Liberté escrita por Sil, Bianca Azeredo


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Fanfic surgida de duas cabecinhas extremamente confusas e borbulhantes de ideias. Aproveitem. -Sil



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Naquele dia, Clarice acordara especialmente indisposta. Havia tido uma prova complicada na noite anterior e o sono não fora dos melhores, pois, por algum motivo, fora chamada mais cedo para o expediente. Estava há dois dias num emprego de babá que viera muito a calhar, mas que estava lhe tirando a paz. Não era como se não gostasse de crianças, longe disso; se assim fosse, não estaria cursando pedagogia. O problema é que sempre tivera jeito com elas, e é exatamente por isso que a apatia do menino que estava cuidando atualmente a intrigava tanto. Repassava tudo o que aprendera de psicologia infantil para entender no que estava errando.

O pequeno Arthur tinha apenas 5 anos, mas era tão rabugento quanto um velho de 80, a ignorava quando ela lhe perguntava alguma coisa, se recusava a comer, a tomar banho e até mesmo a brincar, caso não fosse sozinho. Clarice desconfiava que talvez fosse um problema com os pais, mas estava com a família há pouquíssimo tempo para julgar. Colocou na cabeça que não iria descansar enquanto não pusesse um sorriso no rosto daquele garotinho solitário; e foi com essa determinação que entrou pelos portões do rico casarão na Urca, seu mais novo local de trabalho e, agora, também de chateação.

Entrou pela porta dos fundos, a de funcionários, e deu de cara com Ana, a cozinheira a quem agora, muito provavelmente, devia a vida, pois havia sido ela a pessoa maravilhosa que lhe arrumara esta oportunidade. Quando Clarice fora mandada embora de seu emprego numa loja de roupas uma semana antes, tinha sido esta mulher que a acolhera, em um momento em que a menina pensava estar completamente perdida. Ana, Clarice podia dizer, era um verdadeiro anjo em sua vida. Desde que se entendia por gente, a mulher estivera lá, do lado de sua mãe, mostrando prestatividade e lealdade sem iguais. Sabia que a mãe não havia errado ao nomeá-la sua madrinha e por isso, era muito grata. 

—Bom dia, madrinha. - Clarice cumprimentou.

—Bom dia, filha. Acabei de passar o café, quer um pouco?

—Não, obrigada. O Arthur já acordou?

—Ah, menina, o bichinho acordou queimando em febre, ta lá no quarto.

—Tadinho, vou lá dar uma olhada. - deu um beijo na bochecha da madrinha e seguiu até o quarto do menino.

A porta estava entreaberta e como nesses dois dias ninguém ficava lá além dela, de Ana e do próprio Arthur, não se preocupou em bater. O que fora um erro, pois sentado na cama, havia um homem, que logo concluiu ser o pai, após notar duas imensas orbes verdes idênticas as do menino.

—Com licença, eu vim ver o Arthur.

—Você é a babá, sim? - o homem parecia confuso, tentando usar o termômetro - Você poderia...? - Clarice assentiu, tomando o objeto.

—38.8 - Disse terminando de verificar.

—Está muito alta...

—Sim. Ele tem alergia a algum remédio?

—Eu não sei, vou ligar pra Helena, só um instante. - ele disse, já se dirigindo ao corredor e menos de cinco minutos mais tarde, voltando com um copo de água, uma colher e um frasco em mãos.

—Não consegui falar com a minha esposa, mas a Ana disse que tudo bem dar esse remédio aqui.

Clarice se sentou na cama e tentou acordar o menino, que estava num estado de palidez assombroso. 

—Arthur, acorda, sou eu. Vou precisar que você me ajude e tome o remédio. - Disse, no que o garoto se pôs a resmungar.

—Eu não quero remédio, eu quero o papai.

—Filho, eu estou aqui, seja gentil com a moça.

—Sabe, Arthur, eu até tinha trago um presente pra você, mas não vou poder te dar se você não melhorar.

—Eu não quero seu presente.

—Arthur... - repreendeu o pai.

—Você tem certeza que não quer? Eu trouxe chocolate.

—Tá! Eu tomo. - respondeu o menino ainda um pouco relutante.

Clarice pingou as gotas na colher e deu para a criança.

—Viu? Não foi tão ruim. Agora você pode dormir se quiser.

 Arthur voltou a se cobrir e virou para o outro lado, chateado.

