Six Feet Under escrita por Kaya Levesque


Capítulo 3
Hitchhikers may be escaping inmates


Notas iniciais do capítulo

Olá! Sentiram minha falta? Voltei aqui com mais um capítulo de Six Feet Under, espero que gostem! Ficou um pouquinho maior do que os outros, espero que não seja um problema. Agradecimentos especiais a AliceSalvatore, En Sabah Nur e Amélia pelos comentários, vocês são mara!
Boa leitura!



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— Jesus Cristo, Eugene! — reclamou Daisy, zangada, pela quarta vez. — Não coma a batata se não vai descascar!

Ele encolheu os ombros, pescando mais uma tira do vegetal e colocando-a na boca enquanto a garota bufava, exasperada. Eugene então levantou-se, indo em direção ao grande caminhão que carregara o grupo até ali e sentando-se em seu lugar habitual no banco da frente.

Dois dias depois de Daisy Moore tentar roubar um trio de sobreviventes em Emanuel County, a ruiva se encontrava às margens de uma floresta densa, sendo picada por mosquitos enquanto tentava cozinhar um grude satisfatório com os recursos que tinha. Havia uma lata de metal com fogo dentro, sobre a qual um recipiente com água, sal e agora batatas cozinhava, sendo vigiado pela garota.

Perto de Daisy, Abraham Ford, o soldado de cabelos avermelhados e líder do quarteto, fazia uma pequena ronda pelo perímetro. Sentada ao lado do veículo, Rosita Espinosa, a mulher hispânica que odiava Moore, limpava o único peixe restante de sua incursão ao lago nas proximidades da vila onde a garota se juntara ao grupo.

Haviam sido dois longos dias. Em primeiro lugar, havia Rosita; a mulher atualizara as definições de “irritante” da garota, que preferia literalmente ter seu sangue sugado por mosquitos a trocar mais de quatro palavras com ela. Logo no primeiro dia, as duas haviam se engalfinhado numa briga logo após Daisy tentar roubar o caminhão do grupo (ação pela qual ela já se desculpara), resultando num hematoma azulado no rosto de Espinosa e uma cicatriz no queixo da ruiva. Rosita a havia ameaçado de morte nem bem um dia depois, fazendo-a decidir de uma vez por todas que não gostava da latina.

Depois, havia o fato de que o trio não sabia muito sobre a menina, e achava isso, no mínimo, suspeito; a garota nem mesmo lhes dissera seu nome, fazendo com que adotassem um apelido: Ginger. Abraham era quem geralmente tentava engatar conversas sobre seu passado, na tentativa óbvia de um interrogatório velado. O tema mais recorrente era seu sotaque que, por mais que Daisy tentassse esconder, acabava aparecendo, principalmente em palavras com a letra R; tais perguntas, ela respondia com piadinhas ou mudando de assunto discretamente.

Não que Moore não fosse grata pelo que fizeram; de fato, o trio a havia acolhido e parecia gostar dela – exceto, claro, por Rosita –, mas contar a qualquer um ali sobre sua vida de antes e as coisas que perdera a fazia sentir que estava presa àquelas pessoas. Ela não queria criar laços nem gostar de nenhum deles, apenas sobreviver.

Por último, havia a missão que os três clamavam fazer parte. Segundo Ford, Eugene tinha a cura para a epidemia que se alastrara pelo mundo e fizera os mortos se levantarem, e agora estava determinado a levá-lo até Washington nem que tal feito o matasse. Daisy não sabia como se sentir sobre aquilo; por um lado, já havia desistido de acreditar em qualquer tipo de cura para os mordedores há muito, quando o primeiro deles cruzou seu caminho. No entanto, o modo como Eugene falava e as coisas que o homem mostrou que sabia naqueles dois dias e meio de convivência a fizeram pensar novamente; talvez, só talvez, eles não estivessem loucos, afinal de contas.

