Six Feet Under escrita por Kaya Levesque


Capítulo 2
Ginger


Notas iniciais do capítulo

Olá! Antes de tudo, quero agradecer a Agatha, Mrs Dreams, En Sabah Nur e Buttah pelos comentários maravilhosos no primeiro capítulo. Esse aqui é dedicado à Agatha, por ter colocado tanto esforço nele, muito obrigada!
Boa leitura!



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A reação de Daisy foi imediata.

Sentindo como se houvesse levado um choque, a garota agarrou duas das caixinhas e correu para o outro lado, saltando do caminhão. Ela caiu, cambaleando, mas conseguiu recuperar o equilíbrio e começou a correr na direção do Gol para pegar sua bolsa e partir. No entanto, antes que pudesse alcançar o carro, ouviu passos se aproximando cada vez mais rápido e logo sentiu o peso de outro corpo forçando o seu para o chão.

Assim, a menina chocou-se contra o asfalto, batendo o queixo e soltando a munição que roubara. Sentindo um calor subir do maxilar para o topo de sua cabeça, a ruiva pode ouvir claramente passos apressados indo em sua direção, o que indicava que os homens estavam se aproximando.

Daisy livrou-se das mãos que tentavam prender as suas com dificuldade, arranhando seu agressor, e se virou para cima, chutando o primeiro membro que pode alcançar – uma perna torneada demais para pertencer a um homem. A mulher soltou uma exclamação de dor, distraída momentaneamente, dando uma oportunidade de escape à menina. Ela deu uma cabeçada no rosto da outra, empurrando-a com força e agarrando uma única caixinha de balas, pronta para correr.

Antes que Moore houvesse dado muitos passos, porém, o homem ruivo a puxou pelo braço, arrancando sua arma do coldre e jogando-a no chão novamente. Ela bateu a cabeça e não pode evitar um grito leve quando sentiu a pancada, soltando de novo a munição que tentara carregar. Daisy piscou algumas vezes, sentindo algo líquido escorrer por seu queixo, e apoiou-se em seus cotovelos para ter uma visão mais ampla das pessoas que tentara furtar.

À extrema direita do grupo, uma mulher de aparência hispânica esfregava um vergão vermelho em sua bochecha e encarava-a, furiosa. Ela tinha olhos apertados, cabelos escuros presos em duas marias-chiquinhas e usava roupas muito reveladoras. Havia um boné surrado a seus pés, provavelmente caído enquanto as duas se engalfinhavam no chão, e a latina o apanhou, ainda olhando para Daisy ameaçadoramente.

Ao lado dela, estava o homem ruivo que a garota vira mais cedo. Ele tinha um meio sorriso divertido nos lábios que não condizia com a situação, embora seu olhar fosse frio. Usava roupas camufladas, como se fosse algum membro do exército, e levava uma grande arma automática nas mãos, criando, em suma, uma imagem ameaçadora.

O último membro do trio era o homem gordo de cabelos longos. Ele ostentava um olhar vago e a encarava sem expressão, parecendo até desinteressado. Daisy considerou atacá-lo, pois certamente era o elo mais fraco do grupo, mas logo notou que os outros dois pareciam ter uma posição defensiva em relação a ele, portanto abandonou a ideia; o soldado provavelmente lhe daria um tiro caso tentasse.

— Ora, ora — disse o ruivo, entregando o revólver da garota para a latina. — O que temos aqui?

Daisy não respondeu. Ela trincou os dentes, tentando passar uma imagem corajosa, mas a verdade era que estava se borrando por dentro, pedindo mentalmente para que eles a perdoassem e a deixassem em paz.

— Uma ladrazinha safada — cuspiu a mulher, raivosa. O homem assentiu, concordando, e balançou a cabeça.

— Não uma muito esperta — acrescentou.

— Fui esperta suficiente para passar por você e por seu amigo, não fui? — perguntou Daisy, tentando soar desafiadora e controlar o tremor na voz.

— Qual o seu nome? — questionou ele, após rir curtamente.

