20 anos depois - A salvação da Escola Mundial escrita por W P Kiria


Capítulo 17
Bônus 3 - Jorgerida




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/700178/chapter/17

Bônus 3 – Jorgerida

“Obrigado por aceitar dançar comigo hoje.” Agradeceu Jorge, valsando com Margarida. A moça riu, se deixando rodopiar.

“Não precisa agradecer, Jorge. Eu também não tinha par, você também me poupou de dançar com o meu pai enquanto todo mundo dançava com os namorados.” Eles observaram os apaixonados à sua volta. “E eu que era desesperada para não entrar no 4º ano solteira, termino o Ensino Médio assim.”

“Mas você teve vários namoradinhos.”

“E você também não ficou solteiro, Jorge. Muitas garotas na sua cola, hã?” Os dois riram, rodopiando novamente. “E que tal aproveitarmos essa noite?”

“Eu vou para os Estados Unidos em uma semana, Marga.”

“Não estou pedindo para namorar ou casar, Jorge. Só para aproveitarmos essa noite.” A morena sorriu, brincando com os cabelos da nuca dele. “O que acha?”

“Eu gosto, muito.” Ele sorriu, selando seus lábios em um beijo que surpreendeu a todos na pista de dança.

~*~

“Nova York, filha?” Perguntou Vera, observando a filha na cozinha do sítio. “É tão longe.”

“É outro país, mãe, mas a proposta de emprego é muito boa.” Explicou Margarida, bebendo seu café. “Eu tenho um contrato de cinco anos, com visto e tudo.”

“Marga, as coisas estão indo bem aqui no sítio, mas eu não vou poder te socorrer se tudo desandar.” Explicou a mulher, sentando em frente a filha e segurando sua mão.

“Eu sei, mamãe, e você não vai precisar. Eu estou com um ótimo pressentimento em relação a isso.” A jovem sorriu para a mãe, confiante.

~*~

“Quem diria, segundo da turma.” Alberto elogiou o filho, que sorria orgulhoso em sua beca. “E na Columbia University.”

“Seria melhor se tivesse sido o primeiro.” Resmungou Rosana, recebendo um olhar feio do marido e do filho. “Você vai voltar para casa, filho?”

“Claro que não, mãe. Tenho um emprego ótimo em Wall Street, com pessoas de alto nível, como eu. Para que eu voltaria ao Brasil?” O jovem loiro revirou os olhos.

“Certeza que tem alguma namoradinha, não é?” Riu Alberto, e o filho riu junto.

“Acho que a última garota com quem fiquei foi a Margarida, na nossa formatura. Nenhuma dessas garotas me interessa.” O jovem Cavalieri observou as belas colegas de sala, suspirando. “Convivi demais com vira-latas e desaprendi a apreciar as belas damas de raça.”

“Mas não aprendeu a ser mais humilde, meu filho.” Alberto apertou seu ombro, dando um sorriso triste. “Que tal irmos comer? Estou com fome.”

~*~

“Quando você vai, amiga?” Perguntou Valéria, comendo suas fritas.

“No final do ano. Embarco com 23, volto com 28.” Contou Margarida, animada. “Isso se voltar.”

“Hum, pretende ficar por lá, é?” Perguntou Maria Joaquina.

“Seria ótimo, sabem? Arranjar um namorado, casar, conseguir aquele Green Card. A vida em Nova York deve ser muito boa, né?” Explicou a jovem modelo.

“Trancou a faculdade e tudo?” Perguntou Alicia.

“Já tem um bom tempo que tranquei a faculdade, não tenho planos de terminar. Psicologia é legal, mas é uma carreira muito complicada. Ser modelo é mais glamoroso, sabem?” Sonhou Margarida, enquanto as amigas riam.

“Ai, Marga, só você.” Carmen chamou o garçom, pedindo mais uma rodada de caipirinhas para as amigas.

“Quando minha grife decolar, vou te buscar nos States para ser minha top model, ok?” Perguntou Majo, enroscando o mindinho com a amiga.

“E eu vou te visitar muito, amiga. Ir para minha terra natal não é um trabalho difícil para mim, sabe?” Sorriu Bibi, bebericando seu drink.

“Espero que todas me visitem, de coração.” Sorriu Margarida, pegando a mão das amigas. “Eu vou sentir muito a falta de vocês todas.”

“Vamos ser sempre amigas, ok?” Prometeu Marcelina, sorrindo.

~*~

“Congratulations on your victory in the case Hodkins, Jorge. The directors are very satisfied with your performance.” O supervisor do rapaz apareceu na porta do seu escritório, o jovem advogado sorriu. (Parabéns pela vitória no caso Hodkins, Jorge. Os diretores estão muito satisfeitos com o seu desempenho.)

“Thank you, Ethan. I hope it brings me good results.” (Obrigado, Ethan. Espero que isso me traga bons resultados.)

You can bet on it, boy.” Sorriu o supervisor, saindo da sala e deixando Jorge com um suspiro. (Pode apostar nisso, rapaz.)

Havia ganhado a causa para uma empresa fraudulenta, cheia de esquemas ilegais e tramoias obscuras. E ele, usando seu talento e seus conhecidos de bom aluno, havia os inocentado e com isso ferrado com a vida de um inocente de verdade.

“Hey, mãe, como vai?” Ele ligou o Facetime, encarando sua mãe na tela.

“Como vai meu advogado preferido?” Perguntou Rosana, animada.

“Se sentindo um lixo.”

O que foi, querido?

Ele então contou do caso que havia vencido naquela manhã, e do pai de família que estava na pior agora graças a isso.

“Eles estavam errados, mãe, mas eu consegui provar o contrário. E tudo porque o empregado não era estudado, era um caipira praticamente. E eu ajudei a ferrar com ele.” Jorge escondeu o rosto nas mãos, cansado. “Eu me sinto péssimo.”

“Filho, eu sei que você se sente mal. Mas você fez algo ilegal?

“Não, só achei uma brecha na lei para ajudar meu cliente. Mas isso ferrou outra pessoa que não merecia.”

“Jorge, todos os empregos têm esses momentos, filho. Uma hora, chegará um cliente bom e honesto, e você fará a mesma coisa. E então, se sentirá melhor. Não é fácil, você escolheu uma profissão podre.” Suspirou Rosana, sorrindo para o filho. “Seu pai te avisou que as coisas eram assim.

