1000 Forms of Fear escrita por Isaque Arêas


Capítulo 5
Burn the Pages - Parte 2


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo foi baseado em "Burn the Pages - Sia": https://www.youtube.com/watch?v=VznorLuugTU



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/704741/chapter/5

Eu acordei naquela madrugada. Alguém gritou meu nome.

Olhei à minha volta e não encontrei Hal. Peguei minhas roupas do chão e as vesti. Pensei em chamá-lo, mas algo pareceu me travar. Cruzei o corredor que dava acesso aos quartos. Pensei que talvez Hal tivesse se incomodado em dormir no sofá e tivesse mudado para a cama, ainda que fosse estranho e nem um pouco romântico de sua parte me abandonar na sala.

Entrei no primeiro quarto, o meu. Nenhum sinal dele. Achei esquisito, pois o meu quarto era o primeiro do corredor, não haveria motivos para prosseguir dali.

Entrei no segundo quarto e para meu espanto havia uma ave pousada sobre a janela. Uma grande coruja branca com os olhos azulados que me fitavam. Eu fiquei sem reação alguma... Queria poder admirá-la, mas estava preocupada em encontrar Hal. Assim que me movi em direção ao outro quarto a coruja se ergueu e lançou voo em minha direção. Com o susto eu caí no chão e gritei, foi quando percebi que ela apenas pousara sobre o meu peito. Os olhos agora me fitavam ainda mais de perto e algo estranho aconteceu.

Eu não ouvi som algum, mas podia jurar que ouvira a ave branca me pedir para abrir a porta. Era algo que comunicava à minha alma e eu não sabia explicar. Por um momento pensei que estava bêbada novamente, mas eu e Hal não havíamos bebido na noite anterior. Também não era um sonho, pois eu podia sentir com veracidade as garras do animal em minha barriga.

Quando me acalmei, a ave voou de volta pela janela e se foi, sumindo na noite. Eu estava louca. Os anos de bebida definitivamente haviam afetado a minha mente. Me levantei e fiquei receosa pensando no que haveria no quarto que havia feito de closet. Imaginei que Hal poderia estar morto ali dentro, que pudesse estar me roubando, que havia sido sequestrado e estava sendo mantido refém ali dentro... Eu não fazia ideia e começava a sentir medo de sequer tocar a maçaneta.

O atual closet havia sido o quarto da minha avó. Achei por bem não tocar em nada dela, apenas espalhei algumas caixas com coisas do apartamento antigo pelo espaço. Coisas como CDs, DVDs, móveis que não combinavam, mas que eu não conseguia me desfazer. Coisas. Toquei a maçaneta e minhas pernas tremiam pensando no que encontraria. Eu a girei e abri a porta.

Caixas. As minhas caixas estavam exatamente no mesmo lugar. As paredes tinham um papel de parede branco com desenhos de pétalas rosadas e o carpete era do mesmo tom rosé das pétalas. Era tudo tão delicado que eu nunca ousei tocar. O quarto era o mesmo, mas havia alguma coisa diferente naquela atmosfera. Era como se eu não o reconhecesse. Quando eu olhei diretamente para as paredes as pétalas pareceram se mover. Fechei os olhos, respirei fundo e olhei novamente para a parede. As pétalas saltaram, todas de uma vez, como em uma grande explosão. Cobriram o quarto por inteiro, aquilo era maravilhosamente aterrorizante. O papel de parede branco se tornou ainda mais branco de forma que agora apenas existia um clarão e as pétalas girando ao meu redor. Já não podia mais ver os móveis ou as caixas.

Meus pés já não tocavam mais o chão e aquele evento me causava uma leve perda de fôlego. De repente, puxei o ar pela garganta, como se houvesse acabado de sair da água após um longo afogamento e estava caída sob um pequeno monte de pétalas rosadas no que parecia ser uma sala branca.

O chão e as paredes pareciam uma coisa só de tão branca. A textura do chão era tão lisa e macia que eu parecia estar andando sob as nuvens. Era uma sala pura, não se ouvia barulho algum e ela dava uma estranha sensação de paz e pânico. A sala possuía uma grande mesa de cristal no centro. Acima dela um lustre também de cristal e ao redor da mesa, cadeiras do mesmo material. Não possuía paredes, piso ou teto e eu tinha a sensação de flutuar, ainda que de fato estivesse pisando em algo sólido. Aquilo era tão absurdo que eu não soube reagir, apenas admirava a beleza do entalhe da mesa, cadeiras e do lustre.