Daisy novamente trincou os dentes, ainda sentindo o sangue escorrer por seu queixo e sem dizer uma só palavra. O soldado assentiu.

— Sem nome, então — falou. — Vamos chamar você de Ginger. Ginger, eu sou o sargento Abraham Ford. Esse é o doutor Eugene Porter — ele indicou o homem gordo —, e a adorável moça que a impediu de roubar nossas balas é Rosita Espinosa. Estamos numa missão de extrema importância, atravessando o país para levar Eugene a Washington.

— Pra quê? — indagou Daisy, procurando ganhar tempo.

— Eugene é um cientista — esclareceu Abraham. — E ele sabe exatamente como parar esse caos.

Silêncio seguiu as palavras do militar enquanto a garota assimilava as informações. Então o destino da raça humana estava nas mãos de um homem com cara de lesado e corte de cabelo ridículo? Acho que não.

— Muito bem — disse Daisy, sentando e encarando Eugene, cética. — O que houve?

— É confidencial — respondeu o homem.

Abraham assentiu para Porter, e tornou a encará-la.

— Assim, esclarecido o propósito de nossa missão, espero que entenda que não temos tempo pra lidar com garotinhas malcriadas — disse. — No entanto, estaremos dispostos a perdoar essa merda toda caso você nos leve até o líder de seu grupo.

Daisy estreitou os olhos, passando as pontas dos dedos no queixo e vendo-os manchados de vermelho. Ela então voltou os olhos para Ford, decidindo entrar em seu jogo enquanto pensava em uma estratégia para escapar dali.

— Por que eu faria isso? — perguntou, olhando em volta discretamente e procurando algo que pudesse lhe dar vantagem sobre os três. Não havia nada; caso quisesse escapar dali, Daisy teria de se levantar e correr, e provavelmente levaria um tiro de Abraham no processo.

— Caso sua cabeça estivesse dentro da bunda enquanto eu falava, serei obrigado a repetir — disse o soldado rudemente. — Temos que levar esse homem a Washington D.C., e para isso precisamos de pessoas; quanto mais, melhor.

Daisy olhou de Abraham até Eugene, apertando ainda mais os olhos.

— Você não acredita nisso, certo? — perguntou a Ford, tentando fazer com que ele continuasse falando.

— Isso é perda de tempo — pronunciou-se Rosita, olhando-a com desprezo. — Ela claramente não vai servir de nada, devíamos amarrá-la e ir embora.

— Pra salvar o mundo? — perguntou Daisy, jocosamente, embora com muito medo de que a ameaça fosse séria. — Por favor, dona.

— Eugene esteve falando com os chefões em Washington através de um celular via satélite desde Houston — informou Ford, agora começando a se irritar com a menina.

— Ah, é? — rebateu Daisy. — E o que eles disseram?

— É confidencial — repetiu Eugene. Daisy riu.

Claro que é — disse.

— Vai nos levar a seu grupo ou não? — exigiu o sargento. O sorriso da garota sumiu e ela cruzou as pernas, encarando-o.

— Não tenho um — revelou.

Abraham franziu o rosto, ao passo que Rosita pareceu surpresa e o primeiro traço de expressão passou pelo rosto de Eugene quando ele ergueu as sobrancelhas.

— Como disse? — perguntou Rosita.

— Não tenho um grupo — repetiu ela. — Estou sozinha; estoy sola.

Mais alguns segundos se passaram sem que alguém dissesse algo, e logo Ford começou a trocar olhares cheios de significado com Espinosa.

— Está mentindo — acusou Abraham por fim.

— Estou? — devolveu Moore, dando de ombros. — Muito bem. Então deixe a Rainha da Beleza me vigiando e vá procurar meu grupo com Einstein. — Diante do silêncio do trio, a garota indicou o Gol azul que fora seu esconderijo mais cedo. — Atrás daquele carro há uma mochila preta; é minha. Claro que não tem como saber se estou falando a verdade; pode ser outra pessoa, uma bomba ou algo pior, então vá até lá e veja por si mesmo. Se houver uma mochila, vai saber que não estou mentindo.

