Amy Tokisuru em Earthland escrita por AJ


Capítulo 4
Capítulo 4 - Energia




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JAU

Desde que uma parte das memórias de Jau foram apagadas, o rapaz vinha tendo sonhos com pequenos fragmentos do passado. A maioria dos sonhos eram sobre Amy. Eles andando juntos no caminho da escola, passando em frente às docas, ou quando os dois, juntamente com Thomas, planejavam viajar quando havia algum feriado seguido de um final de semana. Em outros sonhos, ele estava sozinho, em um lugar completamente escuro e empoeirado. A iluminação era muito ruim e a lâmpada piscava frequentemente. Não tinha móveis, ou eletrônicos. Era apenas um quarto vazio, sem janelas, e, por mais que parecesse estranho, sem portas também.

Aquilo era muito estranho. Sua vida na Terra se resumia nisso? Uma melhor amiga e um lugar abandonado? Jau estava começando a suspeitar se ele realmente tinha alguma família. Talvez fosse apenas ele. Quando ele voltasse para a Terra, ele ficaria tão perdido quanto estava agora, em Portland. Com exceção de Amy, estaria completamente sozinho.

Ele pensava assim, até certa noite. O sonho daquela vez havia sido diferente. Jau estava sentado num banco que chacoalhava muito. Primeiro ele achou que estava num carro, porém era rápido demais. Deveria ser um trem ou algo do tipo. Olhou para suas mãos, pequeninas e macias, o que significava que tinha no máximo cinco ou seis anos. Foi o primeiro sonho que teve de um tempo tão distante do presente.

Quando olhou para o lado, viu a figura de um homem jovem. Ele estava observando o pôr-do-sol pela janela do trem. Jau queria ver melhor o seu rosto, mas, assim como uma câmera digital antiga, seus olhos não conseguiam focar em nada. Tudo estava embaçado, como quando o mundo real ficava ao tirar seus óculos. Jau ficou um bom tempo o observando, tentando inutilmente lembrar-se quem poderia ser aquele rapaz. Talvez não fosse ninguém que conhecesse, apenas uma pessoa com quem ele deveria dividir o assento, mas a próxima ação contradisse completamente o seu pensamento.

— Estamos quase chegando, garoto — o rapaz disse, assim que voltou sua atenção para Jau. Sua voz era um pouco grave, mas não era intimidadora. Pelo contrário. Emitia até um certo tom de afeto.

— Onde nós estamos indo? — Foi o que Jau pensou em perguntar primeiro. Na verdade, o que ele queria saber mesmo era quem era aquele cara e de onde eles se conheciam.

— Seu bobo. — O rapaz sorriu e colocou a mão sobre a cabeça de Jau, bagunçando seu cabelo.

Jau pensou de imediato que esse tipo de carinho era bem típico de alguém que poderia pertencer à sua família. Dessa vez, com muito mais força, ele tentou focar em seu rosto mais uma vez. Apesar de não conseguir enxergar perfeitamente, ele conseguia supor que era um rapaz muito jovem, talvez nem tivesse dezoito anos ainda. Possuía a pele um pouco mais clara que a de Jau, cabelos negros, e olhos cinzentos que lembravam um pouco os de Sofia. Ele estava sorrindo, e Jau sentiu seu coração ficar apertado. Aquele rosto era familiar a ele, tinha certeza disso, mas por que sua memória estava tão distante? O aperto no peito foi ficando cada vez mais forte, e ele sentiu vontade de chorar. Tentou conter as lágrimas, mas elas começaram a escapulir de uma forma descontrolável.

Vendo a situação, o rapaz calmamente passou o dedão sob os olhos de Jau para enxugar suas lágrimas. Ele continuava sorrindo, e isso fez Jau se acalmar um pouco, mas ainda havia tristeza dentro dele.

— Vai ficar tudo bem — falou, segurando na bochecha quente de Jau. — Eu prometo.

E essa foi a última coisa que Jau o ouviu dizer, antes de sentir alguém o chacoalhando com força e gritando o seu nome.

— Ei, Jau. Acorda.

E Jau acordou. Foi Sofia quem o acordara dessa vez. Ele havia pegado no sono enquanto eles estavam conversando, o que significava que ele havia sonhado com aquele garoto no trem pela segunda vez.

— Desculpa — ele disse, antes de mais nada. Tinha deixado a garota falando sozinha.

— Não precisa se desculpar, você está exausto — ela respondeu. Seu tom estava carinhoso demais. — Eu só te acordei porque, bem, você estava chorando.

