Os póneis bonzinhos vão para o Inferno escrita por Maurus adam


Capítulo 15
Livro 2 Capítulo 4 - Demanda por magia




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Os anos passaram rapidamente à medida que Arenito ia ociosamente ocupando os seus dias com o que quer que lhe estivesse a despertar o espírito no momento. Na realidade havia muitos anos que não existia mais nada de emocionante que ele pudesse fazer em Inferno. Outro pónei já teria à muito abandonado aquele lugar, mas Arenito sentia-se protegido lá. Era a sua casa, no final de contas.
Um dia um estranho fenómeno começou a manifestar-se. Inicialmente muito subtilmente, a duração dos dias e das noites começou a aumentar em cerca de oito minutos por cada dia que passava. A principio Arenito não se apercebeu da diferença, mas eventualmente o ciclo diurno começara a demorar tanto tempo que seria impossível que nenhum pónei reparasse no óbvio, o Sol e a Lua estavam a abrandar a um ritmo alucinante. Mais tarde ou mais cedo acabariam por parar completamente. À medida que os meses iam passando e os dias e as noites aumentavam, Arenito observava os astros sem saber o que fazer. Sabia muito bem que seria impossível para ele resolver o problema e desconhecia as catástrofes que tal fenómeno poderia originar. Não tinha escolha a não ser esperar impotentemente e esperar que pudesse lidar com as consequências vindouras.
Então um dia, com a subtileza de uma hidra a mergulhar numa piscina, tanto o Sol com a Lua recomeçaram a mover-se. Não tinha sido nenhum processo gradual, simplesmente começaram a erguer-se e a pôr-se como se nada se tivesse passado. Arenito estudou o fenómeno o melhor que as suas habilidades permitiam e o que descobriu deixou-o perplexo. O movimento do Sol e da Lua não era natural, algum tipo de magia muito poderosa estava a movê-los. Isso deixou Arenito completamente admirado, visto ele desconhecer como alguma coisa ou algum pónei pudesse comandar os astros com aquela facilidade.
A curiosidade sempre foi um poderoso motor de empreendimentos improváveis. Voltando-se para os seus conhecimentos de feitiçaria e alquimia, Arenito conseguiu descobrir o tipo de magia usado para manter o ciclo dos dias e das noites. Era magia de unicórnio. Ele nunca tinha tido muito contacto com unicórnios, e o pouco que sabia deles tinha aprendido há muitos anos atrás, quando era ainda um potrinho que se divertia a passear pelas feiras de Inferno. Sem conseguir ignorar o prodígio que outros póneis tinham feito, criou um artefacto mágico para o ajudar a encontrar o autor daquela magia. Uma pequena garrafa de vidro com um óleo mágico, encantado para reagir especificamente com o feitiço que permitia mover os astros, brilhava sempre o Sol ou a Lua se punham ou nasciam. Emitia um pequeno mas visível raio de luz na direcção da origem daquele feitiço, e apontava sempre no sentido nordeste.
Apostado em descobrir tudo o que pudesse sobre os unicórnios, Arenito preparou-se para uma viagem, a maior que ele tinha feito até aquela altura. Colocando sobre a sua garupa uma mochila cheia de comida, voou na direcção que a sua garrafa mágica lhe ia indicando. Depressa se apercebeu que as suas asas não eram indicadas para uma viagem daquele tipo. Optimizadas para permitir o máximo de sustentação com o mínimo de esforço, as suas asas não lhe permitiam planar como os pégasos. Uma viagem de longa distância como aquela pesar-lhe-ia bastante em tempo e cansaço. Mas apesar de tudo, Arenito estava focado em encontrar os unicórnios que conseguiam manter o dia e a noite a funcionar.