Durante alguns segundos, Abraham encarou Daisy, que devolveu o olhar, tentando esconder o quão angustiada e nervosa estava. Por fim, o ruivo quebrou o contato visual e acenou para Rosita, que imitou o gesto e sacou a arma de Moore, apontando-a diretamente para a menina. Ela não pode evitar um arquejo e tensionou os músculos, engolindo em seco.

— Se alguma coisa acontecer comigo — ameaçou Abraham, calmamente. — Se eu me arranhar ou mesmo quebrar um unha, srta. Espinosa vai puxar esse gatilho e seu cérebro vai acabar espalhado no chão. Entendeu?

Daisy assentiu, ainda acuada e sem coragem de olhar para a mulher que a tinha na mira. Ela podia sentir um calor subindo atrás de seus olhos e mordeu a parte interna da bochecha, tentando se controlar; não podia chorar na frente daquelas pessoas.

Assim, Abraham caminhou até o Gol azul a passos largos, espiando atrás do carro cautelosamente. A garota viu um traço de incredulidade atravessar seu rosto enquanto o homem se abaixou para pegar a mochila, que estava ali, como ela prometera. O sargento então olhou para Daisy e soltou uma risada incrédula, voltando para perto deles e jogando-lhe a bolsa.

— Uau — disse, apoiando as mãos nos joelhos e encarando-a com um olhar divertido. — Tenho que dizer, isso é bem impressionante. Uma fedelha atrevida e sozinha durando tanto tempo aqui fora? Não é o tipo de coisa que se acha todo dia.

Engolindo em seco, Moore manteve-se tensa, dando olhares furtivos à arma que Rosita ainda apontava pra sua cabeça. Abraham notou e acenou para a mulher.

— Abaixe — pediu, sendo obedecido imediatamente. — Como você fez isso, garota?

— Sei quando evitar confusão — disse Daisy, sentindo a pulsação diminuir e o calor atrás dos olhos lentamente se dissipar à medida que ficava mais calma. Rosita bufou.

— Não parece — comentou.

— Não dá certo o tempo todo — esclareceu a menina, contrariada. — Mas na maioria das vezes, quando tenho um problema, eu o evito até que não seja mais meu problema.

A latina franziu a testa, mas Eugene assentiu, aparentemente aprovando.

— Isso é... — começou.

— ... covarde — completou Rosita, interrompendo-o.

— Eu ia dizer inteligente — informou o homem. A mulher estreitou os olhos para ele, fazendo uma pequena careta.

— E o que te fez pensar que nosso caminhão valeria à pena? — indagou Abraham.

— Munição — esclareceu a garota. — Estou ficando sem balas, vi seu caminhão e decidi correr o risco.

Fez-se silêncio depois que Daisy completou a frase, e Abraham e Rosita voltaram a trocar olhares; no entanto, Eugene continuou encarando-a, assentindo por fim.

— Devo dizer — começou o dito cientista. — Que uma pessoa capaz de tal feito como passar por dois homens, um armado, merece algum crédito — ao perceber o olhar do soldado sobre si, ele deu de ombros. — Se não fosse pela srta. Espinosa, a menina teria pegado o que quisesse, ido embora e não a notaríamos — Eugene tornou a encarar Daisy, assentindo. — Acho que seria um acréscimo valioso à missão.

— Ah, não — contrariou Rosita, balançando a cabeça e pousando a mão livre no quadril inclinado. — Você não está considerando deixar uma pirralha malcriada que quase nos roubou se juntar a nós.

— O que mais podemos fazer? — indagou Eugene. — Precisamos de pessoal, e ela se provou boa o suficiente. Além disso, é só uma criança; deixá-la só seria condená-la à morte.

— Consigo ouvir vocês — comentou a garota, irritada com o fato de que falavam como se não estivesse presente.

— Calados — mandou Abraham. Os outros dois pararam de falar imediatamente, muito embora Espinosa continuasse mandando olhares venenosos a Porter.

O soldado tornou a encarar a garota, como que medindo-a, e, depois de vários segundos, assentiu.