—Ah, eu sei que geralmente você pode chegar mais tarde. Obrigado por ter vindo mais cedo hoje, apesar de mal ter começado aqui. Normalmente ele está na escola esse horário... - o pai tornou a se pronunciar.

—Tudo bem, não é nada. Me avisaram que ele tinha alergia a amendoim, mas nada relacionado a remédio, mesmo assim fico receosa de dar.

—Aham, sim, claro. - respondeu o pai, pigarreando. - Vou te dar meu telefone, porque agora preciso ir, qualquer coisa pode me ligar. Se não for atrapalhar, me liga também na hora do almoço, pra eu saber como ele está. - disse, anotando num papel e a entregando.

—Claro, fica tranquilo, seu...

—Ah, desculpa, é Pedro, muito prazer. - estendeu a mão.

—Muito prazer, seu Pedro, pode deixar que eu cuido desse marrento direitinho. - Clarice sorriu.

Pedro riu da sinceridade da babá, sabia do gênio do filho. Beijou a testa do menino, despedindo-se e foi em direção a porta, mas logo de lembrou.

—Ah, desculpe mais uma vez, eu não perguntei seu nome.

—Não tem problema, é Clarice.

—Então até mais, Clarice.

 -x-

Já passava do meio-dia quando Arthur acordou quase completamente recuperado do que, depois de olhar, Clarice concluiu ser uma garganta inflamada. Levou o menino para o banho e depois, enquanto este via televisão, pediu para que Ana preparasse algo para ele comer. Logo, munida de um sanduíche, suco de laranja e o prometido chocolate, sentou-se ao lado de Arthur decidida a colocar seu plano de conquista em ação.

—Como você está?

—Bem, queria que o papai estivesse comigo.

Surpresa, Clarice não esperava que o menino seria tão rápido em se abrir. Pensava que precisaria de uma boa quantidade de chocolate para o provável suborno que ocorreria.

—E se nós ligarmos para a mamãe?

—Não, a mamãe não vai sair mais cedo pra me ver.

—E por que você acha isso?

—Porque sim.

—Isso não é resposta! - rebateu, deixando o menino impaciente.

—Podemos ligar pro papai?

—Sim, mas antes eu quero conversar com você.

—Não quero!

—Bom, mas é assim que vai ser. Primeiro, eu tenho uma pergunta: por que você não gosta de mim?

—Porque sim.

—Responde direito, Arthur.

—Tá! - respondeu irritado - É que eu não gosto de babás.

—E por que não?

—Porque sempre que tem uma babá perto, a mamãe e o papai ficam longe.

—Bom, se isso te deixa melhor, eu também não gosto de ser sua babá.

—E por que não? - perguntou o menino, incrédulo.

—Porque eu penso que o tempo que eu estou cuidando de você, sem você querer, eu poderia estar com o meu irmãozinho, que sente muito a minha falta.

—Então porque não vai embora?

—Porque preciso que você me ajude.

—Eu não quero te ajudar.

—Me diz, Arthur, você é um homem inteligente, não é?

—Sou, sim.- respondeu o menino, estufando o peito, orgulhoso.

—Então, o que acha de um acordo?

—Que acordo?

—Você promete ser bonzinho, pra eu poder cuidar do meu irmão e eu prometo falar com seus pais sobre eles ficarem tão longe.

—Você faria isso? - a expressão geralmente carrancuda da criança se iluminou.

—Faria, mas só se você prometer.

—Eu prometo!

—Então eu falo com eles, mas agora eu quero te pedir uma última coisa.

—O quê?

—Quer ser meu amigo?

—Acho que sim.

—Somos amigos agora, entendido? - Arthur assentiu - Posso te pedir só mais uma coisa?

—Mais uma? - perguntou, desconfiado.

—Juro que é a última. - Clarice riu.

—Pode.

—Me dá um abraço?

Arthur sorriu, pela primeira vez naqueles dois dias, contudo, não porque achara graça do pedido de Clarice, mas porque aquela fora a primeira vez em que alguém realmente demonstrou vontade em ser seu amigo. Daquele dia em diante, jurou que seria bom e o mais gentil possível, pois sentiu medo; medo de perder a única babá que pareceu se importar com ele.

Alguns minutos depois, Clarice deixou o menino assistindo televisão e se afastou um pouco para procurar o número de Pedro. Pensou duas vezes se realmente incomodaria o homem agora, mas resolveu arriscar.

