Meia noite. Talvez seja clichê, mas é clichê por um motivo. Começos e fins, estes tem poder, e meia noite é quando alguém passa de um para o outro. Em um espaço de um segundo vai de ser hoje para ser amanha, e ao mesmo tempo, de ser ontem para ser hoje. Tente explicar como isso não é magia. 

m i d n i g h t      z e r o  

Castiel tinha sete anos e não podia sair do jardim de casa, nem ao menos colocar um pé fora da pequena porta de madeira pintada de branco que fazia parte da cerca que rodeava o lugar, seja para pegar a correspondência da caixa de correios do lado de fora ou para brincar na rua com as outras crianças do condomínio. Sendo este último mais rigoroso. 

O motivo para isso era que, depois que sua mãe morrera atropelada, seu pai ficara um pouco paranoico com isso, eram raras as vezes em que ele saía de casa para algo exceto compras (Castiel era escolarizado em casa, por isso não havia necessidade de deixá-lo e pegá-lo na escola). Em vez de sair e correr o risco de ser atropelado, Chuck ficava em casa escrevendo livros que provavelmente nunca fosse publicar. 

Talvez 'um pouco paranoico' seja errado para descrevê-lo. 

Deitado contra a madeira morna rodeada com o ar e cheiro da tarde, Castiel olhava concentrado o tabuleiro a sua frente, jogando com ambos os pinos verde e azul, era um daqueles dias comuns onde brincava sozinho. Com mais uma jogada, ganhara de si mesmo com o pino verde. Organizando o jogo dentro da caixa, Castiel o deixou na mesa de casa e voltou para o jardim para ficar no balanço e olhar as outras crianças correr pela rua ou jogarem bola. 

Um barulho de uma porta se fechando com força o fez olhar para a casa do lado direito da sua, de onde saía um garoto loiro em passos rápidos, pisando com força contra o chão como se estivesse com raiva. Ao passar pela calçada em frente a casa do outro, olhou para Castiel, que pode ver com clareza um corte em vermelho brilhante no seu lábio inferior e uma mancha formada em uma mistura de verde e amarelo na sua bochecha, como se já estivesse ali por um tempo. Suas sobrancelhas estavam quase se tocando em forma de uma expressão irritada e seus olhos, verdes como o pino do jogo, encontrou os do Castiel por apenas alguns segundos. 

Castiel continuou olhando para ele até ele sumir ao dobrar uma esquina no final da rua. Aquele era seu vizinho, Dean Winchester, que não parecia querer brincar com os outros embora passasse uma boa parte de seu tempo fora de casa. Dean nunca sorria e brigar com o restante dos garotos parecia ser sua atividade preferida. Castiel era curioso sobre ele, mas nada mais. Na verdade, nunca queria se aproximar de Dean Winchester, ele estava sempre irritado e nunca aparentava estar bem. 

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Na primeira vez que Dean falara com ele, Castiel estava de cócoras enquanto observava uma borboleta azul que se encontrava pousada sobre uma das plantas de seu jardim. Com a súbita presença de uma sombra, Castiel ergueu os olhos e encontrou Dean o olhando não muito interessado, com os braços em cima da cerca que os separavam. 

"Você nunca sai de casa." Não foi uma pergunta. Castiel permaneceu em silêncio, não esperando que um dia Dean falaria com ele. "Por quê?" Novamente o silêncio. "Você é retardado?" Sem resposta pela terceira vez, Dean balançou a cabeça negativamente e saiu dali. 

Mais tarde, Castiel perguntou a seu pai o que era um retardado.  

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Na segunda vez em que Dean falara com ele era quase meia noite e Castiel ainda estava acordado porque precisou ir ao banheiro. Ouviu um barulho quase inaudível e foi até a janela da cozinha, onde viu Dean pulando a janela que parecia ser de seu quarto. Quando Dean encontrou seu olhar, Castiel sentiu como se estivesse sido pego fazendo algo de ruim. Pensou ter visto Dean dar um sinal com a cabeça para ele o acompanhar, e querendo saber se estava certo, Castiel andou silenciosamente até a porta e viu Dean parado em frente a sua casa. 

"Você gosta de estrelas?" Perguntou Dean depois de um tempo após Castiel se aproximar. "Ah, esqueci que você é retardado." Disse ao não receber uma resposta. 

Castiel disse a si mesmo que nunca iria fazer amizade com Dean e não falando com ele parecia o jeito mais fácil de cumprir sua promessa. Queria perguntar o motivo para Dean estar fora de casa tão tarde, o motivo para ele ter pulado da janela, o motivo para um novo corte em seu nariz e o motivo de ele estar falando com Castiel novamente. Mas nada fez exceto o encarar com curiosidade.  