Daisy ergueu os olhos ao ouvir o barulho de folhas sendo esmagadas à sua frente, e baixando-os novamente ao ver que Rosita se aproximava com os peixes. Muito embora não se dessem bem, as duas conseguiam fazer refeições decentes juntas, além de racionar os alimentos de forma a durarem o máximo possível. Enquanto a menina esquentava o que havia sobrado de suas latas de feijão na fogueira improvisada, Rosita cozinhava o peixe, e logo tinham o almoço do grupo.

Espinosa assobiou para Abraham, nos limites da mata, que devolveu sua arma ao coldre e começou a se aproximar. Eugene imitou o sargento, descendo do caminhão, e logo os quatro estavam se servindo em silêncio, comendo o mais rápido que podiam afim de seguir viagem.

— Estamos sem água — informou Daisy em voz baixa enquanto dava dentadas em seu peixe.

— Podemos pegar mais na próxima cidade, são poucos quilômetros de distância até King County — sugeriu Rosita para Abraham, que assumiu uma expressão fechada; o homem detestava parar ou desviar a rota. — É rápido, não devemos levar mais de duas horas — insistiu a mulher.

— Ela tem razão — apoiou Eugene, em seu habitual tom sério. — Se saíssemos em dez minutos e mativéssemos uma velocidade constante de vinte quilômetros por hora, estaríamos em King County em cinquenta minutos, e eu calculei a distância em minha cabeça. Devemos sair de lá em duas horas no máximo e estaríamos de volta à estrada antes das quatro da tarde.

Daisy franziu o rosto sem entender uma palavra do que o homem dissera, mas presumiu que se tratava do tempo que levaria até chegarem à cidade que Rosita mencionara; era aquele tipo de coisa que Eugene falava que a fazia sentir como se o houvesse julgado mal. Mais alguns segundos de silêncio se seguiram antes que Abraham assentisse, cedendo.

— Vamos deixar o caminhão na entrada da cidade e iremos procurar juntos — informou.

— Não quero arriscar separar o grupo.

Assim, o quarteto terminou a refeição e começou a recolher seus pertences para cair na estrada de novo. As coisas foram estocadas na traseira do caminhão, onde Daisy ia, e ela tentou arrumar algum espaço pra si entre todas as bolsas, armas e caixas. Logo, Abraham girou a chave na ignição, dando vida ao monstro, e eles partiram em direção a King County.

Moore gostava da vista de trás do veículo. Ela gostava de ver as árvores tornarem-se manchas enquanto se moviam rapidamente pela estrada, de ver os pontos onde o asfalto abaixo de si mudava de cor para tons mais claros ou mais escuros de cinza e de tentar adivinhar quais plantas cresciam por onde passava. Claro, o Sol sobre si constantemente era irritante, e os solavancos pareciam ser mais violentos na caçamba do caminhão, além da total falta do que fazer, mas ela tentava levar aquilo de maneira positiva; pelo menos não estava à pé.

Assim, menos de uma hora depois, eles estavam chegando a King County. Abraham estacionou fora da cidade, de modo a evitar possíveis mordedores por ali, e logo Daisy estava pegando uma sacola de pano na caçamba para colocar os galões de água dentro. A garota checou sua munição, embainhando a faca, e desceu do caminhão, esperando que os outros saltassem da cabine.

— Precisamos pensar onde procurar primeiro — disse Abraham, dando a volta e aproximando-se de Daisy com os outros dois em seu encalço. — Seria bom se tivéssemos uma lista telefônica.

— Não é necessário — disse Eugene. — Qualquer casa na cidade terá um toalete; podemos pegar a água de lá, fervê-la, e estará própria para consumo.

— Com licença — disse Daisy, certa de que não havia entendido direito. — Você está sugerindo que bebamos água da privada?

Rosita franziu o rosto para Porter, cruzando os braços.

— Eu não gosto de concordar com ela — disse —, mas não podemos beber água da privada, Eugene.

— É isso ou desidratação e morte por perda de líquidos — disse o homem categoricamente.

