A Filha do Coringa: a Origem escrita por Apenas mais alguém qualquer


Capítulo 8
Um guia


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo ficou meio grande, então sintam-se presenteados!



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— Ei, espere aí! – reclamei depois dele me arrastar por alguns metros, já na calçada.

Puxei meu braço e ele parou, confuso.

— Você não pode me arrastar por aí sem perguntar se eu estou livre para “comer algo com você” – declarei e cruzei os braços em seguida.

Jason revirou os olhos antes de dar um sorriso travesso e perguntar, todo poético:

— Oh, bela dama! Por ventura a senhorita estaria livre para consumir uma refeição com este rapaz diante de ti? – ele pegou minha mão e deu um beijo nela, inclinando as costas.

Meu Deus, que vergonha!

 Ele manteve-se congelado, esperando minha resposta. As pessoas que passavam por nós nos observavam com confusão. Uma mãe com uma criança se afastou consideravelmente de nós enquanto passava do nosso lado.

— Eu aceito, mas pelo amor de Deus, você não pode agir normalmente? Estão todos olhando para nós – falei o mais baixo que pude. Estava muito constrangida.

O rapaz riu enquanto se levantava e deixava minha mão.

— Está envergonhada? – Jason zombou.

Olhei feio para ele.

— Relaxa, só estou brincando com você – agora ele parecia normal, novamente.

Dei um soco de leve no braço dele, cedendo.

— Vamos, então? – ele apressou. E então voltamos à andar, só que civilizadamente agora, um do lado do outro.

— Aonde vamos, mesmo? – perguntei. Eu não tinha  ideia para onde ele estava me levando.

— A um Café aqui por perto, simplesmente o melhor da cidade.

— Então você acabou de se mudar para cá? – ele puxou assunto.

Estávamos sentados em uma mesa, um de frente para o outro. Tínhamos pedido uma porção de batata frita com frango frito e bacon frito. Muito saudável. Também pedimos Milkshakes. Achei engraçado o que ele falou quando estávamos fazendo o pedido: “Por favor, não me diga que você é vegetariana, vegana, que está de dieta ou que não come nenhuma porcaria. Porque eu já estou cansado de sair com garotas desse gênero.” Respondi que não ligava para essas coisas e ele pareceu aliviado.

— É, já faz alguns dias – respondi, levando uma batata frita à minha boca.

— Já morou aqui antes ou é sua primeira vez na cidade?

— Na verdade eu nasci e vivi em Gotham até os 3 anos de idade, depois nos mudamos para um subúrbio em Nova York. E quanto à você?

— Já faz alguns anos que moro aqui, mas passei alguns meses viajando e só voltei agora.

Sempre quis viajar, na verdade só tínhamos ido para Londres e Paris, mas eu queria mais! A única coisa que me impedia de viajar mais era a minha “outra eu”, nunca se sabe quando ela vai despertar. E a última coisa que eu queria era causar confusão em outro país.

— Viajou para onde? – perguntei interessada.

— Indonésia, Tibete, Índia, e outros lugares na região. Fui basicamente estudar um pouco com os monges.

— Por quê? – estava ligeiramente interessada.

Ele suspirou.

— Meu pai me obrigou a ir porque eu estava passando por uns maus bocados – ele sacudiu a cabeça rindo. – Ele queria que eu encontrasse minha “paz interior”.

— E você encontrou?

— Eu acho que sim, mas também encontrei umas coisas à mais.

Vi milhares de sentimentos cruzarem sua face, desânimo, medo, dor, mágoa, desesperança, angústia, amargura, revolta, raiva. Seu olhar continuava perdido e o seu punho, que descansava em cima da mesa, cerrou tão forte que pude ver suas juntas brancas.

— Jason? – perguntei depois de alguns instantes, e coloquei minha mão sobre seu punho, tentando fazê-lo voltar à realidade e também tentando confortá-lo.

No instante em que ele percebeu meu toque, ficou um pouco exaltado e fixou o olhar em mim novamente, piscando várias vezes.

— Você está bem? - Perguntei preocupada, ainda.

— Sim, eu... eu só me desliguei do mundo.

