— Eleven, querida! – Joyce chamou na porta do seu quarto. – Mike no telefone!

A garota levantou os olhos do livro que lia de forma disciplinada e concentrada, e sentiu o coração disparar ao ouvir a menção do nome de Mike.

Morar com os Byers era ótimo; ela adorava Will, de quem ficou amiga rapidamente, Jonathan, que era protetor e paciente com ela, e, principalmente, Joyce. Ela nunca tinha tido uma figura feminina presente em sua vida, mas Joyce sabia como consolá-la, como tirar suas dúvidas, como abraçá-la e fazer sentir que tudo ficaria bem. Até naquele dia em que acordara com uma dor estranha no ventre e na cabeça, e que foi ao banheiro e viu sangue escorrer das pernas... ela se sentiu tranquilizada por Joyce ter vindo e lhe dito que tudo estava ok:

— Você agora está se tornando uma mulher, El. Isso é perfeitamente normal... acontece comigo, com a Nancy... é o seu corpo se preparando para o dia em que você tiver um bebê.

A garota arregalou os olhos, assobrada. Joyce sorriu, ensinou-a a usar o absorvente e depois elas tiveram uma conversa um pouco mais aprofundada sobre “de onde vinham os bebês”, e o que aquele sangue que fluía de Eleven tinha a ver com aquilo. Tudo acompanhado de chá com mel e um remédio para dor, para aliviar a primeira cólica de El. Alguns dias depois, ela realmente já se sentia melhor.

—Mike?! – a menina atendeu ao telefonema.

— Ah, oi, El...- a voz dele deslizou tranquila do outro lado. – Ahn... tudo bem?

— Sim. – ela disse brilhantemente. – Hoje eu estava lendo um livro. Estou lendo mais rápido.

— E falando melhor, também. – ele comentou, contente pelo avanço dela. – Eu, ahn... sabe... hoje é sábado... o clima está bom... você quer dar uma volta comigo?

Mike estava vermelho, como se não estivesse ao telefone, e sim falando pessoalmente com Eleven. Ele tinha passado a última semana pensando na forma perfeita de como faria aquilo. Pensou no dia propício (o sábado), guardou o dinheiro da mesada, dispensou os amigos que estavam sugerindo que ele agilizasse logo a próxima campanha de RPG até pediu conselhos à Nancy.

— Sim, eu quero. – El respondeu com a voz tímida. De repente, ela se sentia agitada, com aquela sensação esquisita de fogos de artifício explodindo dentro dela.

— Ok. Ok.- ele gaguejou. – Eu te pego aí nos Byers às três, certo?

— Certo. – ela sorriu.

— E, El... um beijo.- ele disse tímido também, quase sussurrando.

— Um beijo. – ela repetiu, quase sem ar.

[...]

Eleven estava em dúvida sobre que roupa usar e colocou algumas das que achava mais bonitas sobre a cama, contemplando as peças. Às vezes, ela gostava de fazer aquilo. De apreciar suas roupas, seus calçados, suas tiaras, faixas de cabelo, de espalhar os itens de maquiagem. Ela gostava de se sentir uma menina, de não ter que raspar a cabeça, ou de usar aquelas batas do laboratório. Nancy comentara que ela era “vaidosa”, quando elas foram fazer compras juntas. Ela sorriu: gostava de ser vaidosa. Ela se sentia humana, real, garota.

— El? – Will gritou do outro lado da porta. – O seu Romeu já chegou!

— Anh?

— O Mike. – Will riu. – Ele tá na sala.

Tentando manter o foco, ela decidiu-se por um vestido cinza com listras pretas, um cardigã rosa e tênis Vans vermelhos. Seu cabelo estava ainda estava curto, mas agora, em camadas, as pontas ficavam alegremente apontando em todas as direções, e ela gostava daquilo ( Nancy comentou que era meio “new wave”). Ela não entendia o que isso queria dizer, mas parecia agradável. Colocou uma tiara, amassou um pouco dos lados, e passou um pouquinho de maquiagem, para completar.

— Por que você não senta?- Will estranhou, olhando para Mike.

— Eu tô nervoso. – Mike segredou para o amigo.

— Ué, mas você só vai sair com a El... oh, não. – Will parou de desenhar e começou a rir. – Você vai pedi-la em namoro?

— Shiuuu!- Mike ficou vermelho. – Cala a boca, ela vai ouvir!

— Por isso você tem estado tão estranho...- Will continuava a rir, e El entrou na sala.

— Por que você tá rindo? – ela perguntou, já que Mike estava sério e mortificado encarando o seu irmão de criação.

