Gênese: A Saga da Rosa - Temporada I escrita por FireboltVioleta
“Toda a doutrina social que visa destruir a família é má, e para mais inaplicável. Quando se decompõe uma sociedade, o que se acha como resíduo final não é o indivíduo mas sim a família”
— Victor Hugo
—---------O----------
ROSE
— OLHA A FRENTE, TIAGO!
Encolhi-me, fazendo uma careta, quando o balaço de brinquedo atingiu Tiago com a força de um murro, jogando-o para fora de sua vassoura.
Alvo gargalhou, vendo o irmão praguejar no chão. Tiago engatinhou sem um pingo de dignidade pela grama, bufando de raiva.
— Por isso que odeio participar de quadribol em família – ele nos lançou um olhar azedo, parecendo aborrecido por ainda estarmos montados em nossas vassouras.
Gracejando, desci de volta à terra firme, soltando minha vassoura e indo até Tiago.
— Ah, pare com isso – comentei – você é um ótimo jogador.
— Ela tem razão – Alvo surgiu atrás de mim, sufocando o riso – só precisa aprender a diferenciar os dois lados da vassoura, maninho.
Antes que Tiago pudesse esganar meu primo, porém, ouvi um assovio suave e canoro atrás de nós. Nos viramos, sorrindo ao reconhecermos os quatro maoris que subiam a colina d'A Toca.
Corremos na direção dos Williams, cumprimentando-os animadamente.
Tamahine e Tapuaki, naturalmente, não haviam mudado nada em pouco mais de dois meses – embora o garoto parecesse definitivamente exultante de ter concluído seus estudos.
Eu não cansava de ver Nyree e Darel. Eram um casal definitivamente encantador – e, embora já estivessem próximos da meia-idade, mantinham uma beleza e serenidade joviais.
— Iti Rosie – arrulhou Nyree, me abraçando – olha só como você cresceu!
— Acha mesmo, mama? — brincou Tapuaki – pra mim a Rosie encolheu.
— Engraçadinho – funguei – vão ficar na Toca esses dias?
— Ah.. quiséramos nós, Rosie – Darel suspirou – estamos indo até a casa dos Longbottom. Sabe como é – explicou – coisas do quartel-general. E arranjaram um trabalho para Tamahine hoje à tarde. Uma ocorrência urgente.
— Ah – dei de ombros, desapontada – bem… outra hora então? A vovó e o vovô estão doidos para ver vocês.
— Claro – Nyree assentiu – assim que resolvermos as pendências, vamos lhes fazer uma visita. Não é, aroha?
— Sim. Claro… iremos nos ver em breve – vi Darel concordar.
— Tudo bem – olhei para eles, sorridente – até logo, então.
Depois que os Williams seguiram seu caminho, quando já descíamos a colina de volta à casa dos meus avós, Tiago rompeu o silêncio, sacudindo a vassoura em suas mãos.
— Já é a quinta vez que há uma emergência no quartel-general este mês – ergueu o olhar, de modo realmente tenso – papai quase não aparece mais.
Tiago não estava exagerando. Nas últimas semanas, meus pais também andavam indo e voltando ao Ministério da Magia. Por isso, haviam sugerido que passássemos um tempo com o vovô e a vovó Weasley, para que nós não ficássemos sozinhos em casa.
As coisas estavam fora do normal. Porém, desde o ano anterior, isso já não me surpreendia mais. Afinal de contas, ainda havia muito que a comunidade bruxa inteira parecia esconder de mim.
Assim que entramos dentro da Toca, o cheiro delicioso de empadão de carne invadiu o ar. Inspirei, sentindo minha boca salivar.
— Ah… estão de volta, queridos? - minha avó surgiu no corredor, sorrindo afavelmente – o almoço está quase pronto.
— O vovô não vem? - perguntou Alvo.
Vi vovó franzir a testa.
— Não, querido – ela limitou-se a dizer – está com problemas no escritório. Mas deve voltar para casa à tempo do jantar.
Hugo surgiu logo em seguida, trazendo meia dúzia de pratos nos braços. Provavelmente estava arrumando a mesa para o almoço – e não aparentava estar nada satisfeito com isso.
— Isso é pra ele aprender a não recusar nosso convite de jogar quadribol – cochichou Tiago, fazendo eu e Alvo rirmos.
Ouvimos alguém bater à porta. Vovó deu uma risadinha.