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Outro dia Castiel ouvira duas mulheres falarem sobre Dean. 

"Ele vai ser lindo." Disse uma delas. 

"Ele vai ser perigoso." Disse a outra. "Rebelde e perigoso." 

"As garotas vão se apaixonar por ele." 

"E alguns dos garotos também." 

Mais tarde, Castiel perguntara a seu pai se ele achava que Dean seria perigoso.  

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Noites depois, quando colocava o lixo nas latas que ficavam encostadas da parede de casa, Castiel viu Dean correndo em sua direção. Pulando a cerca, o garoto se escondeu na área e colocou o dedo sobre os lábios em um gesto que pedia silêncio. Segundos depois, um homem apareceu do mesmo lado de onde Dean tinha vindo. 

"Você, garoto, viu um pequeno ladrão filho da mãe por ai?" Perguntou o homem, de onde ele estava não dava para ver Dean. 

Castiel balançou a cabeça e levantou os ombros ao mesmo tempo. Ele sabia que o homem falava do Dean, o que não sabia era porque havia mentido. Castiel não gostava muito do outro garoto, que além de ficar arranjando problemas para as pessoas, o chamava de retardado. Agora pensando melhor, talvez devesse entregar Dean para esse homem, mas já era tarde, uma vez que o homem já se afastara. 

Dean olhou para a rua com um olho, sua cabeça colada contra a parede, tentando ver se estava seguro para sair dali. Ao não ver nada, Dean relaxou e passou a mão no rosto, em seguida olhou para Castiel. 

"Para um retardado, você até que me entende legal." 

Dean passou pela cerca novamente e Castiel fingiu que havia entrado em casa, mas na verdade se escondeu atrás da parede e ficou olhando Dean, que havia se encostado perto da janela de seu quarto e agora engolia um sanduíche que tinha nas mãos. Comer rápido demais não era bom, Chuck sempre dizia. Dean terminou o sanduíche em um piscar e pegou outro de dentro de sua jaqueta, mas apenas o olhou e guardou-o novamente, como se estivesse guardando para depois ou para alguém. 

Mais tarde, Castiel entendeu que ele havia roubado os sanduíches daquele homem que o chamou de ladrão.  

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Meses depois, Castiel conversava com Samandriel, seu outro vizinho, em seu jardim enquanto jogavam um jogo novo que Samandriel comprara. Eles falavam sobre gatos, chocolate e mais jogos. Gritos e um barulho de algo quebrando na casa vizinha fizeram os dois olharem para o lado, como as duas crianças curiosas que eram.  

"Meus pais falam que eu não posso chegar perto daquela casa ou do Dean." Disse Samandriel. "Eles falam que Dean é mau. Ouvi falaram que ele procura confusão na escola, acho que vai ser expulso." 

"Como assim expulso?" Perguntou Castiel curioso. 

"Não sei, ouvi falarem." 

Pelo resto do dia, os dois não falavam mais sobre Dean, Castiel estava mais interessado em saber como era a escola. 

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No dia de seu aniversário de oito anos, Castiel poderia ficar assistindo televisão até tarde da noite, que é o que ele estava fazendo naquele momento enquanto comia outro pedaço da torta que seu pai trouxera para ele. Era de chocolate e estava muito boa. Levantou para pegar outro copo de refrigerante, quando viu novamente Dean saindo do quarto pela sua janela. Castiel pensou sobre o dia do sanduíche e olhou para a torta em cima da mesa. 

Minutos depois, Castiel saía de casa segurando um prato e um copo. Dean estava sentado na calçada, limpando terra de seu jeans, quando ergueu os olhos e viu Castiel estendendo a comida para ele pegar, que saiu correndo após Dean o fazê-lo. Observou de longe, escondido na área quase abraçado com a parede, Dean comer a torta com vontade. Talvez Dean não fosse mau. 

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Dias depois, Castiel observou assustado Dean bater em outro garoto em frente a sua casa, o deixando no chão chorando e saindo dali, mas antes olhou para Castiel, que se assustou ainda mais ao ver sua expressão irritada e seus olhos verdes como os olhos de um homem mau dos filmes que seu pai assistia. E então a expressão em seu pequeno rosto relaxou e Dean já não parecia mais irritado, não quando os dois se olhavam. 

Mesmo não tendo Dean como uma ameaça para ele, Castiel prometera a si mesmo, novamente, que não chegaria perto do Dean, que sairia correndo quando este tentasse falar com ele, e que não iria encontrá-lo de noite quando todos estivessem dormindo. 

Oito anos se passaram e as mulheres estavam certas.  

Dean Winchester cresceu lindo, rebelde e perigoso. 

E Castiel segurou-se firme em sua promessa, amarrado a ela como se fosse um pedaço de cristal raro...Até a chegada da meia noite.