Pela primeira vez na sua vida, ele tinha abandonado a sua preciosa zona de conforto. Apesar de se sentir muito pouco temerário, Arenito tomou a direcção nordeste e rumou em direcção ao desconhecido. Pelo caminho foi passando à vista de algumas aldeias e cidades, mas nenhuma era o seu destino, por isso limitou-se a ignorá-las. Finalmente ao fim de alguns dias, ele chegou a uma grande cidade. Era composta quase exclusivamente por harmoniosos edifícios brancos. Por entre o brilho cintilante do mar de telhados dourados e prateados, algumas torres sobressaiam com a sua imponência.
Era a primeira cidade que ele encontrara que estava no caminho exacto da rota apontada pela sua garrafa localizadora. E ademais, era uma cidade de unicórnios. Tendo quase a certeza que encontrara o que procurava, Arenito escondeu-se numa pequena floresta nos arredores da cidade. Esperou pacientemente pelo principio da noite. Quando a altura do o por-do-sol se aproximara, levantou voo e tirando a garrafa da sua mochila, levitou-a à frente do focinho. Pouco tempo depois, a garrafa começou a brilhar e lançou um raio de luz em direcção ao centro da cidade. Quase imediatamente, o Sol começou a pôr-se e a Lua erguia-se a substituir-lo. Rapidamente Arenito voou na direcção indicada pela garrafa e tentou localizar a origem do feitiço antes que este terminasse. A sua garrafa localizadora levou-o até ao topo de um grande edifício, se bem que não precisaria dela para o encontrar. No terraço desse edifício, que se assemelhava a um autêntico palácio, um grupo de meia dúzia de unicórnios movia os astros usando uma magia poderosa. Os seus cornos brilhavam fervorosamente no escuro da noite que acabava de se erguer e apesar de Arenito estar a várias dezenas de metros daquele local conseguia facilmente sentir as forças místicas que deles emanavam.
Depois da noite se ter instalado os unicórnios não demoraram muito a ir-se embora. Evitando ser visto pelos poucos póneis que ainda andavam pela rua, Arenito aproximou-se cuidadosamente daquele edifício. Voando ao longo das suas paredes, ia observando o seu interior pelas amplas janelas que permitiam ao luar iluminar diversas salas e corredores. Era na realidade o palácio real dos unicórnios. Uma magnifica construção, guarnecida de quartos de luxo, enormes anfiteatros, salas de reuniões e corredores decorados com tapeçarias. Mas toda aquela opulência só serviu para estimular uma insignificante curiosidade em Arenito.
Muito mais interessante acabou por ser um grande edifício, construido todo em granito e com o telhado cinzento escuro, que se encontrava imediatamente a sul do palácio e ligado a este por um pequeno passadiço coberto. Possuía vastas janelas ao longo das suas paredes, e foi por uma delas que Arenito espreitou. O que viu lá dentro maravilhou-o. Era uma gigantesca biblioteca. Arenito lembrava-se de que algum pónei lhe tinha dito que à muito tempo atrás, quando ainda era apenas um potrinho, que os unicórnios possuíam vastas bibliotecas com conhecimento recolhido por todo o mundo. Porém, nunca tinha imaginado que pudessem ser tão grandes. Rejubilante, apercebeu-se de que tinha encontrado o que procurava, uma enorme fonte de informação sobre a magia que os unicórnios praticavam.
Tentou usar telecinesia para abrir a janela, mas esta estava trancada. Isso não impediu Arenito de continuar a tentar. À medida que os seus esforços se revelavam inúteis começou a sentir-se frustrado, a sua telecinesia ficou cada vez mais violenta e a janela começou a vibrar com a energia libertada. Não demorou muito a quebrar, provocando uma chuva de vidros partidos pela parede abaixo. Também fez bastante barulho.