Seu punho cerrado sob minha mão se suavizou e ele a apertou tão suavemente que meus pelos todos se eriçaram. Então Jason começou a brincar com meus dedos, mexendo com minhas unhas roídas e meus anéis, delicadamente, apesar de suas mãos terem calos e serem grandes.

Meu Deus, como fomos chegar à esse ponto? Nos conhecemos à algumas horas.

 A vida não fazia sentido mesmo.

— É, eu faço isso frequentemente – nossos olhares se cruzaram e nós dois nos compreendemos.

E como eu entendia.

Ficamos ali, como estátuas, durante alguns momentos. Ele continuava a acariciar minha mão. E eu continuava a tentar oprimir aquela sensação de que eu podia derreter à qualquer instante. Quando Jason abriu a boca para falar algo para mim, um celular vibrou várias vezes. Era o de Jason.

— Desculpa, é o meu pai mandando mensagens para mim – Jason parecia meio chateado.

— Não tem problema. Pode respondê-lo – sorri tentado confortá-lo.

Ele ficou algum tempo escrevendo as mensagens e eu aproveitei para tomar o resto do meu milk shake, que estava delicioso. Jason parecia preocupado e muito concentrado enquanto respondia as mensagens, quase tinha certeza de que ele tinha se esquecido de mim, até que finalmente guardou o aparelho e se voltou para mim.

— Desculpa, novamente. Precisava respondê-lo – ele coçou a cabeça, envergonhado.

— Eu não ligo, meus pais também vivem enchendo meu saco. Estamos no mesmo barco.

Consegui arrancar um sorriso dele.

— Quanto tempo ainda você tem?

— Tenho até o fim da tarde.

— Podíamos passear pela cidade.

Podíamos? O que aconteceu com a intimação? – eu ri.

— Tudo bem, então – sua expressão mudou para safadeza drasticamente. – Nós vamos passear pela cidade.

— Perfeito, eu estava com medo de andar por aí sozinha, não conheço nada da cidade.

— Então eu serei seu guia hoje, Madame.

Ele beijou minha mão de brincadeira e lançou um sorriso arrebatador. Quase morri de vergonha, de novo. Terminamos de comer nossas fritas com uma conversa agradável e feliz, e logo após de pagarmos a conta, - na verdade, Jason pagou a conta inteira - saímos em nossa pequena aventura por Gotham.

Gotham era enorme! Não tinha percebido isso enquanto eu e meus pais estávamos andando pela cidade em busca da decoração da casa. Haviam tantos prédios, que na verdade parecia que eram mais do que suficientes para a cidade de quase 8 milhões de habitantes.

Jason era um ótimo guia, enquanto caminhávamos, ele foi mostrando cada marco histórico, algum prédio importante ou contava uma história engraçada. É claro que eu não tinha idéia para onde ele estava me levando, mas eu confiava nele, mesmo tendo conhecido-o algumas horas atrás.

Na realidade, Jason Todd era o garoto mais gentil e atencioso que já esbarrou em mim – literalmente – e ainda me chamou para sair. Eu sentia, lá no fundo, que ele era diferente dos outros caras. Parecia que ele já tinha sido machucado demais pela vida e estava cansado disso de algum modo. Acho que chegou à um ponto, em que Jason falou “foda-se” para o mundo.

E falando de vida, decidi que não ia contar sobre a minha “outra personalidade”, para ele. Pelo menos não ainda. Queria ser uma garota normal que sai com um garoto normal por apenas uma única vez. Tinha a absoluta certeza de que se contasse a minha verdade, ele iria se afastar de mim e eu estava cansada de afastar as pessoas de mim. Esse era um novo começo, uma nova EU.

Cheguei à um ponto, em que não aguentava mais andar, então fomos nos sentar em uma pequena praça, que coincidentemente, estava bem em nossa frente.

— Sério mesmo que está cansada? Mas nós só caminhamos por 2 horas! – Jason zombava de mim enquanto tentávamos encontrar algum lugar para sentar.

Olhei feio para ele. E apenas agora, parei para reparar seu físico. Ele tinha o físico de um atleta, com músculos nos braços e pernas. Também não duvidava nada de que havia um tanquinho escondido atrás daquela blusa preta. Não é à toa de que ele não estava ofegante, diferentemente de mim.

