Apocalipse escrita por Karina A de Souza


Capítulo 1
Fim




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...A internet caiu. Há dois dias, os sistemas saíram do ar, e até o momento, ninguém sabe dar explicações. Os donos de redes sociais exigem uma resposta...

...Com nenhuma emissora de TV conseguindo transmitir sua programação, os rádios têm ganhado mais audiência e espaço no mundo todo...

...Os jornais impressos têm dominado na popularidade, após a queda da rádio. As autoridades falam em algum tipo de revolução...

—Carlos, já fiz o que te mandei?-Gritei, enchendo uma das bolsas comida. –Carlos? Pietra, cadê o Carlos?

—Eu não sei. Acho que ele saiu.

—Eu o mandei não sair. –Fechei a bolsa. –Já pegou todas as coisas?

—Peguei. Até a Srta. Pompom. –Abraçou a boneca de pano. –Para onde nós vamos?

—Eu não sei, Pietra. Eu não sei.

Tudo tinha acontecido há apenas uma semana. Primeiro a internet se foi, depois a TV, então a rádio, aí os impressos... E agora a energia elétrica. O caos estava se instalando. As pessoas queriam tirar seus dinheiros do banco, mas não havia como. Máquinas não funcionavam, empresas acabaram, e o medo começou. Era um apocalipse, mas em vez de ser um apocalipse zumbi, como daquela série idiota que Carlos assiste, era um apocalipse tecnológico.

Peguei meu celular na bancada, ele não funcionava, como nenhum outro celular no mundo todo. Nada mais funcionava. Íamos entrar na Idade da Pedra novamente em pouco tempo.

A porta da frente abriu e Carlos entrou. Eu quis esganá-lo. Pietra, de apenas cinco anos, era mais esperta que ele. E olha que Carlos tinha quinze.

—Eu disse pra não sair de casa. Onde você estava?

—Não importa. E aí, pegou as coisas? A gente vai para onde agora, espertalhona? A cidade tá uma zona de guerra.

—Não sei para onde vamos. Mas não podemos ficar aqui.

A criminalidade aumentou depois da Queda (nome dado pela mídia, para o caos na tecnologia do mundo). As pessoas eram assassinadas ao ficar até mesmo na frente de casa. Além disso, muitas residências estavam sendo invadidas. Parecia que a lei também tinha ido pro buraco na Queda.

—Nós temos que ir. –Avisei, pegando uma das mochilas e colocando nas costas. Toda nossa comida ia com a gente, assim como algumas roupas e documentos. –É perigoso ficar aqui.

—A gente vai morrer lá fora!-Carlos gritou. Pietra arregalou os olhos e abraçou mais forte a boneca. –Você não pode cuidar da gente.

—Quem é que vai cuidar, Carlos? Quem?-Nossos pais tinham sido assassinados. Eram repórteres. Em nenhum momento alguém veio nos procurar. Eu só tinha dezessete anos, e não podia ficar legalmente com meus irmãos. –Pegue suas coisas, agora.

—Não.

—Carlos...

—Não temos para onde ir. Vamos morrer na rua!

—Vamos encontrar algum lugar. Mas não podemos ficar aqui. Nossos vizinhos foram roubados e mortos. Seremos os próximos.

—Papai e mamãe vão voltar. Eles cuidarão da gente.

—Eles estão mortos.

—Foi isso que aquelas pessoas disseram. Mas se eles morreram mesmo, então por que não deram os corpos para nós enterrarmos?

—Carlos...

—Não! Eu não vou sair daqui, Joana. Eu não vou. –Suspirei.

—Sei que está com medo, mas eu também estou. Mas nós temos que ir. Vai ficar tudo bem. Por favor, pegue suas coisas e as bolsas com a comida. Vamos sair do centro da cidade, montar acampamento perto das montanhas, pelo menos até a pior parte do caos passar.

—Tá. Mas se a gente morrer... A culpa é sua. –Isso me deixou bem magoada. Eu só queria proteger meus irmãos. Só isso. Tinha medo também, mas não podia desistir agora.

—Vamos.

Pegamos o carro do papai, que por sorte ainda tinha gasolina, e caímos na estrada.

Eu conseguia me lembrar perfeitamente das coisas antes da Queda. Os índices de violência aumentaram, as pessoas ficaram mais intolerantes e impacientes. Guerras novas começaram, arrasando países inteiros. A luta por água e petróleo começou de forma violenta. Os acordos entre os países foi para o buraco, ninguém era amigo de ninguém agora.