Preocupado que todo aquele ruído pudesse alertar algum pónei, Arenito rapidamente entrou pela janela, na qual mal possuía espaço para ele passar. O interior consistia numa enorme divisão cujas paredes estavam forradas de estantes repletas de livros e pergaminhos. Passeando pela sala, Arenito ia lendo os títulos dos manuscritos aí expostos. Algumas palavras tinham-se modificado e a sintaxe das frases era um pouco diferente, mas ainda era a mesma língua que ele tinha aprendido quando era um potro e que ainda sabia escrever. A partir daquele momento Arenito teve a certeza de que a sua inabilidade em comunicar com outros póneis se devia a ter se esquecido de como se falava e não a uma barreira linguística.
Também descobriu que naquela divisão só se encontravam títulos sobre história. Um tema fascinante mas que não despertavam o mínimo interesse em Arenito. Aborrecido, saiu pela única porta que havia naquela sala. Na parte de fora desta havia uma placa prateada com a frase 'História dos Unicórnios' gravada. Pelo menos Arenito não teria muita dificuldade em encontrar as secções dedicadas à magia.
Andando pelos corredores da biblioteca, Arenito ia lendo as inscrições das portas por que ia passando. Nenhuma delas lhe pareceu suficientemente interessante para lhe chamar a atenção. Porém, a sua pacifica exploração seria interrompida ao dobrar uma esquina. Um encontro com um par de póneis que vagueava pelos corredores, bastante assustados com a súbita aparição de Arenito, começou uma enorme confusão, que acabou por escalar numa pequena batalha.
Mal lhe puseram as vistas em cima, os dois unicórnios reagiram como qualquer outro pónei assustado reagiria naquela situação. Num puro acto de reflexo, disparam raios dos seus cornos contra o estranho e monstruoso ser que se encontrava à frente deles. Não foi uma ideia muito brilhante. Eram feitiços fracos, mal possuindo uma fracção da energia que Arenito conseguiria libertar com uma magia ocasional. Mas apesar de tudo eram feitiços elaborados e muito eficientes. Apesar de só conseguirem chamuscar ligeiramente o pêlo de Arenito, eram muito mais destrutivos do que o poder usado para os evocar dava a entender.
Surpreso com aquele ataque inesperado, Arenito não esteve com meias medidas e reagiu violentamente, aplacando-os com uma onda telecinética e atirando-os contra a parede no outro extremo do corredor. Um dos póneis perdeu imediatamente os sentidos. O outro, apesar de ter ficado com uma pata partida, ainda conseguiu gritar por ajuda. Não caiu em ouvidos moucos. O pandemónio foi instalado quando Arenito foi assaltado por alguns guardas que tinham chegado rapidamente ao local. Sentindo-se furioso e sem paciência para subtilezas, simplesmente limitou-se a carregar pelo corredor fora, atropelando os pobres póneis. Obviamente, tal acto só serviu para aumentar a confusão e consequentemente o barulho que se espalhou pela biblioteca.
E então a partir daquele momento a batalha aumentou rapidamente de ritmo. Com o surgimento de todos os póneis que havia nas redondezas a tentar travar o intruso a todo o custo, a acção elevou-se a um novo patamar. Se bem que não chegassem aos cascos de Arenito, tanto em força bruta como em poder mágico, os unicórnios possuíam uma gama muito mais refinada e diversificada de feitiços, e também tinham mais experiência em usar-los criativamente. Eles tentaram aprisionar-lo com correias animadas e teias conjugadas a partir do nada. Tentaram incendiar-lo, atordoar-lo, transformá-lo em sapo e cegar-lo. (Ouve um unicórnio que envolveu-o numa nuvem de escuridão, acabou por atrapalhar mais os outros póneis do que o Arenito.) Tentaram tudo o que lhes passava pela cabeça. Surpreendido por aquela espantosa demonstração de magia, Arenito sentiu que estava realmente em perigo. Galopando à toa pela biblioteca fora, aplacando todos os opositores com o seu corpo e a sua telecinesia, procurava desesperadamente por uma saída.