Por isso a voz dela estava tão melancólica. Sofia estava preocupada com o garoto. Apesar do sonho ter sido o mesmo de algumas noites atrás, agora ele foi bem mais real e mais intenso, como se realmente estivesse lá. Não foi à toa que ele havia chorado de verdade dessa vez.

— Ah, não se preocupa. — Jau sorriu sem jeito e passou a mão no rosto para secar qualquer resquício de lágrima que havia lá. — Foi só um sonho idiota.

— Aquele pesadelo de novo? — Sofia perguntou.

O pesadelo a qual Sofia se referia era o que ele tinha quando não estava sonhando com Amy ou o quarto escuro. Era um pesadelo tão ruim que Jau nem sequer o considerava um sonho, mas sim, uma forma de tortura pesada de sua mente para fazê-lo enlouquecer. Ele voltava um ano atrás, quando estava em meio a feras sanguinárias chamadas de curupiras, enquanto um garoto se aproximava dele. Jau já sabia quem era esse garoto pois Berto havia dito seu nome. Era Walter. Ele estava empunhando uma adaga afiada e sua expressão era de ódio absoluto. Jau queria correr, porém suas pernas não o obedeciam. Então ele olhava para Walter assustado e implorava para que o deixasse em paz, mas ele não o ouvia. Em poucos segundos, enquanto gargalhava insanamente, enterrava a adaga bem profundo no peito de Jau. A dor era cem por cento real, e após passar por isso Jau acordava berrando tão descontroladamente, que era preciso Berto usar magia para fazê-lo se acalmar.

Enfim, era assustador. Mas esse pesadelo só fazia Jau gritar, ter espasmos violentos sobre a cama ou ter paralisias do sono por vários minutos sentindo aquela dor. Não o fazia chorar de tristeza.

Ele olhou para Sofia com calma e respondeu que não foi o pesadelo. Tampouco ele contara sobre o que realmente sonhara. Tinha medo de que, se contasse para alguém, a memória daquele jovem desconhecido iria se esvair completamente de sua cabeça junto com as palavras.

— Tudo bem, então. — Sofia sorriu e se levantou. — Anda, você tem que ir para casa e ter um sono de verdade.

— Acho que não vou querer dormir de novo — Jau informou, levantando-se também.

— Você precisa descansar ou vai acabar ficando sem energia alguma.

Sofia tinha razão, e Jau não pôde deixar de sorrir. Ela realmente era uma boa amiga, e se importava com Jau. Porém, então, a última frase que ela dissera passou a rondar em sua mente como um balão de pensamento. Acabar ficando sem energia alguma. Havia algo nessa frase que fez ele ficar com dor de cabeça de tanto pensar no que poderia significar. Sem energia... sem energia...

Então a resposta veio à sua mente como um raio tão forte que ele teve que segurar no ombro de Sofia para não desmaiar de excitação.

— Sofia, é isso! — ele teria gritado, mas quase não tinha forças para isso também.

— Isso o quê, garoto? — ela perguntou, tão confusa que o olhou como se estivesse conversando com um louco — e talvez estivesse.

— O motivo pelo qual eu venho fracassando. Energia! É isso o que falta para eu voltar para a Terra.

Era tão óbvio agora que Jau teve uma grande vontade de se bater por não ter percebido isso antes. E foi exatamente isso o que fez. Deu um tapa bem forte na sua bochecha esquerda, não só para se castigar, mas também para se manter acordado, pois precisava verificar nesse exato momento se sua teoria estava certa.

— Jau, ficou maluco? — Sofia segurou os braços de Jau, não com muita força, para ele não tentar se machucar mais uma vez, mas não era preciso.

— Desculpa, Sofia. Eu preciso ir. — Então ele se soltou das mãos da garota e usou suas últimas forças para sair correndo em direção à casa de Berto mais uma vez.

Desceu as escadas do porão com tanta pressa que quase tropeçou. Berto ainda estava lá embaixo, terminando de juntar os pedaços dos materiais que Jau havia quebrado anteriormente, usando uma vassoura com cerdas de piaçava.

— O que está fazendo aqui? — Foi a primeira coisa que o velho disse. — Pensei ter sido claro antes sobre não querer você aqui embaixo por um tempo.

— Desculpa, Berto. Mas eu acabei de descobrir uma coisa que pode mudar tudo — Jau respondeu rapidamente, mas sem parar o que estava fazendo, que era procurar o livro da família de Bart. Ele estava de volta à estante. Berto devia ter guardado ele lá.