“Mas eu realmente esperava que, de algum jeito, fosse ajudar o mundo a ser um lugar melhor. Eu sempre disse que ser idealista não combinava comigo, olha como estou me sentindo.” Resmungou o jovem advogado, e sua mãe riu.

“Acho que você precisa de umas férias aqui no Brasil, de preferência ver seus amigos. Apesar de não achar eles do nosso nível, eles sempre te fizeram bem.”

“Tem razão. Talvez eu vá para o casamento do Paulo e da Alicia, eu recebi o convite por e-mail essa semana. Obrigado, mãe, estou me sentindo bem melhor.” O rapaz garantiu, mesmo que não se sentisse de verdade.

~*~

“Marga, tem alguma coisa muito errada.” Comentou Diana, sentando ao lado da amiga. “Digo... Nós deveríamos estar fazendo trabalhos com frequência, certo?”

“Sim, pelo menos era esse o contrato.” Margarida concordou com a amiga, preocupada. “Di, eu não tenho gastado um tostão, mas o dinheiro do meu último trabalho já está acabando.”

“Pelo menos nossa moradia é por conta deles. Mas não sei o quanto isso vai durar, Marga. Eu acho que a gente se meteu em uma grande furada.”

“Eu penso nisso todo o dia, amiga. Mas não sei o que fazer.” Suspirou a jovem, lembrando do que sua mãe havia lhe dito quando aceitou essa proposta.

“Eu arranjei emprego em uma loja de conveniência, Marga. Eu acho que eles vão nos dar o pé logo, e quando isso acontecer, quero estar preparada.” Contou Diana, que também era brasileira, vinda do norte de Minas.

“Mas isso é quebra de contrato, Di, eles podem nos processar.” Lembrou Margarida, preocupada com a amiga. “Lá diz que devemos estar livres e disponíveis para desfiles e sessões de fotos.”

“E morrer de fome? Marga, meu último trabalho foi bem antes do seu, eu não tenho mais dinheiro para comer.” As duas suspiraram juntas, aflitas. “E eu acho que você deveria fazer o mesmo que eu. Porque o Steve não está dando a mínima para a gente.”

~*~

E não tardou para a desgraça acontecer. O contrato, aquele que Margarida tinha tanto medo de quebrar, foi quebrado pelo maldito agente que a contratou. E se ela quisesse seus direitos, que arranjasse um advogado e o processasse.

Dito isso, a colocou para fora do quarto que ela ocupava, não lhe dando tempo de pegar muito mais que suas roupas. E lá estava ela, na rua, com pouco mais de $50. Diana havia passado pelo inferno na semana anterior, e com seu emprego na loja de conveniência, agora estava em Boston. Os ditos $50 quem havia dado a Margarida havia sido a amiga.

Sua primeira parada foi um brechó, onde vendeu a maioria de suas roupas e bijuterias. Vendeu o pingente que Maria Joaquina havia lhe dado como presente de despedida, que obviamente era de primeira. Se desfez da mala Louis Vuitton que a mãe lhe dera quando partiu, e com isso somou um montante de $600.

Uma das garotas havia lhe aconselhado a dormir em albergues. Haviam muitos bons na cidade, e ela conseguiria se virar. Mas não devia levar seus pertences consigo para aqueles lugares, então ela alugou um armário no metrô e deixava seus poucos pertences ali.

Mas o dinheiro não duraria para sempre, mesmo que não tivesse gastos. Ela então começou a fazer bicos, pois além de tudo precisava juntar dinheiro para uma passagem de volta para o Brasil. E não poderia pedir a mãe, sabia que ela faria de tudo para ajudá-la, mas não queria deixar Vera em outra situação de aperto.

E foi em um desses bicos, em uma lanchonete com uma garçonete doente, que Margarida conheceu Ramon Silveira. Nascido em Porto Rico, mudou para Nova York aos 16 anos, e desde então vivia em um bairro cheio de ilegais, pulando de um emprego para outro e fugindo da Imigração.

“Você fala português?” Perguntou ela surpresa, enquanto equilibravam pedidos.

“Aprendi com minha vizinha, ela também está aqui ilegal.” Ele explicou, dando um sorriso de covinhas. Sua pele era da cor do jambo, seus cabelos negros como a noite, tal como os olhos. “Falo um pouco de português, quase esqueci o espanhol, mas quase nada de inglês.”

“E como vocês encontram esses bicos para fazer?” Perguntou ela, servindo uma mesa.

“Internet. Tem um portal só para isso.” Ele explicou, anotando um pedido. “E não, não tenho internet no celular. Mas tem um lugar com ótimo wifi perto de casa, roubo o sinal de lá.”

“Caramba, você realmente sabe como se virar.”

“Tenho aprendido ao longo dos últimos 12 anos.” Ramon riu, acariciando o rosto dela. “Quer sair comigo depois de acabarmos aqui?”

“Claro, seria legal.” Sorriu Margarida, e os dois se dividiram para atender as mesas.

~*~

Como toda boa sobrevivente, Margarida logo se acostumou com a situação estressante. Conseguiu um emprego em uma lanchonete, o que lhe rendia a alimentação. Sendo assim, conseguia pagar um quarto de motel algumas vezes, e economizar o dinheiro da passagem.

Mas ainda estava longe de conseguir o necessário.

Hey, Di, como está Boston?” Ela estava com o celular na orelha, conversando com a amiga.

Está indo bem, Marga. Consegui alugar um apartamento pequeno, dois quartos. Você sabe que, se quiser, pode vir para cá. Conseguimos um emprego para você e moramos juntas.”

“Tenho pensado muito nisso.” Confessou Margarida, caminhando pelo Central Park. “Mas já estou quase conseguindo o valor da passagem para voltar para o Brasil. E o Ramon também está economizando, ele vai comigo.”

Você confia mesmo nesse cara, Marga? Fazem só três meses que vocês se conhecem, e ele está ilegal aqui há anos. E assim, do nada, ele resolve economizar com você para ir embora?

Acho que eu to apaixonada por ele, amiga.” Confessou Margarida, suspirando. “E ele por mim. Por isso vamos embora juntos.”

