Leal a seu senhor escrita por Ágata Arco Íris


Capítulo 16
Esquerda e Direita(Sau e Sou)




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Quem eu sou?...Eu sou má?...Quem sou eu?!...Eu sou humana?...

Emi delirava de febre, seu corpo queimava em um sintoma que era na verdade sua cura. Fazia uma semana desde o acidente em Kangchenjunga, o deus ainda não havia voltado de um demorado processo em Takamagahara, Emi não fazia ideia do que havia acontecido de fato naquele dia, mas encontrava-se doente desde o ocorrido. A sacerdotisa, havia queimado as mãos de seu mestre (Bishamon), isso ela tinha consciência, mas não só isso, toda energia insalubre do local onde eles estavam havia sido drenada e transformada em cinzas naquele dia. Sozinha ela limpou em um dia, tudo o que pelo menos 10 deuses demorariam uma década para limpar.

Uma semana já havia se passado, uma terrível e longa semana havia se passado, mas para todos envolvidos no acidente de Kangchenjunga, parecia uma eternidade. Bishamon estava em Takamagahara, no julgamento de sua filha; já Kodama cuidava da criança, que se encontrava catatônica e em estado febril desde o dia em que retornaram ao templo. Ela não comia direito, nem falava com ninguém, estava quase morta em vida.

Kodama torcia um pano pela milésima vez àquela noite, preparava um emplasto em uma pequena bacia de barro, mas nada funcionava, estava ficando sem o que fazer por Emi. Foi quando Yon chegou, Hatsui e Tsutsuji vigiavam a tenda da garota e rosnaram ao ver o ex-shinigami.

Ryuka havia se libertado de todo mal que a corrompia, o vidro que a cercava era um casulo feito por Emi, quando ele se quebrou, a semideusa saiu como nova de lá. Assim como Hatsui e outros yokais inocentes, saíram do transe assim que Ryuka foi curada.

—Deixe o passar—Disse Kodama ao sentir o cheiro forte de almíscar, que mascarava o forte odor de lama misturada com morte que o ex-shinigami exalava.

—É o shinki de Izanami, não confio nele minha senhora—Disse Tsutsuji.

—Então confie em mim e deixe-o passar Tsutsuji—Respondeu Kodama de costas para seus protetores.

—Mas Kod... —Tentou argumentar Hatsui.

—Sem mais, deixe-o passar, ele está aqui porque eu o chamei.

Yon sorri sarcasticamente e entra na tenda ainda provocando os shinkis de Kodama.

—Está fazendo errado, minha cara, pare de tentar abaixar a temperatura dela.

—Se deixar ela queimar, provavelmente destruirá todo templo, ou até a cidade.

—Mas se tentar apagar a chama dela, ela vai morrer—Disse Yon rondeando a cama de Emi— O que você precisa é de alguém que a ensine a controlar suas chamas, alguém do fogo.

—Você. eu presumo...

—Não, quer dizer, eu até poderia ensiná-la... Mas ela não precisa de alguém como eu.

—Então o que sugere?

—Ela precisa de Bishamon, ele é o mais indicado para ensilá-la. Mestra Emi não o escolheu à toa, não acha?

—Veio aqui só para me dizer, que terei de esperar ele voltar para essa criança melhorar?

─Não, vim aqui para não deixar você matar a filha de minha mestra─ Yon cuspiu com força uma rajada de fogo sobre Emi─ É disso que ela precisa.

Quase sem pensar Kodama correu desesperada até o lado de fora da cabana para pegar água, enquanto Yon apenas ria de tudo. A deusa sentia-se furiosa, não queria que o servo de Izanami fizesse aquilo. Mas ao voltar, viu que todo fogo havia sumido e não havia sinal de estragos, era como se Emi houvesse absorvido todas as chamas para si, antes delas estragarem qualquer coisa.

─Achou mesmo que eu iria destruir um templo sagrado? Sabe quanta má sorte isso traz?

─Então.... Quer dizer que você só jogou sobre a garota?

─Não, mas ela puxou todo meu fogo para si, Emi está fraca e isso a fortalece. Pode checar, creio que até a temperatura dela deve ter abaixado.

Kodama pôs a mão sobre a testa da garota e conseguiu perceber nitidamente que sua temperatura havia abaixado.

─Como isso é possível?

─Simples, por fora sua pele é de humana, mas por dentro ela é puro fogo. Se você cura seu interior, seu exterior se cura também.

─Obrigada Yon, já não sabia mais o que fazer.

─De nada, esse é meu trabalho. Aliás, tenho um presente para ela ─Yon tirou uma pequena esfera de seu bolso, era uma alma, alma de um Elemental.

─Um Elemental de fogo? —Perguntou Kodama olhando o pequeno animal imóvel dentro da esfera.

─Sim, ela vai aprender a cuidar de si cuidando de seu próprio shinki. —Yon deixou o pequeno Elemental petrificado do lado de Emi, que até sorriu ao sentir a presença do pequeno animal— Aliás, ela já escuta o Elemental do mestre dela, por que não escutaria seu próprio Elemental?

─ Tōdai-ji é mais que um Elemental, ele era um rei, rei das fadas da gruta das amoreiras.

─Entendo, você nasceu lá não foi?

─Sim, em outra vida eu fui guardiã daquela floresta.

—Não diga, você era Sau e Sou, esquerda e direita, as duas doninhas yokais.

