O cobertor estava embolado no chão, e o sol entrava pela cortina pousando suavemente sobre a pele clara do garoto ali deitado. Ele se remexeu um pouco inquieto, até ser obrigado a abrir os olhos devido a claridade.

Dênis se levantou e procurou o celular pelo quarto, mas não o encontrou. Sem se importar muito foi até a cozinha se servir de leite e olhou as horas no relógio analógico que ficava na parede. No momento quase engasgou, deixou o copo pela metade na pia e colocou seu uniforme em um segundo. Já estava mais de uma hora atrasado.

Pouco tempo depois ele chegou na clínica.

“A noite foi boa?” Fred soltou, observando o loiro ofegar por ter corrido todo o caminho.

“Meu celular não despertou. Eu não sei onde ele tá, na verdade” disse ele colocando a mochila no armário e indo até o filtro beber água.

“Dênis, é impressão minha ou você não penteou o cabelo?” Luana foi até ele e passou a mão entre os fios, deixando-os em ordem. Ele aguardava, a observando como uma criança insatisfeita.

“Ah, e você esqueceu o celular no meu carro antes da aula, não sei como não percebeu. Tome mais cuidado com suas coisas” Fred disse, entregou o aparelho para o garoto, vestiu as luvas e abotoou seu jaleco  branco. “Ta sem bateria também, não tenho esse tipo de carregador”

Dênis coçou a nuca, com um sorriso amarelo “Valeu Fred, eu nem imaginei que tinha perdido”

Colocou o celular pra carregar, e se pôs a trabalhar. Algum tempo depois ele tocou, e foi quando o loiro percebeu as vinte e uma chamadas perdidas.

“Oi… tudo bem pai?”

“Bem? Você é idiota? Eu te dei um celular pra você me atender, e do que adianta?”

“É… desculpa.”

“Não, não peça desculpas, só PASSE A ATENDER ESSA PORCARIA DE CELULAR, ouviu?”

“Entendi”

“Bom. Eu e sua mãe estamos em Brasília”

“Brasília?” Dênis se pôs a pensar, o que fariam tão longe?

“Sim, um amigo nosso faleceu e viemos pra cá… ele era muito querido, apesar de que há muito não nos víamos. Mas até amanhã estaremos de volta. Fique com o celular por perto.”

“Nossa pai, sinto muito pelo seu amigo… não se preocupe comigo, pode deixar”

E assim a ligação terminou. Dênis suspirou e olhou as chamadas, todas de seus pais.

“Tá tudo bem?” Luana perguntou, o observando do caixa.

“Ah, tá. Comigo sim, eu só vacilei mesmo” agitou o celular, ilustrando a fala.

“Sei como é. Na verdade não pelo celular né, se eu perco o meu por 2 segundos já fico louca”

“Claro, o celular parece uma extensão do seu corpo.” O aparelho vibrou, e Dênis leu a mensagem. Inconscientemente um sorriso se abriu em seu rosto.

Miguel ♡:

Bom dia. Já de pé?

Você:

Já são quase 11h, hj eu trabalho até as 15. Acordou agora? ✓✓

Miguel ♡:

contando que dormi às 3, não é mt. Enfim, quer ver algum filme aqui em casa hoje? Ou tem planos pra noite?

As bochechas de Dênis coraram intensamente, foi quando Fred lhe deu um tapinha nas costas e o loiro abaixou o celular. Guardou o aparelho no armário e se focou no serviço.

Assim que acabou por lá, se despediu de seus amigos e foi direto para a casa de Bella, pois marcaram de estudar juntos para as provas finais - por insistência da garota, claro.

“Você está mais avoado que o normal, pode ir falando” Depois de tentar estudar alguns minutos, ela fechou os cadernos e os empurrou para o lado, aguardando uma resposta do outro.

Dênis abriu um sorriso bobo, como se quisesse que ela perguntasse “Amassos… Na porta de casa…” ele suspirou só de lembrar, depois fez beicinho “Só que ele não quis entrar”

Bella estava boquiaberta. Faltava pouco pra ela babar, mas enfim sacudiu a cabeça para que a cena não se formasse em sua mente. “Ele não quis? Hm… Deninho, ele já ficou com boys antes?”

“Acho que não, Bella... “

“Você já pensou então que ele não sabe de nada?” Ela falou, cuidadosamente.