— Ora… parece que vocês tem visita, meninos – aumentou o tom, dirigindo-se ao recém-chegado do outro lado – pode entrar!
Nos entreolhamos, confusos, enquanto a porta se abria. E senti meu coração parar quando reconheci nosso inusitado visitante.
— Scorpius!
Houve um momento de agonia quando Hugo derrubou os pratos no chão, quebrando a pilha inteira em dezenas de cacos.
— Reparo— vovó gesticulou sua varinha, consertando todos os pratos, empilhando-os sobre a mesa do corredor – cuidado, Hugo.
— Desculpa, vovó – ele grasnou, ainda sem tirar os olhos esgazeados de Scorpius.
Alvo correu, abraçando nosso amigo. Também fui até eles, juntando-me ao abraço.
— Não acredito que você está aqui! - ofeguei – seus pais te trouxeram?
— Sim – Scorpius riu, parecendo eufórico – eu pedi para papai. E os seus avós concordaram. Quisemos surpreender vocês.
— E conseguiram – ouvi Hugo falar atrás de nós. Somente eu pareci notar que suas mãos se fecharam em punhos.
— Desculpem, meninos – a nossa avó sorriu – não quis estragar a surpresa.
Tiago cruzou os braços, obviamente retraído diante da presença de Scorpius.
Mas Hugo nem sequer disfarçou, apressando-se em recolher novamente os pratos, e propositalmente “esquecendo” um deles sobre a mesa. Vovó revirou os olhos, adiantando-se e também levando-o em direção à cozinha, seguida por um Tiago muito revoltado.
— Ah, Hugo – balancei a cabeça, aborrecida, finalmente soltando Scorpius – você vai adorar a Toca, Scorpy! Tem tanta coisa que a gente quer te mostrar!
— Ah, bem… - ele parecia levemente tímido – não quero atrapalhar seus avós…
Segurei seu ombro, erguendo uma sobrancelha.
— Pare com isso – falei – eles vão te adorar. Não precisa ficar com medo.
— Ah, sim. Com certeza _ Alvo fez voz de falsete, guinchando de modo irônico - “Vovô Weasley nunca vai te perdoar se você se casar com um sangue-puro”.
Olhei para Alvo de modo exasperado, reprimindo a vontade de socá-lo. O que diabos ele estava insinuando, comentando sobre o alerta de papai no embarque do primeiro ano?
Para meu alívio e espanto, porém, Scorpius desatou a rir.
— Sua família é bem… ahn… antiquada – comentou, tapando a boca para abafar uma gargalhada.
— Falou o garoto que nasceu na segunda família bruxa mais tradicional da Inglaterra – caçoou Alvo, bagunçando os cabelos louros de Scorpius – ah, desencana, cara. Se vovó não te varreu para fora d'A Toca, já significa alguma coisa.
Estapeei levemente meu rosto, com uma vontade crescente de esganar meu primo.
— Alvo Severo Potter – sibilei – tem dois segundos para calar essa boca, ou eu juro que vou colocar sua cueca do avesso outra vez.
Alvo ergueu as mãos em gesto de rendição.
— Já parei, Vossa Alteza. Já parei.
Scorpius parecia a beira de um colapso de tanto rir. Engasgou um pouco, erguendo a cabeça e nos olhando de modo humorado.
— Quando seus irmãos me viram, pensei... por um momento... que havia errado em vir até aqui – disse, abrindo um sorriso – mas parece que me enganei – ele abraçou nossos ombros, contente - não podia ter feito escolha melhor.
E eu nunca havia concordado com algo tão fervorosamente em minha vida.
Para nossa sorte, Scorpius sempre havia absorvido facilmente quaisquer informações. Portanto, não foi difícil ensiná-lo a ignorar as indiretas de Tiago e Hugo – por mais que ambos estivessem determinados a mandá-las na direção de nosso amigo.
— O empadão está uma delícia, Sra. Weasley – ele elogiou, lambendo os beiços.
— Ora… que bom que gostou, Scorpius – vovó parecia muito satisfeita – se quiser, posso separar um pouco para você levar quando for embora amanhã.
Hugo engasgou com o arroz, nos lançando um olhar lacrimejante.
— Ele só vai embora amanhã?
Fechei a cara para Hugo. Alvo também encarou Tiago, embora o garoto nem tivesse se dignado a terminar de murmurar um resmungo.