— Vamos pensar em algo — disse Abraham, pegando a bolsa de pano com Moore. — Mas agora precisamos ir andando se quisermos sair daqui antes do pôr do Sol.

Assim, o quarteto começou a avançar silenciosamente pela estrada, até entrar na cidade de King County. Era apenas uma pequena vila, típica do interior da Geórgia, com casas de telhados cinzas e paredes brancas, contruções de tijolos vermelhos e trechos de trilho perto dos edifícios. O lugar estava totalmente silencioso, sem denunciar a presença de mortos ou vivos, mas, ainda assim, era claro que algo estivera por ali.

Aquilo se devia ao fato de haverem avisos espalhados pelo lugar. O primeiro pelo qual passaram foi apenas uma seta verde perto do que uma placa dizia ser o King County Medical Office. No entanto, ao andarem nas proximidades da delegacia, tais avisos tornaram-se mais frequentes. “Você não devia estar aqui” escrito num carro preto empoeirado; um fantasmagórico “aqui não é aqui”; e uma pichação num muro que dizia em letras garrafais um “vá embora” nada amigável.

No entanto, o que realmente alertou-os de que King County não era um bom lugar para estar naquele momento foram os corpos. Ao caminharem ao longo do muro cujo aviso os mandava deixar o local, deram de cara com diversas pilhas de corpos carbonizados em um terreno baldio que fez arrepios subirem pela espinha de Daisy. Ela havia visto coisas ruins em seu tempo de solidão apocalíptica, e, no entanto, nada nunca gritara “perigo!” quanto aquela cena o fez.

Bozhe moi — arquejou a menina, mais por força do hábito, e repreendendo-se mentalmente depois por deixar aquilo escapar. — Pessoal, eu não gosto daqui — disse, mais alto.

— Preciso concordar com a garota — disse Eugene, com uma expressão ansiosa dirigida a Abraham. — Devíamos ir embora e procurar em outro lugar.

— E parar novamente? — perguntou Ford, rude. — Inferno, não. Você e Rosita nos arrastaram até aqui, em primeiro lugar; vamos continuar até acharmos água e só depois partiremos.

Moore tornou a olhar para os corpos queimados e seu lado medroso começou a falar mais alto. Tudo que ela queria fazer era correr de volta para onde viera, esconder-se no caminhão e só sair de lá quando tivesse a certeza que estava segura. Infelizmente, se aquele fosse o caso, ela nunca sairia do veículo.

Porém, quando Abraham continuou a andar, Daisy, assim como o resto do grupo, não teve alternativa alguma, a não ser segui-lo. O vazio das ruas agora era aterrorizante, e cada barulhinho que a ruiva ouvia era motivo para que seu coração disparasse de medo contra as costelas. A garota manteve-se ao lado de Eugene o tempo todo, recusando-se a ficar na retaguarda do grupo e não relaxou até que Abraham finalmente escolheu uma casa.

O homem subiu as escadas da varanda de dois em dois degraus e forçou a maçaneta algumas vezes, sem sucesso.

— Vamos dar a volta — falou. — Ver se temos mais sorte com a porta de trás.

Ambos, o soldado e a hispânica, começaram a seguir para a lateral da velha casa, e Daisy esperou que Eugene os seguisse. Entrentanto, após alguns segundos, tornou-se claro que ele se deixava ficar para trás.

— Eugene — chamou Ford. — Venha!

— Não acho que essa seja uma boa ideia — disse o homem. — Pode ser que haja algum corpo reanimado por aí, e vocês não querem me ver perto disso.

— Você pode ficar do lado de fora — disse Rosita. — Vamos logo.

— Não sozinho — insistiu Porter.

— Eu cuido dele — disse Daisy; ela não queria mesmo ajudar a limpar aquela casa, e ficar com Eugene parecia a desculpa perfeita para evitar a situação. Porém, Abraham balançou a cabeça negativamente.

