Nick pesou tudo o que Doug havia dito. Sua lógica dizia que ele apenas queria livrar a pele, mas tinha um outro lado dele que insistia que a ovelha falara a verdade. E Nick tinha que tomar uma decisão rápida. Uma decisão que mudaria tudo. Nick fechou os olhos, e imediatamente ouviu a voz na sua mente, a voz que ele estava esperando aparecer.

se encontrar Dan, dê-lhe uma segunda chance. Por favor. Pela família.

Nick abriu os olhos e olhou bem fundo nos olhos de Doug.

— Eu preciso que você entenda uma coisa, Doug. Se algum dia, você chegar perto de Bellwether novamente, eu não vou descansar até que você esteja de volta àquela cela.

Judy pareceu chocada.

— Você vai soltar ele? Depois de tudo o que ele...

Nick pôs o dedo nos lábios de Judy, que calou-se, contrariada.

— Eu não estou fazendo isso por nós. – ele disse. – Nem por você, Dan. Eu estou fazendo isso pela família. Agora vamos logo com isso!

***

Eles pararam na divisa do corredor com o saguão principal deserto. Ou quase. Haviam três ovelhas (sério, será que todas as ovelhas de Zootopia eram capangas de alguém?) montando guarda em frente à porta da sala do chefe Bogo. Antiga sala do chefe Bogo, Judy pensou. A sala estava claramente sendo ocupada por Highhorn. Enquanto eles observavam, os capangas foram chamados e entraram na sala.

— É agora – Nick falou pro Garramansa – você já sabe o que fazer.

— Tá, eu sei.

— Garramansa! – Judy chamou quando o guepardo deu alguns passos para longe – Nada de parar pra comer rosquinhas!

O recepcionista/arquivista/oficial/terror das rosquinhas e balanças/recordista mundial de comer cereal fez uma cara de tristeza. E logo depois começou a andar com muito custo em direção à sua mesa.

— Você acha que isso vai dar certo? – Nick perguntou para Judy.

A coelha nem se deu o trabalho de retribuir o olhar, concentrada no avanço heroico do felino em direção às suas caixas de rosquinhas estocadas sob o balcão.

— Isso tem que dar certo.

***

Highhorn apoiou as patas na mesa ampla do chef Bogo, desfrutando da posição de poder que o imenso brasão dourado atrás dele lhe conferia.

— Acabei de receber notícias da fábrica. Parece que aqueles imbecis estão levando uma surra da polícia. Então não se surpreendam se algum carro aparecer nos próximos minutos. Temos que apressar o plano, senão todo mundo já era. Então vão lá embaixo e levem o Doug para...

Highhorn foi interrompido pelo telefone em cima da mesa, que começou a transmitir um recado com uma voz que só podia ser a do Garramansa.

— Chefe Bogo,  o... ah, digo, chefe Highhorn, o senhor tem que atender a ligação do vice prefeito Mathias, ele...

Highhorn apertou o botão do ramal e disse um “depois eu cuido disso” mal educado.

— Tá, é que ele pediu urgência máxima, então...

— Depois eu cuido disso! – Highhorn disse, antes de perceber um detalhe crucial. Garramansa não deveria estar no balcão. Ele estava numa cela no subsolo.

— Como...

— Ah, como eu fugi, senhor? Foi fácil. É que eu não podia ficar muito tempo longe das minhas rosquinhas, sabe.

— Garramansa! – Highhorn disse – eu vou...

— Vai o quê? Eu é quem vou ligar para...

— Pra quem? Pra polícia? Pra prefeitura? O prefeito Daniel Zebrinski e esse vice, o Mathias, vão ter uma surpresinha logo, logo.

— Tem razão, eu não posso ligar pra polícia, seria a mesma coisa que ligar pra mim mesmo, mas eu ainda posso ligar praquele conhecido meu na FZI, aquele que...

Highhorn começou a ferver de raiva.

— Vocês dois – ele falou para as ovelhas na sua frente – vão lá e façam o que eu falei. Você –ele apontou para a outra ovelha – vem comigo. Nós precisamos pegar esse balofo metido à besta.

***

Judy se encolheu contra a parede quando os dois capangas passaram por eles rumo às celas. Doug fez um único movimento fluido e acertou as duas com o tranquilizante. Ele sabia mesmo segurar uma arma. Dois a menos, Judy pensou. Eles observaram escondidos próximo à sala de reuniões, o rinoceronte descer a rampa em direção ao balcão central, com a ovelha de guarda.

