Ankward: Mundo Guardado escrita por Senhorita Pato


Capítulo 5
Caminho da Morte


Notas iniciais do capítulo

Sorry pela falta de semana passada. Provavelmente haverão outras.



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Isabela não conseguia se mover enquanto era carregada por Analexa. A magia que cobria a menina, além de não deixar os líquidos escorrerem de seu corpo, também causava muita dificuldade de movimento. Isso ocorria por causa da energia mágica que entrava em contato com a seiva, formando uma espécie de fusão que deixava ambas mais fortes.

Isabela não sabia disso. E ia continuar assim, pois não tinha vontade de perguntar. A essa altura, estar em um mundo de fantasia não parecia mais tão fascinante... parecia mesmo que toda a sua energia havia se esvaído, até não haver nenhum resquício que pudesse usar para extravasar a raiva.

A menina saiu de seu torpor quando ouviu um barulho alto de água corrente — que já devia estar audível há 20 metros atrás — e ergueu o olhar. Analexa se aproximava de uma larga ponte de madeira sobre um rio que corria ferozmente e se alargava conforme seguia para leste. As águas não aparentavam serem especiais, muito pelo contrário, carregavam bastante terra. Isabela ficou um pouco surpresa: ela não esperava que mundos mágicos não tivessem riachos cristalinos.

Assim que ultrapassaram o rio e o barulho da correnteza foi deixado para trás, Isabela voltou a olhar melancolicamente para o chão, tentando não pensar em nada.

* * *

Antony, ao invés de raiva, sentia uma inquietação cada vez maior. Ele queria mover seu pé direito, como fazia quando estava nervoso, porém também estava preso pela combinação de seiva com magia.

Ao contrário de Isabela, olhava atentamente ao redor, para a paisagem. A trilha por onde Horan caminhava apressadamente era estreitíssima, quase invisível. As árvores eram altas e cheias de lindas flores coloridas. Vez ou outra, um inseto parecido com uma borboleta, no entanto com o dobro do tamanho, passava por ele e pousava em Horan, que espantava o bicho com um resmungo, desequilibrando-se um pouco e fazendo o estômago de Antony congelar a cada vez que achava que ia cair. Os ombros do Mid eram estreitos, o que dificultava para ele carregar o garoto.

Horan e Analexa caminharam por mais ou menos meia hora até chegarem aos seus destinos. Eram os alojamentos, complexos formados por pequeninas cabanas que abrigavam os Mids visitantes da capital que vinham todo fim de ano para testemunhar o sacrifício de gratidão a Rackismid. Saindo desses alojamentos, havia largas avenidas abertas na mata, cercadas por árvores que serviam de arquibancada para os Mids assistirem as crianças se encaminhando ao ritual. Geralmente, eles desciam para seguir os escolhidos, formando uma procissão até o Monte da Vida, como Analexa explicara no dia anterior.

Chegando ao alojamento, Antony observou tudo mais atentamente ainda — já tinha se cansado de olhar apenas para as plantas. Era uma vila, com pequenas casas de madeira de pau a pique organizadas em estreitas ruas tortas, onde vários Mids andavam de um lado para o outro, conversando. Eles vestiam roupas no mesmo estilo que Rhavid, Rowle, Horan e Analexa, porém mais simples, sem tanto tingimento, compensando com enfeites de flores, folhas e insetos coloridos empalhados. Antony sentiu um arrepio ao ver uma daquelas grandes borboletas servindo de pingente para o colar de uma mulher que caminhava na direção da saída do pequeno povoado, que no caso, era a avenida pela qual o garoto passaria, quando fosse levado ao Monte da Vida.  

Nesse momento, uma folha encantada, do tamanho da mão de Antony, chegou voando e bateu no rosto do Mid que o carregava. Ao pegar a folha, ele leu a mensagem, que para o garoto estava escrita em símbolos desconhecidos. Horan encheu os pulmões de ar e se dirigiu confiante e apressadamente para a esquerda, saindo do limite das árvores e indo em direção à avenida, que era uma estrada de terra aberta no meio das árvores, sem qualquer coisa — gravetos, pedras, grama — para atrapalhar seu caminho. Ao redor, os Mids pendurados nos galhos da árvore conversavam animadamente. Eles praticamente expeliam ansiedade.  

No início da avenida, havia uma cadeira sobre uma plataforma, para que Antony se sentasse e quatro Mids o carregassem. Essa ideia animou um pouco o garoto. Pelo menos, morreria parecendo alguém importante.

“Assim como provavelmente centenas de crianças escolhidas tinham morrido. E ninguém soube o nome delas”, pensou tristemente, logo em seguida.

Alguns jovens Mids, tanto homens quanto mulheres, estavam em torno da cadeira, vestindo roupas mais chiques do que o resto do povoado, tingidas em verde, branco e laranja-avermelhado. A maioria deles carregava ou um tambor, ou uma espécie de flauta comprida. Ao ver Horan se aproximando, levantaram-se de um salto. Eles rapidamente puseram Antony sentado na cadeira, enquanto os músicos se organizavam em fileiras apressadamente. Ao notar a agitação, os Mids nas árvores foram calando-se pouco a pouco, sem perder aquela sensação de ansiedade na boca do estômago.

