A Opositora escrita por ZaraBuehler


Capítulo 2
Dois




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O prédio de arquitetura já ultrapassada do século XXI projetava uma sombra imensa sobre mim, fazendo eu me sentir menor do que já sou. Tratava-se da minha escola. 

Era cinza, fria, de aparência triste, tudo combinando com o espírito da cidade de Ruswiastein. Um mastro estava erguido bem à sua frente, e no topo dele a bandeira com a suástica tremulava freneticamente. 

Adentrei pelo portão principal da escola, observando apenas a falta de pessoas à minha volta. Sem hesitar, fui direto para meu local de costume, uma mesinha de carvalho em frente à biblioteca e protegida do sol raro ou da chuva frequente por um telhado erguido bem em cima da minha cabeça. 

Era naquele lugar que todas as manhãs aguardava Fried e Brendan virem e atrapalharem minha leitura matinal. 

Naquele dia não fui diferente. Estava perdida nas páginas de um romance que tinha sido publicado recentemente quando o dedo firme e pontiagudo de Brendan me cutuca. 

— Não muda os hábitos nem no último dia. - Provocou Brendan. 

— Por que eu deveria mudar? Já você... Chegou bem mais cedo do que o comum. Parece que leva a sério mesmo esse lance de mudar os hábitos no último dia. - Retruquei. 

— Então... Soube que você e o Fried saíram ontem. 

Brendan soltou um sorriso malicioso dizendo a frase. 

— Ele te contou? - Perguntei.

Ele confirmou com a cabeça.

— Bem, fizemos a mesma coisa que sempre fazemos. Saímos de 21:30, depois do toque de recolher, fomos até a floresta que mais frequentamos, acendemos uns cigarros, bebemos... E conversamos. - Falei, soando indiferente.

— Dessa vez ele me pediu para ir a sós com você. - Disse, ainda com uma expressão maliciosa.

— Brendan, ele tem a Sarah. Dá para lembrar disto? - Falei, já perdendo a paciência. 

Brendan me olhou feio.

— E dá para lembrar que ele está com a Sarah por pressão dos pais? Sabe que os adultos têm o costume de nos casar cedo. - Brendan soltou uma careta com a ideia.

— Seja por pressão ou não, ele tem namorada, e mais, EU não quero. Nem se eu quisesse seria possível, eu sou uma sem virtude, já ele, tem uma habilidade mental, assim como Sarah, são perfeitos um para o outro. 

— Bem que você deve adorar um amor impossível. - Provocou Brendan, soltando um riso e sentando-se em uma das cadeiras em volta da mesa.

— Quer parar? - Insisti.

— Helse e Brendan... Que surpresa, logo vocês dois se desentendendo. - Ironizou uma voz atrás de mim. 

Virei-me e encarei o rosto de Fried.

— Mal descansou hoje, não foi? - Perguntei a ele.

— Assim como você. - Falou com um sorriso.

Fiz sinal para que ele se sentasse.

O trio que eu e os meninos formamos era bem incomum. Geralmente os manipuladores se tornavam amigos de outros manipuladores, os com poderes mentais com outros de poderem mentais, sem virtudes com outros sem virtudes e assim por diante. Brendan era um manipulador de eletricidade, Fried um super dotado, assim como minha mãe, e eles eram os que sempre me motivaram dizendo que um dia eu ia descobrir minha habilidade. Essa motivação rendeu oito anos de amizade. 

O grupo dos sem virtude da minha escola era composto por cerca de seis pessoas, e elas eram muito unidas. A única sem virtude da escola que não participava do grupo era eu, e não tinha um pingo de interesse.

Eu os observava naquela manhã, enquanto Brendan e Fried conversavam algo sobre trotes para fazerem. Provavelmente, eu veria os seis sem virtude no Curso Preparatório para os sem virtude, daqui a alguns dias, e aprenderia, enfim, seus nomes e sobrenomes. 