Quando estava me acostumando com a ideia de ver os objetos mais de perto, uma mulher pareceu se materializar sobre uma das cadeiras. Eram cinco cadeiras ao todo, nas outras cadeiras se materializaram dois homens e duas mulheres. A primeira mulher era muito pálida, quase tão branca quanto o clarão ao fundo. Tinha os cabelos cinzentos e a íris e pupila de seus olhos eram enormes. Tinha uma expressão séria e trajava um longo vestido branco que se assemelhava a uma túnica. Ela começou a falar e sua voz ecoava por toda a sala.

— Ophelia, você enfim me ouviu chamar.

Permaneci em silêncio. As outras pessoas sentadas ao redor da mesa me olhavam.

— Sei que pode parecer estranho nesse momento, mas não tenha medo.

— O-Onde eu estou?

— A Sala. Um lugar onde podemos falar em segurança.

Cada vez mais estranho.

— Segura de que exatamente?

— Ela não sabe de coisa alguma! Eu disse que havia sido uma péssima ideia abandoná-la! — disse uma das outras mulheres. Ela tinha os olhos amarelados e tão grandes quanto o da primeira, mas seus cabelos eram marrons e sua pele era negra, era tão bela quanto a outra.

— Silêncio! — ela ficou de pé — Meu nome é Hawleen, sou a atual mentora do clã das corujas. A voz que você ouviu vinha de mim, eu a chamei durante todo esse tempo, mas você sempre resistiu à minha voz, então precisei enviar uma de minhas corujas.

Continuei em silêncio. Aquilo não fazia sentido algum.

— Deve estar se perguntando o que é o Clã das Corujas, é claro...

— Senhora, eu estou me perguntando muitas coisas na verdade... Vocês viram o Hal? Isso é um sonho? Onde eu estou, sério, Hal, é você quem está fazendo isso?

A mulher me olhou como se eu houvesse falado uma linguagem desconhecida.

— Ophelia, deve estar se perguntando o que é o Clã das Corujas... — ela prosseguiu como se eu nunca tivesse perguntado nada — Nós somos tão antigos quanto o mundo. Nossos antepassados sempre foram pessoas influentes na sociedade, nas artes, na política e na filosofia, por isso a coruja é associada à sabedoria. Nós estávamos presentes. Você pode não saber quem sua avó foi, mas ela foi nossa última representante no mundo.

— Do que você está falando?! Eu preciso sair daqui!

— Ophelia! Me escute, nós não temos muito tempo. Eu não posso te explicar todas as coisas ainda.

Ela avançou em minha direção, tão veloz quanto o vento e segurou meus braços. Em sua voz eu podia sentir o desespero, ainda que misturado com a extrema compostura.

— Você precisa encontrar o Coração da Coruja. É um amuleto dourado, está em algum lugar no quarto de sua avó. Ela o escondeu para que você o encontrasse, ele a traria para cá de vez, mas como isso demorou a acontecer nós precisamos nos precipitar.

Ela levou sua mão ao meu queixo. Era uma figura celestial, quase impossível desviar do seu olhar.

— Confie em mim, faça o que eu te pedi.

Nesse momento, como uma névoa, todas aquelas cinco pessoas começaram a se desmanchar e desaparecer. A sala branca parecia rachar levemente e como um vidro fino se esfarelou no ar, revelando o quarto de minha avó. A princípio fiquei bastante confusa com tudo o que tinha acontecido, mas quando me vi ali de novo percebi que a tal sala branca era tão real quanto o quarto em que eu estava. Precisava achar Hal, mas antes que pudesse sair do quarto à sua procura, me lembrei das palavras de Hawleen sobre o amuleto. Eu tinha certeza de que não havia sido um sonho e de que eu não estava louca e achá-lo provaria isso, nem que eu passasse o restante da madrugada à procura dele.

                Comecei minha busca pelo quarto. Se minha avó havia escondido o amuleto, estaria entre as suas coisas e não em minhas caixas. Comecei pelo guarda-roupa. Era um enorme armário que parecia ter séculos de vida, era feito em madeira, pintado de branco e tinha entalhes bem decorados com desenhos de rosas e galhos de árvores. Retirei suas gavetas e derrubei todas as roupas. Arranquei as roupas que estavam penduradas por cabides e algumas caixas que estavam na base. Nas gavetas não encontrei coisa alguma e nas caixas apenas sapatos.

                Parti para a cama e os criados-mudos. Ergui o colchão, passei a mão por toda a armação da cama na tentativa falha de encontrar alguma pista. Nos criados-mudos apenas papéis em branco e papéis de carta nunca utilizados antigos. Ainda que possa ter parecido rápido, quando olhei para um pequeno relógio que ficava sobre um dos criados-mudos já haviam se passado uma hora. O quarto era espaçoso, mas não possuía muitos objetos onde pudesse procurar.