— Ei, Sr. Músculos, eu sou uma adolescente sedentária que passa o dia inteiro trancada no quarto escutando música e lendo livros. Não me julgue – argumentei.

— Essas atividades combinam muito com você mesmo – ele riu. – Aliás, que adolescente vai em uma biblioteca de manhã cedo?

Virei-me para encará-lo.

— Pergunto o mesmo à você – rebati.

— Ei, eu não sou um adolescente. Tenho 20 anos – ele reclamou. – E foi meu pai que me mandou ir para lá, precisava pegar um livro que ele precisava. Fui obrigado à ir. Mas aposto que você não foi obrigada a ir. Estava lá por vontade própria.

— Ah é? – perguntei, desafiando-o. – E o que te faz pensar isso, Sherlock?

— Você estava com todos aqueles livros clássicos, não me julgue pelo que vou dizer, mas que adolescente no século XXI lê diversos clássicos por pura e espontânea vontade? A minha conclusão é que você, Cecily, tem uma alma bem velha.

— E você a idade mental de um adolescente conturbado, apesar de você auto intitular-se como um adulto, o que você certamente não é.

— Meu Deus, você tem uma língua bem afiada quando quer, não é mesmo? – ele zombou.

— Olha quem fala.

Encontramos um anfiteatro na praça e decidimos sentar nos bancos de concreto. No lugar onde seria “o palco” haviam diversos pombos e uma senhora de idade alimentando-os. Nunca entendi por que as pessoas gostavam tanto de alimentar essas praguinhas.

— Uma pergunta, - Jason começou. Nós já estávamos sentados ao lado do outro – você faltou à escola hoje? Digo, estamos em março e você parece ter 16 ou 17 anos. Não era para você estar na escola?

Placas de “Perigo!” surgiram em minha cabeça.

Meu coração disparou na velocidade da luz.

— Ah, é... hum... eu tenho 17, e a resposta é.. sim e não – ele me encarou, confuso. Suspirei. – Olhe, é complicado. Era para eu estar no último ano agora, mas eu já me formei.

— Como assim? Você estudou em casa?

Eu não podia contar a história inteira para ele... Jason iria descobrir sobre a minha “outra eu”.

Me senti pressionada. Meu coração batia na velocidade de um carro de corrida.

— É... eu... bem, eu decidi estudar em casa. Não gostava da minha escola, era uma daquelas típicas escolas para ricos e esnobes. Não sou muito fã desse tipo de gente, meio que atrapalhava meus estudos, sabe? – eu acho que ele estava acreditando em minha mentira, vi uma centelha de entendimento em seu olhar. – Então conversei com meus pais e depois de muita insistência, eles aceitaram meu pedido. Estudei em casa durante 6 meses, e já estava formada no Ensino Médio. Simples assim.

Jason estava analisando meu rosto com o cenho franzido.

— Mas você não queria ir ao Baile de Formatura e dançar a noite inteira? Não queria participar da Cerimônia de Formatura e receber o diploma? Me pergunto o que os seus amigos pensaram disso.

— Bem, não restou nenhum amigo para dar sua opinião sobre o que eu queria fazer – agora eu não estava mentindo. – Esse era um dos motivos pelo qual eu não queria nada daquilo.

Jason não disse nada à princípio, continuou à analisar meu rosto atentamente, procurando por qualquer indícios de que aquilo não era verdade. Mas meu olhar não mentiu para ele.

Então, desviei o olhar, tentando não chorar. Eu tinha contado uma mentira para ele de que eu decidi estudar em casa, mas essa mentira trouxe à tona o que tinha realmente acontecido. Passei meses tentando esquecer tudo aquilo, mas parecia que sempre um avião iria passar sobre minha cabeça e jogar uma bomba nela.

Algo tocou minha mão, suavemente, e a apertou. Era a mão do Jason. Ele olhava para mim com empatia, e eu senti que ele realmente me entendia, como se ele soubesse exatamente o que não era ter amigos, verdadeiros amigos.

Ele sorriu e eu tentei retribuir o seu sorriso.

Esse tinha sido um dia muito anormal para mim. Nenhum estranho ou conhecido jamais tinha sido tão bom e gentil comigo como Jason fora.

— Então, você nunca foi à um baile, Cinderela? – seus lábios exibiam um sorriso encantador.