—Sim eu era.

─Minha mestra me contou essa história ─Disse Yon sentando-se─ Ela me disse que você foi capaz de matar uma floresta inteira, que você é muito mais poderosa do que aparenta.

─Essa história é mais complexa do que você imagina...

 - - - -[Flashback on]- - - -

Dizem as lendas que duas doninhas mágicas cuidavam da Gruta das Amoreiras e davam alimento para toda Takayama, e por muitos anos a vila foi um lugar próspero e cheio de fartura. Essa é a parte conhecida por todos, mas o que ninguém sabe é que as doninhas eram deuses, divindades da terra, puras de coração e tinham muito amor pela humanidade. Mas por volta do começo do Período Nara, as coisas começaram a mudar, pois a guerra chegou à floresta onde viviam, mas isso não mudou o amor deles pelos humanos, eles ainda tinham fé na humanidade.

Porém, durante um conflito entre humanos, Sou morreu pelas mãos de um soldado, deixando Sau sozinho e mudando completamente o destino da Gruta das Amoreiras. Sau não podia viver seu Sou, assim como Sou não podia viver sem Sau, eram almas gêmeas. Então, embebido de raiva e desejo de vingança, Sau se sacrificou em prol de uma maldição. Ele desejou que toda a terra daquele lugar virasse sangue, queria que os habitantes de Takayama comessem e bebessem do mesmo sangue que eles derramavam em sua terra sagrada.

Na morte Sou e Sau uniram-se novamente, fundindo-se em uma só alma. Eles tornaram-se eu, Kodama, uma divindade yokai, uma pequena e inofensiva fada do bosque. Eu nasci sozinha, numa terra que eu mesma desgracei.

Mas tudo mudou quando conheci ele, um deus missionário, Bishamon, que estava passando por Takayama. Quando soube da situação, ficou comovido e decidiu ajudar, ele tentou plantar em minha terra, mas eu não deixei. Bishamon me perguntou por que eu disse:

— Eles me mataram aqui.

—Mas você está viva agora, não está?

—Sim, mas isso não muda o que eles fizeram—Kodama chorava de raiva— Eles devem pagar pelo que fizeram a mim, pelo que fizeram a eles.

—São humanos, infelizmente não são muito inteligentes. Mas veja, humanos são tão infantis quanto você mocinha.

—Eu não sou criança, sou uma mulher crescida.

—Ah, é mesmo, quantos anos você tem então mocinha?

—Eu tenho 30 Anos—Kodama cruzou os braços e fechou a cara para o deus.

—Oh, é basicamente uma recém-nascida—Disse Bishamon batendo com seu mindinho sobre a pequena cabeça de fada de Kodama.

—Não encosta na minha cabecinha! —Bishamon riu exageradamente de Kodama—Ei, não ri de mim.

—Sabe, eu tenho apenas 214 anos, sou basicamente uma criança também. Mas um deus nunca pode ser comparado com um humano, eles levaram séculos para descobrirem a roda, não sabem até hoje diferenciar fé de religião, e muito provavelmente não saberão o que é paz até o fim desse milênio.

—São todos uns idiotas!

—São crianças, não sabem o que fazem, igual você.... Não sabe o que está fazendo—Usando o mindinho novamente, ele deu quase que um soquinho no ombro de Kodama— Você parece confusa, por que não vem jantar comigo? Tenho uma sopa de legumes fresquinhos em meu acampamento.

—Hã?! Comida fresca? Mas nada produz nessa terra morta, como conseguiu isso?

—Vem comer e eu te digo, essa é minha mágica.

Acabou que Bishamon me convenceu a mudar de pensamento, não podia fazer nada pela gruta das amoreiras, mas o ajudei a levar comida e água para a vila de Takayama... O resto da história todos já conhecem, ele foi nomeado herói da vila e construíram um templo para ele.

 Mas ele não ajudou somente os humanos, ele me deu o maior presente que alguém já me deu, ele me deu um sonho, ser amada pelos yokais que um dia foram meu reino. Como agradecimento eu dei uma alma de fada Elemental para Bishamon, a alma de um rei para ser mais exato, ao qual Bishamon nomeou com o nome do templo que acabara de ser erguido em seu nome em uma província vizinha, Tōdai-ji.

— - - -[Flashback off]- - - -

—Você é uma deusa muito mais interessante e poderosa do que eu imaginava—Disse Yon sentado na escada, apoiando sua cabeça em sua bengala— Magnifica!

—Bondade sua, sou uma deusa yokai tão fraca, mal domino o poder de cura.

—Não, você é uma das poucas que entende o que é maldição e sobre almas gêmeas por vivencia própria. Vejo que mestra Emi escolheu muito bem seus mentores.

—Ah, ainda acho que é bondade sua.... Falando nisso, como a controlar caso venha a fugir do controle?

—Simples, chame o nome dela, ela escutará.

—Mas qual o nome dela?

—Bem, Izanami a chama de esperança, mas ela nunca teve um nome realmente, ganhou um a pouco tempo. Por isso acho que se Emi não funcionar, talvez deva chamar Kazu, pois querendo ou não eles são um só ser.

Yon olhou o céu, por entre as nuvens negras podia enxergar Takamagahara, no reino era quase manhã, ele sabia que deveria retornar logo caso quisesse cumprir com o plano de sua mestra, tornar Ryuka sua serva.


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