Por sua causa escrita por Elie


Capítulo 23
Silas


Notas iniciais do capítulo

Soube na hora.



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Corri para dar um abraço em Bruna assim que cheguei na sala. As notícias ruins chegam rápido. Todo mundo estava falando como ela tinha sido grossa com Tainá e que Cecília era maravilhosa por ter lhe dado um murro. Sei que Bruna conseguia ser insuportável quando queria, mas a coisa estava feia.

— Poxa, amiga, que tenso. Pelo menos não está tão ruim assim — tentei acalmá-la.

— Isso porque está com três camadas de corretivo, uma camada de base e uma camada de pó.

— Realmente, a Cecília passou dos limites. Mas você também...

— É, eu sei que errei. Já pedi desculpas para Tainá. E agora eu estou aqui, solteira e com o rosto desse jeito.

— O Tiago não fez nada para te ajudar? — perguntei. Sei que o namoro deles não andava nada bom, mas pensei que ele pelo menos se preocupasse com ela.

— Que nada. Ele estava mais ocupado com outra garota... Duas horas depois de terminarmos! Ficou me chamando de louca por tanto tempo, mas a realidade é que eu deveria estar certa. Não acho que ele se importasse mais comigo.

O professor estava arrumando suas coisas nessa hora e pediu para que eu me sentasse. Notei que Tiago sentou longe da gente pela primeira vez em muito tempo.

Tiago e Bruna namoraram quase o ensino médio inteiro. No início ela acreditou na fantasia de que iriam casar um dia. O golpe só não foi mais forte porque o relacionamento foi desmoronando aos poucos com ciúmes da parte dela e desatenção da parte dele.

 

***

— A cena dos dois foi ridícula! — Nina comentou, aproveitando que Bruna tinha ido ao banheiro.

Ninguém deu muita bola para o que ela falou. Janaína estava concentrada olhando para o seu celular e Rafaela estava muito triste.

A professora Amélia conseguiu descobrir a armação de Flávio e Rafaela para o trabalho de redação. Ambos combinaram de fazer a própria biografia e entregar como se o outro tivesse feito. Claro que a professora descobriu tudo quando comparou o nível dos trabalhos. 

— Como você está? — perguntei para Rafaela, ignorando o comentário de Nina.

— Minhas notas já não estavam boas, mas a nota extra do sarau pode me ajudar. O problema é o Flávio... Ele corre sérios riscos de perder o ano.

— Sinto muito, amiga, mas vocês procuraram isso — fui firme.

— Eu sei. O problema é que estou me sentindo mal por ele... — Rafa admitiu.

— Você está se sentindo mal pelo garoto que te chamou de baleia assassina por anos? — Nina ficou indignada.

Esse comentário fez Rafaela olhar para baixo e ficar um pouco pensativa.

— Vocês sabiam que os pais do Flávio se esforçam muito para conseguir pagar o colégio? — ela comentou.

Todos nós ficamos chocados. Flávio adorava se exibir com celulares caros e roupas de marca. Nenhum de nós imaginou que seus pais tivessem problemas financeiros. Pelo menos isso mostrou que Rafaela estava mesmo refazendo seu trabalho de uma maneira justa.

— Pode contar comigo se precisar de ajuda no trabalho — Jana se voluntariou.

— Comigo também — falei.

As outras garotas permaneceram em silêncio. Nina deveria ter festas no Refúgio para ir. Bruna tinha acabado de voltar e já estava olhando para Tiago tocando violão para um monte de garotas do segundo ano. 

— Bruna? — tentei trazê-la de volta para a realidade.

— Sim? Claro! Pode contar comigo também — ela não mudou a direção de seu foco.

Olhei para Jana, que devolveu o olhar de preocupação. Não precisamos falar nada para saber que estávamos pensando na mesma coisa: precisávamos fazer algo para ajudar minhas amigas.

 

***

Eu e Bruna fomos para casa de Rafaela para ajudá-la a montar um portfólio sobre o Flávio. Só faltava Janaína para completar o grupo. Aguardamos ela chegar para iniciar o trabalho.

— A Jana foi bem legal em se oferecer para ajudar  — Bruna comentou.

— A ideia do portfólio foi dela — Rafaela nem conseguia esconder o remorso de ter falado mal de Janaína no outro dia.

— Uma pena que a Nina não pôde vir — lembrei.

Fiquei um tanto chateado por Nina não ter demonstrado preocupação com Rafaela. Principalmente porque sempre estávamos disponíveis para ela quando precisava.

