali poderia ajudá-lo.  

♕ ♕ ♕ 

Era mais de meia noite quando Charlotte foi ao salão próximo a Ala das Selecionadas fazer um telefonema. Sua criada acreditava que ela já havia ido dormir há tempo - ninguém sabia que estava ali.  

Não conseguiu dormir. O encontro com Liam algumas horas mais cedo a deixou pensativa. Por que estava ali na Seleção mesmo? Definitivamente não podia esquecer os motivos que a levaram a se inscrever no concurso, pois mesmo distante de Galway, sua província, tais motivos não deixavam de existir. Sua família estava lá. Patrick estava lá.  

Ela esperava que ele atendesse.  

E esperava que ninguém ouvisse sua conversa. Ela olhou por sobre o ombro, apreensiva. Se tivesse um telefone em seus aposentos não teria fugido de seu quarto e toda a situação seria muito mais discreta. Mas as selecionadas tinham permissões a telefonemas apenas quando informavam a srta. Dublin de sua vontade.  

Mas da mesma forma que Charlotte não podia telefonar de seu próprio quarto, ela também não podia informar outras pessoas da ligação que desejava fazer.  

A jovem pulou de susto quando uma voz a chamou em seu ouvido.  

—Patrick! - Ela exclamou imensamente aliviada. Depois abaixou a voz: - Que bom que você atendeu! Como estão as coisas?  

Ele estava sonolento ao responder – ela o havia acordado. Mas Patrick, como sempre, não a deixou na mão e informou-a quanto ao que ela queria saber: O bem-estar de sua família.   

Todos estavam perfeitamente bem e Charlotte se permitiu suspirar tomada por uma segunda onda de alívio.  

—Então eu já posso voltar para casa? – Quis saber de imediato.  

Ela percebeu ele hesitar mesmo do outro lado da linha. 

—Charlie, seus pais estarem bem não quer dizer que as coisas por aqui... se resolveram. - Ele escolheu as palavras com cautela, com medo de impressioná-la. - Na semana passada eles reviraram o escritório inteiro de seu avô e três noites depois o de sua mãe. Nesse período em que você esteve no castelo, nós negociamos com eles. Demos dinheiro. Bastante. Mas eles voltaram com ameaças, com avisos enigmáticos... As coisas ainda não estão seguras, Charlie.  

Charlotte não percebera quando começou a chorar.  

Patrick estava certo: A família dela poderia estar bem, mas a situação estava longe de estar boa.  

—Eu só quero ir para casa. - Ela se lamentou, fungando entre as palavras. - Não gosto de mentir para o Príncipe Liam. Ele é bom demais. Eu me sinto horrível em enganá-lo. Patrick, eu não quero brincar com as emoções dele... Achei que já estaria em casa a essa altura.  

—Eu também, Charlie. - Ele respondeu pesaroso e um pouco consolador. - Queria que você estivesse ao meu lado. Estou enlouquecendo de saudade.  

Ela riu por entre as lágrimas que tentava enxugar. Oh, ela também sentia tanto a falta daquele jovem arquiteto! 

—Mas você precisa aguentar mais um pouco, Charlie. - Ele lhe disse com ternura. - Por que você não conversa com o príncipe sobre isso? Eu imagino o quanto guardar um segredo te perturba e contar a verdade é sempre a melhor opção. Se ele é mesmo tão boa pessoa como você diz, ele vai compreender. Talvez até ajudar.  

Charlotte secou as lágrimas oura vez e fechou os olhos, tentando acalmar o coração. Aos poucos as palavras de Patrick foram lhe fazendo sentido. Como ele sempre sabia como acalmá-la? 

—Você sempre tem as melhores ideias. - Ela comentou, esboçando um sorriso mais calmo.  

—Ah, você ainda nem viu meus novos projetos! - Ele brincou num tom mais alegre e Charlotte imaginou-o sorrindo. - Fique bem, Charlie. Logo nos veremos de novo. Tente ficar calma, ok? 

—OK. - Concordou. - Boa noite, Patrick. Eu te amo demais.  

Assim que Charlotte encaixou o telefone novamente no suporte, algo lhe cobriu a boca e a agarrou por trás. Ela lutou, mas em pouco tempo já fora erguida do chão e carregada por um estranho para longe dali. 


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Notas finais do capítulo

E ai? O que acharam?

Kyndra? Charlotte? Wicklow Hills?
Talvez esse capítulo tenha sido uma pequena bomba de segredos.

Mas acostumem-se, Semana da Paz está acabando e Primeira Parte da história também (não se preocupem, a segunda parte será bem menor e estamos sim nos encaminhando para o final. O começo do fim. Segurem seus chapéus!).
E isso significa que MUITOS segredos serão revelados. E MUITAS coisas acontecerão.
Vai ficar um pouco turbulento, passageiros!

Quero agradecer a todos que continuam comentando na história, vocês me deixam muito agradecida e contente!!
Entretanto, o número de leitores comentando está baixo e, infelizmente, não tem como eu fazer a eliminação que eu pretendia com base numa votação de vocês. A organização da história depende do planejamento das eliminações e o planejamento não pode depender de poucos, ou mesmo que demoram a ser postados, comentários. Portanto, informo aqui que as próximas eliminações que resultarão na Elite já estão estabelecidas. Estas selecionadas eliminadas serão as duas que eu criei, outras que leitores criaram sem o intuito de elas vencerem o concurso e por fim, pela quantidade de comentários (pontuações) que elas possuem.
Espero que compreendam.

Caso o link não tenha funcionado, aqui está a música: https://www.youtube.com/watch?v=LAjfB0XfjkA


Enfim, espero de coração que estejam gostando!
Obrigada mais uma vez!
Até logo! ♥

P.S. AHHHH Eu virei aquelas loucas que escrevem mais de 7 mil palavras por capítulo! E isso que eu jurava que iria escrever em torno de 2 mil no máximo.
Chocada.

P.S.S. (Só não tão chocado quanto fiquei após assistir Guerra Infinita. Obrigada.)



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