“Como assim?”

“Tipo… Se ele só já transou com mulheres… Primeiro que ele pode ter receio de ficar com homens”

“Sei lá, ele não pareceu ter nenhum” Resmungou Dênis, desgostando do rumo da conversa.

“Claro né, beijar é uma coisa, boca todo mundo tem igual. Tô falando de coisas mais embaixo! E segundo que ele não deve ter nenhuma noção de como tratar um boy na hora H. Isso quer dizer que você vai ter que ensinar”

“Q-q-quê? Eu? Ele não pode pesquisar no Google?” Sua boca secou, e o nervosismo era evidente. Bella segurou seus braços e sustentou o olhar desesperado do garoto.

“Calma criatura! Relaxa… Deixa eu perguntar. Você por acaso sabe alguma coisa ou eu sou mais experiente em sexo gay do que vocês dois?” Ela deu uma risada, enquanto que o loiro escondeu o rosto em uma almofada, completamente envergonhado.

“Ridícula! Eu sei fazer. Argh, para de falar disso!” disse ele, abafado pela almofada. O telefone vibrou em seu bolso recebendo uma notificação, o loiro respirou fundo e o pegou pra olhar. Era justamente de quem eles estavam falando “Caramba, esqueci de responder ele!”

Bella foi bicar.

Miguel ♡: contando que dormi às 3, não é mt. Enfim, quer ver algum filme aqui em casa hoje? Ou tem planos pra noite? 11H25

? 16H44

Dênis gesticulou negativamente com a cabeça diversas vezes olhando pra tela, depois se virou para Bella “não dá, eu não tô preparado pra isso.”

“Deixa de ser ‘bocó’” ela o imitou “só vai. Me dá isso” Ela tomou o celular de Dênis e pôde ver que ele não ofereceu resistência, parecia extasiado demais pra isso. Ela digitou antes que o garoto mudasse de ideia.

Você:

Dsclp, ñ ignorei de propósito. Vamos s, qnd eu apareço aí? ✓✓

Miguel ♡:

Sem problemas, imaginei que estivesse trabalhando. Pode ser às 20h? Desculpe a falta de criatividade, não é que eu evite de sair com você em público. Prometo que depois vamos pra um lugar bem legal, ok? Hoje eu tô bem acabado.

“Caralho… Se você não der pra esse homem, eu juro que eu dou” Bella segurava o celular de queixo caído. Dênis pegou o aparelho e leu. Revirou os olhos com a mensagem de Bella que nem conseguia se passar por ele direito.

E aí ele correu os olhos pelo que Miguel disse, e um arrepio percorreu seu corpo ao mesmo tempo que um sorriso bobo se abria.

Você:

Não precisa se justificar, bocó. Eu amo filmes. ✓✓

Eu amo ficar com você. Ele pensou. Mas não escreveu. Guardou o celular e tentou se focar nos estudos, tarefa que foi quase impossível.

xXx

Miguel respirou fundo, aliviado. Achou que quando o loiro não havia respondido suas mensagens, era porque não queria rejeitar. Pensou muito antes de chamar de novo para saber uma resposta definitiva.

O alívio só durou alguns segundos, já que obviamente aquilo exigia um certo preparo. O primeiro passo era a casa limpa, que já estava no jeito. Miguel lavou algumas louças e ficou pensando no que fazer para comer. Sabia que ele não gostava de pizza e sopa (ninguém em sã consciência faria sopa para um encontro).

Um encontro. Meu deus, como aquilo chegou nesse ponto?

“Melhor não pensar” ele já se descabelava. Isso porque ainda eram 17h.

Resolveu que ia fazer uma pipoca de panela na hora do filme, comprar alguns doces e bebida e, se necessário, depois pediam algo da escolha do garoto para encherem a barriga. Ou talvez a janta seria outra coisa.

“Grrrrrr” Miguel puxou seus próprios cabelos, repreendendo-se sobre a piada sem graça. Brownie se arrepiou assustado enquanto passava a caminho da tigela de ração. Era de se admitir que ele estava um pouco nervoso com aquilo, mas não sabia o motivo disso logo agora.