“Só espero que você esteja certa dessa vez, Margarida.” Suspirou Diana, desligando o telefone.

“Eu também, amiga.” Ela encarou o horário, assustando. “Caramba, eu to atrasada.”

Enquanto corria pelo parque, atrasada para seu encontro com Ramon, não prestava atenção nas pessoas a sua volta. E foi nesse momento que trombou com alguém indo parar direto no chão.

Oh my God, I’m so sorry.” O desconhecido se desculpou, estendendo a mão para ela. A garota apanhou, levantando e encarando sua roupa suja. “Margarida?”

“Jorge?” Ela encarou o colega de escola à sua frente, sorrindo para ele. “Meu Deus! Quantos anos já fazem?”

“Mais de oito.” Ele lembrou, a analisando. “Está linda.”

“Você também não está nada mal. Está elegante.”

“Me formei em direito, sou um grande advogado.” Ele se gabou, como sempre, e ela se sentiu envergonhada. “E você?”

“Ah, estou aqui a trabalho também. Como modelo, sabe?”

“Jura? Que legal. Nunca te vi, mas creio que é porque não acompanho o mundo da moda feminino.” Ele riu, ainda a admirando. “Você está com pressa? Podíamos tomar um café.”

“Eu estou um pouco atrasada agora, coisa de trabalho. Mas adoraria tomar um café com você, de verdade!”

“Então me passa seu telefone, e eu te passo o meu. Nós marcamos um dia e saímos, para matar a saudade. Não vejo nenhum dos nossos amigos há tanto tempo, vai ser bom saber como todos estão.” Ele apanhou o celular dela, entregando o seu.

“Eu não tenho notícia de ninguém há quase dois anos. Prometemos manter contato, mas ficou difícil depois que eu vim para cá. Mas vou adorar matar um tempo conversando com você.” Margarida sorriu, o abraçando e lhe plantando um beijo no rosto. “Agora tenho que correr. Nos vemos depois, ok?”

“Claro.” Ele concordou, vendo-a sair correndo. “Mal posso esperar para isso.”

~*~

Depois do cafezinho, Margarida e Jorge passaram a se ver com bastante frequência. Sem amigos, ele gostava de vê-la. E apesar de ela gostar de estar com o amigo, estava ficando difícil lidar com a situação. Não podia contar a ele que estava trabalhando como garçonete, e muito menos vivendo entre albergues e motéis.

E tinha os sentimentos que começavam a surgir. Diferente de Ramon, que lhe despertava desejos e excitação, Jorge lhe trazia calma, paz, confiança, carinho. Ele sempre pagava a conta, a levava a restaurantes legais e para assistir filmes. Até para a praia ele queria levá-la logo, mesmo depois de ela ter dito que não tinha muito dinheiro sobrando.

“Adorei sair com você hoje, Marga.” Eles estavam no carro de Jorge, que devia valer as passagens de um voo inteiro para o Brasil.

“Eu também, Jorge. Fazia muito tempo que eu não me divertia assim.” Confessou Margarida, recostada no banco.

“Quer que eu te leve em casa?” Ao ouvir aquilo, ela gelou. “Vai para o albergue ou para o motel hoje?”

“Como?” Ela perguntou, surpresa.

“Eu te segui nas outras noites. Por que não me contou que estava em uma situação ruim? Trabalhando na lanchonete?” Ela se encolheu, envergonhada. “Somos amigos, Marga, eu quero te ajudar. Me conta o que está acontecendo.”

Margarida então narrou toda a sua trajetória, como havia sido enganada pelo agente e perdido tudo. Explicou que a mãe não podia ajudá-la, e que estava se esforçando para juntar o dinheiro e voltar para o Brasil. Contou do emprego na lanchonete, mas por algum motivo, omitiu a existência de Ramon.

“Em qual metrô suas coisas estão? Nós vamos buscar suas coisas e você vai para a minha casa.” Ele ligou o carro, dando partida.

“Como assim sua casa?”

“Margarida, cabem oito pessoas no meu apartamento, confortavelmente. Eu não vou deixar você se despencando em motéis baratos e albergues, sendo que eu tenho tanto espaço vago em casa.” Ele avisou, a encarando. “Então, qual é a estação?”

~*~

“Qual é, gata, cadê você?” Resmungou Ramon ao telefone.

“Eu to na casa de um amigo, Ramon.” Ela explicou novamente, mesmo já tendo dito isso dezenas de vezes nos últimos dias.

E por que eu não posso ir aí?”

“Porque ele não sabe que a gente namora, lindo. Olha, hoje eu vou te encontrar, ok? No nosso lugar de sempre.” Ela prometeu, cansada.

“Tá bom, princesa. Você está com o dinheiro para a passagem? Preciso dar a entrada nelas.”

“Claro, levo para você.” Ela concordou, sem prestar muita atenção. Ouviu o barulho da porta e soube que Jorge havia chegado. “Preciso ir. Até mais tarde, lindo.”

Correu para a sala, encontrando Jorge tirando o paletó. Sabia que ele tinha uma audiência naquele dia, e pelo visto não havia sido fácil.

“Ganhei.” Ele contou, e ela não entendeu. “Ferrei a vida de um inocente de novo, Marga.”

“Como assim?” Ela sentou ao seu lado no sofá, vendo-o massagear as têmporas.

“Os clientes da firma que eu trabalho são, na maioria, mais sujos que pau de galinheiro. Meu trabalho é fazer eles parecerem puros como diamantes. E nessa bagunça, ferro com a vida de quem não merece.” Ele explicou, cansado.

“Então, por que você faz isso?” Ela perguntou, curiosa.

“Porque é o meu trabalho, Marga, mesmo que eu não goste dele.” Jorge escondeu o rosto nas mãos, e Margarida riu os olhos do loiro cheios de lágrimas.

“Deita aqui.” Ela pediu, indicando seu colo. “Dorme um pouco. Você vive virando as madrugadas no escritório, lendo casos. Você precisa descansar um pouco também.”

“Acho que é aquela história: como você consegue deitar a cabeça no travesseiro a noite, fazendo o que faz?” Ele suspirou, apreciando o cafuné que ela fazia. “Deve ser o peso na consciência.”

