—Que bom que apareceu,Anne.Eu precisava falar com você sobre o contrato...A partir de que dia eu começo a ganhar os meus benefícios?

 –A partir do dia em que começar a fazer a sua parte.

 –Mas eu já fiz,não percebeu?-O olhar surpreso da mulher definiu o que seriam os rumos daquela conversa com a cobaia.

 –Se fez algo, isto não está no meu relatório.

 –Porque acha que ela não enfiou aquela adaga em mim?Tenho certeza que se fosse qualquer outra pessoa,ela faria o que mandava o teste.

 –O que está querendo insinuar?O não cumprimento da ação se deu por conta de uma falha no procedimento.

 –Mesmo?E qual falha seria essa?

 –Você não tem autorização para ter esse tipo de informação.

 –Ah esqueci,não houve falha.Só um resultado que vocês não esperavam,não é?-Cebola começou a mudar o seu tom de voz para algo mais leve,como se estivesse ironizando tudo o que Anne falava.-Acha mesmo que eu deixaria que me levassem pra cá a toa?Eu também tinha meus objetivos quando cheguei aqui e parece que eu consegui o que eu queria.

 –Do que está falando?

 –Você não tem autorização para ter esse tipo de informação.

 – Quer me convencer de alguma coisa,cobaia?Estou muito ciente do que fazemos neste laboratório e todos os procedimentos que usamos e sei que você não teria capacidade alguma de alterar nossos resultados e muito menos de causar falhas neles.

 –Realmente,eu não tenho a estrutura que vocês tem pra realizar o experimento,mas eu sei bem como as coisas funcionam por aqui.Sabe o que falam sobre o experimento alfa,não sabe?Cobaias não costumam a sobreviver e muito menos chegar perto da fase gama e qual era a consequência mesmo? Suicídio? Loucura? Talvez um pouco dos dois…-Cebola começou a andar pelo dormitório,como se estivesse fazendo um monólogo de uma peça.-...Mas existe um engano muito cometido pelos cientistas,é acreditarem que não há nada entre uma cobaia e um experimento.Que não há nada e nem circunstâncias que podem alterar os resultados de uma estatística.Essa ignorância fez com que não enxergassem o que estava acontecendo na frente de vocês.Eu não fui responsável pela falha,eu sou a falha.

 –Eu não estou entendendo o que quer dizer com…

 –É óbvio que você não entenderia.É muito simples,eu a convenci de entrar neste experimento muito antes de vocês tomarem conhecimento da nossa participação.Fui eu que não só a convenci,como também ganhei a confiança dela aqui dentro...Nós nunca fomos amigos,Anne.E sabe porque?Porque eu não ando como pessoas fracas como ela.

 – Se a despreza dessa forma,então porque não participou sozinho?

 –É muito mais fácil subir uma escada quando você tem um corrimão pra se apoiar.Eu precisava de uma presa para jogar aos leões,Anne.Sacrifícios tem que ser feitos.

 –Bom,não estaria sendo muito inteligente me entregando o seu plano,não acha?

 –Não foi um plano,apenas sobrevivência.Sei que menos é mais.Ela era minha principal adversária aqui dentro,sendo um cobaia como eu,ela poderia valer tanto quanto eu se resistisse ao teste final.Eu sei que aquele teste não era apenas “um teste”.

 –Então preferiria vê-la morta?

 –Um obstáculo a menos,Anne.

 –Não entendo porque está se comportando desta forma.

 –Porque eu não preciso mais fingir que eu me importo.Como eu já disse antes,eu consegui o que queria.Ela não tem mais saúde mental ou física pra sobreviver ao teste como eu tenho...Por isso,eu só tenho a agradecer pelo que fizeram.

 –É um belo discurso para ser promovido,mas isso não funciona comigo.

 –Acha que eu deixei de dar aquele adesivo a ela por que fui bonzinho?Eu sabia do que iria acontecer.Aquela foi a minha primeira tentativa de tirá-la do meu caminho,mas infelizmente não deu certo.-O rapaz começou a se aproximar de Anne,encurralando-a aos poucos.-Se eu soubesse que usariam uma adaga no teste final,eu não teria tentado cortar os pulsos dela horas do teste.Foi um desperdício de energia.

 –Você não teria coragem…

 –A prova existe,é só querer ver.

 Anne apenas o encarou com estranhamento,não estava esperando por aquele comportamento tão distinto.

 –Não espere que vai conseguir seus benefícios com um discurso idiota.Não me subestime,garoto..Você não sabe com quem está lidando!

 –Eu digo o mesmo a você,Anne.Nos vemos mais tarde?

 –Só se for no inferno.

 –Vou ter o prazer de te esperar lá.-Cebola respondeu sarcasticamente enquanto via a mulher desaparecer pela porta.

 Atordoada não era bem a palavra que descreveria Anne assim que fechou a porta do dormitório.Ela já havia trabalhado com muitas cobaias naquele laboratório,mas nunca viu aquele tipo de comportamento tão calmo e passivo nas fases finais do experimento.

 Cebola estava assustadoramente tranquilo enquanto falava sobre o seu modo de sobrevivência. Haviam fatos que Anne não poderia negar que ocorreram,o adesivo não inserido foi um deles, e realmente,Magali quase morreu afogada no teste seguinte.Mas ainda não tinha comprovações dos cortes no pulso,o que Anne estava prestes a investigar naquele momento enquanto corria pelos corredores movimentados do laboratório.

 Chegando a ala médica onde Magali estava,Anne correu pelos corredores em busca do quarto ou sala onde estaria sendo operada.

—Sra.Anne estamos no meio de uma cirur…-Um dos médicos tentou barrar a entrada da funcionária na sala,mas sem sucesso.

—A cobaia Alfa 1 está sendo operada nesta sala?-Anne mostrou o seu crachá de identificação.

—Positivo...Mas não podemos permitir a entrada de pessoas que não são desta ala e…-O funcionário mal conseguiu terminar a frase quando a porta a frente se abriu.Anne entrou às pressas na sala de cirurgia se dirigindo até a mesa onde Magali estava sendo operada.

—Sra.Anne estamos no meio de uma operação de risco…-Uma das médicas tentou impedir que a mulher se aproximasse demais da paciente.Mas era tarde demais,Anne já estava verificando os pulsos da garota enquanto toda a equipe médica parou.

 – Estão parados porquê ?EU PRECISO DELA VIVA,ENTENDERAM?VIVA! — De uma hora pra outra aquela mulher fria e racional se tornou explosiva.Independente do Cebola havia lhe dito,as marcas( mesmo que superficiais) estavam lá e isso era prova o suficiente para mostrar que Anne não estava no controle da situação e que sua cobaia era muito pior do que uma ameaça.Era a falha.