Dia 1

PARTE I

Sem cerimônia ou classe alguma, o homem barrigudo deixou-se cair na poltrona e abriu o jornal fazendo barulho.

 -“Liam Éire é o nome mais falado do momento”. – Leu em voz alta. – “O filho do Conde Douglas Éire de Wicklow Hills surpreendeu-nos há poucas semanas ao se provar o primeiro na linha de sucessão do trono da Nova Irlanda, após o falecimento do Príncipe Keegan, irmão do rei, e a renúncia de Lady Sienna Hibernia. O rapaz de vinte e dois anos, acostumado a viver nos campos lestes do reino, terá agora que se acostumar com seu novo título de Príncipe Herdeiro."

“Ele foi apresentado desse modo ontem, ao vivo para todo o país e inclusive, na mídia internacional, oficializando a passagem do trono a uma nova dinastia, pouco conhecida. O rei Donavan confessou recentemente que não teve muito contato com o príncipe Liam Éire nos últimos anos, mas que estará presente na educação de Vossa Alteza como futuro herdeiro. ”

 “Nova Irlanda entra numa nova era. E Sir. Liam Éire, agora com o título de príncipe, tem muito o que aprender e uma longa estrada para conquistar a simpatia da população. – Ao Irish Newspaper, Mirela Fitz-Gerald”.

O homem sacudiu o jornal para fecha-lo. Não mais escondido pelas páginas e finalizada a leitura da matéria, olhou para seu filho, sentado à sua frente.

—Em outras palavras, eles não foram com a sua cara. – Sem receber uma resposta, ele voltou a falar: - Mais especificamente essa jornalista. Acho que ela tem um pôster com a sua cara pregado no saco de porradas dela.

Vencido pelo silêncio e mau humor do filho, Conde Douglas levantou-se e aproximou-se da ampla janela.

Por trás do vidro, era aparente a extensão do reino adormecido da Nova Irlanda. A visão do cenário noturno dos milhares de infinitas moradias era estonteante, mas não atraía nenhum pingo da atenção de Liam Éire.

Observava o copo cheio de uísque derreter os cubos de gelo, sem vontade de toma-lo de uma vez.

Recusava tudo ao seu redor: Sua nova vida. Seu título de príncipe herdeiro.

—Como isso foi acontecer? – Sussurrou enfim.

A porta do cômodo foi aberta após algumas batidas respeitosas e logo um criado entrou, curvando-se frente ao príncipe e terminando o exclusivo silêncio e escuridão do quarto.

Tanto o príncipe quanto se pai se viraram na direção da porta.

—O rei convoca sua presença, Alteza.

Liam se levantou, sentindo-se pesado, e pensou a mesma coisa que pensava desde que chegou ao Palácio: "Por que eu?"

♕ ♕ ♕

—O nome do momento. – Disse o rei Donavan quando Liam entrou na sala de reuniões e sentou-se a outra ponta da mesa.

Ao seu lado esquerdo estava o jornal com a matéria de Mirela Fitz-Gerald, mostrando que ele a havia lido. A Rainha Kiara mantinha as mãos cruzadas sobre os papeis, como se quisesse ignorá-los.

À direita estavam sentados à mesa os quatro conselheiros reais, sérios e com a inexpressividade de uma estátua. Um deles bufou, mas a mudança na expressão foi tão repentina que podia ser considerada como uma miragem da mente.

—O senhor leu. – Liam suspirou, desviando do olhar de todos.

—O país leu. – O conselheiro mais próximo dele fez questão de deixar claro.

O Rei ignorou os comentários e aprumou a postura.

—Era esperado que sua anunciação não fosse recebida de braços abertos, você só precisa administrar as novas responsabilidades e, consequentemente será mais bem visto no reino. – O rei sintetiza, com uma voz confiante que mostra que ele tem tudo sob controle.

O conselheiro passou um documento para o príncipe que observou a sua nova agenda e suas diversas lições e compromissos. Sem prender-se muitos ao cronograma, decorou apenas que a primeira aula seria de hipismo, as seis e meia da manhã. Sua cama era boa demais para ser abandonada assim tão cedo.

—Infelizmente, o que não esperávamos é que a mudança da dinastia pudesse provocar uma inquietação na população. – O rei prosseguiu. – A situação econômica-política das relações internacionais também estão notavelmente mais complicadas. O seu primeiro passo em falso, senhor Liam, pode ser o suficiente para a coroa ser tirada de você e Nova Irlanda despencar em uma verdadeira crise.

—Não sabia que a minha popularidade era tão baixa assim... – Liam murmurou, surpreso.

—Além disso, - O Rei continuou atropelando o novo príncipe com mais informações e alertas. - O próximo na linha de sucessão do trono de nosso país, após o senhor, é o Rei da Rússia, o qual não possuímos aliança alguma. O nosso país e esse outro desconhecem tal fato, portanto isso deve permanecer em segredo na monarquia e, sob hipótese alguma deverá chegar aos ouvidos das outras nações. Tirá-lo do poder seria incrivelmente fácil nas atuais condições. Por isso, o senhor deve obedecer às regras e seguir a sua agenda, comprometendo-se com todas as suas atividades.

—Em outras palavras, não posso cair fora. – O príncipe esclareceu para o seu próprio subconsciente.

Encostou na cadeira e ao invés de se perguntar aquela mesma pergunta, tentou encontrar uma resposta para ela. Mas parecia impossível àquela altura.

—Nós tomamos uma decisão. – Adiantou a rainha.

Todos se viraram na direção dela e Liam subitamente sentiu-se nervoso.