Por sorte encontrou o que procurava. Não a tão desejada saída, mas a localização das obras sobre feitiçaria. Quase que não tinha conseguido reparar nela, distraído com todo o fulgor da batalha, mas tinha passado por uma porta intitulada 'Magia, Teoria Aplicada'. Um clarão iluminou a sua mente quando aquela frase chegou ao seu cérebro. Esquecendo momentaneamente o perigo que corria, retrocedeu alguns passos e investiu contra a porta, arrebentando com a fechadura (Inutilmente, já que esta não estava trancada.) e entrando por aquela sala dentro.
A primeira coisa que Arenito fez mal se viu lá dentro foi derrubar umas quantas estantes sobre a porta para se barricar da manada de unicórnios furiosos que reclamavam pela sua pele. Só então pôde observar com atenção o lugar onde se encontrava. Se a secção de história não tinha prendido a atenção de Arenito, aquela divisão redimiu as expectativas da biblioteca e deixou-o completamente pasmado. Tinha o mesmo tamanho e formato da sala por onde Arenito tinha entrado, mas enquanto esta última possuía somente prateleiras nas paredes, a secção de magia estava a abarrotar de estantes e armários, todos eles recheados de pergaminhos e livros.
De tão absorvido que estava na contemplação daquela enorme colecção de literatura, Arenito esqueceu-se momentaneamente dos outros póneis. Só quando um clarão surgiu ao seu lado é que ele voltou a recordar-se do perigo que corria. Um unicórnio tinha acabado de teletransportar-se directamente para o interior da sala. Um truque que era uma demonstração excepcional de proficiência mágica, mesmo para um unicórnio dotado, que no entanto não lhe serviu de nada contra a força bruta do seu adversário. Mal se apercebeu da sua presença, Arenito derrubou o pobre tolo que acreditava poder derrotá-lo sozinho com uma vigorosa cabeçada. Este ficou imediatamente inconsciente, mas aquela breve escaramuça serviu para Arenito lembrar-se de manter os cascos na terra. À sorte, enfiou na sua mochila alguns pergaminhos duma prateleira próxima e atirou-se para o exterior pela primeira janela que encontrou. Voando pela noite fora, afastou-se daquela cidade o mais rapidamente possível. Só quando o cansaço começou a tomar conta dele é que parou num arvoredo e aninhou-se nos ramos de um grande salgueiro para dormir. Encontrava-se completamente estafado. Entre o cansaço daquela grande viagem e o stresse do ataque sofrido, não demorou muito para o sono tomar conta dele.
Toda aquela confusão não contribuiu em nada para perturbar muito o dia-a-dia dos unicórnios, pois no dia seguinte voltaram a erguer o Sol, como sempre faziam. Este já ia bem alto quando Arenito finalmente acordou. Se bem que tivesse passado mais de meio dia desde que tomara a sua ultima refeição, a primeira preocupação que lhe veio ao pensamento foi estudar os pergaminhos que tinha roubado na véspera aos unicórnios. Eram realmente manuais de magia, mas demasiado avançados para Arenito poder compreendê-los sem um estudo mais aprofundado. Ele sabia que teria de voltar, mas só quando pudesse servir-se melhor daquela gigantesca biblioteca.
E ele não se manteve inactivo nesse assunto. Mal regressou a Inferno começou logo a planear uma excursão para conseguir assaltar de uma maneira mais permanente aquela biblioteca. Arenito tinha intenções de roubar o máximo de artigos possíveis, mas sabia que os unicórnios estariam mais alertas depois da batalha que ele provocou e que ainda ficariam mais quando lá voltasse. Consequentemente já seria arriscado ter que voltar outra vez a invadir a biblioteca, ser-lhe ia impossível fazer-lo repetidamente. Se ele quisesse usufruir daquela gigantesca colecção de livros teria que levá-los para a sua casa numa única assentada. Isso revelou ser a parte mais fácil. Um pouco de madeira, a destilação de essências com propriedades místicas, alguns malabarismos com a alquimia e Arenito conseguiu construir uma carroça flutuante. Era uma magnifica peça de feitiçaria, criada à pressa e com um aspecto um pouco arcaico, mas apesar de tudo capaz de deixar qualquer mágico orgulhoso. Tinha forma de um grande baú provido de rodas e arreios e estava encantado para possuir a mesma densidade que o ar, independentemente da quantidade de carga que contivesse. Para Arenito era bastante fácil e desprovido de esforço voar atrelado a ela, mesmo que se encontrasse recheada de chumbo.
