Gênese: A Saga da Rosa - Temporada I escrita por FireboltVioleta


Capítulo 35
A Iniciação




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Amar é renunciar o que se 'ama', em detrimento da pessoa amada”

 

— Gustavo Mendes Fiúza

 

—---------O---------



ROSE




Ela estava irreconhecível.

Hermione Weasley sempre havia tido uma aura superior.

Mas aquela bruxa diante de mim era simplesmente inumana. Uma entidade cósmica e poderosa, personificada num corpo humano, cujo poder podia ser sentido na atmosfera palpitante entre nós.

Minha mãe… era uma Wicca.

— Ah… minha filha… - sussurrou, um silvo imponente banhado pela dor.

Minhas mãos ainda tremiam.

Dezenas de perguntas se resvalaram dentro de minha cabeça naquele momento.

Porém, inicialmente, só consegui balbuciar uma delas.

— Como nos encontrou?

Seu olhar cinzento e brilhante sustentou o meu por um momento.

— Alvo – respondeu em tom baixo, tornando sua voz pouco mais que um soprano potente – assim que percebeu que a Capa havia desaparecido… me enviou uma carta. E então… - sua expressão se contraiu de pesar – eu sabia que estariam aqui. O único refúgio… que uma garota desesperada tentaria encontrar.

Ergui a cabeça, soluçante.

— Por que? Como? - ofeguei – há quanto tempo…?

Embora ainda fosse decididamente intimidante, havia uma inegável e intensa pincelada de arrependimento no resplendor extraordinário de minha mãe.

— Há dezoito anos.

A resposta desabou sobre mim como um balde de água gelada.

Dezoito anos.

Eles já sabiam disso… antes mesmo de eu sequer existir. E vinham escondendo isso de nós durante toda a nossa vida.

— Por que? - por fim, pareci encontrar minha voz, que saiu num rosnar rouco de cólera – por que nunca me disse nada!?

Seus lábios formaram uma linha rígida.

— Eu tentei proteger vocês.

— ME PROTEGER? - berrei – ME DEIXANDO COMPLETAMENTE SOZINHA?

Descontrolada, me surpreendi quando a chama de um dos archotes disparou como um jorro flamejante em sua direção.

Num único movimento, porém, ela interrompeu o ataque, fazendo as labaredas se dissiparem repentinamente no ar.

Recuei vários passos, horrorizada, percebendo que, inconscientemente, havia acabado de tentar atacar minha própria mãe.

Espantada, vi um sorriso triste se abrir em seu rosto.

— Você é bem mais poderosa do que eu havia imaginado, querida – um guincho sufocado escapou em meio ao seu tom reverberante – vai aprender a usar esse novo poder com o tempo.

— Eu acabei de matar um homem – minha voz saiu rascante e desolada.

— Não – cortou-me – foi um acidente.

— Não importa! - gritei – se tivessem nos contado sobre isso…! - engasguei por um momento – n-nada… nada disso… teria acontecido, mamãe…

Depois de tanto tempo, eu estava desesperadamente à procura de alguém para culpar pelos infortúnios que eu havia passado. Contudo, eu parecia me esquecer que também tinha certa parcela de culpa, e isso me deixava ainda mais fora de mim.

Deixando de lado toda a sua suntuosidade, ela ajoelhou-se diante de mim, pousando as mãos sobre meus ombros.

— Tem razão, meu amor – concordou, súplice – sim, eu deveria ter contado… e você tem todos os motivos para me odiar agora. Seu pai e eu… sempre fizemos de tudo para proteger você e o seu irmão… querendo lhes contar a verdade quando finalmente estivessem prontos para entenderem…  e isso só piorou as coisas. Erramos em esconder isso por tanto tempo. E procurei poupá-la tão desesperadamente… que o que temíamos acabou por acontecer.

Por trás das feições régias, eu ainda podia ver que minha mãe estava ali. A mesma mulher carinhosa, dedicada e altruísta que eu sempre havia admirado.