Abriu o livro bem no começo e verificou o que já tinha observado antes.

— Está vendo isso aqui? — Jau mostrou a parte do livro que achara para Berto. Eram pedaços de folhas que haviam sido arrancadas.

— O que tem? — Berto perguntou, indiferente.

Sem diminuir a empolgação, Jau começou a explicar:

— É o que faltava, Berto. Antes eu achava que isso era apenas um prólogo ou uma introdução do que o livro está ensinando, mas não é. As páginas que estão faltando contam sobre o principal produto que é preciso para se fazer uma viagem dimensional.

Mesmo sem querer, Berto mudou sua aparência apática para um olhar de interesse e curiosidade. Não foi preciso ele perguntar para que Jau desse a resposta.

— Energia, Berto. — Jau sorriu, como se tivesse feito a descoberta do ano. — A base de qualquer magia física de Portland. Para uma pessoa controlar qualquer elemento, ela precisa usar a energia vital do seu corpo e transformá-la em poder, correto?

Berto balançou a cabeça assentindo. Claro que estava correto, afinal fora o velho quem ensinara a maioria das coisas sobre magia para Jau.

— Mas nós estamos falando de dois planetas, que provavelmente estão infinitamente distantes entre si. A energia necessária para se fazer essa viagem deveria ser enorme. Tão grande que seria impossível canalizar dentro de uma simples pedra.

— Sei. — Berto apenas acenava com a cabeça, como se estivesse tentando entender onde Jau queria chegar. — Mas, é possível, já que Bart e Alice conseguiram.

— Sim, e enquanto corria desesperadamente para cá fiquei pensando em como, e só consegui chegar em duas conclusões plausíveis. — Jau se lembrou de todas as lições recebidas de Berto e Sofia sobre o mundo Portland, e das coisas que ele mesmo havia descoberto sozinho, tudo isso em questões de segundos, então disse: — Ou eles possuem a habilidade natural de concentrar a magia...

Como se lesse a mente do garoto, Berto continuou:

— O que é improvável, já que, até onde eu sei, eles não possuíam mágica natural. Usavam apenas magia limitada e itens mágicos. O que significa que...

— Que existe alguma coisa por aí, um item mágico, que eles usavam para concentrar a energia de tal forma que ficasse poderosa o suficiente para atravessar a barreira dimensional — Jau concluiu, com total satisfação. — Agora só precisamos descobrir o que é. — Ele já estava pronto para ir à estante procurar por livros que pudessem lhe dar essa informação quando Berto largou a vassoura e, como se fosse um ato comum entre os dois, o velho o puxou pela orelha.

— Ai, cara! — Jau reclamou de dor, enquanto Berto o puxava para trás. — O que diabos você está fazendo?

— Só porque você fez uma descoberta genial não significa que vou te dar a permissão para ficar aqui de novo — o velho disse, parando de machucar o garoto quando eles já estavam bem próximos à escada que levava à saída.

— Mas Berto. Eu finalmente descobri como voltar para casa e você vai me privar disso? — Jau disse, totalmente indignado.

— Jau, por favor, filho. — Berto chamava Jau de filho às vezes. Para falar a verdade, o garoto nunca se importou com isso, visto que era uma maneira como os mais velhos chamavam os jovens. — Vá descansar — ele continuou. — Se quiser eu faço uma pesquisa sobre isso para você. Mas vá dormir. Não quero que seus últimos momentos em Portland sejam assim, tão conturbados.

Jau encarou Berto por um bom tempo. Ele estava querendo descobrir qual era o real significado daquelas palavras. Era como se Berto estivesse dizendo que não queria que Jau tivesse descoberto aquilo, pois iria ficar com saudades quando ele fosse embora.

Não... Jau provavelmente estava enganado.

Suspirando, por fim, o garoto cedeu.

— Tudo bem, Berto. Obrigado. — Tocou no ombro do velho amigo e sorriu. — De verdade.

O velho deu tapinhas de leve nas costas do rapaz quando ele se virou para subir os degraus.

Jau voltou ao seu quarto, tirou sua camiseta cor cinza, pendurou ela na maçaneta da porta e a fechou. Guardou também os seus óculos, colocando-os em cima de um baú de madeira ao lado da cama. Ele finalmente poderia ir descansar. Deitou-se sobre sua cama, não muito confortável, mas boa o suficiente para que, assim que ele pousasse a cabeça sobre o travesseiro, fizesse ele dormir quase que imediatamente.


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