Arenito também sabia que teria alguma resistência dos próprios unicórnios. Uma coisa que ele não poderia evitar, já que teria de passar algum tempo a carregar todo o material que pretendesse levar. Para resolver isso, ele dedicou algum tempo a desenvolver um óleo que exalava vapores alucinogénios quando em contacto com o ar. Estimulando os centros nervosos do cérebro dos póneis, os vapores produziam uma sensação de ameaça muito forte. Visto que essa ameaça era inexistente, e consequentemente imperceptível, traduzia-se num terrível ataque de pânico por as suas vitimas não saberem como evitar ou lidar com ela. É claro que Arenito precisaria de uma grande quantidade se quisesse manter uma parte da biblioteca completamente isolada de unicórnios, pelo que acabou por passar a maior parte de um par de meses a fermentar uma provisão significativa desse óleo.
Eventualmente os preparativos ficaram terminados. Carregando todas as provisões necessárias na sua carroça, Arenito fez então o caminho de regresso à grande cidade dos unicórnios. Escondendo-se no telhado duma das casas da periferia da cidade, ele esperou pacientemente que ficasse noite. Prosseguiu então para o edifício onde tinha estado alguns meses antes. Com cautela, Arenito circunscreveu a biblioteca até ter conseguido identificar a secção da magia a partir do lado de fora. Passou alguns minutos certificando-se de que não havia unicórnios à vista e mergulhou rapidamente na direcção duma janela, a mesma que tinha atravessado na sua fuga apressada à alguns meses atrás.
No lado esquerdo, a uns poucos metros de distância, havia uma pequena varanda por onde se podia aceder ao interior por uma simples porta de madeira. Arenito amarrou a sua carroça flutuante ao parapeito. Isso iria impedir que o vento arrastasse a carroça para longe, mas de certeza que qualquer pónei poderia encontrá-la e roubá-la. Para cortar o acesso à varanda, Arenito aplicou um rápido coice no meio da porta, abrindo um buraco pelo qual ele lançou uma garrafa do seu óleo alucinogénio. O som de vidros a quebrar fez-se ouvir bastante bem, e os vapores alaranjados do óleo começaram a espalhar-se rapidamente pelo corredor. Sabendo que não demorariam muito a aperceberem-se da sua intrusão, Arenito pegou na sacola com o restante óleo e com ela sobre a garupa enfiou-se pela janela da sala onde se encontrava a biblioteca sobre feitiçaria.
Àquela hora da noite a biblioteca aparentava estar vazia, mas Arenito calculava que não teria muito tempo de sossego até o tentarem expulsar. A primeira coisa com que Arenito se preocupou foi em percorrer o perímetro daquela sala e espalhar algumas garrafas do óleo por detrás de todas as portas que ele encontrou. Somente então começou a explorar aquela biblioteca. Apesar de ser bastante grande, sua carroça só poderia carregar uma pequena fracção dos volumes que se encontravam naquela sala. Arenito teria de ser bastante selectivo sobre as obras que pretendia levar dali, o que exigiria tempo, algo que ele não possuía com a abundância desejada.
Começou a percorrer as prateleiras, varrendo apressadamente os títulos com os olhos e levitando todos os livros e pergaminhos que despertavam o seu interesse. É claro que essas escolhas eram puramente arbitrárias, mas os barulhos que ele ouvia vindos do exterior provaram que não poderia dar-se ao luxo de desperdiçar tempo. Gritos de pânico ecoavam pelo gigantesco edifício à medida que o gás aterrorizante ia fazendo vitimas.