“Quem diria, hein? Você, com peso na consciência.” Os dois riram da afirmação dela.

“Não sei se agradeço ou brigo com vocês por isso. Eu sempre fui uma pessoa que se bastou, não ligava para os outros. E então eu fui estudar na Mundial e conheci você e o pessoal... E agora tenho peso na consciência.” Ele riu sem humor.

De onde estava, acima dele, Margarida ficou observando as feições do rapaz. Aos 26 anos ele já começava a ter linhas de expressão, pela preocupação constante. Ela passeou as mãos pelos cabelos loiros elegantemente arrumados com gel, vendo como Jorge fechava os olhos com o carinho. Quantas vezes ele havia recebido isso? Carinho, proteção? Não que os pais dele fossem pessoas ruins, nada disso. Mas não pareciam ser o tipo de pai que pega o filho e nina, dá carinho, dá cuidado, dá colo.

Não percebeu ao certo quando ele parou de abrir os olhos após os carinhos e caiu no sono, mas não parou nem assim. Estava morando na casa dele, no quarto de hóspedes, há algumas semanas já. Ramon, claro, não estava gostando disso, até porque ela havia saído do emprego de garçonete.

“Como você pretende conseguir o dinheiro para a passagem de volta para o Brasil?” Ele perguntou irritado e impaciente ao telefone mais cedo.

A verdade é que não tinha mais pressa. Jorge a tratava como uma princesa, lhe dava tudo o que queria, cuidava dela. Ela estava fazendo alguns cursos, aprimorando o inglês, tudo em tão pouco tempo! Para que voltar para o Brasil, afinal?

~*~

“Marga, preciso de mais dinheiro.” Ramon disparou, enquanto estavam no Central Park. Margarida encarou o namorado, surpresa. “A agência que eu estava vendo as nossas passagens sumiu no mapa.”

“E como você achou esses caras, Ramon?” A morena se irritou, afundando as mãos nos bolsos. “Eles levaram quase $800, isso só de mim.”

“Alguns amigos do bairro me recomendaram eles.” Explicou o rapaz, e Margarida se irritou.

“Eles são ilegais, Ramon?”

“Margarida, eu sou ilegal! Eu só vou conseguir sair daqui ilegalmente, se você se esqueceu.” Estourou o porto-riquenho, rosnando. “Eu estava economizando há três anos, Margarida.”

“E agora vai passar mais três anos?” Ela gostou da ideia.

“Claro que não. Eu não aguento mais essa vida.” Ramon rebateu, irritado. “Você vai conseguir esse dinheiro com o riquinho?”

“Oi? Como você acha que eu vou conseguir $2000 com o Jorge?” Ela riu descrente.

“Se liga, você já viu o prédio em que ele mora? Só os bibelôs que ele tem lá dentro do apartamento devem valer mais do que isso. É só pegar algo e colocar a culpa na empregada.” Concluiu o rapaz, puxando um cigarro e acendendo.

“Já falei que odeio quando você fuma perto de mim.” Repreendeu a brasileira, também irritada. “Eu não vou roubar o Jorge, Ramon.”

“Então é bom você pensar em alguma outra solução, Marga. Porque eu não vou ficar mais três anos aqui.” Ele a ameaçou, dando uma tragada na cara dela e saindo andando.

~*~

Jorge chegou em casa animado. Havia acabado de perder uma grande causa, e não poderia estar mais feliz. O homem, um ex-funcionário que havia trabalhado para a empresa por quase 50 anos, estava sendo processado por sua casa, dada a ele pelo falecido pai do atual diretor. Os documentos nunca haviam sido devidamente registrados, e agora o filho exigia a casa de volta.

O advogado buscou todos os documentos para ajudar seu cliente, que além de tudo exigia o valor equivalente de aluguel por mais de 35 anos. Torcia que não ganhasse o processo, pois o pobre senhor não poderia pagar o valor exigido, além de ficar à deriva na rua.

E, apesar de toda a documentação que juntou, o juiz deu ganho de causa para o fiel funcionário, que pôde ficar com sua casa, e mais: receberia uma indenização por danos morais do filho de seu antigo patrão.

“Margarida?” Ele chamou a amiga, que estava na sala, vendo TV. “Vamos sair jantar comigo?”

“Nossa, está animado. Você estava tão triste hoje de manhã, achando que ia ganhar o processo.”

“Mas eu perdi. Não é ótimo?” Ela gargalhou ao ouvir aquilo.

“Você sabe que isso é contraditório, não é? Você se chatear quando ganha, e ficar feliz quando perde.” Margarida riu, se levantando. “Eu ainda acho que você deveria sair desse emprego.”

“Assim que eu achar que estou pronto, eu vou dar o fora.” Ele prometeu, sorrindo. “Mas então... Vamos jantar?”

Foram em um restaurante chinês chique, e Jorge se surpreendeu ao descobrir que a acompanhante nunca havia comido nada oriental.

“E você alguma vez comeu galinhada, Jorge?” Perguntou ela aos risos.

“Claro que não, Marga, que coisa mais caipira.” Ele respondeu depressa, e a menina baixou os olhos. “Desculpa, eu não quis te ofender.”

“Me senti de volta na escola.” Confessou ela, com um sorrisinho de lado.

“Não sei se gosto de me lembrar dessa época. Eu era muito babaca, não é?” Ele perguntou, envergonhado.

“Bastante. É bom ver que você mudou tanto.” Garantiu ela, segurando a mão dele. A famosa corrente elétrica passou pelos dois, que se arrepiaram.

Em silêncio, foram aproximando seus rostos. Quando os narizes estavam a milímetros, pararam, esquadrinhando um ao outro com os olhos. Jorge sorriu, acabando com a distância entre eles.

Depois de um beijo delicado se separaram, Jorge acariciando o rosto dela com as costas do polegar.

“A gente estava só se divertindo desde a formatura, não é?” Perguntou ele, fazendo ela rir.

“Sim, mesmo que nós não tenhamos nos beijado desde aquele dia.” Ela lembrou, entrelaçando a mão livre dele sobre a mesa.

“Mas nós temos um problema, Marga.”

“E qual seria, Jorge?”