                Empurrei o armário, pensei que pudesse haver um fundo falso ou algum cofre nas paredes sendo coberto pelo armário, mas não havia coisa alguma. Empurrei a cama, mas também não encontrei nada. Olhei ao meu redor e no quarto só havia o papel de parede e o carpete abaixo de mim. “Não tem outro jeito”, pensei, “o carpete vai ter que sair”.

                Caminhei até a dispensa para pegar alguma coisa que me auxiliasse a arrancar o carpete e encontrei apenas uma pá de lixo de ferro. Voltando ao quarto comecei a retirada. Puxei uma das bordas do quarto e com a pá tentava soltá-lo do piso de madeira abaixo dele. Foi mais difícil do que parecia, mas aos poucos fui conseguindo arrancá-lo. Se passaram quarenta minutos e metade do quarto já estava sem carpete.

Olhei ao meu redor e pude ver a bagunça que ficara pelo caminho e por um momento pensei no que estava fazendo. Quem era Hawleen? Por que eu deveria confiar nela? Ela havia claramente me dito para me afastar de Hal, uma pessoa que conhecia há pouco mais de um mês, enquanto ela acabara de se revelar a mim. E se fosse uma ilusão ou se eu realmente estivesse vendo coisas? Foi nessa hora que pude olhar a porta e bem ali, parada e com os olhos fitos em mim, estava a coruja branca que havia me atacado horas atrás. Mais uma vez eu confirmava: Não era um sonho.

Continuei arrancando o carpete e quando cheguei à parte que estava exatamente abaixo da cama, senti uma falha no piso que também ficara oco. Com a pá, bati com toda a minha força contra o piso algumas vezes e quando finalmente se quebrou havia uma caixa, como se fosse uma antiga caixinha de música coberta com tecido aveludado vermelho e detalhes em dourado. Era linda.

A caixinha tinha uma fechadura com um pequeno cadeado. Corri para a cozinha, onde havia um alicate que me ajudaria a quebrar o cadeado. A coruja me seguiu pela casa, pousando sempre a poucos metros de mim. Quando a abri lá estava uma gargantilha, enrolada num pedaço de seda branca. A gargantilha era preta e tinha um estilo vitoriano, com um leve bordado que acrescentava graça à peça. O pingente era o tal amuleto, dourado e com uma coruja entalhada em sua superfície. Ele me chamou tanta atenção que corri ao meu quarto para prová-lo.

De frente para o espelho eu o levei ao pescoço. Uma onda de energia pareceu correr pelo meu corpo e então mais uma vez me vi na sala de onde saíra algumas horas atrás. Hawleen e as outras pessoas continuavam sentados em suas cadeiras e quando me viram, todos se levantaram.

— Você encontrou! — Exclamou Hawleen — Na posse do amuleto você pode permanecer aqui o quanto quiser!

— Agora você pode me dizer o que aconteceu? Onde está o Hal? — perguntei desinteressada no que ela estava dizendo.

— Quem é Hal?

— Hal, o homem com quem eu estava saindo! Vocês o pegaram?

— Me desculpe, não sabemos quem é esse Hal... — Hawleen se sentou.

Todos me olhavam fixamente e só então caiu a ficha de que eles realmente não sabiam do que tudo aquilo se tratava e por estar vendo cada um deles novamente, achei que seria bom dar ouvidos ao que eles tinham a dizer.

— Bom, se vocês não estão com Hal... O que eu estou fazendo aqui?

— Finalmente ela perguntou! Até com a avó dela foi mais fácil! — disse um dos homens. Ele tinha os cabelos loiros e olhos tão dilatados quanto todos ali, porém eram verdes.

— Como eu lhe disse, somos parte do Clã das Corujas. Você, minha cara, não é simplesmente uma menina qualquer... Muito menos herdou dinheiro de sua avó apenas por herdar — disse o outro homem. Ele parecia ser mais velho, tinha os cabelos cinzentos, olhos marrons e exalava um ar de superioridade. Tinha um cavanhaque bem aparado também.

— O Clã é sua família, sempre fomos. Temos observado você crescer, as corujas são nossos olhos! — disse a última das mulheres. Era de baixa estatura, tinha olhos roxos e a voz fina. Era a mais jovem ali, parecia ser até mais jovem que eu.

— Isso tudo que aconteceu comigo... Como fizeram isso?

— Nós corujas somos seres místicos... — começou Hawleen.

— Adoro essa história! — disse a mais jovem elétrica.