— Bom, já fui nos bailes junto com meus pais. Mas nunca em um baile de escola, onde um cara precisa te convidar, você recebe um buquê de pulso e dança a noite inteira com seu par.

— Precisamos consertar isso então.

— O quê?

— Vou te levar em uma balada, alguma noite dessas – ele disse balançando a cabeça, em sinal de aquilo era uma boa idéia. – Isso mesmo. Vamos beber, cair na farra e dançar até o amanhecer.

— Você está maluco! – protestei. – Eu sou menor de idade, e você também, Sr. Adulto com 20 anos.

— Mas você se esqueceu de um detalhe muito importante – ele me encarou como se estivesse dando um sermão em mim. - Aqui é Gotham, a cidade mais corrupta dos Estados Unidos. Adolescentes com a nossa faixa etária vão para baladas o tempo todo e ninguém realmente se importa com isso, porque há coisas muito piores acontecendo nas ruas.

Suspirei.

Não gostava de baladas.

Baladas eram um imã para meu alter ego aparecer do nada. Fui apenas uma vez na vida à uma e quase tive uma crise no meio de toda aquela gente.

— Não gosto de baladas. São muito barulhentas e eu também não gosto muito de dançar.

— Então você já foi à uma, sua danadinha! – ele apontou o dedo para mim. – A menina que lê clássicos e tem uma alma de 200 anos de idade já foi à uma balada! – ele estava praticamente gritando.

— Foi contra a minha vontade! – tentei explicar. – Um amigo meu me arrastou para lá.

— E como conseguiu entrar? Identidade falsa? – Jason parecia estar realmente apreciando “minha rebeldia”, mas de um jeito bom.

Suspirei.

Uma pausa.

— Subornamos os seguranças da entrada. Sabe, era uma daquelas baladas de pessoas ricas, praticamente todos da minha escola frequentavam aquele lugar. Mas me arrependi e saí de lá no meio da noite.

Jason estava balançando a cabeça em descrença. Ele acreditava e ao mesmo tempo não acreditava em mim, a julgar pelo seu sorrisinho no canto da boca. Entretanto, senti uma certa admiração vinda de seu olhar.

— Tudo bem, então. Sem baladas. Vou pensar em outra coisa.

Ele acabou de concordar comigo? Tão rápido assim?

— Obrigada – agradeci, meio confusa.

Jason deu um pulo de exaltação quando seu celular vibrou novamente. Antes de checar as mensagens, ouvi um suspiro e percebi seus olhos se revirando.

— Desculpa – ele falou.

Mas ele nem se deu ao trabalho de abrir as mensagens, logo colocou seu celular no bolso novamente.

Nossos olhares, então, se cruzaram de uma maneira muito intensa que eu era capaz de sentir algo se acumulando dentro do meu peito e afetando todo o resto do meu corpo. Perdi o controle dos meus sentidos e da minha mente. Meu coração que estava apostando corrida minutos atrás tinha se livrado do freio e continuava acelerando.

Jason estava chegando mais perto de mim, lentamente. Seus olhos estava fixos em meus lábios e eu sabia exatamente o motivo daquilo.

Então algo nos interrompeu.

Uma música.

Era a música tema do Darth Vader.

Nós dois paralisamos, à apenas alguns centímetros um do outro, e eu não pude conter um sorriso. A cena parecia cômica demais para ser realidade.

Jason deu um suspiro e pegou o celular de seu bolso, claramente constrangido.

— Não me diga que é o seu pai, Luke Skywalker?

— É o próprio – Jason estava olhando para o celular, pensando se iria atendê-lo. - Na verdade, esse toque é exclusivamente dele. É uma piada interna na verdade – ele riu.

— Não vai atender? Está com medo dele tentar te converter para o Lado Negro da Força?

Ele riu.

—  Quase isso. Provavelmente ele quer saber porque eu não cheguei em casa ainda. Era para eu pegar o livro e voltar para casa.

— Então atenda. Ele pode estar preocupado. Eu não me importo.

Seu olhar se demorou no meu, como se quisesse ter certeza de que aquilo não me incomodava. Ele logo cedeu.

