Faces de Pedra escrita por Agatha Wright


Capítulo 4
4- As Feridas


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoas!

Eu sei que deixei vocês em um cliffhanger malvado no último capítulo então nem vou me demorar muito. Hehehe

Boa leitura!



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Meditação era uma parte extremamente importante da rotina de um vulcano, um momento para se organizar logicamente todos os pensamentos que estavam perdidos na mente. Desde que Vulcano se uniu com outros mundos alienígenas para formar a Federação, a carreira dentro da Frota Estelar se tornou algo possível e até desejado para aqueles que mostravam aptidão para uma vida de exploração longe de seu mundo.

Mas infelizmente as obrigações dentro de uma nave da Frota nem sempre combinavam com as necessidades da rotina vulcana.

Após algumas centenas de relatórios para ler e corrigir e assim garantir que sua nave estava operando no mais alto padrão de excelência, Sevel se viu com a estranha sensação de alivio quando se viu livre para acender suas velas e começar uma bem-vinda sessão de meditação.

Não era necessário muito esforço, uma vez que o hábito de meditar era algo inserido ainda nos primeiros anos da infância. Em poucos minutos, a mente de Sevel estava completamente desconectada do universo ao seu redor.

Até as turbulências começarem e ele quase ser lançado para o outro lado de seus aposentos.

“Sevel para a ponte. Informe!” Disse ele ao finalmente localizar seu comunicador.

“Senhor, explosões foram detectadas na engenharia.” Respondeu seu oficial tático.

“Alerta amarelo. Mande uma equipe de segurança até lá.” Disse ele ainda analisando a informação. “Alerte a enfermaria para receber feridos e mande uma equipe médica de emergência para lá. Tente localizar a fonte dessas explosões o mais rápido possível. Sevel desliga.”

Após dar suas ordens, ele marchou diretamente para a engenharia. Chegando lá, ele quase bateu de cara com a sua mais nova oficial médica.

“Dra. Wolf, relatório.” Ordenou ele.

A médica estava em um estado deplorável. Ela estava com seus cabelos, que sempre estavam presos em um penteado firme, completamente desgrenhados. Ele notou as manchas verdes no seu uniforme azul e sentiu uma súbita perturbação emocional. Era uma péssima hora para ele ter negligenciado suas meditações.

“Senhor, Todos que estavam na engenharia estão feridos em algum grau. Os mais graves já foram movidos para a enfermaria. Teremos um inferno nas mãos nas próximas horas!”

“Poupe-me das suas opiniões pessoais, doutora. Qual a possibilidade de alguém que realmente saiba o que aconteceu aqui possa dar seu relatório?”

Se fosse em qualquer outra situação Robin teria corrido sérios riscos de tomar uma bela advertência por demonstrar insolência. O modo ácido como Sevel lhe respondeu após ela ter passado os últimos minutos cavando escombros para resgatar T’Lyra. Fora muita sorte ela ter alcançado a engenharia tão cedo, sua pobre colega havia sido tele transportada direto para a enfermaria e estava nas mãos do Dr. Sakht naquele exato momento.

“Comandante Kovar está na enfermaria com algumas queimaduras, ele estava semiconsciente e não pode falar muito, talvez ele esteja em uma condição melhor agora.” Começou ela tentando segurar sua língua. “Acabei de retirar a tenente T’Lyra de uma pilha de metal, nesse exato momento não posso nem sequer lhe afirmar se ela ainda está viva. Se isso é tudo, eu tenho que dar assistência ao Dr. Sakht, pois ele deve ter uma boa dezena de cirurgias de emergência em suas mãos, e caso tenha notado essa é minha especialidade.”

Sevel sentiu uma leve ponta de diversão ultrapassar suas barreiras emocionais firmemente construídas. Ele podia notar o rubor subindo nas bochechas dela durante sua pobre tentativa de controlar suas emoções, crianças vulcanas em idade pré-escolar teriam desempenho melhor.

“Isso é tudo, doutora.” Respondeu ele após alguns momentos fitando impassivelmente a sua oficial médica. “Dispensada.”

Robin não esperou ouvir uma segunda vez e passou pelo capitão sem um segundo olhar. Ela se esforçou para se tranquilizar durante o caminho para a enfermaria. Com toda a certeza estaria um caos lá com todos esses feridos e um médico nervoso é um médico inútil.