— Existimos desde sempre e nos tornamos mestres em magia e coisas que o seu mundo não consegue entender ou estudar, o que nos torna únicos. — completou Hawleen.

— Nossa magia é algo que nos conecta. Somos todos um só, nós cinco somos os primeiros e você é a única que resta de Corujas vivas na Terra. — disse o homem loiro.

— Por que não podem simplesmente ir para a terra? — perguntei.

— Há muito tempo fomos banidos. Quando você tem habilidades únicas, você se torna alvo fácil de pessoas mal intencionadas — disse a mulher de olhos amarelos — Foi assim conosco. Um grupo de pessoas conseguiu capturar alguns dos membros de nosso clã. Eram homens odiosos. Nos matavam e depois estudavam nossa estrutura para entender de onde vinha nossa magia.

— Depois que a caçada começou, nós decidimos criar a Sala com o que restava de nossa magia e nos trancamos aqui. De tempos em tempos, escolhemos alguém da linhagem das corujas e lhe entregamos a magia como dádiva, para cumprir nosso objetivo na terra: protegê-la de ameaças com as quais os humanos comuns não podem lidar — finalizou Hawlleen.

— Então, vocês estão me escolhendo para isso?

— Sim.

— Me desculpem, mas eu... Não, eu não posso fazer isso.

— Desculpe, mas não é uma escolha — disse o homem mais velho — Se você soubesse o que fizemos para manter o mundo como está não responderia outra coisa senão sim. Há muito mais do que você conhece, coisas além do plano visível.

— Entendo, mas não pode ser eu! Precisa ser outra pessoa!

— Ophelia, sei que está com medo — disse Hawleen com a voz amável — mas infelizmente não há outra opção. Você é descendente das corujas... É seu destino servir ao clã. Você sempre se perguntou por que as pessoas não estavam por perto, essa é a resposta que você sempre procurou! Todos os caminhos te trouxeram a nós.

— Vocês não estão entendendo! Eu só quero achar o Hal! O que vocês fizeram com ele?! — Eu sentia que começava a me desesperar... Hal era a única pessoa que havia se importado comigo há tempos e a sensação de perdê-lo após aquela noite me deixava tão aflita que apenas dizia o que vinha à minha mente.

— Ophelia! — gritou o ancião — Já chega! Não deixaremos que a sua postura infantil atrapalhe a ordem da magia!

— Se acalme Oman! — gritou a mais jovem.

— Não! Ela não entende! Isso não é um jogo! O mundo está em perigo nesse momento e ela cede à paixões adolescentes!

— Basta! — exclamou Hawleen — Ophelia — voltei os olhos para ela — infelizmente não há outra saída. Você é a única pessoa na Terra que possui o sangue das corujas. Você é a única que pode manipular magia e a única a possuir um amuleto. Não há saída. A sala se reuniu, porém entendemos que nosso papel aqui é apenas o de aconselhar. Espero que suas repense suas decisões e atitudes e faça o que é certo... Escolha o seu dever.

Os olhos de Hawleen começaram a brilhar intensamente e de repente eu estava novamente em meu quarto. Em cima da minha cama estava a coruja. Abri rapidamente a janela e a enxotei para fora do meu quarto. Ao vê-la atravessando a janela atirei o colar pela janela também na tentativa de me livrar daquilo. Fechei a janela e corri para a sala, mas ao chegar, lá estava a coruja e abaixo de seus pés o colar.

— Não é possível... — disse para mim mesma.

Mais uma vez o atirei pela janela e me sentei no sofá. A coruja, que estava em cima da mesa acompanhou meu movimento girando a cabeça. Foi quando percebi que estava sentada sobre algo: o colar.

— Vocês não podem fazer isso comigo... Não podem! — gritei esperando que aqueles estranhos bruxos me ouvissem.

Olhei para a janela, estava amanhecendo. Voltei meu rosto para a coruja e notei que em sua pata havia um papel preso. Ela estendeu a pata quando percebeu que eu desejava pegá-lo. Desenrolei o papel de sua pata e o abri.

“ Encontre o cão, ainda que ele tente arrancar suas penas. Ele precisa de um amigo e você também.”

Sabia que era uma mensagem de Hawleen, mas o que significaria? Vesti o colar, já que ele não me deixaria, mas decidi que no dia seguinte procuraria por Hal, nem que para isso eu precisasse revirar Londres por completo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Obrigado por ter lido mais um capítulo! Espero que esteja gostando da história!

Se você gostou não se esqueça de deixar um comentário, uma crítica, favoritar ou indicar essa história! Obrigado :D



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "1000 Forms of Fear" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.