— Se Eugene diz que vale à pena, eu escuto — disse, aproximando-se e estendendo a mão. — O que acha de nos seguir, Ginger?

Assim, Daisy se viu diante de um conflito interno. Ela poderia seguir seus instintos, negar a proposta e ir embora, continuando sozinha por Deus sabe quanto tempo mais, até que algo ou alguém pusesse um fim à sua existência.

Ou... ela podia seguir aquele trio até a capital, onde eles acreditavam poder salvar a todos, e não morrer sozinha, ou pelo menos morrer por algo que valesse a pena.

Repassando as opções, nenhuma das duas parecia boa. No entanto, dando mais uma olhada em Ford e Espinosa, Daisy percebeu que fariam tudo um pelo outro e por Eugene – e, caso decidisse se unir ao grupo, por ela também.

Por esse motivo, a garota estendeu sua própria mão e aceitou a ajuda do soldado para levantar-se num gesto simbólico. O homem sorriu para ela, e lhe entregou um trapo para que limpasse o sangue em seu queixo.

— Bem vinda a bordo.

Abraham se afastou a passos largos até a cabine do caminhão, sendo seguido de perto por Eugene. Rosita andou até a menina de má vontade, devolvendo-lhe o revólver e acenando para a caçamba. Daisy a seguiu após pegar a mochila em seus pés, e entrou no carro, sentando com as costas contra o vidro que a separava da cabine. Ela ignorou os olhares desconfiados e descontentes que a mulher latina lhe dirigia, ocupando-se em limpar com o trapo qualquer resquício de sangue que ainda houvesse em seu queixo. Ao tocar o corte com as pontas dos dedos, constatou que era pequeno demais para precisar de pontos; ficaria aberto por alguns dias, mas logo começaria a cicatrizar e, se muito, deixaria uma pequena marca.

Quando Rosita se juntou aos outros na cabine, Ford girou a chave na ignição, fazendo o caminhão rugir e estremecer, e logo estavam partindo, aparentemente em direção a Nunez. Daisy abriu a bolsa, pegando sua bússola para checar de vez em quando e ter certeza de onde estava – afinal, nunca se sabia.

Sentindo o vento bater em seus cabelos ruivos e fazendo-os chicotear contra seu rosto, a garota encostou a cabeça atrás de si, finalmente sentido as dores da briga chegarem. Seu pé esquerdo latejava da queda desajeitada do caminhão, enquanto suas duas mãos exibiam arranhões, provavelmente adquiridos quando ela tentara sustentar seu peso e o de Rosita. Além disso, sua nuca agora pulsava no ritmo de seu coração e Daisy esfregou-a, sentindo um galo começar a se formar.

A ruiva suspirou, olhando para cima, para o céu. Agora, ele estava azul e limpo, sem nenhuma nuvem à vista; muito embora o frio estivesse começando a chegar, aquele parecia um típico céu de verão, dos que Moore costumava apreciar. Claro que depois de tudo mal lhe restara tempo para aproveitar vistas como aquela, e céu limpo passara a significar somente uma coisa: nada de sombras.

Sem que percebesse, Daisy adormeceu. Ela estava mais cansada do que imaginara, embora houvesse dormido bem; com semanas de noites mal dormidas acumulando-se, a garota acabou caindo no sono sem que nem mesmo percebesse.

A ruiva acordou apenas quando Rosita bateu na lataria do caminhão com violência, fazendo-a despertar sobressaltada. Ela olhou para a hispânica, vendo-a encará-la com um sorriso que poderia facilmente ser caracterizado como diabólico, e fez uma careta.

Daisy então olhou em volta, tentando identificar onde se encontrava. Continuavam na estrada, provavelmente na mesma que pegaram mais cedo, mas a vegetação naquele ponto era mais densa, e as árvores, maiores. À sua esquerda, logo atrás de onde Rosita recarregava sua arma, havia um lago de tamanho considerável com águas calmas e transparentes; estranhamente, todo o perímetro ao redor do mesmo estava cercado por arbustos de folhas escuras.