— Espero que não tenha nos trocado por um boy. Por experiência própria, não vale a pena — Bruna estava melhorando, mas ainda estava amargurada.

A campainha tocou nesse momento. Levantei-me para atender a porta e encontrei Janaína segurando uma caixa enorme cheia de materiais de papelaria. Cumprimentei-a com um beijo na bochecha e percebi que ela se esticou um pouco para verificar quem já tinha chegado.

— Flávio não veio? — Jana estava preocupada com ele.

Rafaela estreitou os lábios e balançou a cabeça negativamente. Janaína falou que o convidaria para que pudéssemos ajudá-lo também, mas ele agradeceu e disse que depois daria uma resposta. A resposta foi uma mensagem em cima da hora para Rafaela, avisando que tinha outro compromisso e se viraria sozinho.

— É uma pena — Jana suspirou. — Pelo menos tentamos ajudá-lo.

— Exato. E essa papelaria que você trouxe? — Bruna riu.

— Faremos a melhor biografia que a professora Amélia verá — Jana profetizou.

— Vocês são demais! — a alegria no rosto de Rafaela era contagiante.

Separamos algumas fotos que a mãe de Flávio tinha mandado por e-mail a pedido de Rafaela. Ele tinha cinco irmãos e seu pai morava longe porque só conseguiu emprego em outra cidade. Nosso colega tinha que trabalhar como garçom à noite para ajudar em casa e ficar com as gorjetas para si.

Thomas curtiu sua foto. Era a mensagem em meu celular.

Mostrei a mensagem para Janaína, que revirou os olhos e fez uma cara de nojo. Esqueci que eu ainda o seguia. Apertei o botão para deixar de seguir.

— Ainda não creio que é o mesmo Flávio que conhecemos. A pessoa que mais ri dos outros! — eu disse. Não conseguia acreditar como uma pessoa que vivia com tanto sufoco tirava tanta graça com o sufoco dos outros.

— Talvez a história dele seja exatamente o motivo que ele tem para descontar nos outros — Janaína ponderou.

— Isso mesmo. É uma pena — Rafaela olhou para Jana com admiração. 

Lembro que quando Rafa ganhou seu primeiro concurso de miss pluz size, Flávio desenhou uma baleia de batom no quadro. Acho que Tainá apagou o desenho assim que viu, mas aquilo mexeu comigo na época. Ainda bem que Rafa ignorou os comentários e desfilou pelo colégio com sua coroa como se fosse um desaforo.

Enquanto eu e Jana cortávamos algumas fotos e papeis coloridos, Bruna escrevia detalhes sobre Flávio nesses papeis. Foi um ótimo trabalho em equipe.

— Nem eu coloco fé no que estou escrevendo... — Bruna ia falando algo mais quando foi interrompida por uma notificação em seu celular.

Quando ela leu o que estava na notificação, seu semblante mudou. Ela ficou com o rosto vermelho, prestes a chorar, mas conseguiu segurar.

— O que foi? — Rafaela perguntou. Todos nós ficamos preocupados.

Isso a fez mostrar o celular para nós. Era Tiago, seu ex-namorado, postando um vídeo cantando com outra garota. Revirei os olhos, sem paciência.

— Bruna, isso é uma perda de tempo, sabia? — Jana também estava impaciente.

Essa fala fez Bruna olhar para Jana com cara de desprezo, como se ela não soubesse de nada para poder opinar.

— Ela está certa. Você é inteligente, lindíssima e gente boa. Qualquer garoto faria de tudo para ficar com você. Por que você tem que se humilhar assim por esse cara? Justamente esse cara que nunca te valorizou? — Rafaela desabafou.

— Isso mesmo. Não entendo como a pessoa mais paquerada do colégio consegue ter tão pouco amor próprio — planejei falar essas coisas há muito tempo, mas eu não queria ser o amigo que se intromete no relacionamento dos outros, mesmo sabendo que é necessário às vezes.

Jurava que Bruna faria um escândalo, diria que tínhamos inveja dela e que estávamos dizendo isso por ciúmes de Tiago, mas ela ficou em silêncio e começou a roer as unhas.

— Tive uma ideia — Jana tinha um semblante vivaz.

Enquanto olhávamos para Janaína, perdidos, ela vasculhava a caixa procurando por alguns itens. Depois de alguns segundos, tirou um pequeno rolo de fio de nylon e uma caixa cheia de peças sortidas de bijuteria.