— Dá pra acertar eles daqui? – Nick cochichou para Doug.

— não, essa arma é uma porcaria. – Doug mirou com cuidado. – não têm alcance.

— E as armas dos capangas que a gente derrubou? – Nick insistiu.

— A mesma coisa.

Judy teve um pensamento louco, no exato momento em que Highhorn chegou à mesa de Garramansa.

***

Highhorn olhou para o balcão, desconcertado. Não havia ninguém. Como era possível? então de onde aquele gato gordo de madame ligou? Ele parou por um segundo antes de tentar dar a volta no balcão. Então ouviu um ruído baixo, como se alguém estivasse escondido sob o balcão falando algo.

Highhorn só descobriu que fora enganado quando viu o rádio colado ao telefone com fita adesiva.

Ouviu-se u estalo abafado vido do rádio.

— Há, tente me achar, agora, Rhino*.

***

Garramansa sorriu ao terminar de falar. Ele deu dois passos para longe da sacada e entrou numa sala de arquivos pouco utilizada. Seu celular vibrou. Ele o retirou do bolso e checou o display. Uma mensagem de Nick.

Precisamos de uma distração maior.

                                                             -Nick

Garramansa, contrariado, digitou:

Que tipo de distração?

A mensagem ficou sem resposta por alguns segundos. Então outra mensagem apareceu.

Sei lá. Tente a Gazelle.

                                       - Judy

***

— Isso nunca vai funcionar, cenourinha! – Nick cochichou o mais alto que podia – você ficou maluca?

— é isso ou enfrentar ele sem reforços. O que você prefere?

— O chefe Bogo está vindo! Só precisamos enrolar ele mais um pouco!

— Ah, onde está o seu espírito esportivo? Quer mesmo dividir a glória com o chefe Bogo?

Nick a encarou, não acreditando que sua parceira falara essa baboseira toda sobre glória e espírito esportivo. Judy riu.

— Só brincando.

Mas mesmo assim, ele sabia que ela não iria esperar o chefe Bogo voltar. E antes que isso acontecesse, os capangas do rinoceronte acordariam. Nick foi obrigado a concordar com a coelha.

Eles tinham quinze minutos, no máximo.

Ele observou  uma última vez Highhorn caminhando na sua direção, e começou a correr no exato momento em que a música começou.

***

Highhorn começou a estranhar a demora dos dois paspalhos que mandara ao subsolo. ele mandou seu capanga ficar de guarda ali no saguão pro caso de algum policial chegar, e começou a caminhar até lá.

Deixe o Sr. Rosquinhas pra outra hora. Ele não é uma ameaça. Ele havia dado três passos na direção do corredor quando ouviu, acompanhada de um ruído desagradável, no último volume.

O-O-O-O-OH,

O-O-O-O-OH,

Mas que... A música explodiu, fazendo Highhorn se encolher de susto. Logo haveriam centenas de mamíferos ali, tentando descobrir a origem do tumulto. Todo o sistema de som do ZPD, usado somente para anúncios urgentes, estava agora reproduzindo a voz de Gazelle. Highhorn imediatamente começou a correr rumo à garagem. Ele precisava urgentemente ir à prefeitura.

Estava tão distraído que só notou a cápsula quando esta atingiu seu colete à prova de balas.

***

Nick havia saído do caminho de Doug quando Highhorn passou, e viu a cápsula acertar o rinoceronte.

…I messed up tonight
I lost another fight
Dusting myself but I'll just start again…

Highhorn virou-se, e deu de cara com a raposa.

— Você.

…I keep falling down
I keep one hand on the ground
I'm always scared I'm not seeing what's next…

Nick nem teve tempo de se mexer quando o dardo veio em sua direção. Mas outro animal teve.

…Birds don't just fly
They fall down and get up…

O pequeno corpo foi sacudido violentamente quando o dardo o atingiu. De repente, todo o som morreu para Nick. À quilômetros de distância, a música fazia um esforço para continuar sendo ouvida.

... Nobody learns without giving
It won't…

Nick parou de escutar todo e qualquer som depois dessa frase. O rinoceronte à sua frente deve ter dito alguma coisa antes de sair correndo, mas Nick não prestou atenção. A única coisa que conseguia ver era a coelha caída no piso à sua frente.

Passaram-se anos antes que Nick chegasse até ela e verificasse sua pulsação.

As batidas do minúsculo coração de Judy Hopps ficavam mais lentas a cada instante.