O espetáculo estava prestes a começar.

***

A cadeira de Isabela foi erguida por Mids fortes. As flautas começaram a ser tocadas em notas mais graves, produzindo uma melodia sagrada, que o ritmo marcado pelos tambores fazia parecer intensa e forte, multiplicando o nervosismo da garota. Parecia que um enorme peso comprimia seu coração, e a qualquer momento, iria esmagá-la. E quando isso acontecesse, ela explodiria em lágrimas.  

Não, isso não iria acontecer. Não podia. Era a pior vergonha que existia, chorar em público, demonstrar fraqueza. Mas, se Isabela já estava fraca, que diferença faria?

“Eles não precisam saber”, lembrou-se.  

O desfile começou. Analexa ia à frente, Isabela ia atrás, atrás dela vinha a banda e depois da banda vinham as centenas de Mids que queriam acompanhar a “menina do sacrifício”, como a chamavam.  

Alguns esperavam para descer de seus poleiros. Eles observavam Isabela com uma espécie de devoção. Ela sentia como se estivessem devorando-a com o olhar. Estava ficando cada vez mais nervosa com aqueles carinhas idiotas. Ser adorada era como ter poder e, ironicamente, essa era a única coisa que ela não tinha. O que não faria para se livrar do destino que a aguardava?

O desfile tomava tempo demais, deixando Isabela impaciente. Ela quase sentia vontade que aquilo acabasse logo. A música, a paisagem, os pensamentos , tudo estava repetitivo demais.

Cerca de duas horas e meio depois, ela avistou algo à frente da avenida. Era alto, marrom, ao que parecia, e com paredes imponentes.

Não, não eram paredes. Eram inclinadas, e paredes não eram assim. O que Isabela via era o planalto.

Conforme se aproximava, os detalhes iam ficando mais visíveis: um monte que continha tanto terra como rochas, sem nenhuma vegetação. A garota se perguntou como os Mids que a carregavam escalariam aquilo, mas logo concluiu que, se eles conseguiam subir em árvores como macacos, não seria tão difícil escalar o planalto.

Antony também se aproximava do Monte da Vida. Seu coração batia mais forte a cada metro vencido, até que quase parou quando a procissão estacou ao pé do planalto. A música cessou, dando lugar a um silêncio mortal. Até as plantas e as grandes borboletas pareciam ter parado para assistir.

Horan levou os dedos aos lábios e emitiu um alto e agudo assovio. Outros três responderam, não parecendo estar muito distantes. Com o sinal dado e recebido, Horan começou a escalar, seguido pelos Mids.  

Era um caminho tortuoso. Vez ou outra, alguém escorregava e acidentalmente levava outro junto. Infelizmente, Antony não podia ver isso e dar risada, já que estava na frente da fila. A cada segundo que corria, seu nervosismo crescia, até quase o fazer desmaiar quando a escalada chegou ao fim.

Horan parou a dois metros do topo e desceu Antony da cadeira. Ele quase caiu, por causa dos tornozelos amarrados e do tremor que sentia nas pernas. O Mid esforçou-se e rapidamente fez o garoto flutuar, o que reforçou a sensação de frio no estômago do assustado Antony.

Com muita concentração, Horan manteve o menino flutuando e guiou-o até a estaca mais próxima de onde estavam. Ele observou o famigerado planalto: o chão era mais plano do que imaginou, sem uma irregularidade sequer na terra marrom, e tinha quatro postes de madeira dispostos no centro, próximos uns aos outros. Ele contemplou o local aonde iria morrer, até notar que não era o único que flutuava ali.

À sua esquerda, vinha Isabela se debatendo na tentativa de quebrar a magia que Analexa estava controlando, e à direita, pequenos Mids trajados com as mesmas roupas que as crianças terráqueas usavam. Antony as observou com curiosidade, e chegou à conclusão que eram a versão em miniatura dos Mids, embora tivessem a pele levemente menos enrugada. Elas não tinham pavor, medo nem tristeza em suas expressões, muito pelo contrário: pareciam exultantes. Isso foi suficiente para desconcertar Antony e Isabela.

As quatro crianças se aproximaram das estacas e foram posicionadas. As cordas que prendiam seus braços e pernas se desamarraram magicamente para prender as crianças nos postes.

Rowle, Rhavid, Horan e Analexa se viraram cada um para seus respectivos Mids e começaram a falar bem alto e sincronizadamente, uma longa oração de agradecimento para o nobre, o grande, o bondoso, o criador Rackismid.

Antony e Isabela já haviam perdido toda a noção de tempo que tinham quando o falatório dos líderes Mids terminou, com uma frase berrada, seguida da reação da multidão, que consistia em gritos.

Enfim, o sacrifício começara.


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Notas finais do capítulo

Sou só eu tem mais alguém que imagina os Mids que nem o et do filme E.T. - O Extraterrestre?
Achou o capítulo legal? Deixei passar algum erro? Pode dizer aí nos comentários!
Um abraço (ou só um aperto de mão, se você não gosta) e até logo!



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