— Tudo bem, então – ele atendeu, se levantando e se afastando um pouco de mim para poder conversar em particular.

Então foi a vez da minha mãe me ligar. Parecia ironia do destino.

Atendi meu telefone.

— Alô? Mãe?

— Oi, Cecy. Você está bem? Está perdida ou alguma coisa?

— Não, mãe, está tudo bem. Conheci alguém na biblioteca e ele está me mostrando a cidade.

— Tem certeza de que não é nenhum maluco?— podia sentir o pânico em sua voz.

— Não, mãe. Ele é confiável, acredite em mim. É um rapaz legal – disse olhando para o Jason, conversando no telefone com seu pai. Ele parecia meio impaciente, não parava de andar rodando o seu corpo.

— Tudo bem, então. Se você diz... E onde você está? Nós estamos quase saindo daqui e vamos te buscar em mais ou menos 20 ou 30 minutos.

— Ah, eu não sei exatamente onde estou, mas é em uma praça perto do Rio Finger. Tem um anfiteatro aqui e também vi um coreto e uma estátua de ferro de um dragão, eu acho...

— Ah, já sei onde é! Faça o seguinte, fique esperando na esquina da Avenida Lexington com a Kane. Ela tem um telefone público e do outro lado da rua há uma lanchonete. Se você se perder ou alguma coisa é só ligar, tudo bem?

— Tudo bem, mãe. Vou pedir ajuda para meu amigo.

Então nos despedimos e Jason voltou, percebendo que eu também estava ao telefone. Desliguei e guardei o celular na bolsa.

— Era minha mãe – anunciei. – Ela está vindo me buscar.

— Ah – havia uma nota de decepção em sua voz. – Bom, já está tarde, não é?

Nós dois então olhamos para o céu, o sol estava começando a se por, tingindo o céu de laranja e rosa. Era possível ver a lua, já.

— É, está sim – disse para o céu.

Uma pausa.

Nada se passava em minha cabeça.

— O que você vai fazer amanhã? – ele perguntou, voltando-se para mim, sorrindo.

— Bom, eu estava pensando em voltar à biblioteca e...

— Que tal a gente se encontrar amanhã de novo, na biblioteca? – ele me interrompeu.

— Parece ótimo! – sorri.

Não era ótimo. Era maravilhoso!

Nossos olhares, então, se prenderam novamente ao céu. Ele estava muito bonito hoje, apesar da poluição da cidade cobrir o céu como um manto denso e limitar a visão das várias estrelas.

— O seu pai estava bravo com você? – perguntei, subitamente.

— Digamos que sim, mas eu não ligo, porque não desperdicei tempo à toa, hoje.

— Não? – prendi meu olhar nele.

— Não. Foi o meu melhor dia desde que voltei para Gotham – seu olhar também se prendeu ao meu.

— É mesmo?

— Sim.

— Por quê? – perguntei automaticamente, mas receosa. Meus lábios se demoraram ao articular essas duas palavras.

— Quer mesmo que eu responda essa pergunta?

Jason diminuiu o espaço que nos separava.

— Sim.

Minha respiração aumentou de ritmo.

— Os seus olhos já fizeram meu dia quando examinei seu rosto hoje de manhã. Nunca tinha visto heterocromia pessoalmente. Admito que é um fenômeno lindo e que se encaixa perfeitamente em você. Não consigo imaginá-la somente com olhos azuis ou âmbar.

Seu olhar se demorou em meus olhos e percebi que ele também ia aos meus lábios.

— E o quê mais? – desafiei.

Ele suspirou profundamente.

— Acho que já chega por hoje. Você está mexendo com a minha cabeça já faz muito tempo – ele levantou abruptamente e estendeu a mão para me levantar. Jason estava sério novamente.

Demorei uns instantes para assimilar o que ele tinha falado e aceitar a oferta de sua mão. Ele disse mesmo que eu estava mexendo com a cabeça dele? O que isso significava?

Esse dia não podia ser mais anormal.

Já de pé, ele perguntou, casual.

— Onde os seus pais vão encontrá-la?

— Na esquina da Lexington com a Kane.

— Não é muito longe daqui – ele olhou em volta, se direcionando e então encontrou o caminho. – Por aqui, senhorita – ele sorriu e ofereceu seu braço para eu entrelaçar o meu. Parecia uma cena de um filme vitoriano.