— Ei, Helse, bola um trote para a gente fazer. "Os esquisitões da escola aprontando." - Sugeriu Brendan. 

— Não somos esquisitões. Eles são. - Falei enquanto apontava para o grupo de sem virtude. - Vivemos a vida espontaneamente e feliz. Bebemos, fumamos... Apenas não nos misturamos com os idiotas que se acham. Ah, e não tenho uma ideia de trote.

— Podíamos aprontar com Frau Dilleman, não é, defensora dos oprimidos? - Brincou Brendan. - Nunca suportei Língua Alemã e aquela voz ridícula dela.

— Talvez se gostasse mais, não fosse tão burro. - Provoquei. - Mas eu topo aprontar com Frau Dilleman. 

— Pensando em fazer trote com a Frau Dilleman? Esqueçam. Já bolei um. Ah, e também para o resto dos professores. - A voz de Scott ecoou através de onde estávamos. 

Scott Hilbert fazia parte da turma que enchia o nosso saco e o de mais um punhado de pessoas. Ele era possuía um poder mental muito eficaz, a probabilidade acelerada. Conseguia pensar nas melhores soluções em questões de segundos ou menos. Provavelmente se tornaria um elaborador de táticas de guerra para o governo. 

— Ah, não vale com o seu poder. - Falou Brendan, indignado. 

— Sem contestações, idiotas. 

Por sorte, Scott proferiu isso e saiu sem provocar encrenca, muito provavelmente para pôr os trotes em prática. 

— Que droga. Injusto. - Reclamou Brendan. 

— Super injusto não fazer o mal. - Falei meio irônica.

Coloquei um dos meus braços no ombro de Brendan, tentando inspirar confiança. Trotes eram uma coisa boba, mas coisas bobas que o Brendan não podia fazer sempre o deixavam triste. 

O sinal ecoou pela escola e quase que instantaneamente nós três nos levantamos. 

— Aula da Frau Dilleman para nós três, agora. - Anunciei. 

Brendan resmungou atrás de mim, enquanto caminhava em direção à sala. 

Seguia em uma tentativa de passos firmes e exalação de confiança, mas sei que fracassava miseravelmente. 

— Pronta para ser uma sem virtude de certeza? - A voz irritante disse em meu ouvido.

Reconhecia aquela voz. Era Sarah. 

A megera possuía uma cara dissimulada com cabelos louros dourados caindo sobre a cintura, olhos pequenos e verdes. Sempre tentava desesperadamente elevar seu posto social e pertencer ao grupo dos populares, mas, assim como eu tentando exalar confiança, fracassava. As atitudes dela eram tão ridículas para com os outros que pensar na ideia de Fried casar com ela por pressão dos pais me fazia ter náuseas. 

Odiava-a com todas as forças, e me deixava contente o fato de saber que Fried me amava, e não a ela. Sarah gostava realmente dele, já eu, apenas como amigo. Ficar contente com isso provavelmente me torna uma pessoa má, mas eu não me importo. 

— Preparada para parar de bajular os populares idiotas? - Provoquei-a. 

Ela simplesmente me ignorou e foi abraçar e acariciar o Fried.

— Por onde andou ontem à noite, meu Friedrich? - Falou ela, com voz de criança chorona. 

— Não me chama assim. - Falou irritadamente o Fried. - Estava com a Helse. - Confessou sem hesitar.

Sarah disparou um olhar raivoso para mim. 

— Ah. Hoje podemos sair... Sabe, último dia, Fried. — Convidou ela.

— Não dá, vou aproveitar com os amigos. - Inclinou levemente a cabeça em direção a nós.

Sarah saiu, desarmada e sem dizer mais uma palavra.

O segundo sinal tocou, anunciando um quase atraso. 

— Acho que ela ficou bem brava com você. - Comentei.

— Como se eu me importasse. 

Fried, então, puxou meu braço e disparou em corrida até a sala de Língua Alemã, para evitar um atraso.


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