— Na-nada...- Will limpou as lágrimas. – Aproveitem.

Eleven sorriu para Mike e ele sentiu-se derreter por dentro. Sério, aquele só podia ser um dos poderes incríveis dela.

— Você tá linda. – ele disse suave, sorrindo com o canto da boca.

— Obrigada. – ela baixou os olhos.

Ficaram três segundo ali, embevecidos um com o outro, quando Will pigarreou alto e disse:

— Eu falei há cerca de maia hora “aproveitem”! É nesse momento em que vocês saem e não ficam aí se olhando como duas estátuas.

Mike lançou um olhar enviesado pro amigo, pegou na mão de El e a guiou para fora de casa.

— Aonde nós vamos? – ela indagou.

— Você quer ir ao cinema comigo? E depois podemos ir à lanchonete, ao McDonald’s, lembra? Você gostou das fritas de lá.

Ela sorriu, abraçou-o por trás, sentada na garupa de sua bicicleta, e ele rumaram para o passeio.

Como já tinham visto Os Goonies, junto com os outros garotos, daquela vez foram assistir ao Clube dos Cinco. Eles sorriam de vez em quando um para o outro, sussurravam impressões, trocavam olhares e Mike até deixou que ela comesse toda a sua pipoca. Ele estava tão nervoso...

Ele já tinha catorze anos; dois a mais do que tinha quando apontou a lanterna em direção daquela garota debaixo de uma chuva tremenda e decidiu levá-la para casa. Ele agora, pensando bem, acha que foi naquele momento em que seu olhar cruzou o dela que tudo mudou. Lembrou-se do dia em que ela sumiu diante dos seus olhos, das vezes em que, ajoelhado no pequeno forte no seu porão, rezou, chorou e murmurou segurando o walkie talkie na esperança de que ela respondesse. Institivamente, ele apertou a mão de El com mais força e ela virou-se para ele:

— O que foi?

— Nada, eu só...

— O quê? – ela o encorajou, sorrindo.

— Eu só... eu te amo muito, El.

Ele nunca tinha dito aquilo daquela jeito, de forma tão direta. Claro, tudo o que eles faziam um pelo outro eram formas diferentes de dizerem “eu te amo”, “eu me importo com você”, “eu quero você por perto”. Mas falar e ouvir isso era estranho, louco e irresistivelmente apaixonante.

— Eu também. – ela respondeu, antes que Mike se inclinasse e a beijasse.

[...]

Ele ia levando a bicicleta enquanto os dois caminhavam pelos trilhos.

Mike de repente parou, percebendo que Eleven cantarolava baixinho.

— El? – ele disse. – Eu posso te perguntar uma coisa? – sua garganta ficou seca, o coração latejando.

— Sim. – ela se virou e sorriu para ele. Se pudesse, ele ficaria com aquele movimento gracioso no replay para sempre.

— Você quer namorar comigo?

Eleven sorriu. Há alguns dias, ela havia visto aquilo em um filme... namorar. Perguntou o que era propriamente aquilo para Nancy, que era o equivalente a uma irmã mais velha, e tudo o que a garota mais velha falava se encaixava ao que ela e Mike tinham. Desde sempre.

— Eu pensei que você já fosse meu namorado. – ela respondeu, um pouco sem jeito.

Mike ficou vermelho e andou até ela:

— Eu meio que precisava oficializar, né?

— Precisava?

— É... lembra da conversa que a gente teve um dia sobre convenções sociais? Eu sempre gostei de você. Eu só quero agora que todo mundo saiba que nós somos namorados. Porque é tudo o que eu quero, El.

— Mike...- ela o abraçou, suave. – Eu te amo.- ela sussurrou em seu ouvido. Eu quero ser sua namorada... para sempre.

Ele sorriu:

— Eu prometo.

O garoto segurou delicadamente o rosto de El e encostou os lábios nos dela. Ela suspirou e segurou os ombros dele, abrindo um pouco a boca. Mike imitou o gesto, e, hesitante, mas apaixonado, colocou sua língua em contato com a dela, e um beijo mais profundo, amoroso e forte foi trocado pelos dois.

Ele estava flutuando... aquele beijo... aqueles beijos... ele não sentia os pés no chão...

— Mike...- ela falou sorrindo faceira.

Eles estavam há muitos metros do chão, levitando graças aos poderes dela. Lá embaixo, os trilhos, a bicicleta, as folhas secas.

— Você é incrível. – ele disse, segurando-a pela cintura e encostando suas testas.