“Eu estou apaixonado por você.” A declaração dele a pegou de surpresa.

Ela só precisou de um segundo para ponderar sobre seus sentimentos. Quando pensou estar apaixonada por Ramon, e agora, que tinha certeza que estava apaixonada por Jorge.

“Que bom. Porque eu também estou apaixonada por você.”

~*~

Naquela noite, nenhum dos dois pegou no sono. Se remexeram inquietos na cama, assombrados por seus pensamentos.

Por muito tempo, Jorge acreditou ser apaixonado por Maria Joaquina. Eram de classes semelhantes, tinham gostos parecidos. Mas não chegava perto do que sentia por Margarida, e isso era confuso. Ele e a morena não tinham nada em comum, haviam crescido em ambientes totalmente diferentes, viam o mundo de formas opostas.

E no entanto, só encontrava paz quando estava junto dela.

Já em seu quarto, a outrora modelo encarava a lua pela janela, pensativa. Há pouco tempo, tinha certeza absoluta que estava apaixonada por Ramon. Ele a ajudou muito, lhe conseguiu um emprego, cedeu seu apartamento algumas noites mais frias para ela ter onde dormir.

A ideia de voltarem juntos foi dele, romântico como era na época, para começarem uma vida juntos, na legalidade. Agora não tinha mais certeza de que era isso que ele queria. Se questionava se ele realmente havia levado seu dinheiro para uma agência de viagens, ou se estava apenas a usando. Sempre havia sido muito ingênua, na realidade, então essa opção era muito válida.

E agora tinha Jorge na parada. Lembrava do beijo doce que haviam compartilhado mais cedo naquele dia. Já tinha beijado muitos homens, era verdade, e gostava muito de beijar Ramon. Ele era quente, apaixonado, sabia fazê-la se sentir bem. Jorge, por outro lado, havia sido delicado, carinhoso, até mesmo nos beijos que haviam trocado em sua formatura.

Imaginava como seria fazer algo mais com ele. Isso só havia feito com Ramon, diversas vezes, mas já tinha algumas semanas da última vez, logo que foi morar com Jorge. E havia sido horrível, bem diferente de no início. Ele havia sido bruto, grosseiro, lhe deixado cheia de marcas.

Depois de muito tentar dormir, Jorge se preparava para levantar e ir beber alguma coisa, talvez assim conseguindo pegar no sono. Talvez se trabalhasse um pouco o sono viesse, não sabia dizer. Mas antes que fizesse qualquer coisa, sua porta se abriu.

Margarida lhe encarou da porta, uma camisola de sede fina cobrindo o corpo, com duas alças delicadas nos ombros. Foi isso a única coisa que passou pela cabeça do advogado, antes de perder a noção do que fazia.

Só sabia que, momentos depois, ela estava sob seus lençóis e a camisola repousava no chão ao lado da cama.

~*~

Amar era bom, ele descobriu. Ser amada era delicioso, ela descobriu.

Viviam um romance de contos de fadas, repletos de beijos, sorrisos e carícias. Margarida conseguia despertar o que Jorge tinha de melhor, e até mesmo o trabalho havia ficado mais leve. Ele inclusive tomava coragem para pedir demissão e tentar trabalhar no sistema público, na parte de proteção aos direitos infantis.

Isso porque Margarida havia começado a trabalhar como voluntária em um orfanato próximo ao prédio dele. As histórias das crianças o tocavam, e ele queria poder fazer algo para ajudar. Como tudo dependia do sistema, nada melhor do que fazer parte dele, não é?

Acordou em uma segunda-feira se sentindo maravilhoso. Encarou a morena em seus braços, plantando um beijo em seus cabelos e sorrindo ao ver os lábios dela se curvarem inconscientemente.

Saiu sem acordá-la, sabendo que precisava chegar cedo ao trabalho. E tinha outro lugar que precisava passar, antes da surpresa que estava preparando para aquela noite.

~*~

Naquele dia completava dois meses que eles dois estavam juntos. Dois meses da primeira vez que haviam se entregado um ao outro. E algumas semanas que sua menstruação não descia. E Margarida já sabia muito bem o que isso queria dizer.

O plantonista do hospital perguntou a data de sua última menstruação, pediu um exame de sangue e depois do resultado positivo, fez as contas. A data estimada por ele batia com o dia em que ela e Jorge se declararam um para o outro.

Que marco formidável para o início daquele amor tão bonito que havia surgido entre eles. Um filho seria um presente maravilhoso, sabia disso.

Quando já estava chegando de volta no apartamento, seu celular tocou.

“Oi, meu amor.” Ela atendeu sorrindo, ansiosa por contar a novidade para ele.

Oi, princesa. E então, animada para nosso encontro hoje à noite? Dois meses juntos, hã?”

“Quem diria, Jorge Cavalieri contando meses de namoro.” Ela brincou, ouvindo ele rir.

Para você ver o que fez comigo, minha caipirinha. Eu queria ter tomado café com você, mas precisava chegar cedo na empresa.

“Não tem problema, amor. Vamos aproveitar bastante a noite.”

“Você está na rua?” Perguntou ele ouvindo uma buzina. “Não foi ao orfanato hoje?”

“Não, fui ao hospital.” Ela respondeu sem perceber, se repreendendo depois. “Acho que estou meio gripada, fui pegar a receita de um remédio.”

“Marga, você sabe que podia ir em um médico, eu pago.” Ela sorriu ao ouvir aquilo. Ele continuava o mesmo riquinho de sempre, mas muito mais doce do que antes.

“Eu sei, Jorge, mas não havia necessidade. Ele me deu até uma injeção, e já estou melhor.” Ela olhou a portaria do prédio, sentindo o sangue gelar. “Amor, preciso ir, vou passar na mercearia pegar umas coisinhas. Nos vemos no final da tarde, ok?”

“Claro, princesa. Até mais tarde. Te amo.” Margarida sorriu ao ouvir aquilo.

“Eu também, lindo. Te amo demais.” Ela desligou, guardando o celular no bolso e marchando até a portaria do prédio, onde encontrou Ramon. “O que você está fazendo aqui?”

“Você parou de me atender.” Ele rebateu, irritado. “Isso sem falar dos bolos que me deu. Conseguiu o dinheiro para as passagens, Margarida?”

