Dolores escrita por Marília Bordonaba


Capítulo 86
Dolores




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Não quero ir pra casa. Não quero ficar na rua também. Não sei o que eu quero, então nesse caso vou ficar bem aqui nessa praça, olhando pras árvores, pras pessoas, pensando em nada… Quanto otimismo, não é mesmo? Quem me dera conseguir “pensar em nada”.

Olhando agora, acho que exagerei na mão com a diretora Luíza, eu não precisava ter reagido daquela maneira. Não sei por que ouvir as pessoas falarem bem da Virgínia me deixa tão irritada. No fundo, eu entendo o porquê de a enxergarem como um ser humano tão incrível e talvez esse seja mais um motivo pra eu ficar tão irritada. Aposto que se eu não a conhecesse como a conheci na escola, eu também pensaria que ela era o máximo. O que não deixa de ser uma verdade, eu só queria que entendessem que ela não se restringia a coisas positivas.

A verdade é que essa é a grande conclusão: eu odeio a Virgínia. Muito ainda. E têm razão quando dizem que não posso sentir culpa por isso, porque ela também me odiava e morreu me odiando. Só me resta lamentar que não exista mais tempo pra mudarmos isso. É uma pena. Talvez se ela tivesse me dito tudo o que pensava e passava, me dado a chance de contar os meus lances também, quem sabe assim nos entenderíamos.

“Se vocês se dessem uma chance, se surpreenderiam”, o Lucca disse várias vezes e nisso ele tinha razão. É uma bosta só pararmos pra pensar nesse tipo de coisa quando é tarde demais. E eu sinto muito.

Agora o Lucca tava errado quando dizia que éramos tão parecidas. Compartilharmos a cor favorita ou ouvirmos três ou quatro bandas iguais não nos faz pessoas tão próximas. Saber que ela odiava o próprio nome pode até me fazer sentir mais empatia por ela, mas é tudo superficial demais pra dizer que éramos parecidas, porque não éramos. Ela era forte, eu não. Ela conquistava as coisas mesmo estando contra a correnteza, diferente de mim, que só consigo agir quando tudo está a meu favor. Essa era a nossa diferença e ela era crucial, tanto, que por isso que o Lucca escolheu a mim. Aparentemente ele achou que eu precisava mais dele do que a Virgínia e não é só impressão, eu sei que hoje ele se arrepende da escolha que fez. E não dá pra ignorar, isso só me faz odiá-la ainda mais e fazer o que? Eu só tenho que conviver com isso.

Também terei de conviver com a consciência de que uma pessoa que teria forças pra lutar pelas mais diversas causas morreu. Que uma possível intelectual perdeu a chance de disseminar suas ideias. Que todos nós perdemos a chance de dizer “estudei com ela” quando a Virgínia se tornasse reconhecida por ser uma pessoa que executaria tarefas importantes. E executaria bem.

Mais que tudo isso, eu também terei de conviver com a consciência de que uma menina não teve a oportunidade de experienciar toda uma vida que a esperava: a faculdade, uma carreira, um amor (ou vários)… Ela só teve um beijo de verdade na vida e isso é tão, tão injusto!

Eu queria que alguma autoridade baixasse e comprovasse de uma vez que do amor pro ódio é um passo, porque daí também seria um passo do ódio pro amor. Só assim pra eu me conformar com o fato de odiar quem me fazia uma pessoa melhor.

Só que ela não era a única pessoa a me fazer melhor. Aliás, algumas dessas pessoas ainda estão aqui e, com certeza, já passou da hora de eu parar de afastá-las de mim. Não posso repetir os erros e deixar que as coisas sigam numa constante, que tudo vire ciclos e querer que as soluções caiam do céu, porque muitas vezes essas soluções não vão cair… Geralmente não caem mesmo. Como eu aprendi do jeito mais cruel, às vezes a vida é interrompida antes mesmo de haver um vislumbre de solução. A Virgínia se foi antes mesmo de termos a chance de ter uma história semelhante à da Mariana e o amigo dela da faculdade… E sabe, nem precisávamos ser amigas, mas eu gostaria muito que as coisas não terminassem assim. Se eu não quiser ter outros finais como esse, eu tenho que parar urgentemente de ser tão arisca, de fechar meus olhos e tapar os meus ouvidos. Não só podemos aprender com os nossos erros, como devemos.

— Alô… Dani? Você tá ocupada agora?

 

 

 

 

FIM


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Notas finais do capítulo

Embora essa tenha sido uma postagem bastante solitária, foi um prazer fazê-lo, seja lá pra quem leu essa história que me empenhei bastante em escrever.

Se alguém chegou até aqui e gostou da minha escrita, espero encontrá-los na minha outra história, Olívia, e que vocês interajam comigo mais do que interagiram comigo aqui xD DHASUDHSUADHSUA

De toda forma, agradeço a paciência por terem chegado até aqui.



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