O telefone chamou duas vezes até que fosse atendido e a voz urgente do homem aparecesse.

—Alô?

—Seu Pedro?

—Clarice, é você?

—Sim, como sabia?

—Reconheci sua voz. Como o Arthur ficou?

—Ele está bem, conversamos, ele comeu e agora está assistindo desenho

—Ele não voltou a ter febre?

—Não, na verdade ele ficou até melhor quando eu...

—Quando você...?

Ela riu.

—Não é nada, só consegui dobrar toda aquela marra.

—Ah... Sério? –Ele parecia realmente surpreso. -Bem, quando eu chegar, falo com ele, obrigado por avisar. Tchau.

—Que nada, desculpe o incômodo. Tchau.

—Não incomodou não! Tchau. – E desligou.

 -x-

No final da tarde, um carro parou na frente da casa. Arthur e Clarice estavam sentados na sala assistindo desenhos e só perceberam que alguém havia chegado quando viram a porta se abrir e Pedro entrar sorrindo. Ele deixou sua bolsa em uma cadeira e sentou do lado do filho, que logo pulou em cima do pai rindo.

—Caramba! Parece que alguém já está melhor... – Pedro ria enquanto colocava Arthur sentado no sofá de novo.

 —Bem, de tarde ele começou a esquentar de novo então dei mais um pouco de remédio. Eu acho que seria bom levá-lo ao hospital pra ver o que ele realmente tem, embora eu ache que seja apenas uma garganta inflamada. – Clarice colocou a palma da mão na testa do menino para ver se estava voltando a ter febre e depois olhou para Pedro, sorrindo timidamente. – Pelo menos ele não parece estar com febre agora, mas nunca se sabe né?

 —Claro, claro! Vou levá-lo a emergência ainda hoje.

—O senhor precisa de ajuda? Eu posso ir também. – Clarice disse já se levantando e passando a mão nos cabelos tentando arrumá-los.

—Não, está tudo bem. – Pedro sorriu para ela e passou as mãos na cabeça do filho que os observava atento. – Eu sei que já está perto da sua hora de ir embora, não precisa se incomodar. Daqui a pouco Helena chega e vamos juntos, você já pode até ir.

—Não seria incômodo nenhum pra mim, mas já que é assim, eu vou, então. Com licença. – ela foi até a cozinha, voltou com uma mochila vermelha nas costas e aproximou-se do sofá de novo, chamando Arthur e despedindo-se com um aceno, que foi prontamente retribuído pelo menino. Quando foi fazer o mesmo com Pedro, o homem se levantou e dizendo que a levaria até o portão.

  —Eu já volto. – Pedro deixou o controle da televisão na mão de Arthur, seguiu porta afora com Clarice e poucos passos depois fez a pergunta que tanto queria fazer. – Então, como você conseguiu contornar a birra dele?

 Clarice riu com a genuína curiosidade do seu patrão e sacudiu os ombros antes de responder. –Bom, eu só contei uma história para ele e tentei mostrar que eu realmente me importo.

 —Só isso? – Pedro olhou para a garota espantado, afinal conhecia muito bem o temperamento difícil de seu filho.

 —Só isso. – Ela afirmou e sorriu, olhando para o seu chefe no portão da casa.

—Bom, então meus parabéns, você conseguiu conquistar meu filho, que, posso dizer, é teimoso como o pai. – Ele estendeu a mão para que ela apertasse.

—Obrigada, Seu Pedro e até amanhã. – Ela apertou a mão dele e foi logo corrigida gentilmente pelo homem.

—Você pode me chamar de Pedro! Assim parece que sou mais velho do que já sou.

—Certo, Pedro, até amanhã. – Ela riu e passou pelo portão de madeira canelada que Pedro segurava aberto para ela. - Qualquer coisa com o Arthur é só me ligar.

 —Claro, até amanhã, Clarice. Boa noite.

 —Boa noite.

 A garota seguiu o seu caminho pela íngreme ladeira e foi para o ponto de ônibus, pois ainda precisava assistir algumas aulas na faculdade. Enquanto isso, Pedro ligava mais uma vez para o celular de Helena; chegou até a apelar para a recepção da clínica de sua esposa, contudo, era, pra variar, solenemente ignorado.

 


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Notas finais do capítulo

Esperamos que tenham gostado. Até o próximo capítulo.



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