Ela não se abalou com os olhares, mas se estressou com a perda de tempo.

—Procuramos soluções que incitassem a sua popularidade como novo membro da realeza. E decidimos adaptar uma tradição de Illéa em nossa monarquia.

Bridgit, uma das duas conselheiras mulheres, escorregou um documento por cima da mesa até as mãos do príncipe.

—Este são as normas, Alteza.

—Podemos fazer alguns ajustes, acredito, - O rei pensou em voz alta. - Contando que a Nova Irlanda não possui, nem de longe, trinta e cinco províncias.

Liam passou os olhos pelo papel, dessa vez com mais atenção.

—“ ‘A Seleção’ é, em síntese, um concurso entre garotas de 16 e 20 anos sorteadas dentre todas as províncias e castas para viver no Palácio Real e conquistar a mão do Príncipe Herdeiro e o título de futura rainha de Illéa. ” Uau. – Liam disse, sem saber o que pensar.

—Podemos alterar para dezessete a vinte anos, pois o senhor já tem vinte e dois. – O Conselheiro Sean explicou, sem qualquer emoção.

O Príncipe Liam coçou a própria nuca.

—Acham que elas iriam querer participar disso? Não seria um... vexame internacional se ninguém quisesse se casar comigo?

—Talvez elas não venham por você, e sim pela oportunidade de se tornarem rainha um dia. – Almirena, a outra conselheira, explicou como se ele fosse uma criança de cinco anos que ainda estivesse aprendendo a somar um mais um.

Isso deixou o príncipe ainda mais inquieto.

—E eu devo me casar com alguém ambicioso que está pouco se ferrando para mim? Isso não dificultaria ainda mais a situação da Nova Irlanda?!

—Eu estou dizendo...! – A voz de Almirena se ampliou conforme sua irritação, mas ela a abaixou sob os olhares do Rei e da Rainha, que não gostavam de sons mais altos que suas próprias vozes. – Que são novas oportunidades, novos pontos de vistas... Para todos. Todos podemos aprender algo com isso; talvez elas se apaixonem por sua personalidade— disse com desgosto – e talvez o senhor aprenda algo mais sobre o seu país, o que lhe dará grandes créditos para quando for rei. É isso que eu estou dizendo.

—É um evento para a mídia do país e até para a internacional. – O Conselheiro Brendon explicou, empurrando os óculos de volta para o alto do nariz. – Com a participação da realeza e de plebeias que ficarão impressionadas com o Palácio e a monarquia, as chances de a popularidade do evento ser positiva são altas.

—Ah! Já é o suficiente! – Exclamou a Rainha Kiara, incomodada com o tempo gasto.

Ela voltou-se para o príncipe, falando diretamente com ele:

—A Seleção mostra proximidade entre a monarquia e o povo. Especificamente, a sua proximidade. Além de restabelecer as alianças políticas já estabelecidas entre a Nova Irlanda e outros países. É um projeto de extrema importância, Alteza.

A Rainha nunca foi de jogar as palavras ao ar, ela jogava uma carta no jogo. Era extremamente sábia e precisa quando falava, sempre usando os melhores argumentos. Portanto, chamá-lo de “alteza” não foi ao acaso. Mostrava que ela própria, a Rainha, aceitava a condição de Liam Éire como o Príncipe Herdeiro... E se alguém com poder e hierarquia tão alta dizia isso, não haveria mais ninguém nesse reino que negasse o título e a obrigação do garoto.

Querendo ou não, Liam faria a Seleção.

Então apenas deu de ombros e tentou brincar:

—Certo... Vamos fazer eu parecer o Novo Herói da Nova Irlanda.

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O Jornal Oficial do Reino, apresentado por Gustav Walsh, um verdadeiro galã da telinha, entrou no ar.

Do lado direito do palco estavam os assentos dos nobres e funcionários de relevância. Entre eles, a Princesa Eileen, viúva do falecido Príncipe Keegan, e sua filha, Lady Sienna, sentadas na primeira fileira com seus lindos vestidos, e os pais de Liam Éire.

No centro estava a Família Real mais estranha do mundo, como julgava o herdeiro ao trono. O rei e a rainha e o jovem que ninguém nunca vira antes, mas que agora era o novo príncipe, o Conde e a Condessa de Wicklow Hills.

Ele sentia falta de sua casa no campo, próximo a encosta da praia. Costumava acordar tarde, viver próximo das plantas e dos animais, usar roupas largas e botas confortáveis. Já estava com saudade de seus primos e das confusões que eles sempre se metiam, pouco preocupados com aparências, títulos e dinheiro. Liam achava que era um cara caseiro, por gostar da comodidade da própria casa, mas agora que o seu lar era o Palácio, em que havia diferentes moradores e ideologias inusitadas, ele queria estar em qualquer lugar do mundo menos ali.

Gustav Walsh apontou para o canto esquerdo do palco, um espaço vazio, e iniciou sua abordagem:

—A novidade de hoje é que aquele lugar vazio ali logo será preenchido. E o mais incrível é que ele pode ser ocupado por vocês, jovens donzelas.

Ele caminhou de volta ao centro do palco, dando um tempo dramático para seu discurso.

—Quinze meninas, dentre dezessete e vinte anos. De todos os cantos do país. Serão sorteadas para vir a morar no Palácio e disputarem a mão e o coração do Príncipe Liam Éire. – Gustav sorriu para a câmera e abriu os braços, tornando o evento em algo ainda maior e mais importante. – É uma cultura de Illéa que será incorporada a Nova Irlanda. A Seleção, senhoras e senhores, está para começar!