A ruiva levantou-se com dificuldade, sentindo as dores no corpo ainda mais acentuadas por causa do cochilo desconfortável, e só então percebendo que, pela posição do Sol, devia passar do meio-dia. Ela caminhou vacilante até a traseira do caminhão, de onde saltou, sentindo o pé voltar a doer, e desceu do veículo cambaleante.

A garota andou titubeante até onde Abraham estava de pé, observando Eugene ensinar Rosita a construir o que parecia um filtro de água improvisado. Ela parou ao lado do soldado, mantendo sua distância e com uma mão no coldre da arma; embora houvesse decidido que seguiria aquelas pessoas, ainda não tinha certeza se confiava neles.

— Por que paramos? — perguntou ao ruivo. Ford nem mesmo olhou-a duas vezes.

— Água — explicou, ainda encarando a dupla às margens do lago. — E talvez alguns peixes. Vamos parar novamente na próxima cidade para passar a noite, e também procurar alguns suprimentos; sua vila estava saqueada de cabo a rabo.

Daisy franziu as sobrancelhas para o homem, que devolveu seu olhar.

— Vocês não parecem do tipo que param pra pernoitar — explicou-se, voltando a olhar para os outros. Abraham deu uma risada curta.

— Acontece — disse o sargento. — Estamos na estrada direto há mais de uma semana, todos precisam descansar.

Ela assentiu, cruzando os braços enquanto via Rosita reclamar com Eugene, e Abraham riu da cena, balançando a cabeça. Daisy mordeu a parte interna da bochecha tentando decidir se devia contar a eles sobre a comida em sua bolsa ou se a manteria para si mesma, quando um movimento à sua direita atraiu seus olhos. A garota virou-se para as árvores de pronto, a mão novamente pousada no coldre, enquanto esperava que se repetisse. Quando aconteceu, um coelho branco e robusto saltou para fora de um arbusto de frutinhas coloridas, começando a comer algumas folhas enraizadas ali perto.

Daisy costumava achar que coelhos eram fofos. Seu primo tinha um coelho pardo, Frodo, e ela adorava ir à casa dele, apenas para passar horas e mais horas brincando com o bichinho. Por isso, a garota se sentiu um pouco culpada ao ver o animal e lembrar-se do último que comera, pensando apenas que ele daria uma ótima refeição.

Assim, Moore sacou sua faca e caminhou até o coelho com passos leves, procurando não assustá-lo. Ela não tinha certeza de como matá-lo – afinal, a única coisa que seu avô lhe ensinara fora como eviscerá-los, fazendo-a passar uma semana inteira sem comer carne –, mas mesmo assim continuou aproximando-se lentamente enquanto ele comia.

— O que você está fazendo? — perguntou Eugene de repente.

O animal de olhos vermelhos virou-se, assustado, e tornou a enfiar-se entre os galhos do arbusto. A garota soltou um muxoxo de desaprovação, exasperada, e virou para deparar-se com Porter parado logo atrás dela com aquela mesma expressão aérea que tinha mais cedo. Atrás dele, nas margens do lago, Abraham havia substituído-o com seu filtro de água, e ele e Rosita pareciam muito ocupados para lhes darem alguma atenção.

— Obrigada por espantar o jantar — disse a ruiva, irônica. O homem apenas continuou encarando-a daquela maneira esquisita.

— Minhas desculpas — pediu, com um tom estranhamente sério. — Mas não é recomendável se afastar do grupo, principalmente você.

Daisy olhou-o, um pouco tocada por sua preocupação, e sentiu suas orelhas esquentarem. Ela não daria muito por nenhum deles, principalmente porque os conhecia há menos de um dia e eles haviam conseguido deixá-la com um galo, uma cicatriz no queixo e vários arranhões. No entanto, era, de certa forma, reconfortante saber que Eugene se importava; ele fora o que a levara até ali, afinal.

— Eu posso tomar conta de mim mesma — devolveu, sem saber direito como lhe responder; de fato, havia tempo desde que alguém se preocupara com o que ela fazia ou deixava de fazer. Porter assentiu.

