Gênese: A Saga da Rosa - Temporada I escrita por FireboltVioleta


Capítulo 27
O Dragão Negro




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/700513/chapter/27

 

Sintonia é coisa de espírito. Veio do antes e pertence ao sempre.”

— Luiz Eduardo



—------------O------------



SCORPIUS



Novamente - naquela primeira noite da nossa volta ao castelo – voltei a ser assombrado por outro daqueles estranhos sonhos.



Estava escuro. A floresta era densa, fechada, sem qualquer nesga de luminosidade para me orientar. Tateei às cegas, tendo apenas as copas fantasmagóricas das árvores para orientar minha visão.

Temeroso e retraído, senti uma brisa golpear minha nuca. Enrijecendo, hesitei em dar meia-volta para encontrar a origem da corrente de ar.

No fim das contas, ela é que havia me encontrado.

De início, tudo que eu consegui ver foi um par de brilhantes íris prateadas em meio à escuridão.

Conforme se aproximava, porém, percebi que a imensa criatura usava o breu noturno como seu manto. Suas escamas emergiam das trevas, como uma extensão sinistra e bela da própria Noite.

Paralisado, sustentei por alguns segundos o olhar flamejante do belíssimo e arrepiante dragão negro.

Mesmo que tivesse um incontestável porte majestoso, e seus olhos já fossem letais o suficiente para causar reverência, algo me dizia que aquele impressionante animal não tinha nenhuma intenção de me ferir.

Vi-o se aproximar de mim, virando a cabeça, pousando uma de suas pupilas esbranquiçadas em minha direção. Fiquei hipnotizado com os laivos de cor prata, que seu imenso olho lampejava em minha direção.

Para minha maior surpresa, o dragão se pronunciou, numa voz etérea, feminina e potente.

— Ah, meu pequeno… tua carga será pesada – resfolegou num suave rosnado – terá que se preparar se for continuar neste caminho, criança.

Por fim, consegui encontrar as palavras em minha boca.

— Q-quem é você?

O dragão – que eu agora sabia ser uma mulher – ergueu o focinho, pondo-se nas patas traseiras, erguendo as garras dianteiras levemente em direção ao céu.

— Sou algo que tentaram destruir, meu jovem – a criatura suspirou – o meu legado deveria ter terminado há muito tempo – determinou – no tempo certo, você entenderá. Precisa estar preparado para tudo que vier a enfrentar.

Repentinamente, o dragão arfou, expelindo um jorro de chamas azuis pela boca. O fogo ergueu-se na grama seca que nos separava, crepitando, tomando uma grande altura.

Ainda podia ver as esferas luminosas de seu olhar por trás das labaredas. Espantado, vi figuras surgirem na pira azulada, movimentando-se velozmente sob meu olhar.

— O mundo não é tão simples quanto parece, Scorpius – ouvi a voz retumbante dela voltar a ecoar, enquanto uma das formas, que se assemelhava a uma curiosa forma humana, galopava animalescamente em meio ao fogo  – existem coisas além da mera compreensão humana. Segredos que não podem ser descobertos antes do tempo designado. Embora não possa descrever o que o aguarda, precisa estar ciente de que isso ocorrerá.

Ofeguei, confuso, quase me distraindo com outra forma que emergiu nas labaredas – um tipo de roda com recipientes, que se desintegrava lentamente diante da minha visão.

— E como eu posso me preparar para uma coisa desconhecida? - sussurrei.

O focinho do dragão esgarçou-se no canto, abrindo um pequeno esgar e expondo alguns de seus dentes afiado, numa contração que eu só podia descrever como um sorriso tristonho.

— Ela irá te ajudar – fechou os olhos, recuando, desaparecendo em meio às chamas – no tempo certo… o meu sangue irá lhe contar…



Acordei trêmulo, com o olhar esgazeado.

Esfreguei as mãos contra o rosto, fremindo, debruçando-me sobre os joelhos.

— Outro pesadelo, Scorpius?

Olhei para o lado. Alvo me encarava, preocupado, sentado na ponta do colchão de sua cama.

— Achei que tinham desaparecido – bufei, massageando a testa.

Meu amigo desceu da cama ao lado, sentando-se na minha.

— Tá a fim de contar?

— Ah, valeu. Precisava mesmo de um terapeuta – brinquei, me debruçando no travesseiro – já está na hora da aula?

— Ainda não – ele se acomodou na beirada, rindo – são cinco da manhã. O pessoal só desceu pra tomar café – ele cutucou meu tórax, humorado – pare de mudar de assunto – seu sorriso esmaeceu – não quer mesmo me contar?