“Eu já te disse que não vou roubar o Jorge.” Ela rosnou, frisando cada sílaba.

“Qual é, garota, tá dando para ele agora?” Ela baqueou ao ouvir isso e Ramon riu. “Sabia. Você é muito dada, né Margarida? Foi eu te ajudar a conseguir um emprego que empestou minha cama. Aí o riquinho te coloca pra dentro de casa, e você rola na cama dele. Cê sabe qual o nome disso, não é?”

Se ouviu um baque surdo quando Margarida estapeou o rosto do ex-namorado, que massageou o local com uma cara possessa.

“Sai da minha frente, Ramon, e não apareça nunca mais. Pode ficar com o dinheiro que eu te dei das passagens, eu sei que não tem nenhuma agência te roubando. Quem quer roubar é você.” Ela cuspiu na cara dele, nervosa. “Acabou tudo entre a gente, está entendido?”

“Você vai se arrepender disso, sua vagabundinha.” Ele prometeu, começando a marchar para longe do prédio, deixando Margarida assustada.

Ela precisaria conversar com Jorge, o mais rápido possível.

~*~

O jovem advogado havia acabado de chegar do horário de almoço. Havia aproveitado o tempo para ir até a joalheria, buscar sua surpresa para aquela noite.

Encarou o anel de brilhantes, sentindo-se em paz. Os pais haviam ficado muito surpresos ao saber que o filho pediria Margarida em casamento, especialmente porque fazia apenas dois meses que eles estavam namorando.

Alberto, porém, se sentia tranquilo. Sempre havia achado Margarida uma menina doce e ajuizada, e gostou de quando o filho pegou amizade com ela na época do colégio. Sempre soube que ela fazia bem para ele, e isso era o que mais queria.

“Dr. Cavalieri, a gentleman awaits here at the reception. He said it is a matter of great urgency, and of your interest.” A voz de sua secretária surgiu pelo comunicador, espantando Jorge, que não esperava ninguém para aquela tarde. (Dr. Cavalieri, um senhor espera aqui na recepção. Ele disse que é uma questão de grande urgência, e de seu interesse.)

Send him, Elizabeth, please.” Pediu, já se levantando para receber a visita.

A porta foi aberta pela secretária e um homem perto dos trinta anos, porto-riquenho, entrou em sua sala. Jorge franziu o cenho, enquanto o recém-chegado o analisava.

“Can I help you, sir?” Perguntou, e o outro riu.

“Tu é o riquinho da Margarida?” Jorge se armou ao escutar o nome da namorada.

“O que você tem a ver com ela?” Perguntou, deixando a educação de lado.

“Eu sou o namorado dela.” Avisou o homem, e Jorge riu sem humor.

“Claro, e eu sou o Papa. Lamento te informar, amigo, acho que estamos falando da Margarida errada.”

“Ah é? Pois eu estou falando dessa, e você?” Ramon mostrou uma foto no celular, e Jorge engoliu em seco. Ali estava o homem a sua frente com sua Margarida nos braços, e o pior: nua. “É difícil aceitar a verdade, hã?”

“E por que você está rindo, seu animal?” Rosnou Jorge, irritado.

“Eu to lembrando de todas às vezes que eu e ela estivemos nessa situação na sua cama, cara.” Ao ouvir aquilo, Jorge perdeu a cabeça e avançou contra o homem a sua frente, o imprensando na parede. “Uau, to surpreso. Até que você é forte.”

“Você não veio aqui só para me repudiar, não é?”

“Claro que não. Eu quero dinheiro.”

“E por que eu te daria dinheiro, seu energúmeno?” Riu Jorge.

“Porque se não quem vai pagar o pato é a Margarida.” Ele ameaçou e Jorge gelou. “É, riquinho. Aquele corpinho pode se machucar facilmente.”

Jorge soltou o rapaz, dando alguns passos para trás e indo até a mesa. Ramon sorriu, vendo ele apanhar o talão de cheque.

“Quanto você quer?”

“$5000.” Mandou e Jorge nem hesitou em começar a escrever. “Se soubesse que seria fácil assim, teria pedido mais.”

“Não se esqueça que você está diante de um dos maiores advogados dessa empresa, seu estúpido. E eu aposto que você está aqui ilegalmente, não é?” Ramon gelou, e Jorge sorriu. “Pega esse cheque e troca hoje mesmo. E depois disso, some. Eu não quero mais te ver perto do meu prédio, de mim, e muito menos da Margarida. Estamos entendidos?”

~*~

Na sala do apartamento, Margarida esperava Jorge com ansiedade. Havia preparado uma caixinha de presente com um sapatinho branco dentro, o maior clichê da história para contar para o futuro papai que estava grávida.

Assim que Jorge entrou, ela pulou do sofá sorrindo. Ele largou a pasta ao lado da porta, com uma cara horrível. Ela estranhou, imaginando o que teria acontecido no trabalho. Até ele a olhar e ela perceber que o gelo que ele dirigia era para ela.

“Jorge, o que...”

“Não fala comigo, Margarida.” Ele mandou, marchando para o quarto. Ela foi atrás, assustada, e o observou começar a puxar suas roupas do armário e jogar no chão. “Sua golpista maldita.”

“Do que você está falando, Jorge?” Ela perguntou, começando a chorar. E então, veio um estalo. “O Ramon foi atrás de você.”

“Ah, é esse o nome dele? Ele não se apresentou, estava mais ocupado mostrando para mim as suas fotos nuas com ele.” Jorge explodiu, os olhos vermelhos de raiva. “Eu poderia esperar isso de muita gente, Margarida, menos de você.”

“Jorge, me deixa explicar.” Ela implorou se aproximando, mas ele a empurrou e derrubou no chão.

“Eu não quero ouvir uma palavra, sua golpista nojenta. Eu quero que você pegue tudo o que é seu, tudo, e saia daqui. Eu não quero te ver nunca mais, ouviu? Nunca mais!”

~*~

Em Boston, Diana estava preocupada. Desde que Margarida havia aparecido ali, há quase duas semanas, ela estava trancafiada no quarto. O máximo que conseguiu arrancar da amiga era que Ramon havia contado tudo para Jorge, que o advogado a colocara para fora de casa e que estava grávida.

