Ninguém e todo mundo escrita por clarissa


Capítulo 8
O óbvio


Notas iniciais do capítulo

Aproveite tudo, até a dor.



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   Aos quatorze, acordava cada dia desejando que aquele fosse o meu último. Aos quinze, dizia aos mais íntimos que não passaria dos 40, eu tinha certeza. Ao dezesseis, a previsão foi mantida. Aos dezessete, não sabia mais de nada, só torcia para que, enquanto estivesse no mundo, a vida não doesse tanto.

    Ela, por outro lado, sempre disse que o seu fim seria aos vinte e três. Não me pergunte o motivo, eu não sei explicar. E por mais que eu tivesse minhas próprias previsões, não aceitava as dela, achava um absurdo. Como assim só isso? Para de besteira! Ainda há muito o que viver!

    Quanta hipocrisia. Entre os quatorze e os dezenove anos dela, era isso que ela repetia. Aquele número era a sua constante, e o meu desespero, minha angústia, minha revolta. Eu podia ser quebrada, esquisita, torta. Ela, não. Queria que as coisas melhorassem mais para ela do que para mim, que não houvesse fardo algum a ser carregado por aquela garota dois anos mais velha do que eu.

    Essa história de idade sempre foi um desconforto, uma incerteza dolorosa. A gente tentava tanto antever nosso fim da vida, que em nem um só momento paramos para pensar no nosso fim conjunto. Fazíamos parte de um relacionamento egoísta demais. Quando é que nós acabaríamos? Essa foi uma pergunta que nunca me fiz enquanto estávamos juntas. Tenho certeza de que ela também nunca se questionou. Tampouco tivemos a delicadeza de pensar “como ela ficaria se eu me fosse com essa idade?”. Nos nossos pequenos pensamentos suicidas, tornamo-nos tóxicas. Não havia o que ser salvo. Éramos autodestruição mútua, irreparável.

    Em alguma parte dessa relação decadente, separamo-nos. Ninguém esperava, só aconteceu. Ah, como éramos estúpidas. Como não enxergamos? Tudo na vida, especialmente as coisas más, acontecem sem que se espere. Como podíamos esperar saber o dia em que iríamos embora? Queríamos o fim como se não fossemos vítimas do acaso. E, é claro a esse ponto, éramos medrosas, pois ansiávamos pelo pior mas não procurávamos pelo que era ruim.

    O certo é que ainda estou aqui, e ela continua lá, em algum canto que não me permito procurar. É possível que a onda de clarividência queira voltar, porque eu sei que maus hábitos nunca somem de verdade, assim como sei que ela pode retornar como tudo na vida e na morte: a qualquer momento, sem avisar.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, comentem o que acharam ♥



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