Só que nada a preocupava mais do que o estado de T’Lyra. Ela estava com queimaduras sérias em várias partes do corpo causadas por estar perto demais dos computadores do reator de dobra e fora empalada por uma estrutura que se soltou durante as turbulências. Um cenário péssimo e com péssimas perspectivas, ela tinha que ter esperanças que as habilidades do Dr. Sakht fossem o bastante para salva-la. Era estranho ela estar tão preocupada assim com alguém que mal trocava duas palavras com ela durante o dia, mas de certa forma ela sentia como se isso não fosse necessário para que houvesse uma simpatia entre elas. As duas sabiam que tinham nada em comum exceto por um gosto por livros e silêncio. Não havia nada de muito produtivo para a relação delas em ficar conversando e vulcanos não tinham o menor interesse em ficar falando aleatoriamente sobre suas vidas e nem questionando as alheias, algo que Robin aprendeu a apreciar muito.

Elas não eram amigas, mas Robin notou o quanto ela gostava de sua colega, mesmo sem saber se o sentimento era recíproco em algum nível.

Seria terrível perder alguém assim. Com tanto significado e ao mesmo tempo com tanto para se saber.

“Dra. Wolf. Todos os feridos foram trazidos?” Perguntou T’Amar que carregava uma pilha PADDs em seus braços.

“Todos os que não podiam se mover por conta, sim.” Respondeu Robin tomando alguns dos PAAD e analisando os prontuários que estavam registrados neles.

Havia um pouco mais de vinte pessoas na engenharia no momento do acidente, aqueles que realmente se feriram eram os mais próximos dos computadores ou do reator de dobra. Algo de muito errado aconteceu para que tantos sistemas simplesmente explodissem daquele jeito. A maioria tinha apenas algumas queimaduras e contusões, e aqueles mais conscientes apenas conseguiram dizer que sentiram uma grande onda de força que os arremessou para todos os lados. Isso explicava a maioria das fraturas e concussões sofridas.

Mas assim que ela entrou na área onde estavam os pacientes, ela se surpreendeu ao ver que praticamente todos que haviam sido carregados inconscientes até lá já estavam parecendo bastante recuperados. Eles estavam silenciosos e ela podia suspeitar que alguns estavam meditando. Ninguém estava reclamando de nada ou tentando desafiar alguma ordem médica.

Ela tomou as rédeas da enfermaria enquanto Sakht estava na sala de cirurgia com T’Lyra. Ela tinha os dois alferes enfermeiros à disposição e rapidamente instaurou um sistema para triar e tratar dos feridos que estavam sendo trazidos da engenharia. Ela nunca se viu mais grata pela eficiência vulcana como nesse dia.

Ela localizou o Comandante Kovar em uma das camas. Ele era o Engenheiro-Chefe da T’Partha e provavelmente teria Sevel em seus calcanhares a qualquer momento. Exceto por algumas queimaduras que já estavam envoltas em curativos e um hematoma feio na testa, ele parecia bem e nem chegava perto do homem que ela teve que arrastar para longe de um console em chamas.

“Comandante, como se sente?” Perguntou Robin enquanto lia as informações no prontuário dele.

“Minha condição é estável, Dr. Sakht quer me manter aqui pelas próximas quatro horas para eliminar as possibilidades de algum dano neurológico não detectado pelos tricoders.”

“Bem, Dr. Sakht está correto, você tomou uma bela pancada na cabeça e não podemos deixa-lo passear por aí sem ter certeza que está tudo bem.”

Kovar ergueu uma sobrancelha.

“Eu não pretendo passear, Dra. Wolf.” Respondeu ele estoicamente. “Não consegui contatar nenhum dos meus oficiais até agora que estavam monitorando o reator. Se você me conseguir um PAAD, eu preciso checar alguns cálculos para entender o que causou aquele fenômeno e também preciso de acesso aos dados dos sensores internos da nave para checar se eles captaram alguma anomalia para assim eu ter respostas quando o Capitão vier atrás delas.”

Robin não pode deixar de sorrir para o engenheiro. Vulcanos eram extremamente disciplinados, mas também tinham um senso de dever quase que obsessivo e muitas vezes essas duas naturezas entravam em choque. Ele precisava cumprir seu dever para com a nave, mas também não podia ir contra as ordens diretas dos oficiais médicos.

“Você acha isso engraçado, Dra.?” Perguntou ele ao notar o sorriso em Robin que imediatamente sentiu as bochechas corarem.

