Dolores escrita por Marília Bordonaba


Capítulo 4
Virgínia




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— Você perdeu!

— O que?

— O ritual da chamada.

— Ah… - ótima oportunidade pra ligar o foda-se praquilo que não me interessa.

— E a Dolores não para de olhar pra cá. - a Jéssica continuou cochichando.

— Ai, deixa essa mina pra lá. Mas hein, já pensou no que eu te disse?

— Não. - respondeu cabisbaixa.

— Jéssica!

— O que?! – respondeu na defensiva – Ah, Virgínia! Eu não tenho o menor interesse de ser representante de turma, você sabe muito bem.

— Sim, por isso que eu to te convidando pra ser a vice. A representante, no caso, seria eu.

— Mas vice também tem o maior trabalho. Pra que eu vou querer isso? Eu não.

— Na verdade você só vai ter trabalho quando eu estiver ausente.

— Olha aí! Isso parece furada, na boa.

— Eu juro, Jéssica. Eu preciso que você me acompanhe nisso. Eu prometo que não vai te dar muito trabalho, faço questão de não faltar um só dia nesse ano. E cara, é o nosso último ano e a minha última chance. Você sabe o quanto eu quero isso.

— Por que tem que ser eu?

Eu tomei fôlego pra dar A resposta, a que a deixaria completamente sem palavras e constrangida o bastante pra não conseguir negar a minha proposta, mas o professor nos interrompeu:

— Meninas, me deem licença, que eu vou dar início à aula.

— Foi mal, professor. - pedi desculpas educadamente e olhei para o lado ao ouvir um ruído sufocado de risada, vendo a Dolores com aquele sorrisinho ridículo de satisfação, só porque o professor nos chamou a atenção.

A Dolores simplesmente não cresce! Tirando o fato de ela ainda cortar meias ¾ listradas e usar como luvas, passar uma maquiagem dark às 7 da manhã e fingir ser um anime japonês, ela ainda faz questão de ter a personalidade de uma pré-adolescente, não de uma pré-adulta... Maaaas tudo bem, não é? Lembre-se, Virgínia, ela é uma mulher livre e dona de si, portanto pode ser quem quiser. Ela pode ser quem quiser. Quem ela quiser. Ouviu bem? Quem ela quiser!

Sabe, eu tirei essas últimas férias pra refletir. Pego no pé da Dolores, mas me dei conta de que eu não estava muito atrás. É difícil dizer quem é a principal culpada dessa nossa rivalidade infinita, porque tanto ela quanto eu provocamos. E já que a Dolores não se mostra capaz de dar um basta nisso, eu vou mostrar que sim, é possível deixar pra lá as pessoas que você não gosta. Então tentei crescer três anos em três meses. Eu precisava fazer isso pra repassar algumas questões do meu comportamento. Foi assim que revisei o que eu andava fazendo e conferindo as causas de ainda não ter chegado aonde eu quero chegar, e foi chocante o que descobri.

Quanto tempo não gastei pensando em coisas nada a ver? Quanto tempo não gastei pensando no Lucca? Quanto tempo não gastei pensando em N coisas que não tinham nenhuma ligação com os meus objetivos? Aliás, por quanto tempo eu sequer soube quais eram os meus objetivos? Quanto tempo não desperdicei pensando em tudo, menos no meu próprio bem? A diferença entre mim e as outras pessoas que fracassam é que agora eu executo tarefas. Eu quero, eu faço. Eis aí a fórmula para o sucesso.

Então eu voltei esse ano decidida de que vou fazer diferente. Eu sei que hoje é só o primeiro dia de aula e que anotar o que o professor tá passando no quadro agora, como o cronograma do bimestre, não significa nada de demais, mas é isso: esse ano vou pegar firme nos estudos e ser uma pessoa notável. Tá certo que ninguém repara nesse tipo de feito no nosso histórico escolar, mas é uma questão de consciência limpa.

Ano que vem estarei na Universidade e não dá pra querer entrar na militância sendo um peso morto na sociedade, eu preciso me mover e logo, porque o tempo tá realmente apertado. Como eu disse, eu cresci e vou mostrar pra todo mundo o que significa quando Virgínia cresce.

E não para por aí! Minhas promessas não se restringem só ao campo profissional. Minha mãe tá me dando um puta apoio e começou a ir à academia comigo. Resolvemos entrar no clube da geração saúde e eu prometi que ia me controlar melhor nos doces e comidas gordurosas.

— Promete que tá fazendo isso pelo motivo certo?

— Sim, mãe. - disse impaciente, revirando os olhos.

Ela ainda acha que eu to nessa pra ficar gostosa e surpreender todo mundo. Claro que eu não reclamaria de ficar gostosa, mas ela sabe tanto quanto eu que estamos nessa pela razão correta. Eu quero me sentir bem, dormir sem me preocupar, quero ter uma vida melhor. Em todos os sentidos.

Nesse caso, eu também devo mudar de postura com relação à Dolores. Eu não gosto dela e ela não gosta de mim, isso não é novidade pra ninguém. Mas eu não posso enfraquecer a causa e deixar que ela continue sendo uma distração que me impede de conquistar as coisas que quero. Não posso deixar que a minha rivalidade com uma garota coloque em cheque tudo aquilo que agora eu acredito. Se ela pensa que as coisas vão ser nesse ano como sempre foram, tadinha, ela vai ficar tão frustrada.


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