— Tive uma experiência muito legal esses meses — Janaína ainda procurava outra coisa na caixa. — Descobri que, às vezes, precisamos de amigos ao nosso lado para nos lembrar de certas coisas óbvias que esquecemos facilmente. Somos muito mais fortes quando temos apoio — ela tirou outras duas latinhas da caixa.

Soube na hora do que ela estava falando. Era sobre promessa de mindinho.

— Isso é o que estou pensando? Mas não é coisa de criança? — Rafaela mexia numa das latinhas cheias de bugigangas.

— É, sim, mas quem se importa? — Jana deu de ombros.

— Adorei! — Bruna se animou, quando deu uma olhada nas pecinhas.

— Isso é para fazer pulseira da amizade? — perguntei. Não consegui esconder o desdém. Aquelas pulseiras eram infantis, cafonas e não combinavam nada comigo.

— Sim. Para que vocês se lembrem desse momento daqui a alguns anos. Vamos ser honestos, provavelmente mal nos falaremos depois que as aulas acabarem. Mas se tivermos essas pulseiras, lembraremos deste exato segundo em que nos preocupamos uns com os outros. Lembraremos que devemos ter amor próprio e que nunca poderemos esquecer quem somos de verdade. Lembraremos que não podemos nos diminuir por romances que não têm futuro. Também não esqueceremos que algumas pessoas tentarão nos diminuir, mas isso é um problema delas. E lembraremos que não precisamos crescer tão rápido.

A animação de Bruna foi sendo substituída por uma grande comoção. Aquelas palavras eram o que ela estava precisava ouvir. 

— Own! Que coisa fofa! Já vou escolher minhas pecinhas — Rafaela exclamou, enquanto mexia numa latinha.

Pensei em dizer que não era muito o meu estilo, mas fui inibido pela felicidade das outras garotas.

— Pelo menos teremos peças exclusivas — brinquei.

Terminamos de montar nossas pulseiras e voltamos ao trabalho. O portfolio ficou maravilhoso. Bruna deu a ideia de organizarmos uma espécie de linha do tempo com eventos importantes da vida de Flávio. Terminamos até rápido, afinal  estávamos trabalhando a oito mãos. Ficamos olhando para o portfolio como uma mãe olha para um filho.

Bruna tinha curso de inglês naquela tarde e se despediu primeiro. Ela nem citou o nome de Tiago depois que colocou a pulseira no punho, parecia mágica. Retirei-me da sala por algum tempo para lavar a minha mão, que estava suja de cola. Quando voltei, percebi que Janaína e Rafaela conversavam como velhas amigas. Escutei um pouco da conversa escondido.

—  Obrigada por tudo. E me desculpe pelo que te falei naquele dia. Conversei com Silas por sua causa. Ele me disse como estava se sentindo. Fiquei muito feliz que finalmente conseguiu se abrir comigo — Rafa disse.

— Sabia que vocês acabariam se acertando — Jana comentou.

Levei minha mão ao meu peito. Sorri. Uma sensação boa tomou conta de mim.

—  Nossa, você está absolutamente divina nessa foto — Jana elogiou, como se sua atenção tivesse sido subitamente roubada pela fotografia.

Não precisei ver a foto para saber que era uma imagem de Nina ganhando o concurso de miss plus size teen quando tinha quinze anos. Também era uma de minhas fotos favoritas e ficava em cima da estante, num lugar bem exposto.

— Obrigada — senti tristeza em sua voz. Acho que Rafaela não gostava muito da foto, apesar de sua mãe amar mostrá-la para todo mundo.

— Você é o máximo. Sei tem que parecer forte todo tempo todo... Não deve ser fácil ser um modelo para tantas garotas.

— Todo mundo tem seus dias difíceis — Rafaela respondeu.

— Tomara que Flávio consiga se resolver. Mas que dupla você arrumou, né?

— Nem me fale.

Parei de escutar e escondido e fui ajudá-las a arrumar a bagunça que fizemos. Senti pena de Nina por ter perdido aquela tarde. Foi um dia que ficou marcado para sempre na minha memória. 

 

Rafaela (20:01) - Agora eu te entendo. A Jana é especial. Obrigada por me mostrar isso. 

Silas (20:24) - Você também é.


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Notas finais do capítulo

Could you love this?
Will this one be right?
Well, if I'm being honest
I'm hoping it might

https://youtu.be/CY0fLYnw59M



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