— Minha mãe só vai poder me buscar durante a manhã – Scorpius falou pacientemente.
— Seus pais também estão estranhos? - Alvo indagou – tipo… andam ficando muito tempo no Ministério e tal?
— Pois é – ele sacudiu os ombros – resolvi não perguntar. Tudo o que os elfos me disseram é que ficariam uns dois dias fora. E que era…
— Urgente, eu sei – Tiago bufou do seu canto, surpreendendo todo mundo – se é mesmo tão urgente e importante, nós não deveríamos ficar sabendo do que se trata? Ou será que papai esqueceu o que acontece quando se esconde algo da comunidade bruxa?
Vovó bateu os talheres na mesa.
Todos se calaram no mesmo momento.
— Meninos – embora falasse de modo suave, soou mais como uma ameaça irritada – é hora da comida. Deixem essa conversa para depois.
Obviamente, ninguém mais deu um pio até terminar a refeição.
— Aliás – Hugo finalmente se manifestou, quando já estávamos de volta ao quintal – onde fica a Mansão Malfoy?
Vi Scorpius apontar para leste, gesticulando o indicador acima das colinas.
— Alguns quilômetros ao leste. Fora de Ottery St. Catchpole – respondeu – já ouviu falar dela? - perguntou, surpreso.
A expressão de Hugo se anuviou friamente.
— Tudo que sei é que minha mãe quase morreu lá.
Definitivamente refreei a vontade de socar a cabeça do meu irmão.
— Hugo – alertei-o, fechando os punhos.
Senti Scorpius segurar meu pulso, virando-se para Hugo.
— Tudo bem, Rosie – arquejou – não tiro sua razão, Hugo. Vocês querem mostrar que minha família é um problema, não é? Os Malfoy e sua linhagem degenerada, certo? - ele balançou a cabeça – se quiserem me humilhar, fiquem à vontade. Se quiserem dizer que meus pais e avós cometeram erros imperdoáveis, façam de uma vez – ele piscou, sem vacilar – mas eu estou tentando mudar isso. De verdade. E espero que, um dia, vocês possam respeitar isso.
Para minha perplexidade, Hugo e Tiago baixaram o olhar, surpreendentemente impactados pela declaração inusitada de Scorpius.
No fim das contas, Tiago tomou a palavra.
— Um dia, Malfoy – resmungou - quem sabe…. um dia.
Alvo estava prestes a dar um chilique, mas cutuquei-o nas costas em sinal de alerta. No fim das contas, limitou-se a grunhir em voz baixa.
Tentando evitar mais atritos entre meus primos e Scorpius, desviei a atenção daquele assunto incômodo, propondo que nós fizéssemos um passeio pelo charco.
Era agradável ver o quanto Scorpius estava maravilhado com cada coisa nova que aprendia. Era evidente que o garoto solitário, criado na privacidade da Mansão Malfoy, nunca havia brincado num charco, ou visto um grupo de gnomos.
Nem sequer – como ficou comprovado em seguida – sobrevoado qualquer lugar com uma vassoura de quintal.
— Esse garoto é um desastre! - brincou Alvo, vendo Scorpius escorregar pela terceira vez da sua velha Cleansweep para o chão.
— Socorro! - grasnou meu amigo, tentando fugir da horda recém-chegada de gnomos mal-encarados, que tentaram arrancar seus tênis fora.
— Calma – sufoquei uma risada, espantando os gnomos com as pedras da beira do charco – ajude ele, Alvo!
Enquanto meu primo tentava socorrer Scorpius, decidi, por pura diversão, usar aquele apito que mamãe havia me presenteado no Natal, numa tentativa de imitar uma salva-vidas.
Um som alto, estranhamente marinho, soou do orifício do apito.
Para nosso choque, os gnomos paralisaram, saltando os olhinhos maldosos, congelados de pavor.
O garoto tombou para fora do charco, descabelado, olhando de modo paranoico para o grupinho de gnomos paralisados.
— Essa foi por pouco – ofegou – o que foi isso, Rosie?
Não tive oportunidade de lhes mostrar o apito, já que todos os olhares se voltaram de volta ao charco.
— O que…
Por fim, percebi o que havia feito com que os gnomos parassem.
A sombra esguia, de dentes afiados e pelo encharcado, cujos olhos fixaram-se profundamente sobre nós.
Uma foca havia acabado de emergir no charco d'A Toca;
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