Como se pouca desgraça fosse bobagem!

Nesse meio tempo, havia conseguido um emprego para a amiga como garçonete em uma lanchonete próxima, de uma amiga. Explicou que Margarida estava grávida, e a dona, uma senhora bondosa, aceitou contratá-la assim que ela se sentisse melhor, já que Diana explicou que os enjoos do início da gravidez a estavam derrubando.

O dinheiro não seria muito, mas seria o bastante para que elas duas pudessem manter a si, o apartamento e, logo, o bebê que chegaria.

Porém, dependeriam do estado para toda a parte de saúde. Nem ela e nem Margarida tinham plano de saúde, e os hospitais públicos na região onde morava eram horríveis.

Suas colegas de trabalho a chamaram de maluca por abrigar uma grávida e se desdobrar em ajudá-la. A aconselharam a colocar Margarida na rua e deixar que ela se virasse. Afinal, tinha feito o filho porque quis, que desse um jeito nisso.

Mas não poderia fazer isso, jamais. Margarida havia estado ao seu lado desde que chegaram aos Estados Unidos, e por mais que tivesse se dado melhor do que a jovem caipira, devia muito a amizade dela.

Então estaria ao seu lado naquele momento difícil, e juntas dariam um jeito.

~*~

“Diana, está doendo.” Choramingava Margarida, vendo a amiga no telefone. A morena observava sua barriga contorcida, sentindo as contrações.

“Marga, a tempestade está piorando. As ambulâncias estão a todo vapor, temos muito acidentes.” Explicou a amiga, se ajoelhando do lado da cama. “Eu receio que não vamos conseguir ir para o hospital.”

“Minha bolsa já rompeu, Di, e as contrações estão muito fortes. Meu bebê vai nascer daqui a pouco.” Avisou Margarida, preocupada. “Eu to com medo.”

“Medo do que, amiga?”

“Eu não fiz nenhuma consulta pré-natal, Di, e se tiver algo errado com ele? E se ele morrer depois que nascer?” Margarida já chorava, assustada.

“Vai dar tudo certo, amiga, e seu filho vai ficar bem.” Prometeu a mineira, mesmo que não tivesse tanta certeza disso. “Eu vou ligar para a emergência e ficar com eles no telefone, ok? Eu mesma farei meu afilhado nascer.”

O celular ficou no viva-voz, um médico grudado no telefone do outro lado. Ele orientou Diana de tudo o que ela deveria ter a mão para fazer o parto, enquanto as contrações de Margarida aumentavam depressa.

Do lado de fora do apartamento fazia um frio insano, com neve cobrindo quase um metro da rua, mas a parturiente suava de forma descontrolada, sentindo o corpo todo pegar fogo.

“Eu estou com muita dor, Di.” Reclamou Marga, arfando. Diana falou ao telefone, voltando com uma garrafa de uísque. “Que merda é essa?”

“Não é um método ortodoxo, mas não temos outra solução.” Avisou Diana. “Vai te anestesiar um pouco.”

“Foi o médico que recomendou?”

“Claro que não, ele te mandou respirar. Mas eu sei que nada melhor para dor do que uma boa golada de uísque, então vai na fé.”

“Mas e se fizer mal para o bebê?”

“Eles drogam as mulheres no parto, Margarida, um pouco de uísque não vai matar ninguém.” Rosnou Diana, largando a garrafa e voltando a falar ao telefone. “Quanto tempo entre as contrações?”

“Quase um minuto.” Ela avisou, virando uma golada. “Isso é horrível.”

“Mas vai ajudar a dor a diminuir depressa.” Prometeu Diana, repassando a informação do tempo entre as contrações. “Já está com vontade de empurrar?”

“Faz tempo.”

“Então vamos começar a mágica.”

Demorou quase duas horas. Duas horas repletos de gritos, xingos e lágrimas. Margarida chamou por Jorge tantas vezes que Diana quase ligou para ele. Sua opinião, como Margarida sabia, é de que ele deveria saber sobre o filho.

Mas aquele não era o momento, seriam necessárias muitas explicações. E ali, naquela hora, Margarida precisava de toda a sua atenção.

“Diana, eu quero o Jorge aqui, eu não vou conseguir fazer isso sem ele.” Implorou Margarida novamente.

“Vai dar tudo certo, Marga, você só precisa fazer mais um pouco de força. Nós ligaremos para o Jorge assim que tudo estiver terminado, ok?” A parturiente concordou, um pouco febril. “A cabeça está saindo, eu posso sentir. Faça força, ok?”

E a partir dali foi tudo mais fácil. Foram precisos poucos empurrões para que a cabeça saísse, e com mais um forte, o corpo escorregou para fora. Diana limpou o nariz e a boca do bebê, como o médico mandou por telefone, e o choro preencheu o ar.

“Ele está bem?” Chorou Margarida, sem conseguir ver o filho.

“Está, Marga. É um menino, amiga. Você teve um menino lindo.” Diana também chorava, enquanto enrolava o corpinho pequeno em um cobertor e o passava para a mãe. “Parabéns.”

Margarida o tomou nos braços trêmula, chorando sem pudor. Observou o rostinho branquinho, avermelhado pelo choro forte e pelo sangue que ainda não havia sido limpo. Mexeu na coberta, vendo os dois pés e contando os dez dedinhos ali. Repetiu o gesto com as mãos, suspirando aliviada. Tocou o cordão que saia de seu umbigo, aquele fio de vida que ainda mantinha seu pequeno conectado a ela.

Ok. Ok. Thank you, doctor Jack.” Diana desligou o telefone, sentando ao lado da amiga. “Já solicitaram uma ambulância, deve chegar em breve. Mas me diz, amiga... Como esse anjinho vai se chamar?”

“Eu não pensei nisso. Mas acho que... Ele vai se chamar Jack. Se fosse menina, pode apostar, se chamaria Diana.” As duas riram, observando o menino que piscava os olhos azuis de forma atenta para a mãe. “Meu pequeno Jack. A mamãe te ama tanto, meu anjo.”

“Você quer que eu ligue para o Jorge?” A jovem mãe negou, e a amiga suspirou. “Você não parou de chamar por ele, Marga.”