Arenito pôde assim passar algum tempo a carregar a sua carroça voadora sem encontrar problemas, num vai-vem entre o interior da ala de magia e a varanda onde a carroça estava ancorada, parando ocasionalmente para espalhar um pouco mais de óleo pelos corredores. Mas é claro que ele não poderia continuar com aquela actividade indefinidamente. Um trio de unicórnios entrou pela janela aberta, usando magia para se levitarem a eles próprios. Estando Arenito distraído a recolher pergaminhos numa das estantes, só se apercebeu da presença deles quando o atacaram lançando-lhe feitiços e raios. Apanhado de surpresa, Arenito reagiu com violência. Saltou em direcção aos póneis e derrubou logo um deles. Assustados com aquela exibição de força, os unicórnios redobraram o seu assalto. A magia deles mal chegava para magoar Arenito, portanto não teve muito trabalho em rendê-los inconscientes com uma onda telecinética bem aplicada.
Mas aquela batalha ainda não tinha acabado. Levitando os póneis, Arenito atirou-os para fora da sala, através duma das portas que lhe dava acesso. Com intenções de voltar ao trabalho, virou-se e dirigia-se para a estante que estava a explorar antes de ser interrompido quando no lado oposto uma porta abriu-se de rompão e outros três póneis entraram, procurando o monstro que tinha invadido a sua preciosa biblioteca. Atravessando inócuos as nuvens de gás alucinogénios, os póneis encontravam-se sob o efeito de um feitiço que permitia respirar debaixo de água. Aparentemente também era útil para respirar no meio de uma atmosfera hostil.
Despachar aqueles unicórnios não deveria ter sido uma tarefa mais difícil do que foi livrar-se dos seus antecessores. Mas eles não estavam ali para lutar, estavam ali para ser a distracção. Visto que a táctica já tinha dado resultados, Arenito voltou a carregar contra os unicórnios. Como tinha acontecido previamente, o primeiro a levar com ele em cima caiu inconsciente imediatamente, mas ao virar-se para os outros dois viu pasmado que estavam a fugir dele, cada qual para seu lado. Arenito pôs-se a persegui-los por entre as estantes da biblioteca. Conseguiu encurralar um deles num dos cantos daquela sala e pô-lo fora de combate com um valente encontrão. Só quando se virou para procurar o outro pónei é que se apercebeu das verdadeiras intenções daqueles póneis. Vários unicórnios tinham se teletransportado para o centro da sala enquanto Arenito andava distraído a perseguir o engodo.
E então foi a loucura total. Todos os póneis lançaram contra o Arenito todos os feitiços de que se lembravam. Este limitou-se a persegui-los e a atacá-los com coices ou a usar magia para atirar-lhes com estantes. Será inutil dizer que não estava a resultar muito bem. Eram muitos, estavam a cercá-lo e Arenito começava a ficar cansado. Ele encontrava-se mesmo em apuros e sabia disso. Decidiu então usar uma táctica desesperada. Abocanhando a sacola onde guardava o óleo halucinogénio, começou a rodopiá-la freneticamente por cima da sua cabeça, lançando frascos em tudo o que era direcção. O óleo começou a espalhar-se pelo chão, pelas estantes e pelas paredes. (Uma das garrafas acertou na cabeça dum dos póneis. K.O. instantâneo.) À medida que aquele compartimento se enchia de gás, os unicórnios começaram a enlouquecer. Arenito era imune à sua própria arma. Ele eram mais resistente que um pónei normal e também conhecia suficientemente bem os efeitos do gás para se conseguir abster dele. (Já o tinha experimentado nele próprio.) Os outros póneis, por outro lado, começaram a correr de um lado para o outro, tanto a fugir como a perseguir um mal imaginário. Alguns conseguiram teletransportar-se dali para fora antes que ficassem demasiado afectados. Outros conseguiram focar a raiva e o medo provocados pelo óleo em Arenito, mas eram uma minoria. Não foi preciso muito esforço para Arenito conseguir derrubá-los.