— Sinto muito pelo seu jantar — disse ele. — Mas aquelas batatas ficariam ótimas com qualquer peixe que eles porventura peguem.

Daisy franziu a testa.

— Batatas? — perguntou, confusa.

Eugene deu um passo à frente e ajoelhou-se no chão, cavando ao redor de algumas folhas enraizadas próximas aos arbustos, as mesmas que o coelho comia antes de ser espantado pelo homem. Logo, ele puxou de lá duas batatas de tamanho considerável, e Moore assentiu positivamente, surpresa.

— Impressionante — elogiou. Porter apontou para o arbusto colorido.

— São amoras — informou. — Estão maduras, talvez você queira pegar algumas.

— Não sabia que amoras eram espécies nativas da Geórgia — comentou ela.

— É fácil para elas se reproduzirem — explicou Eugene. — Quando os caules das amoreiras-silvestres tocam o chão, originam um novo pé. São espécies invasoras persistentes, as amoras. — O homem então pareceu notar o olhar assombrado que a garota lhe lançava e deu de ombros: — Mas dão ótimas geleias, então tudo certo.

Daisy assentiu, desamarrando o casaco da cintura e espalhando-o no chão, de modo a fazer um pequeno nicho para as frutas. Ela começou a arrancá-las de seus pequenos galhos, tomando cuidado com seus espinhos curvados, e logo Porter juntou-se a ela na tarefa, parecendo hesitante a princípio.

— Eugene! — gritou Rosita de repente, fazendo ambos, a garota e o cientista, se sobressaltarem.

O homem se pôs de pé, encarando a latina que se aproximava tempestuosamente com água até os joelhos e as mãos ainda molhadas. Atrás dela, Abraham recarregava o caminhão e olhava ao redor, desconfiado.

— Estamos indo — anunciou Espinosa num tom gelado. — Entre no carro.

Como que comandado, o cientista começou a caminhar em direção ao caminhão daquela maneira estranha, sem mexer os braços e com movimentos robotizados.

Daisy arrumou seu casaco num embrulho, sentindo os olhos da mulher em si enquanto o fazia. Ela se pôs de pé, pronta para sair dali, mas não havia dado nem dois passos quando Rosita a empurrou de volta, encarando-a.

— Vou ser direta aqui, compañera — disse. — Eu não confio em você. Não acredito nem um pouco nessa história de que uma pirralha conseguiu sobreviver aqui fora por tanto tempo, e sozinha.

Daisy trincou os dentes, sentindo a raiva começar a borbulhar em seu interior como água fervente. Ela entendia os motivos da hispânica para odiá-la, a garota tinha mesmo batido nela mais cedo, além de ter tentado roubá-los. No entanto, não havia mais motivo para tratá-la com hostilidade; afinal, era possível desconfiar em silêncio – justamente como Moore fazia.

— Qual o seu ponto, chica? — perguntou, duramente.

— Se alguma coisa acontecer com eles... — começou Espinosa, com raiva.

— Está com medo de não conseguir salvar o mundo? — interrompeu Daisy, jocosa.

Se alguma coisa acontecer com eles — repetiu a mulher, com mais intensidade — e eu suspeitar, mesmo que por um segundo, que foi culpa sua, vou matar você. Tu entiendes?

A garota a encarou, procurando qualquer sinal de dúvida nos olhos da latina, mas não havia nenhum. Ela falava a verdade, e provavelmente cumpriria a promessa ao menor sinal de traição. No entanto, isso só deixou Daisy com mais raiva; afinal de contas, ela não havia se juntado à sua estúpida “missão”? Não estava ali para ajudar?

Assim, Rosita voltou ao caminhão, deixando Daisy para segui-la – mesmo que contra a sua vontade.


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Notas finais do capítulo

O que acharam? Eu estava um pouco nervosa por introduzir personagens novos, espero que tenham gostado. Lembrando que reviews não são obrigatórios mas dão uma força tremenda a essa autora, então não se acanhem em deixá-los, ok? Beijinhos e até o próximo capítulo!