“Oh! Não é nada disso!” Gaguejou ela apologeticamente. “Vamos fazer o seguinte: Me passe o nome de alguém que possa ser útil por você e eu dou um jeito de facilitar a troca de informações entre vocês e assim que puder eu arranjo uma forma de você conseguir os dados que precisa.”

“Eu apreciaria isso, Dra. Wolf.” Respondeu Kovar parecendo um pouco mais aliviado. “Eu gostaria de falar com a Tenente T’Lyra assim que possível, ela estava tentando controlar o fluxo de anti-matéria do reator, se essa nave está inteira nesse momento é graças a ela e eu preciso saber quais dados ela coletou.”       

Robin sentiu seu coração murchar, Dr. Sakht ainda estava em cirurgia com T’Lyra e ninguém apareceu para dar notícias ainda.

“T’Lyra estava em condição critica quando a removemos da engenharia, comandante.” Disse Robin tristemente. “Ela está em cirurgia agora.”

Ela podia jurar que viu uma rápida expressão de preocupação no rosto do engenheiro.

“Isso é um grande infortúnio. A tenente é uma das mais promissoras engenheiras que eu já conheci. Eu espero que ela se recupere bem.”

“Eu também, comandante. Espero trazer boas notícias logo.

Não chegaram a se passar dez minutos antes de ela ver o Dr. Sakht sair da sala de cirurgia parecendo bastante desgastado.

“Dr. Sakht, como ela está?”

O médico olhou para Robin por alguns momentos antes de responder.

“Ela está viva e estável por enquanto. Foi muito bom ela ter sido transportada imediatamente para cá, se houvesse um atraso de até três minutos o seu quadro seria irreversível. Suas habilidades também contribuíram bastante para que não houvesse nenhuma fatalidade hoje, Dra. Wolf, você correspondeu e até ultrapassou minhas expectativas.”

Robin não sabia o que dizer. Ela estava extremamente aliviada em saber que T’Lyra havia saído viva da mesa de cirurgia, mas ouvir um elogio do Dr. Sakht não era algo que alguém esperava receber um dia. Nos tempos em que ele lecionou na academia para os cadetes médicos ele era conhecido como o “Führer Vulcano”, ela sempre se sentiu sortuda em saber que no ano em que ela iria estudar as disciplinas que ele ministrava, Sakht tinha saído da Academia e se juntado a T’Partha.

“Obrigado, senhor.” Respondeu ela. “É muita gentileza sua.”

“Não há gentileza na verdade, Dra. Wolf. T’Lyra está viva graças aos seus esforços.”

“E todos estamos vivos graças aos esforços dela. Kovar disse que ela ficou no console controlando o fluxo de anti-materia no reator de dobra mesmo com todas as turbulências. Se ela tivesse se afastado poderia estar em um estado melhor, mas também teria corrido o risco de ter deixado o reator se romper.”

““spunau bolayalar t’Wehku bolayalar t’Zamu il t’Veh*” Sussurrou Sakht enquanto se afastava para pegar um PAAD e ler os prontuários. “Monitore T’Lyra pelas próximas horas para garantir que não haverá futuras complicações.”

“Sim, senhor.”

Assim que Sakht se afastou, as portas da enfermaria se abriram e o capitão Sevel apareceu com Varen e mais alguns outros cientistas vindo logo atrás.

“Dra. Wolf, estou atrás de notícias do Engenheiro-Chefe.” Disse Sevel assim que pôs seus olhos sobre Robin.

“Ele está se recuperando, mas já pode falar. Adianto que ele ainda está um pouco confuso sobre o que houve. Ele está na terceira cama à esquerda, senhor.”

“Isso é tudo, doutora.” Encerrou Sevel se encaminhando rapidamente para o leito onde estava o engenheiro. Robin sentiu um pouco de dó do pobre homem.

Ela se virou para Varen que estava acompanhado por mais dois oficiais do departamento de Ciências.

“Soube que T’Lyra se feriu durante a anomalia, como ela está agora?” Perguntou ele com seus olhos acinzentados brilhando de preocupação apesar de sua expressão neutra. Robin já o conhecia bem o bastante.

“Ela precisou passar por uma cirurgia, mas está estável agora.” Respondeu Robin.

“Eu posso vê-la?”

Robin olhou com simpatia para seu bom amigo.