— Sem ofensa, Ginger, mas não vou deixar a vida de Eugene em suas mãos — disse. — Rosita pode ficar com ele e você e eu vamos procurar algo que valha à pena aqui. Já fez isso antes, certo?

Moore rolou os olhos, tirando a arma do coldre e tornou a encarar o homem, agora com uma expressão entediada; claro que ela já fizera aquilo antes. Ford sorriu, então voltou a caminhar, desaparecendo na lateral da casa e sendo seguido de pronto pela garota.

Logo, estavam na porta dos fundos. Moore foi na frente, forçando a maçaneta e obtendo sorte dessa vez. Ela adentrou no lugar com cuidado para dar de cara com uma cozinha deteriorada, com armários brancos em uma parede, balcão com tampo de mármore e uma mesa redonda no centro. A menina parou à entrada do cômodo, observando-o atentamente para ter certeza de que não haviam mordedores por ali, e esperou que o sargento tomasse a dianteira.

Abraham andou pelo corredor que devia levar ao outros cômodos com sua faca em mãos, ao passo que Daisy ergueu sua arma, examinando bem o ambiente, como sempre fazia. À sua direita, havia uma escada levando ao segundo andar, e abaixo dela, uma porta entreaberta; a ruiva espiou ali com cuidado, contente ao não ver nenhum mordedor no armário de casacos, agora totalmente vazio.

Enquanto isso, Abraham havia avançado consideravelmente, tendo a mesma postura defensiva que a garota às suas costas. Ele explorou a sala de estar e a de jantar com os olhos, não parecendo encontrar nenhuma ameaça imediata, e então voltou-se para Daisy, acenando para a escada.

A ruiva assentiu, entendendo a mensagem, e começou a subir lentamente, olhando para cima. O segundo andar tinha um pequeno hall, e nele, quatro portas, duas de cada lado. Dois vasos de flores flanqueavam as escadas, e, ao fundo do pequeno cômodo retangular, havia uma janela de vidro semi-aberta.

Ford indicou a primeira porta à sua esquerda com a cabeça e adentrou no que Moore julgou ser um quarto. Ela, por sua vez, adiantou-se para a porta seguinte, abrindo-a para encontrar um pequeno banheiro, dessa vez sem cadáver algum dentro, para seu alívio. A garota tentou girar a torneira, em busca de alguns fios d'água, mas tudo que conseguiu foi um barulho sufocado que parecia muito com um jumento moribundo, então abandonou a tentativa.

Daisy saiu do cômodo, notando que Abraham agora dirigia-se para a terceira porta, e esperou, encostada à parede enquanto ele voltava. O homem saiu com uma expressão raivosa e seguiu para o último quarto, sendo seguido pela menina. Sua sorte foi anunciada pelo riso vitorioso do sargento ao entrarem numa suíte aparentemente transformada em despensa. Haviam diversas latas de comida vazias em meio a poucas com o conteúdo intacto, mas a boa notícia era um garrafão de água de aproximadamente cinco litros quase cheio.

Enquanto Ford ocupava-se em encher seus galões de água, Moore começou a buscar alimento em meio àquele lixo, distraíndo-se por alguns minutos com as latas de comida.

— Eu estava em uma missão — contou Abraham, de repente. — Com mais quatro sujeitos desafortunados. Nós tínhamos um caminhão como o que usamos agora, e estávamos prontos para voltar para casa quando a porra de um camelo dos infernos comeu as chaves.

— De jeito nenhum — contrariou Daisy, sorrindo e desviando os olhos do rótulo de uma lata de carne. — Camelos não comem chaves de carro.

— Comem — assegurou o sargento após dar uma risada. — E comeu. Estávamos ali, arrastando nossos... — ele se interrompeu, parecendo repensar o que quer que fosse dizer — ...barrigas no chão e esperando o infeliz cagar o molho, quando um dos rapazes começou a praguejar alto. Ele vinha de uma família russa, veja bem, então começou a xingar Deus e o mundo em russo.