Talvez seja porque você esteja pretendendo pegar (nada de leve) um garoto de 17 anos que anda beijando escondido nos banheiros da faculdade, pensou. Não entendia como, na verdade, ele conseguia piorar seu nervosismo a cada segundo.

xXx

Dênis não sabia se tocava o interfone ou batia na porta. Por fim bateu, tímido. Quando Miguel abriu a abriu ele murmurou um oi, e os dois se olharam antes do mais novo o abraçar por alguns segundos e entrar. Alguma coisa ali parecia diferente. Talvez seja porque não havia mais desculpas ou coincidências sobre o motivo de se encontrarem. O loiro reparou que ele usava um perfume muito bom, que seu cabelo estava molhado penteado para trás, e que ele usava uma calça de moletom e uma camiseta que deixava seus braços à mostra. Tinha alguns músculos, bem atraentes por sinal, mas não muitos. Fez uma nota mental que deveria passar perfume da próxima vez.  

“E então Dênis, como você tá?” Miguel andava até a cozinha, onde a pipoca estourava. Agradeceu mentalmente pelo outro ter chegado na hora certa.  “e, por favor, me diz que gosta de pipoca…” ele fez uma expressão de receio, mas era só brincadeira.

“Adoro pipoca” Dênis sorriu e se sentou na bancada, apoiando o cotovelo no balcão e a bochecha nas mãos, enquanto apreciava o outro com os olhos brilhando. “tô ótimo. Muito mesmo, na verdade”

Miguel deu um sorriso largo. Não estava nervoso agora que tudo já estava acontecendo. Ele era assim nesse quesito, sabia deixar as coisas seguirem seu rumo na hora certa, apesar de que se fosse pra fazer planos, tinha alguns surtos. “Você gosta de que tipo de filme?” perguntou ele, ao colocar pipoca em um recipiente e cobri-la com manteiga derretida. O que fez a boca do loiro salivar.

“Ah, as animações raramente me decepcionam.” respondeu, mordendo o próprio lábio inferior.

“Hm… tem alguns lançamentos” O moreno lambeu o dedo limpando algum vestígio de manteiga, pegou a pipoca e apagou a luz da cozinha, indo para a sala seguido por Dênis.

“Tem o último de Como Treinar o Seu Dragão?” O menino sorriu, já se animando.

“Tem sim, eu dou um jeito” sorriu Miguel, pensando que o filme era a cara do mais novo. Se sentou no sofá e deu dois tapinhas ao seu lado.

Dênis se sentou onde indicado, tirou os chinelos e colocou os pés em cima do sofá. “Você podia pegar um cobertor, o que acha?” resmungou baixinho enquanto o filme começava. Sem dizer nada Miguel buscou uma manta felpuda, cobrindo a ambos, o que resultou em que se abraçassem. Começaram a assistir o filme enquanto comiam, e para a alegria do mais novo tinha alguns pacotes de doces também, e suco de uva.

“eu acho que isso é o mais próximo de vinho pra ocasião” devaneou Miguel lembrando de seus encontros convencionais em restaurantes, enquanto servia o suco.

Dênis o encarou por alguns segundos, com um sorrisinho imperceptível só de imaginar os dois ali, só que bêbados “Você quer tomar vinho?”

“ah, não é isso”

“hm… Tá bem”

O silêncio perdurou por algum tempo, tirando alguns momentos em que riam das piadas do filme e comentavam sobre ele. Miguel mantinha o braço envolta de Dênis, acariciando de leve do seu ombro até o cotovelo, repetidamente. O loiro dava algumas olhadinhas discretas para ele.

Como as olhadinhas não surtiram efeito nenhum, ele se aproximou aos poucos até ter coragem de deixar um selinho no pescoço do outro, que era a parte mais próxima da boca de Dênis. Miguel respirou fundo uma vez, mas fora isso pareceu não se importar. Foi quando o menor franziu as sobrancelhas e o olhou. Passou os braços envolta do pescoço de Miguel e beijou ali, não só um selinho. Um beijo suave, mas caprichado.

Percebeu o maior tremer e colocar uma mão em sua cintura, finalmente virando o rosto pra ele, e logo beijando seus lábios com desejo. Dava pra ver que Miguel estava se segurando, por causa da intensidade em seus movimentos. Logo ele se afastou, devagar, olhando o loiro nos olhos por alguns segundos.

