O meu final feliz escrita por Lácrima


Capítulo 2
Primeiro beijo




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/700979/chapter/2

Kakeru continuou com aquele jeito tímido. Isso nunca mudou e também acho que se fosse diferente ela não teria se apaixonado. Chegava a ser engraçado como, mesmo depois de estarem namorando, os dois ficavam em silêncios intermináveis durante os almoços que escolhiam ficar longe da gente.

Uma vez, eu, Chino e Azusa (porque Hagita disse que não era da conta dele e foi embora) ficamos escondidos na porta para a saída do terraço, só ouvindo a conversa deles e ficamos muito preocupados quando nenhum som saía lá de dentro. Azusa foi rápida em querer espiar e não conseguiu segurar o riso quando descobriu que cada um olhava para um lado, enquanto Naho estava paralisada e vermelha segurando uma caixinha de suco de laranja. Eles só acordaram do transe porque ouviram nossas tentativas de fechar a boca dela.

Depois, Naho ficou num canto explicando o que tinha acontecido para as duas e eu fiquei ao lado de Kakeru. Enquanto as garotas riam alto, Naho cobria o rosto e implorava para que fizessem menos barulho. Eu achei a situação especialmente bonitinha, mas quando percebi, Kakeru tinha uma sombra melancólica em seu olhar. Aquilo me deixou assustado. Nenhuma carta falava sobre isso. Tiver que ajudar o quanto antes.


— O que aconteceu? - perguntei diretamente, com um tom sério.

— Desculpe... - sorriu daquele jeito resignado e suspirou, querendo aproveitar que estávamos longe delas - É que... não mudei muito desde então, não é? Não acho que... sou um bom namorado para ela - completou com dificuldade, sem me olhar.

Meu sorriso desapareceu e só consegui captar a felicidade transparente de Naho. Como ele não conseguia enxergar o óbvio? Ela sorria com muito mais frequência agora. Suspirei e dei um soquinho em seu ombro. Kakeru ergueu o rosto, sem entender.

— Pode contar comigo, cara - respondi, achando que ele entenderia. Não tive uma reação consistente, então soube que não podia desistir. Então as garotas voltaram até nós e, no fim, acabamos passando o restante do intervalo em grupo.

Depois daquilo, pouca coisa mudou. Na verdade, começamos a perceber que a relação deles era extremamente lenta e, sem o auxílio das cartas, Naho não conseguia tomar as decisões mais incisivas e corajosas sempre. Já Kakeru apenas parecia se esforçar ao máximo para não deixar-se perder na depressão, então sorria mais e às vezes simplesmente precisava ficar quieto.

— Que chato. Já faz mais de um mês e os dois continuam andando longe um do outro - Azusa comentou, fazendo um muxoxo.

Estávamos sentados em um banco, protegidos atrás de um arbusto tentando enxergar o casal mais adiante.

— Não entendi por que vocês achavam que seria diferente - reclamou Hagita, que estava em pé e envergonhado de estarmos fazendo aquele papel de espião.

— Agora sem as cartas não sabemos direito o que está acontecendo... - comentou Chino - Está mais difícil de ajudar.

— E pensar que eles ainda não se beijaram! Daqui a pouco até o Hagita se declara para mim e os dois estão aí

— EU NÃO BEIJARIA VOCÊ NUNCA - Hagita gritou para Azusa muito vermelho, quase deixando cair os óculos da face. Sua mão tremia.

— Hahahaha. Quem falou em beijar? - brincou ela, gargalhando e mexendo as pernas, divertida com a reação do garoto.

Chino aproveitou a distração e me olhou daquele jeito misterioso e virei o rosto.

— Ele ouviria você - foi o que ela disse, mas depois pareceu arrependida, porque minha reação foi um estalar na boca e um olhar raivoso que não consegui controlar.

O que ela estava pensando? Eu já fiz o meu papel. Já torci por eles e dei todo o meu apoio. Agora além de tudo preciso ser cupido? Foi isso que passou na minha mente e uma corrente de adrenalina tomou conta do meu peito. Estava sendo egoísta. Desviei o olhar pois Chino continuava impassível.

— Hm? Ei. Isso é uma boa ideia - Azusa levou o polegar à boca, pensativa. - Vocês são bem amigos, não são, Suwa? Você poderia falar com ele, não é!?

— Acho que ele é mais próximo do Hagita - menti, mas queria que isso fosse verdade. Chino realmente parecia arrependida, pois desviou o olhar, prestando atenção no fluxo da conversa agora.

— Eu sou mesmo um amigo melhor.

— E por acaso ele contou como está o relacionamento entre os dois? - Azusa se empolgou, inclinando o corpo.

— ... - Hagita hesitou, ajeitando o óculos e depois seguindo com seu tom de voz sério - Nenhum dos dois consegue tomar iniciativa. Uma vez ele quase deu um beijo em seu rosto. Depois até da nossa aposta no festival.

