Nó(s) escrita por Littam


Capítulo 2
Um




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Já era mais de meio-dia quando Daniel acordou no chão de seu apartamento. Seu rosto estava péssimo, havia um gosto horrível em sua boca e sua cabeça parecia que ia explodir. Ele afastou as latas vazias e levantou vacilante apoiando-se no sofá.

Ligou o chuveiro no frio e ficou embaixo d’água por um longo tempo tentando colocar os pensamentos em ordem. Sua vida estava tão confusa que o jovem já não sabia mais o que fazer: mesmo depois de tanto tempo os fantasmas do passado insistiam em lhe assombrar.

Quando saiu do banheiro deu uma boa olhada em seu velho e escuro apartamento: as janelas estavam todas fechadas, mas pequenos raios de sol conseguiam passar por elas, restos de comida e latas vazias estavam espalhados pelo chão e várias de suas roupas estavam pelos móveis. Ele coçou a cabeça e suspirou. Precisava dar um jeito nessa situação, na sua vida, ou iria acabar perdendo tudo, de novo.

A culpa e a amargura insistiam em dominar seus dias e, principalmente, o seu coração: as noites na farra, os comprimidos e a bebida pareciam ser a única coisa capaz de fazê-lo esquecer dos erros do passado e a angustia que lá vivia. 

Formado em design de games e com várias especializações trabalha com animação de jogos para videogames, computadores e telefones em uma grande empresa, mas, a pedido, trabalhava na maioria das vezes em casa e por ser um dos melhores na área teve esse pedido aceito. Daniel não sabia como, mas ainda tinha uma coisa que se orgulhava em sua vida, seu trabalho, e se não colocasse sua vida em ordem acabaria perdendo isso também.

Ele fez o melhor que pode para arrumar as coisas no apartamento, mas não se saiu muito bem. Frustrado, deixou o local e foi ao mercado comprar alguma coisa para comer. Já nem se lembrava à última vez que havia posto alguma coisa sólida no estômago.

Ainda com a cara péssima pegou os ovos, café em pó, salsichas, queijo e outras coisas no mercado sempre com a cabeça baixa para não ser reconhecido por ninguém da cidade. Não queria conversar com ninguém e sabia, lá no fundo, que as pessoas também não queriam conversar com ele. Chegando ao apartamento colocou o telefone para ouvir seus recados:

Oi, Daniel" — Era um de seus chefes, mas Daniel pareceu não se importar — "Olha, sei que você está ocupado com seus problemas, mas preciso de uma prévia da animação do novo jogo. Preciso disso pra semana que vem, caso contrário, vou procurar outra pessoa. Você é muito bom, mas não é único.”

"Ótimo", pensou Daniel, "vou perder meu emprego porque sou um idiota." Suspirou cansado ao olhar para a frigideira com dois ovos borbulhantes dentro.

 “Danny — Era Theo e os olhos e ouvidos de Daniel ficaram atentos na mensagem — preciso falar com você. Passo ai mais tarde."

Daniel suspirou. Iria levar uma bronca de Theo, de novo.

~~*~~

Theo chegou ao apartamento de Daniel no final da tarde após seu expediente no trabalho. Quando entrou no local o cheiro de bebida era forte e Daniel estava deitado desacordado no chão da sala.  O ruivo suspirou já era a terceira vez naquela semana que encontrava o amigo nesse estado.

Ele virou o amigo de frente pra si procurando, preocupado, por algum hematoma, mas o que encontrou foram apenas murmúrios de protesto. Theo deixou o amigo deitado no chão enquanto ia ao banheiro ligar o chuveiro para Daniel tomar um banho frio.

 — Vamos, Danny.  — Theo disse fazendo um esforço para erguer o amigo e o ajudou a caminhar até o banheiro.

O ruivo ajeitou Daniel embaixo da água fria que reclamou palavras indecifráveis para o amigo. Ele deixou o designer de games embaixo d’água e foi até a cozinha preparar um café muito forte. 

Theo é formado em música, mas nunca parou de estudar e se aperfeiçoar no assunto, trabalha como DJ algumas noites por semana quando não está ocupado trabalhando como produtor musical e durante boa parte do dia é professor de violão e teoria musical na faculdade de música no centro da cidade. Apesar da vida cheia de música, barulho e agito Theo gostava de passar a maior parte do tempo livre no silêncio e na calmaria que seu apartamento e Anna lhe proporcionavam, porém, ultimamente, os problemas de Daniel estavam tomando todo o seu tempo livre.

Durante cinco anos o músico ficou responsável por tomar conta de Daniel depois que tudo aquilo aconteceu. Tomou para si as dores do amigo que sempre teve um talento para se meter em encrencas e fazer as escolhas erradas, mas nos últimos tempos os erros de Daniel estavam custando muito caro, principalmente para o próprio designer.

~~*~~

A luz fraca dos primeiros raios de sol iluminavam o quarto de Emma. Ela espreguiçou-se e sonolenta levantou.  Eram 8h da manhã, mas Emma já tinha o dia inteiro programado: pela manhã iria à galeria de arte checar os preparativos de uma exposição e acertar os detalhes pendentes, depois, teria um almoço de negócios com um possível cliente que queria expor seu trabalho, pela tarde resolveria os assuntos que foram estabelecidos durante o almoço com Fres, seu assistente. E por fim, à noite, tomaria um banho de banheira e cairia na cama.