“Eu preciso monitora-la pelas próximas horas. Acho que você pode ficar um pouco com ela.”

“Eu apreciaria isso, Robin.” Respondeu ele.

Ela olhou para os outros oficias de ciência que estavam lá também.

“Em que posso ajuda-los?”

“A Comandante T’Aria requisitou alguns dados da enfermaria sobre os pacientes atingidos pela anomalia espacial que se formou na engenharia.” Respondeu um deles.

“Então já se sabe que foi uma anomalia espacial que causou tudo isso? Como os sensores não a localizaram antes de passarmos por ela?” Questionou Robin enquanto baixava os dados necessários para um PADD.

“Essa é a questão que estamos trabalhando em responder. Os sensores internos indicam que passamos direto por uma anomalia, mesmo que os sensores externos indiquem que não havia nada lá fora.”

Robin alcançou o PADD com os dados requisitados para o oficial.

“Espero que isso seja o necessário.”

“Faremos nosso melhor para que tudo seja resolvido o mais rápido possível, doutora.”

Eles se despediram de Robin e saíram da enfermaria, deixando ela com Varen. Ela guiou seu amigo até onde T’Lyra estava. A jovem engenheira tinha ataduras em seus braços e ao redor de todo seu tórax e ela parecia muito mais pálida do que de costume, mas ainda assim com uma aparência bem melhor do que a que ela tinha quando Robin conseguiu tira-la debaixo dos escombros.

Ela franziu a testa quando olhou para o monitor que media a atividade cerebral da vulcana. Estava muito mais alta do que deveria para alguém inconsciente e sedado.

“Ela está em um transe de cura.” Disse Varen ao notar a expressão de sua amiga.

“Como assim?” Perguntou ela. “Nunca ouvi falar disso.”

“Nosso povo nem sempre sai espalhando todos os detalhes sobre nossa cultura e habilidades. Vulcanos com um grande treinamento e disciplina mental podem controlar suas funções corporais até um certo nível e também direcionar toda a sua energia para estimular o corpo a se curar. T’Lyra é uma dessas pessoas.”

Bem, isso sim era uma novidade. O conhecimento dela sobre a fisiologia vulcana era muito bom, mas apenas teórico até ela se juntar à T’Partha. Era bastante frustrante saber que vulcanos relutavam em colocar informações médicas importantes nos livros de Medicina.

“Você parece conhece-la muito bem.” Comentou Robin.

Varen apenas deu de ombros.

“Nossos clãs são próximos e estudamos a disciplina Venlinahr com os mesmos sacerdotes e tutores.”

“Basicamente, vocês cresceram juntos.”

“Não exatamente, nossas famílias apenas mantinham uma relação de amizade, mas isso não se estendia obrigatoriamente a nós, apenas seguimos caminhos parecidos.”

“Eu vejo...”

Eles ficaram em silêncio por mais alguns momentos.

“Eu não tenho um bom pressentimento com tudo isso.” Murmurou Robin para si mesma.

“Pressentimentos são ilógicos.” Respondeu Varen que com sua audição vulcana obviamente ouviu os resmungos de sua amiga.

“Claro que são.” Respondeu Robin com um riso que acabou saindo meio forçado.

Varen se virou para ela.

“Eu fui levado a acreditar que humanos eram mais inclinados ao otimismo em situações como essa.”

Robin apenas deu de ombros e não respondeu.

“Ainda assim, eu espero que esse seja apenas um mal passageiro e que nossa missão siga em frente sem nenhuma intercorrência grave.”

Robin sorriu para seu amigo e segurou sua vontade de perguntar se vulcanos consideravam esperança como uma emoção.

“Eu também espero, Varen. Eu realmente espero...”


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Notas finais do capítulo

Vamos lá!

— * Tradução Vulcano - Português: "As necessidades de muitos prevalecem sobre as necessidades de poucos" - Frase do Spock no final do filme A Ira de Khan

— Venlinahr: Disciplina vulcana que coloca as emoções sobre o controle. Não confundir com o Kolinahr que seria um estágio mais avançado onde todas as emoções são eliminadas. Venlinahr é o nível aceitável de controle para a sociedade vulcana e grande maioria da população para nesse estágio.

Eu tenho um painel no Pinterest onde posto meus desenhos e designs dos personagens, passem lá que tem algumas coisitchas legais: https://www.pinterest.com/thayfortes/fanfiction-faces-de-pedra/