— E aí, o que você disse para ele? - Azusa quase cortou o final da frase, empolgada. - Eu não conseguia ver o propósito daquela conversa, então cruzei os braços.

— Nada. Que tome o tempo dele.

— O quê? - a loira gritou, indignada - Como assim, Hagita? Ah, mas que sem sentimentos! Ele precisava de um incentivo, de um papo de homem, entende? Ei, Suwa poderia ajudá-lo durante os treinos. Ele é másculo que você - mostrou a língua para Hagita, que corou e resmungou alguma coisa. - Então, o que acha?

Dessa vez, Chino acompanhou o olhar de todos e de repente eu estava encurralado.

— Não entendi direito o que vocês querem que eu faça... - cocei atrás da cabeça - É meio esquisito ter esse tipo de conversa, porque eu não sou pai dele e às vezes-

— É ISSO! A mãe se separou do pai dele muito cedo... ele nunca teve chance de ter uma conversa de homem pra homem! - Azusa cobriu o rosto - Talvez ele esteja se sentindo muito frustrado.

Não sabia se aquilo era real um teatro, mas de alguma forma o jeito com o que Azusa disse isso me tocou um pouco. Eu mesmo não gostaria de falar de nada disso com a minha mãe e talvez ele precisasse mesmo de um apoio. Suspirei.

— É, acho que você têm razão. Eu vou falar com ele.

— ISSO! - comemorou a menina. Hagita pedia para ela ficar mais contida, enquanto Chiho me olhou nos olhos com aquele jeito soturno e depois desviou, parecia um pedido de desculpas.

— Hoje à tarde vou conversar com ele - prometi e depois falei diretamente para a Chino, embora os outros dois não tivessem percebido - Está tudo bem - sorri e recebi de volta um sorriso maduro.

Assim, chegou o momento em que estávamos dando uma pausa no futebol. Eu não tinha pensado em nada daquela conversa enquanto eu corria e chutava pra longe a bola. Acho que descarreguei toda a minha frustração na quadra. Aquele dia recebi muito apoio dos colegas do clube.

— Você foi mais enérgico hoje - Kakeru sorriu, enquanto eu bebia água. Lancei um olhar a ele. Normalmente eu perguntaria que tipo de elogio era "enérgico" para um jogador de futebol, mas no caso, sabia que ele apenas estava se esforçando para gerar um elogio.

— Valeu

Simplesmente, ele juntou as coisas em sua mochila da Adidas em silêncio e se preparava para ir embora.

— Ah, cara, espera. É... Você quer conversar? - Senti que aquela pergunta era bem esquisita para se fazer a um colega.

Kakeru me olhou, sério, e com um rosto tão normal que eu me senti uma aberração de jogar aquela pergunta no ar. Apenas ri exageramente e, para minha surpresa, ele apenas disse, com um sorriso: - Tudo bem.

Então ele realmente estava tentando iniciar um assunto? Pedi para que me esperasse um pouco para terminar me de me arrumar e logo estávamos no fim de tarde.

— Naho não está esperando por você hoje? - estranhei.

— Não. Hoje ela disse que ia sair com as meninas - ele respondeu com um misto de alegria e saudades. Percebi que tinha sido um plano delas desde o início.

— Entendi.

Ficamos em silêncio até atravessarmos o portão. Era ridículo e eu podia entender como provavelmente Naho se sentia eufórica ao lado dele sme saber o que dizer naquele silêncio constrangedor. É claro que para mim o motivo era outro.

— Então... vocês estão bem? - comecei, finalmente. Resolvi olhar para o caminho e coloquei a mão para trás do pescoço, como se fosse uma conversa muito casual. Senti que ele me olhava com um pouco de estranheza, mas foi o final daquele olhar que me irritou: tinha uma dose de pena ali. Ele estava se sentindo culpado por falar disso comigo. - Olha, fica tranquilo. Isso não é difícil para mim. - ri forçadamente - Ela me deu um fora, lembra? Está tudo bem. É sua garota. - Minha garganta travou quando eu disse isso, mas por sorte ele não pareceu notar.

— Eu sei que vocês se esforçaram muito para nos dar todo o apoio então fico em dúvida se deveria falar isso...

— É porque nós nos esforçamos muito que você deveria continuar nos contando - disse firmemente. Aquilo pelo menos era verdade. Eu tinha um compromisso com o meu futuro "eu" e esse "eu" não queria perder nenhum dos dois para a tristeza.

— Imaginei que você fosse dizer isso - sorriu. - É só que não quero parecer injusto. Quer dizer, depois de tudo, eu sinto que só consegui ficar com ela porque vocês armaram tudo, para que eu não...

"Me matasse" era o restante da frase.