“Você não pode atingir meu ponto fraco e simplesmente esperar que eu me segure” disse ele sustentando um sorriso, se aproximou e mordeu de leve os lábios inferiores do outro.

“Mas quem disse que você deve se segurar?” Dênis o olhava em um tom de provocação divertida. Suas bochechas estavam queimando e a voz era apenas um sussurro.

Assim que os lábios deles se reencontraram, a campainha tocou. Miguel resmungou com insatisfação e se levantou do sofá, indo até a porta. Se aproximou e olhou pelo olho mágico. Ninguém.

Quando abriu a porta viu uma cena simplesmente deplorável.

“Juliana? O que tá… Isso é vodka?” ele tomou uma garrafa quase vazia da mão da moça, sentada no chão, completamente bêbada, com a maquiagem borrada e o vestido colado bem acima de onde deveria estar.

Dênis se levantou de fininho e se debruçou para ver o que estava acontecendo. A expressão irritada de Miguel se intensificou quando a moça deu risada e tentou se levantar. Ele ajudou, porém ela se lançou para cima dele.

“Oi amor… lembra de mim?” ela disse com a voz fanha e irregular.

Dênis franziu o cenho ao ver a cena, uma pontada atingiu seu peito quando viu as mãos da mulher escorregarem pelas costas de Miguel e apertarem suas nádegas, ao passo que ele a segurou pelos ombros e empurrou a moça em uma poltrona.

Parecia bem irritado, inclusive. Dava para ver as marcas vermelhas nos ombros dela onde ele havia apertado.

“Você é maluca! Vou chamar um táxi” disse ele já abrindo um aplicativo no celular.

“Eu terminei meu noivado!” declarou ela, com um sorriso forçado no rosto. Estava perceptivelmente abalada e transformava isso em ironia “Agora a gente pode ficar junto, não é perfeito? Terminou porque traí ele com você”

“Então agora a culpa é minha?” Miguel apontou para si e deu uma risada “Você deve pensar que sou idiota. Será que pode ir embora? Eu tô ocupado.”

Foi então que a tal da Juliana reparou Dênis em um silêncio desconfortável. Ele segurava uma almofada e estava descalço, sua cara demonstrava o quanto estava constrangido.

“Nossa… ele é tão fofo… nós podíamos, nós três…” Miguel respirou fundo ao ouvir a proposta de sua ex. Ela só podia ter merda na cabeça, certo?  

“Cala a boca. Vem, sua carona chegou” ele a ajudou a levantar, virou para Dênis “eu já volto, me espera?” e assim saiu pela porta.

O loiro ouviu a porta se fechando e um miado ressoou pela sala. Brownie apareceu se esticando e bocejando. Logo foi se esfregar nas pernas de Dênis, que só conseguiu sentar no sofá com um suspiro e acariciar o gato com os pés, sentindo o nariz já começar a coçar.

Em um ímpeto ele resolveu pegar suas coisas e sair, antes que Miguel visse, mas quando o elevador abriu, lá estava ele.

“Você vai embora?” Perguntou, sustentando um olhar triste.

Dênis percebeu algumas marcas de batom no pescoço onde a poucos minutos, seus lábios estiveram. Com a expressão séria, tocou o local com a ponta dos dedos “É, acho que vou…”

Miguel pegou a mão pequena e pálida e a beijou. “Não é o que você está pensando. Me desculpe, eu não posso apagar o meu passado e às vezes ele me assombra. Mas a única pessoa que eu quero tá bem na minha frente”

Terminado o discurso, Dênis respirou fundo, olhando para baixo e com os lábios tremendo. Ele não acreditava nas palavras que ouvia, principalmente de um homem que poderia ter mulheres tão lindas quanto a que acabara de sair do recinto.

Miguel o prendeu em uma abraço caloroso, enquanto o menor se encolhia cada vez mais e deixava escapar um soluço. Beijou-lhe no topo da cabeça e acariciou os fios loiros logo antes de soltá-lo. “Eu entendo que você queira ir embora… Mas ainda vou ficar esperando você, então não some, tá bom?”

Dênis forçou um meio sorriso sem mostrar os dentes, e foi pra casa. Sabia que qualquer coisa que dissesse iria desencadear uma crise de choro, e obviamente não queria fazer isso bem na frente de Miguel. Quando chegou em sua cama, pôde derramar as lágrimas pesadas sobre o travesseiro.