Por mais que a mágoa me assolasse, eu entendia que ela havia feito todo aquele teatro apenas por medo de que eu não estivesse pronta para saber de tudo. Por que era minha mãe, e me amava suficientemente para sempre me distanciar do máximo de sofrimento possível.

Eu queria ter raiva. Eu queria ter pena. Eu queria ser compreensiva.

Porém, o estrago já estava feito. Ambas haviam cometido o mesmo erro de guardar segredos uma da outra. E nenhuma de nós poderia mudar isso agora.

Ainda assim, estava sendo difícil de acreditar.

Eu era uma Wicca.

Tudo sempre havia parecido tão ridículo, tão fantasioso, que saber disso agora ainda era extremamente surreal para mim.

Eu via a angústia dela. Mamãe também estava sofrendo com aquela terrível situação.

— Rosie… - senti-a afagar meu rosto – eu não irei mais guardar segredos – proferiu solenemente – mas preciso que confie em mim uma última vez. Por hora… lhe contarei apenas o que precisa saber. E, com o tempo, revelarei tudo que for preciso… está bem?

— Mamãe… - murmurei, cabisbaixa – o que eu sou…? O que nós somos…? Como isso começou?

Admirada, assisti algumas das vinhas no interior da redoma se engalfinharem pelo chão, tecendo uma belíssima rede abaixo do corpo de Scorpius erguendo-o do chão e aninhando-o cuidadosamente em seu interior.

— Pobre garoto – disse consigo mesma – foi muito corajoso da parte dele vir até aqui com você… nunca poderei agradecê-lo por isso.

Eu estava vendo, em um mesmo momento, todas as manifestações de poder elemental possíveis. E agora compreendia que aquele dom não era tão atemorizante quanto havia imaginado.

Podiam haver Wiccas do bem. Minha mão era a prova viva disso.

E, como eu temia, havia aqueles que podiam se descontrolar… como eu.

— Quando descobri que era Wicca – suspirou – eu fiquei tão perdida e amedrontada quanto você. Me sentia uma bomba-relógio. Fazia coisas terríveis quando perdia o controle. Durante todos estes anos, aprendi a lidar com isso. E eu garantirei pessoalmente que você também aprenda, Rosie. Errei em deixá-la na escuridão por tanto tempo… e isso não voltará a acontecer.

— Mas o que está havendo? - guinchei desoladamente – por que… eles estão nos perseguindo…?

— Não sei – disse, contraindo os punhos – eu descobrirei. Mas não agora. Não depois do que aconteceu aqui. E não com você neste estado.

Sua expressão taxativa não me animou.

— Saber só o necessário – resmunguei, assentindo – está bem.

Tinha a sensação de que ia desabar a qualquer momento. Então, de certa forma, foi sensato da parte de mamãe decidir dar mais detalhes em outro momento oportuno.

Metade de mim ainda a culpava pelo que havia acontecido. Nada me tirava aquela amargura de ter matado uma pessoa – mesmo que esta pessoa fosse um bruxo das trevas ameaçador.

Mas se éramos tão instáveis quanto mamãe havia citado, eu não havia tido qualquer controle da situação.

Isso deixava minha consciência, de certa forma, um pouco menos pesada.

— Está bem – concordei.

— Querida… eu só preciso saber de mais uma coisa… uma só – ela recostou a testa contra a minha – e, depois disso, voltaremos para o castelo.

Aparentava ódio de si mesma por me pedir mais aquele esforço.

— Claro… - concordei inexpressivamente.

— Nina lhe disse algo… sobre uma profecia?

Era o segundo balde de água fria daquela noite.

— Nina? - sacudi a cabeça, me recordando – aquele vulto encapuzado no lago…. O ano passado…?

— Sim – mamãe confirmou com um aceno da cabeça – era eu.

Dei um passo para trás, a encarando.

— Você quase a matou – retruquei secamente.