— Desde quando você é um cavalheiro, Sr. Darcy? – zombei.

— Ah, eu sempre fui um cavalheiro, Srta. Elizabeth. É um dom nato meu.

— E o orgulho também.

— Você acabou de me descrever perfeitamente.

Era difícil contra argumentá-lo, parecia que nada o atingia. Ele tinha uma resposta para tudo. Parecia que Jason escondia algo, igual a mim.

Caminhamos em um silêncio meio constrangedor, até chegarmos no ponto de encontro, reconheci a lanchonete do outro lado da rua. Meus pais não tinham chegado ainda, então tínhamos apenas mais alguns minutos.

— Muito obrigada por me mostrar a cidade, Jason. Ninguém nunca foi tão legal assim comigo – agradeci, tímida.

— Ao seu dispor, Madame – ele meneou a cabeça. – Sinta-se lisonjeada, porque eu não costumo se tão legal assim com todo mundo.

— Então eu não sou “todo mundo”? – brinquei.

— Não – ele estava me encarando intensamente. – “Todo mundo” não costuma ganhar um segundo encontro.

Eu corei, mas torcia que estivesse escuro o bastante para ele não perceber.

Mas ele percebeu, e sorriu, zombeteiro, logo em seguida.

— Então você não vai dar um fora em mim logo no segundo encontro, vai?

— Provavelmente não, costumo dar um fora a partir do terceiro.

Dei um tapa no braço do Jason e ele riu facilmente. Era óbvio que ele estava brincando.

Então lembrei que tinha que dar algo à ele.

Achei uma caneta em minha bolsa, peguei a mão calejada dele e escrevi meu número de telefone.

— Meu telefone – respondi sua pergunta não dita. Ele parecia meio surpreso.

— Tem certeza de que quer me dar seu número? Porque é coisa séria, eu  não vou deixá-la em paz pelo resto da sua vida. Sou daquele tipo compulsivo que liga para a menina 200 vezes por dia, no mínimo.

— Não tem problema, meus dias se resumem em tédio total.

Nós dois rimos, e o silêncio constrangedor voltou, para a minha felicidade. Olhei para todos os lugares, menos para ele. Jason, ao contrário de mim, me encarava intensamente.

Minha sorte hoje, estava grande, porque exatamente nesse momento constrangedor, o carro dos meus pais parou bem na esquina onde estávamos. Eles buzinaram. Mas não abaixaram a janela, provavelmente estavam me espiando. Mas eu não me importava com aquilo.

Pelo menos não agora.

— São meus pais – apontei para o carro, meio sem graça.

— Imaginei que fossem.

— Tchau, então – acenei para ele. – Até amanhã.

— Até amanhã, no mesmo horário – ele estava fixado no lugar com o sorriso zombeteiro que eu adorava mas odiava ao mesmo tempo.

Eu fiquei meio hesitante, antes de ir para o carro. Nós ainda estávamos bem próximos um do outro. Podia sentir sua respiração.

Estava com um desejo muito grande de fazer algo...

Minha razão dizia para não fazê-lo.

— Obrigada... mais uma vez... por hoje – não sabia mais o que falar. Talvez eu devesse ir embora de uma vez.

— Não há de quê.

Mas meu coração queria fazê-lo.

Mais buzinas.

Que se dane a razão.

Então eu beijei ele na bochecha, rapidamente, e acenei para ele enquanto ia em direção ao carro. Foi tudo tão rápido que nem tive tempo de ver sua reação. Apenas percebi que ele ficou plantado no mesmo lugar, olhando para carro, quando já estava dentro dele.

Continuamos observando um ao outro quando o automóvel partiu, embora ele não tivesse percebido que eu o estava encarando, por causa do insulfilm das janelas.

Meus pais perguntaram alguma coisa, mas eu não ouvi direito e nem respondi. Estava presa em meus devaneios, me perguntando por que eu me sentia tão livre e sociável com um rapaz que tinha acabado de conhecer, mas parecia que já éramos amigos à algum tempo.

Nunca tinha me sentido assim com ninguém antes.

Nem com o único amigo que eu tive em toda minha vida.


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Notas finais do capítulo

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