 — O Hall de entrada da galeria está com muitos quadros, Sr. Pops. — Disse a jovem — Deixe apenas aqueles que mostram mais a personalidade do pintor e não onde ele viveu. — Sugeriu Emma — E o corredor até o salão principal poderia abrigar mais exemplos da vida rural até a vida urbana. —  Concluiu.  — Chegando no salão principal coloque todas as pinturas e obras pós-modernas dele.

— Está certo, Srta. Scapini — disse Pops, anotando tudo em seu caderno.

— A iluminação está perfeita e a temperatura do ambiente também — disse Emma para si mesma — Creio que está tudo certo — finalizou.  — Quando o restante das obras chegarem me avise Sr. Pops, preciso autenticá-las.

Sr. Pops concordou com a cabeça anotando tudo em caderno para depois seguir caminho dentro do museu.

Emma é formada em história da arte e é curadora de um famosa galeria de artes em Paris. Largou a vida simples de cidade pequena assim que a proposta para estudar fora do país alguns dias antes de completar a faculdade apareceu.  Com um currículo impecável construído com esforço e muitos sonhos; tem uma vida de sucesso, mas sempre sentiu que desistiu e fugiu de muita coisa para estar onde está agora.

Ela dirigia pela avenida principal a caminho do restaurante quando avistou um grupo de amigos sentados no parque conversando e rindo, seu coração se apertou e sem perceber a imagem de seus velhos amigos cruzou seus pensamentos. Ultimamente estava pensando muito no passado e nas coisas que deixou para trás, talvez porque aquele dia estava se aproximando. "Será que foi a coisa certa deixá-los?" Ela se perguntava mesmo depois de cinco anos ainda sentia falta do sorriso fácil de Theo, dos conselhos de Olívia, da espontaneidade de Diego e dos olhos de Daniel. "Ah, Daniel." Ela suspirou. "Danny..." A jovem balançou a cabeça tentando expulsar a imagem do designer de sua cabeça, mas isso apenas a tornou mais forte  "Será que vamos nos perdoar um dia? Será que você vai me perdoar um dia?".

Uma buzina forte vinda detrás de seu carro tirou Emma de seus devaneios fazendo-a dirigir mais rápido pelas ruas de Paris.

~~*~~

Olívia estava aflita. Tinha que entregar seu livro para a revisão na editora em seis meses, mas as ideias pareciam fugir de sua mente quando se sentava na frente do computador. A jovem decidiu ser escritora e tradutora desde muito cedo e nunca teve problemas em se expressar utilizando as palavras. Tímida, nunca gostou de ser o centro das atenções, mas sabia como impressionar.

A escritora decidiu procurar a inspiração em alguns de seus livros, eles nunca a decepcionaram, afinal. Foi até a estante e passou a mão pelos seus vários títulos de olhos fechados deixando a sorte decidir o que fazer em seguida. Ao escolher um, o abriu ainda de olhos fechados e sentiu algo cair aos seus pés, a jovem abaixou-se e percebeu que uma fotografia havia caído. Ao pegá-la observou a data que estava escrita no verso: verão de 2015 ao virá-la percebeu que se tratava de uma foto dela junto aos amigos em um dos muitos verões que passaram na companhia um do outro. Olívia sorriu imaginando o rosto alegre dos amigos, mas seu sorriso logo desapareceu quando se lembrou que já não os tinha mais ao seu lado.

 Que falta vocês me fazem. — ela disse baixinho com a voz triste.

Olívia sempre achou que não foi justa com os amigos. Estava magoada e precisava de um tempo para pensar, mas cinco anos se passaram e ela já não tinha mais coragem de procurar os amigos e pedir-lhes perdão. Se ao menos soubesse que seria bem recebia poderia tentar encontrá-los. Sabia que Daniel ainda estaria em Nova Hortênsia com Theo, mas de todos os amigos Daniel era o único que tinha motivos para não querer vê-la depois de tudo que ela disse não poderia culpá-lo por odiá-la.

A escritora sempre soube escrever um final feliz para suas histórias e personagens, mas será que seria capaz de escrever um para a sua própria história?

~~*~~

Não parecia, nem por um minuto, que Diego é formando em enfermagem. Cabelos loiros um pouco abaixo do queixo, olhos incrivelmente verdes e a barba por fazer delineavam o seu rosto. Tatuagens tribais e mandalas estampavam seus braços e pernas. Vegetariano e adepto a filosofia budista, adorava estar em contato frequente com a natureza ou praticando algum esporte.

Apesar de viver entre viagens e competições esportivas, de onde tirava seu sustento, Diego sentia que faltava alguma coisa em sua vida, uma ponta solta, talvez por isso nunca deixou de pedir aos céus proteção aos seus amigos. O rapaz sempre teve a liberdade como melhor amiga e aproveitava cada instante que a vida lhe proporcionava, muitas vezes de forma impulsiva. Com a mochila nas costas nunca fazia planos pra onde iria e sempre seguia seus instintos e foi por pensar assim que acabou se distanciando de Theo, Emma, Daniel e Olívia. O mochileiro nunca viveu de metades e quando percebeu que o grupo de amigos já não era mais o mesmo pegou suas coisas e traçou um novo caminho sem eles.  Diego acreditava que tudo o que acontece na vida tem um motivo e sempre temos que seguir em frente. “O mundo dá voltas — pensou ele — onde parece ser o fim pode ser apenas o começo. Se for para nos reunirmos de novo o universo conspirará para que isso aconteça e dessa vez não vou deixar ninguém para trás.”

*


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