A garota baixou os olhos, o sorriso sumindo e sentindo suas orelhas começarem a queimar.

— Por que está me contando isso? — perguntou, tentando passar uma imagem despreocupada.

— Porque eu ouvi pouco do que ele falou, mas entendi uma coisa — respondeu Ford. — Bozhe moi. Tem algo a dizer sobre isso?

Ela umedeceu os lábios, mas logo se recompôs, e franziu a testa, sorrindo como se Abraham fosse louco.

— Por que eu teria algo a dizer sobre isso? — devolveu, rindo brevemente.

O homem a olhou, estreitando os olhos, e Moore manteve-se calada enquanto esperava que Ford acreditasse em sua mentira. Aquela era uma das perguntas que ela queria evitar, assim como todas as indagações sobre seu sotaque; a garota não se sentia à vontade para compartilhar informações sobre sua vida com ele, e provavelmente nunca se sentiria. Não queria falar sobre o que lhe acontecera, nem sobre sua família, e muito menos sobre o fato de que falava russo fluentemente, pois havia nascido em Volgogrado. Por isso, naquele momento, tudo que faria era agir como se Abraham estivesse falando coisas sem sentido.

Graças a Deus, o sargento não parecia disposto a insistir no assunto. Ele terminou de encher os galões em silêncio enquanto a ruiva separava o que poderia ser útil. Logo, ambos haviam terminado suas tarefas e desceram as escadas, Abraham levando também o garrafão. Eles saíram da casa pela porta da frente, encontrando Rosita e Eugene na varanda, ambos olhando-os com expectativa.

— Estava escondido lá em cima — informou Ford. — Agora, sim, podemos sair desse buraco.

Assim, o quarteto retornou ao caminhão por onde viera e os avisos voltaram a dar arrepios em Moore, que empunhou a arma, trincando os dentes na tentativa de não pensar em seu medo. Era estranho que não houvessem esbarrado com nenhum mordedor, e todos aqueles corpos... algo estava definitivamente errado em King County, e a garota não tinha a menor pretensão de descobrir o quê.

Finalmente, os quatro chegaram a seu caminhão, que, milagrosamente, ainda estava no lugar. Daisy pôs a arma de volta no coldre e subiu na caçamba, pegando os galões de água com Rosita em seguida. O Abraham colocou o garrafão para dentro com alguma ajuda da garota antes de dirigir-se à cabine com os outros dois.

Assim, logo estavam de volta à estrada. Moore novamente tentou adivinhar o horário pelo Sol, constatando que devia ser o meio da tarde, e encostou a cabeça atrás de si, fechando os olhos. Eles não parariam naquela noite, e a garota começou a se preparar psicologicamente para dormir sendo sacolejada na caçamba do caminhão.

Daisy passou algum tempo de olhos fechados, apenas tentando descansar. Porém, ao abrir os olhos novamente, a russa viu-se atraída a uma mancha de fumaça negra erguendo-se do chão e tingindo o céu com seu tom escuro à esquerda do veículo. Era claramente um incêndio, e não muito longe, porque era possível sentir o fedor de queimado de onde estava. Ela virou-se, dando algumas batidinhas na divisória que a separava do resto do grupo, e Rosita abriu a pequena janela.

— Vocês estão vendo aquilo? — indagou a garota, apontando para a fumaça. Abraham assentiu, sem tirar os olhos da estrada.

— Me pergunto o que causou algo daquele tamanho — comentou Rosita.

— Eu te digo o que foi — falou Abraham. — Pessoas. Não vamos perto daquilo ali, é merda na certa.

Daisy assentiu, concordando, e voltou-se para a traseira, voltando a admirar sua vista. Entretanto, a janelinha não estava fechada, e a garota pode ouvir claramente quando Espinosa arquejou.

— Abraham...