— Tá brincando? É claro que não! Quer dizer... nós sempre soubemos que ela gostava de você. Eu também sabia. Além do mais, isso foi um conselho sábio de nossas versões no futuro. Quem ela sempre amou foi você!

"Mesmo quando casou comigo no futuro", pensei e a verdade caiu seca no peito. Parei de falar e aquela constatação era triste. Será que meu eu do futuro sabia que Naho só teria olhos para Kakeru mesmo após sua morte? Se não fosse assim, não teria enviado cartas de arrependimento, o maior de todos era não ter permitido que os dois ficassem juntos.

Kakeru pareceu levar um susto com aquela explosão, então apenas deu um meio sorriso e continuou caminhando.

— Você não vai falar nada? - perguntei um tanto irritado, mas mais baixo. Aquela atitude me deixava com raiva às vezes, mas então eu me lembrava que ele enfrentava a depressão e que eu não sabia como ele se sentia de verdade.

— Obrigado - disse simplesmente e isso apaziguou as coisas.

Um longo silêncio se fez até que alcançássemos uma bifurcação. Em vez de nos despedirmos, Kakeru parou e ficou me olhando e, como eu não saí do lugar, ele conseguiu reunir coragem e me disse:

— Eu não sei direito o que fazer. Desculpe. - Olhei preocupado. Não entendia sobre o que estava se referindo. - Naho e eu. Não acho que sei... ser um namorado. Quer dizer... se estou fazendo as coisas certas.

— O quê? Mas não é como se tivesse um manual ou coisa assim - Desviei o olhar. Aquela conversa era mesmo meio constrangedora. Será que daqui dez anos eu conseguiria falar sobre isso com meu filho normalmente?

— Eu sei... - suspirou - Hagita me disse a mesma coisa.

— É a verdade, cara. Você tem que fazer aquilo que você quer, mas ao mesmo tempo que vai deixá-lo feliz e fazê-la feliz também. - Sem querer, acabava imaginando o tipo de atitude que eu tomaria e por um segundo, pude me ver de mãos dados com Naho e a foto de nós dois casados veio forte na minha mente.

— Acontece que não estou fazendo nenhuma dessas coisas - olhou para o lado. Seu rosto estava um pouco vermelho, embora ele tentasse manter a pose.

— O quê? - perguntei sério e mesmo sabendo que era impossível que ele estivesse a maltratando, quis sacudi-lo para descobrir a verdade.

— Eu queria muito... e isso me faria feliz... e acho que ela também... - Kakeru começou a divagar e eu permiti que ele tivesse tempo de fazer isso enquanto um sentimento esquisito crescia em mim - Queria poder... tocar os lábios dela.

Prezado "eu" de dez anos atrás. Você estaria preparado para ouvir esse tipo de coisa? Meu corpo todo ficou congelado, mas meu rosto estava era bem quente. Gaguejei alguma coisa. Que droga! Quis parecer legal esse tempo todo, mas...

Kakeru riu.

— Desculpe. Isso foi muito esquisito, não é?

Tossi, engasgado com minha vergonha e concordei com a cabeça imediatamente. Ele parecia mais suave com a situação do que eu.

— Obrigado. Eu pensei que isso era difícil só para mim, então estava me sentindo um fraco - admitiu, sem graça.

— O quê? Não! Isso não é nada de mais! É normal. Uma hora acontece. Eu só achei estranho o jeito que você falou, só isso - tentei me explicar, mas o bom de ter um amigo como ele é que não existe aquela pressão orgulhosa. Naruse Kakeru sempre é humilde e não competiria comigo em relação a essas coisas. - Mas então o que você quer que eu faça? - perguntei sem querer. Na verdade, não tinha o que fazer na minha visão, mas ele parecia bem certo do que gostaria de perguntar.

— Eu estava pensando em criar uma situação. Queria que fosse especial.

— Hmm... - limitei a dizer, enquanto, como um besta, de fato imaginava como eu faria para agradá-la e como teria sido nosso primeiro beijo. Na minha imaginação, caíam flores de cerejeira em seu casaco quando eu simplesmente a puxava pelo ombro, após confortá-la com belas palavras.

— Suwa?

— O quê? - acordei de repente, com o rosto vermelho. Não podia dizer que estava me imaginando com a namorada do meu amigo. - Ah. O cinema. Convide-a ao cinema! - disse sem pensar. Ainda estava imaginando a Naho do meu mundo paralelo. Kakeru ficou ali parado me olhando e depois sorriu.

— Um clichê então funcionaria, hm?

— É claro que sim. Convide-a para ver um filme - mostrei o polegar. - Não tem erro.

— Obrigado, Suwa - ele sorriu e o fato de não ter dito nada contrário me deu um frio na barriga.

Lá no fundo, eu sabia que, depois do primeiro beijo, não havia mais volta para o futuro eu que conhecia. Não sabia se um dia eu conseguiria ser verdadeiramente feliz.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O meu final feliz" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.