Talvez a Queda fosse outro tipo de guerra. Uma geral, envolvendo quem ainda estivesse vivo nessa confusão que nosso mundo se tornou. Talvez fosse o fim da humanidade. E talvez isso devesse mesmo acontecer. Ferramos com nosso planeta, com nossa casa... E agora ela estava revidando. Acordamos a Mãe Natureza, e ela ia nos fazer pagar por isso.

No caminho para as montanhas, pude ver casas, escolas e prédios queimando, assim com alguns carros. Os mercados e as lojas estavam sendo saqueados. Era um “salve-se quem puder” agora.

Alguns dias antes dos meus pais morrerem, eu fui com minha mãe no mercado, precisávamos montar um estoque, comprar o máximo de suprimentos, pois sabíamos que alguma coisa ia acontecer. Quando saímos do carro, eu vi um homem negro, bem velho, sentado perto da porta, com um papelão em mãos, nele, a frase “Estamos dando nossos últimos suspiros”. Isso ficou na minha cabeça por dias. Era uma realidade assustadora.

Agora que o mundo está acabando, do que adiantou tanto ódio e tanta guerra? Ser branco, negro, rico, pobre, ter um cargo importante, ser desempregado... Nada disso importava. Íamos todos morrer mesmo.

Um grito de Pietra me fez voltar à realidade. Atrás de nós, um carro explodiu. Carlos desviou o olhar, apertando as mãos em punhos. Tentei me concentrar na estrada.

—A gente vai morrer, não é?-Meu irmão perguntou, sem me olhar.

—Um dia, sim.

—Nada vai ser como antes. É por isso que chamam de Queda. Não tem como voltar. Estamos todos ferrados.

—Carlos. –Olhei para Pietra pelo espelho, ela parecia assustada. –Vamos ficar bem.

—Se não morrermos pelas mãos de alguém, a natureza mata a gente. Não tem como escapar.

—O mundo ainda não acabou. E enquanto ele não acabar, vamos lutar até o fim.

—Só queria que essa droga toda explodisse logo. –Achei melhor não responder.

A verdade era que Carlos tinha razão. Não tinha como escapar. Estávamos em contagem regressiva, e quanto chegasse ao zero... Bem... Não ia sobrar nada, nem ninguém.

Não era como aqueles “anúncios de fim de mundo”, tipo 2012. O mundo devia acabar aquele ano, pelo que diziam, mas não acabou. Ele ia acabar agora, e todos sabiam disso. A Terra já estava se despedindo, e nós também.

Talvez eu não estivesse dizendo isso se as coisas fossem diferentes. Se tivéssemos cuidado do mundo, se não tivéssemos entrado em guerra com nós mesmos. Nossas escolhas nos colocaram na berlinda. No futuro ninguém falaria disso, por que não sobraria ninguém. A humanidade caminhou para o fim da passarela, e jamais seria lembrada por seus atos tolos. Brigamos uns com os outros por causa da cor, da nacionalidade, do gênero, da opção sexual, da religião... No fim, ser o “certo” da história não adiantou nada. Ninguém ia escapar.

O chão começou a tremer incontrolavelmente, me fazendo perder o controle do carro. Rodamos na pista e batemos numa mureta de proteção. Explosões começaram por causa dos canos abaixo da cidade.

—Não saiam do carro!-Gritei, segurando o braço de Carlos, que tentava abrir a porta.

—Vamos morrer aqui dentro!

—Vamos morrer de qualquer jeito!-Soltei o cinto de Pietra e a puxei para o meu colo. Ela apertava a boneca com força, assustada.

—Joana...

—Pode ir se quiser, mas sabe que não temos como se esconder. Olhe para fora, não há como escapar. Nós, humanos, provocamos isso. E sempre que fazemos escolhas, temos que lidar com as consequências. Nossos caminhos nos trouxeram até aqui, até o fim. Só nos resta esperar.

—Puxei meu irmão para perto, abraçando-o também. –Desculpa não ter cuidado de vocês direito. Desculpa por tudo.

—Desculpa não ter te obedecido, e gritado, e... Feito um monte de coisas. E foi mal por destruir sua boneca, Pietra. –Nossa irmãzinha assentiu e o abraçou também. –O que vai acontecer, depois do fim?

—Eu não sei. Mas sei que nossos pais estarão lá, esperando pela gente. Não importa o que aconteça, estaremos sempre juntos.

Então houve um clarão, e em seguida tudo escureceu.


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Notas finais do capítulo

Entendam a real mensagem da história. Guerrear entre nós não adianta. Não importa o que digam, somos todos iguais. Ainda podemos mudar a história. Ainda não é o fim.



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