Ela virou-se de súbito, observando por cima do ombro de Rosita, vendo uma pessoa de blusa xadrez verde esmagando a cabeça de um mordedor caído com uma arma automática à distância. O sargento praguejou e começou a diminuir a velocidade afim de parar perto da cena.

— Peguem suas armas — mandou. — Vamos descer todos juntos.

Daisy virou para trás, sentindo a velocidade do caminhão diminuir embaixo de si. Ela agarrou sua pistola, apreensiva, e apoiou-se nos joelhos, esperando que o veículo parasse.

Àquela altura, Moore pôde ter uma visão melhor da pessoa com a arma – uma garota. Tinha cabelos escuros, rosto arredondado e estava claramente assustada, enquanto esmagava a cabeça do infectado. Quando pareceu ter certeza de que estava morto, jogou a arma longe, no chão, e olhou o caminhão, tentando parecer desafiadora.

— Espero que tenham gostado do show, cuzões! — gritou, ofegante.

Abraham tirou a chave da ignição e abriu a porta do lado do motorista, descendo do carro, assim como Eugene e Rosita. Daisy viu aquilo como sua deixa, pondo-se de pé e usando uma roda como apoio para saltar da caçamba, e logo todo o quarteto estava do lado de fora, encarando a moça.

— Você tem uma boca bem suja — disse Abraham, com um tom divertido. — O que mais você tem?

Momentos de silêncio se passaram enquanto ela tentava controlar sua respiração e media o grupo com os olhos, provavelmente pensando em tentar escapar deles. Daisy sorriu um pouco enquanto lembrava que essa fora sua primeira reação ao ver aquelas três pessoas, e sentiu certa simpatia pela menina.

— Preciso de ajuda — disse ela, por fim. A garota apontou para um dos corpos, alguém que Daisy julgou ser outro mordedor abatido, mas não era. — Por favor — acrescentou, suplicante.

Rosita trocou um longo olhar com Abraham, que assentiu. A latina então andou até a pessoa caída, examinando-a rapidamente enquanto a outra observava, ansiosa, dividindo sua atenção entre eles dois e o resto do grupo.

— Qual o seu nome, parceira? — perguntou Abraham.

— Tara — respondeu ela. — Chambler. Aquele é Glenn.

— O que aconteceu com ele? — indagou Daisy, curiosa. Tara balançou a cabeça.

— Estávamos lutando com os mordedores e ele... caiu.

Rosita ergueu a cabeça.

— Ele está desidratado — anunciou. — Ginger, os galões.

Moore assentiu, devolvendo seu revólver ao coldre e tornou a apoiar-se numa roda para alcançar um dos galões de água na caçamba. Ela desceu novamente, andando apressada até onde Rosita estava ajoelhada ao lado de Glenn.

— Levante a cabeça dele — instruiu a mulher.

A menina pegou o asiático pálido pela parte de trás do pescoço, erguendo seu tronco com alguma dificuldade, e Espinosa derramou algumas gotas de água em sua boca. Glenn bebeu poucos goles antes de tossir e logo Rosita afastou a garrafa, olhando para Tara.

— Precisa ter certeza de que ele vai beber água direito — disse.

A mulher assentiu, ansiosa.

— Obrigada — disse.

— Então, o que os trás à maravilhosa beira da estrada? — perguntou Abraham.

Tara pareceu sem resposta. Ela tentou disfarçar, mas acabou encarando um ponto atrás de todos eles e Daisy seguiu seu olhar, percebendo que a garota observava a fumaça que se erguia à distância. A ruiva virou-se novamente, decidindo arriscar:

— Você sabe o que aconteceu ali?

Enquanto os outros voltavam-se para a fumaça, Chambler a olhou, e Daisy viu terror real em sua expressão. Porém, não era só isso – ela também parecia incrivelmente culpada.

— Uma prisão — disse, com um leve tremor na voz. — Houve uma luta e... um incêndio.

— Uma ótima explicação, se me permite dizer — comentou Eugene.