Ergui uma sobrancelha.

— Pra você me chamar de doido? Não sei não… - diante da expressão neutra de Alvo, revirei o olhar – beleza. Prometa que não vai rir.

— Claro – Alvo ergueu a mão, fazendo um sinal de xis sobre o peito – juro que não vou dar risada.

Mesmo prevendo que o exato oposto ocorreria, decidi arriscar. Afinal, Alvo era meu amigo. Ele merecia que eu lhe confiasse todos os meus segredos, por mais estranhos e hilários que fossem.

— No meu sonho… - mordi o lábio – um… um dragão falou comigo.

A boca de Alvo se contraiu.

— Ei! - bati no ombro dele, ao que meu amigo sufocou uma risadinha – você prometeu!

— Desculpa, Scorpius! – o vi arquejar, risonho – foi mais forte do que eu! – Alvo respirou fundo, recompondo sua expressão séria logo em seguida – pronto… pode continuar. Você disse que um dragão…? Tipo… de verdade?

Cocei a nuca, tentando me lembrar.

— Bem… ele não era como os outros dragões que estudamos em trato das Criaturas Mágicas – comentei – sabe, nada parecido com os wyverns que vivem na natureza. Aquela tinha quatro patas – relembrei a fisionomia solene, sentindo um arrepio – era grande… negra… de olhos prateados – pisquei – nunca vi nada parecido em minha vida… fosse em sonho ou acordado. Foi a coisa mais bonita e assustadora que já apareceu na minha frente.

— Aquela? - ele repetiu – o dragão… era fêmea?

— Não sei se é a categorização certa, Alvo… não parecia ser um animal irracional – encolhi os ombros – era… consciente. Muito inteligente. Falava de forma humana. Foi… arrepiante.

— E o que ela te disse?

— Em resumo? - engoli em seco – para eu… me preparar – vinquei a testa – e antes que pergunte… não, ela não me disse para quê. Pois é. Vai entender….

— Um dragão negro, certo? De olhos prateados? Hábitos noturnos, talvez?

Ergui o olhar, estranhando a expressão pensativa de Alvo.

— Sim. Por que?

Sem responder, Alvo se levantou, indo até o baú onde havia guardado seus pertences na noite anterior. Abriu-o, apanhando um livro qualquer lá de dentro, e voltando a fechá-lo com uma pancada. Assim que terminou, voltou a sentar onde estava, inclinando-me uma das páginas abertas.

— Por que é idêntico a este daqui.

Era um livro de magizoologia, que categorizava todas as treze raças de dragões europeus em um de seus capítulos.

Em uma das categorias, desenhado esmiuçadamente em ricos detalhes, havia um exemplar quadrúpede de corpo escuro - exatamente igual ao que eu havia visto no sonho.

Sua descrição – se é que podia ser chamada assim – ela decididamente vaga.



CLASSE: desconhecida

NOMENCLATURA: sem categoria definida

SOPRO: fogo azul

ESCAMA: preta

ÍRIS: prata

NOME VULGAR: Arauto da Morte

 

O Arauto da Morte é uma espécie de dragão ainda desconhecida pela comunidade bruxa em geral, o que ocasiona a falta de dados sobre seu comportamento e classificação. Até o fechamento desta enciclopédia, oficializado pela divisão de mastozoologia europeia, houve apenas dois casos confirmados de aparições do Arauto em toda a Grã-Bretanha, ambos ocorridos no fim do século XX, nos arredores do interior de Hogsmeade.



— Só isso? - arquejei.

Encarei a ilustração. Com todos os detalhes da imagem, era visível que o ilustrador havia tido um tempo razoável para registrar minuciosamente cada característica visual do exemplar. Então, por que haviam tão poucos dados sobre ele?

— É. Por isso estou estranhando – admitiu Alvo – não faz nenhum sentido…

— Hogsmeade? - vinquei a testa – Alvo… - senti um arrepio na nuca – será que a aparição desse dragão… tem algo a ver com aqueles dados que encontramos sobre a elfa da sua tia?

— Ei, espera aí! - ele titubeou – está supondo que haja uma relação? Qual é, Scorpius! - bufou – Hogsmeade é enorme… para mim, tudo isso pode não passar de coincidência! Aliás – fechou o livro – só por que uma série de presságios e sonhos bizarros acontecem, não quer dizer que estejam relacionados – Alvo apertou a lombada do livro – o dragão… te disse mais alguma coisa?