De qualquer das formas, a pressão sobre Arenito estava a aumentar. Apercebendo-se de que teria de fugir daquela cidade imediatamente caso quisesse evitar ser atacado por outro enxame de unicórnios, atulhou o pouco espaço ainda livre da sua carroça com documentos colhidos apressadamente e bateu em retirada o mais depressa que conseguia. Voando com a carroça às costas, Arenito percorria os céus da cidade enquanto uma manada de unicórnios seguia-o pelo chão. Arenito conseguia ver os seus perseguidores pelo canto do olho. Ele sabia que teria que os despistar rapidamente se quisesse chegar em paz a Inferno. Felizmente os unicórnios estavam mais interessados em livrar-se do intruso do que em recuperar o espólio roubado. Por mais que os livros perdidos fossem inestimáveis, não valeriam o risco de uma batalha contra aquele ser gargantuário. Deixaram de perseguir Arenito mal este saiu da cidade.
No entanto Arenito continuou a voar até ter a certeza de que estava demasiado longe para o poderem avistar. Parou então ao pé dum riacho que encontrou. Encostado à sua carroça e embalado pelo som da água a correr, adormeceu rapidamente. Mesmo o Sol que se ergueu pouco depois foi insuficiente para o despertar do cansaço que tinha sofrido durante aquela noite. Acordou durante a tarde do dia seguinte. Ainda se encontrava cansado da noite anterior, mas nenhum pónei o tinha seguido, por isso tinha todo o tempo do mundo para voltar para Inferno. É claro que levando consigo uma significativa biblioteca de conhecimento sobre magia, a última coisa que Arenito quereria era demorar a chegar a casa. Parando apenas o essencial para comer e dormir, regressou ao Inferno em apenas dois dias de viagem. (Ir ou vir da cidade dos unicórnios normalmente demorava-lhe três ou quatro dias.) Só então se preocupou em explorar a sua preciosa carga.
Ao perscrutar a sua nova e enorme colecção de literatura, novos caminhos abriram-se para Arenito. Encontrou vastos e muito completos tratados sobre a magia dos unicórnios. A maior parte era demasiado complexa para ele. Mas também havia alguns manuais para iniciados que lhe permitiam ter algo com que começar a praticar. Porém, muito mais interessante foram alguns estudos sobre magia temporal. Apesar de não haver registo de que algum pónei alguma vez tivesse descoberto uma maneira de viajar no tempo, muitos unicórnios tinham se dedicado à analise cronométrica das forças mágicas. Alguns dos dados recolhidos demonstravam que seria possível viajar no tempo. Infelizmente, esses mesmos dados também demonstravam que o fluxo temporal era inalterável e qualquer tentativa de interferir no passado já teria acontecido e consequentemente só serviria para contribuir para a continuidade da história.
Para todos os interessados na magia temporal eram boas noticias e uma das razões porque tantos unicórnios se dedicavam a tentar desenvolver um feitiço para viajar no tempo, pois não haveria qualquer risco de alterar o futuro. Infelizmente para Arenito isso significava que de nada lhe serviria tal habilidade. Apesar de terem passado séculos desde que a sua infância traumática tinha terminado, ainda se encontrava terrivelmente marcado por toda aquela experiência. Ao ler todo o material sobre magia temporal, sentia que tinha sido tentado com a salvação que nunca poderia alcançar. Por outro lado, todos os póneis de Inferno tinham-se enganado redondamente quanto ao facto de Arenito não poder ser um feiticeiro. Não seria surpresa nenhuma se os unicórnios também se tivessem enganado num ramo da magia que ainda se encontrava a dar os primeiros passos. Arenito tinha toda a eternidade para provar que eles estavam enganados e estava desesperado para alterar o seu próprio destino. Motivação não lhe faltava.


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