— Deixe ela — retrucou Rosita, olhando para Tara. — Não precisa falar, se não quiser.

Chambler assentiu, encarando os próprios pés, e então Glenn. Alguns instantes de silêncio se passaram antes que Abraham decidisse interromper:

— Bom — disse, apoiando a arma no ombro. — Eu adoraria ficar e bater um papinho durante o resto da tarde, mas infelizmente, não podemos. — Tara olhou para o homem, parecendo medi-lo por suas palavras. — Temos um missão para finalizar, algo de extrema importância.

Ela apenas manteve-se em silêncio, talvez esperando que Ford continuasse, talvez pensando em qual seria seu próximo passo; porém, após alguns segundos, ela perguntou:

— Qual é a missão?

— Sou o sargento Abraham Ford — aprensentou-se formalmente, como fizera com Daisy. — Este é o doutor Eugene Porter, e as moças que ajudaram seu amigo ali, Rosita e Ginger. Precisamos levar Eugene a Washington D.C., e com urgência.

— Por quê? — indagou Tara, parecendo confusa.

— Eugene é um cientista — respondeu Rosita, ficando de pé. — Ele sabe como acabar com tudo isso.

Os olhos de Tara voltaram-se para Eugene, a quem ela encarou assombrada por vários segundos. O homem não pareceu encabulado, apenas devolvendo o olhar da garota enquanto a mesma digeria a informação.

— Oh — disse, por fim. — Como?

— É confidencial — respondeu Eugene, simplesmente.

A confusão ainda estava estampada no rosto de Tara, e ela voltou seu olhar para Abraham, que assentiu.

— É isso aí, parceira — disse o sargento. — Por esse motivo, precisamos de pessoas, e quanto mais, melhor. Gostei do jeito como lidou com esses cadáveres aí, e assumindo que seu amigo seja tão bom em derrubá-los quanto você, quero que os dois se juntem à equipe.

A mulher hesitou, olhando para Glenn que ainda era amparado por Daisy.

— Eu não sei — disse. — Eu gostaria, realmente, mas não posso tomar nenhuma decisão sem ele.

— E por quê? — indagou Moore.

— Glenn está procurando pela esposa — explicou Tara. — Maggie. Os dois se separaram na confusão, e agora ele quer achá-la.

— E o que lhe deixa tão certa de que ele vai conseguir? — perguntou Abraham.

Ela umedeceu os lábios, mudando o peso do corpo para a perna esquerda antes de olhar para o ruivo.

— Porque às vezes, tudo o que você tem que fazer é acreditar — respondeu. — E é isso que eu vou fazer.

Aquelas palavras não pareceram afetar ninguém tanto quanto a Daisy. A russa encarou Tara, pensando na última vez em que realmente acreditara e se apegara a algo; muito, muito tempo atrás.

— Adorável — disse, impedindo-se de refletir sobre aquilo. — Mas a caçamba do caminhão é mais segura do que a estrada. Quanto tempo acha que você e Glenn vão durar aqui sem ajuda, armas, ou suprimentos? Não estou falando para ser má, apenas dizendo a verdade. Venha conosco até ele melhorar, e depois vocês decidem o que fazer.

Tara pareceu refletir, medindo suas opções, e Daisy pôde praticamente ver o conflito interno que tomava espaço em sua cabeça. No entanto, após segundos de protela, a garota finalmente balançou a cabeça, concordando.

Ao que parecia, o quarteto acabara de se tornar um grupo de seis; o pensamento, por algum motivo, fez a menina ruiva sorrir.


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Notas finais do capítulo

Pra quem não lembra, o título desse capítulo é o que tem escrito em uma placa que aparece no episódio Inmates da quarta temporada, justamente o que Glenn e Tara encontram Abraham, Rosita e Eugene. Significa "mochileiros podem ser presos em fuga", é uma placa bem fácil de ser vista perto de prisões. O que vocês acharam? Aguardo seus lindos reviews! Beijinhos e até o próximo!



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