— Dolores…

Se eu não me mover, talvez ela acredite que eu to em estado de transe. 

— Dolores!

Quando que serei respeitada quando to fazendo cara de distraída, hein? Será que é tão difícil assim deixar as pessoas distraídas no cantinho delas?

— Hum?

— Como foi a aula?

— Foi.

— Que?… Dolores! – minha mãe deu um tapa na mesa, tentando chamar a minha atenção – Dá pra conversar direito comigo?

— Ai mãe, o que é?

Ela abriu a boca, se sentindo desrespeitada.

— O que foi? – reforcei a pergunta.

— Eu queria saber como que foi a aula, mas pelo visto deve ter sido bem ruim, né?

— Não, é que… - cocei meus olhos, pra não ter de encará-la – A Dani não foi. Na verdade ela não foi a semana inteira, porque tava viajando, só que aí…

— Mas ela não é de outra sala? – ótimo, ela me enche o saco pra depois me interromper enquanto eu falo.

— Não. - neguei irritada – Ai mãe, eu te falei um milhão de vezes que ela ia ser da minha turma nesse ano. Tá vendo? Depois reclama quando eu não quero conversar, porque quando eu converso, você não presta atenção.

— Ih, Dolores! Não posso esquecer? É proibido?

— Ai, tá… - revirei os olhos – Será que posso comer em paz agora?

— Também não pergunto mais nada, ingrata.

É sempre assim quando conversamos. Sempre, sempre, sempre. Não conseguimos ter um diálogo que dure mais que dois minutos e que não termine em discussão. Uma sempre perde a paciência com a outra. E antes fosse só um típico caso de não-me-dou-tão-bem-com-a-minha-mãe-mas-tá-tudo-certo-com-o-meu-pai, só que não é mesmo a minha situação. Às vezes eu me sinto num complô aqui em casa, eu versus os meus pais. Eles sem dúvida estão no mesmo time e eu estou por minha conta no outro lado do campo.

— Hoje eu vou dormir na casa da Dani, viu?

— Agora você só avisa? Não pede mais permissão?

— Dá pra parar, mãe? Que saco! – e me levantei da mesa.