— Eu a ameacei – ela me corrigiu, embora fosse nítido que se arrependia do que havia feito – a teimosia dela poderia ter colocado muitas pessoas em risco. Mas vejo, no fim das contas… que não fui melhor do que ela nesse aspecto.

— Por que ela tem tanta raiva de você?

Estava na cara que eu havia acabado de tocar em um ponto extremamente sensível.

— A mãe dela… Calíope… era uma amiga da família – minha mãe virou o rosto, como se não aguentasse mais ver em meus olhos – foi ela que enunciou a profecia sobre mim, há dezessete anos. Seu pai a salvou em uma incursão, quando um desabamento atingiu o ninho de náiades onde elas viviam. Desde então, vivíamos em harmonia com as náiades da Floresta do Deão… - suas íris prateadas estremeceram – até o dia do acidente.

ME recordava vagamente do que Nina havia me contado.

— O acidente…

— Sim. Eu estava por perto naquele dia… ajudando os aurores em um rastreamento nas redondezas. Houve outro desmoronamento na região – vi-a fechar os olhos, desolada – eu… estava longe. E, quando eu conjurei minha magia… já era tarde demais – baixou a cabeça – desde então, ela me culpa pela morte da mãe… e com toda a razão.

Houve um momento de silêncio entre nós duas.

— Sim – quebrei a quietude repentinamente – ela recitou uma profecia.

— Entendi – falou simplesmente – não vou pedir que tente se lembrar agora. Mas já é um ponto de partida para descobrirmos o que aqueles bruxos queriam conosco.

— Então… é verdade… - ergui minhas mãos – eu… sou mesmo uma Wicca.

Finalmente, mamãe tomou coragem e voltou a me fitar.

Por mais que sua aparência causasse medo e reverência, havia um marejar de lágrimas humano demais em seu olhar. Era como ver a mais pura prata mergulhada num poço de águas cristalinas.

— Quando o pai de vocês me pediu em casamento… essa foi minha primeira preocupação. Pensar na descendência… em correr o risco de prosseguir com esse legado tão pesado… jogar toda essa responsabilidade sobre os ombros de uma criança inocente. Eu quase pensei em me recusar à isso… em exterminar qualquer chance de continuar com essa linhagem tão poderosa.

Perplexa, ouvi-a soluçar penosamente, abrindo um sorriso.

— Mas então… descobri que estava grávida. E, embora ainda me corroesse com a mesma ansiedade, eu nunca havia ficado mais feliz em toda a minha vida. A amei desde o momento em que vi aquele pequeno teste dar positivo – sua voz perdeu o timbre sobrenatural, quase tomando seu tom costumeiro, sacudido pelo tremor que a dominou – amei vocês desde os primeiros chutes. Me apaixonei pelos primeiros sorrisos… os primeiros passos. As primeiras palavras – prosseguiu – e então, de repente, meu medo diminuiu por um longo tempo. Minha vida e meu mundo eram vocês… e eu já não pensava em mais nada – sua expressão desapareceu – nem na responsabilidade que ser uma Wicca representava. Eu espero… um dia… poder ter o seu perdão, e que possa confiar em mim outra vez.

Fechei os olhos por um momento.

E tomei minha decisão final.

— Eu… eu te perdoo, mamãe – gemi, derrotada – mas chega de segredos… por favor.

Ela ofegou, puxando-me para um abraço apertado.

— Eu prometo, meu anjo – jurou, afagando meus cabelos – chega de segredos.

— Obrigada...

Retribuí, acocorando-me em seus braços. Nunca havia me sentido tão vulnerável na vida quanto naquele momento.

— Agora durma, minha pequena Semente. Amanhã será um novo dia.

Senti um torpor anormal dominar meu corpo, somado a uma repentina sonolência. Meus braços amoleceram, e minha cabeça pendeu, anuviando ainda mais a visão que já começava a se turvar.

— Mamãe…

— Sim?

— Não me deixe… sozinha de novo…

Não precisava me preocupar. Ela jamais voltaria a me deixar.






























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