— Sim – respondi – que eu entenderia… quando ela me dissesse… algum tipo de segredo.

— Ela? Ela quem?

Encarei-o, aturdido.

Eu não sabia o que dizer. Era algum tipo de pressentimento. Algo que estava além de minha compreensão jovem e ingênua. Sentia-me como uma criança perdida, certa de que havia aprendido uma matéria, mas sem conseguir recordá-la de modo algum.

— Alvo… eu acho… que ela estava falando de Rosie.

Ele me fitou por alguns segundos, abrindo lentamente um sorriso.

— Agora é a hora que eu começo a rir – zombou – não é?

Balancei a cabeça em negativa.

O sorriso de Alvo voltou a desaparecer.

— Não. Não é.

— Pode parar por aí – vi-o erguer a mão – por que você acha que tudo que anda acontecendo está girando ao redor da minha prima, cara?

Enrijeci, tenso.

— Não acho, Alvo. Por alguma razão… eu tenho certeza.

Fiquei esperando que Alvo gargalhasse – ou pior, ficasse exasperado.

No entanto, espantado, observei-o pousar a mão em seu ombro.

— Tudo bem então – declarou – falamos com a Rosie?

— Epa – recuei um pouco, chocado – você… acredita em mim?

Por fim, Alvo deu uma risada.

— Claro que acredito – assentiu – você é o meu melhor amigo, Scorpius. Amigos sempre acreditam um no outro.

Sorri, comovido com o apoio de Alvo.

— Obrigado – sacudi a cabeça de modo divertido – bem… acho melhor contarmos a Rose sobre o que descobrimos.

— O que você descobriu – meu amigo me corrigiu – e sim. Vamos fazer isso – concordou – assim que a encontrarmos no intervalo…





Rose mal piscava, mesmo depois de finalmente terminamos de lhe contar o que havia acontecido no dormitório da Sonserina naquela manhã.

— Olha… eu estou tentando acompanhar – disse, massageando as pálpebras com os dedos – mas tudo que consigo é ficar achando que vocês andaram enfiados n'A Sociedade do Anel do Tiago de novo.

— Rosie… se concentra – cortei-a – uma droga de dragão de dez metros de altura falou comigo enquanto eu dormia. Então vá por mim… você não é a única encucada aqui.

— Então… - Rose deduziu – vocês acham que a mansão Heavens tem algo a ver com a aparição desse dragão… que, por sua vez… tem algo a ver com as bizarrices que andam acontecendo?

— Exato – Alvo meneou a cabeça – e queríamos saber se está a fim de acompanhar a gente durante a noite até lá. Vou levar a Capa de Invisibilidade do papai – ele fez uma careta diante da expressão agoniada de Rose – você sabe que só há uma maneira de tirar isso a limpo, Rosie. E se você não for… -nós iremos.

Entendia o desespero dela. Nós mal havíamos retornado à escola, e já estávamos prestes a arriscar-nos outra vez, novamente quebrando mais regras. Tecnicamente, eu devia espelhar sua mesma preocupação no fim das contas.

Mas Rose parecia tão desesperada por respostas quanto nós. Portanto, não foi surpresa vê-la assentir em concordância, suspirando alto, nitidamente receosa.

— Ótimo. Estamos combinados – aprovou Alvo, sorridente – que tal amanhã a noite?

Afaguei tranquilizadoramente as costas de Rose, que ergueu o olhar para mim, lançando-me um meio sorriso nervoso.

— Vai dar tudo certo, Rosie. Quando menos esperar, estaremos de volta.

Vi Alvo paralisar-se, arregalando o olhar.

Não tive tempo de perguntar o que era, já que a voz causou a mesma reação em meu corpo.

— Espero que caiba mais uma pessoa na sua capa, Alvo.

Olhamos para trás, atônitos, vendo o jovem garoto ruivo de braços cruzados que nos espreitava, praticamente fuzilando-nos com seus olhos claros.

— Essa não – piou Alvo.

Rose ofegou, fechando as mãos em punhos.

— Hugo??

O irmão caçula de Rose virou-se em minha direção – e não parecia nada satisfeito com o que estava vendo.

— Muito bem – ele baixou a voz, em um tom de ameaça inconciliável com seu timbre infantil – vocês tem um minuto para me explicar o que estão planejando – acrescentou, olhando na direção da irmã – e me dê pelo menos um motivo… um motivinho só… para eu não mandar uma coruja agora mesmo para nossos pais.





















Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Gênese: A Saga da Rosa - Temporada I" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.