“Eu sei, Di. Mas isso não muda o que aconteceu, e nem o que vai acontecer se ele descobrir. Eu já aceitei que vou precisar criar meu filho sozinha, e é o que vai acontecer. Vamos ser eu e o Jack contra o mundo. Com uma forcinha da madrinha dele, é claro.”

“Você sabe que sempre pode contar comigo, amiga.” Diana sorriu, acariciando Jack. “Vou esperar os paramédicos para cortar o cordão, ok? Enquanto isso, mantém seu filho assim, juntinho de você.”

E dizendo isso, deixou o quarto e em seguida o apartamento, indo esperar a ambulância na recepção. Margarida permaneceu com Jack em seus braços, até que ele começou a resmungar.

“Está com fome, meu amor? Eu li que isso poderia acontecer.” Margarida estava ansiosa. Se ajeitou melhor na cama, baixando o decote da camiseta que usava. Com cuidado levou o filho até seu seio, ajudando que ele pegasse o bico e começasse a mamar. “Vai dar tudo certo, anjinho. A mamãe está aqui, e não vou deixar nada de ruim te acontecer.”

~*~

Em Nova York, Jorge estava tendo uma noite do cão. Não conseguia pregar o olho, ficava andando pelo apartamento sem parar. Seus pensamentos voavam para Margarida constantemente, pensando onde ela estaria.

Os últimos sete meses haviam sido os mais miseráveis de sua vida. Havia começado a decair na empresa, recebido várias represarias dos patrões, não comia e nem dormia. Parecia estar doente, e seu pai havia vindo visitá-lo, preocupado com seu bem estar.

Sua maior vontade era ter notícias de Margarida. Será que ela havia voltado para o Brasil, como dizia que queria quando se encontraram? Ou ainda estaria em Boston? Ele sabia que ela havia ido para lá porque havia sido a última compra que havia feito com o cartão que ele lhe dera, logo após romperem.

Nervoso, bateu na porta do quarto do pai, que o mandou entrar. Alberto estava sonolento, coçando os olhos.

“Noite difícil?” Perguntou o homem, bocejando.

“Ela não sai da minha cabeça, pai. Parece que eu ouço ela me chamando, o tempo inteiro.” Reclamou o rapaz, abraçando os joelhos. “Eu queria nunca ter descoberto a verdade, pai.”

“Jorge, eu acho que você já tem idade para entender.” Suspirou o pai, se ajeitando melhor. O advogado o encarou, curioso. “Sua mãe casou comigo por interesse, Jorge.”

“Como?”

“É. Ela era apaixonada por outro quando nos casamos, mas... Ele era pobre, sabe? E sua mãe havia sido criada no bem-bom, e eu era rico e apaixonado. Ela aceitou casar comigo, mas por algum tempo, ela ainda manteve contato com o outro. E eu deixei, porque, para mim, só me importava ter ela comigo! Um dia o tal namorado foi embora para o sul a trabalho e nunca mais voltou. Foi quando eu e sua mãe nos aproximamos, e aí tivemos você, e nossa vida se acertou, entende?”

“Você está falando para eu ficar com a Margarida apesar de tudo isso, pai?”

“Jorge, você não consegue viver sem essa garota, assim como eu não conseguia viver sem a sua mãe. Uma hora ou outra, ela vai se apaixonar por você. É só uma questão de tempo e paciência.” Aconselhou Alberto, tornando a se deitar. “Pelo menos, comigo foi assim.”

~*~

Margarida estava deitada em sua cama, no quartinho na casa de Diana. Ela havia terminado a faxina e o almoço, que era o mínimo que podia fazer. Pouco antes de Jack nascer ela havia sido demitida da lanchonete, já que o movimento não estava dos melhores.

Agora, com o filho pequeno, arranjar outro emprego estava fora de cogitação por não ter com quem deixá-lo. Sobrou então para Diana manter a casa, enquanto Margarida cuidava do filho.

Mesmo sem querer, ela havia entrado em contato com a mãe. Explicou toda a história para Vera aos prantos, e ao contrário do que esperava, sua mãe ficou do seu lado. Agora, a senhora estava tentando arranjar dinheiro para levar a filha e o neto de volta para o Brasil, o que não era fácil levando em conta o quanto conseguia tirar por mês do sítio.

Jack terminava sua mamada da hora do almoço, e depois dormiria por algumas horas. A mãe se doía por não ter um berço ou moisés onde colocá-lo, tendo que dormir com ela na cama. Sabia que não era o melhor para o bebê, mas não tinha outra escolha.

“Marga, cheguei.” Diana apareceu na porta, sussurrando. “Olha o que eu trouxe da loja.”

“Uma roupinha nova?” Margarida sorriu vendo o conjuntinho que a amiga havia conseguido.

“Sim, peça com defeito. Presente para comemorar os sete meses do nosso garotão.” As duas sorriram para Jack, que ressonava no ombro da mãe. “Ah, a encomenda da sua mãe chegou.”

“Vamos ver então. Ela costurou algumas roupas para ele também, já que ele está perdendo todas as dele.” Margarida levantou com o filho no colo e foi para a sala. Assim que sentaram no sofá, ouviram uma batida na porta.

“Margarida Garcia?” Uma voz grossa chamou, assustando a morena. Ela passou o filho para Diana, que correu para o quarto.

A jovem mãe então caminhou até a porta, abrindo uma fresta. Do outro lado encontrou um homem de terno e olhar sério.

“Pois não?”

“Boa tarde, srta. Garcia. Meu nome é André Santos, estou aqui a pedido do sr. Jorge Cavalieri. Ele pede que a senhorita me acompanhe até Nova York.” Explicou o brutamontes, sério.

“Como?” Se surpreendeu Margarida.

“A senhorita me entendeu. Tenho ordens expressas de não sair daqui sem você.” Avisou o homem, bastante sério.

“Tu-tudo bem. Posso pegar minhas coisas?” Ele concordou, a medindo de cima a baixo. A mulher fechou a porta, se tremendo toda. Diana surgiu com Jack adormecido, aflita. “E agora, o que eu faço?”

“Vai com ele para Nova York, Marga. Vou pedir para a sra. Peters me ajudar com o Jack hoje. Vai lá e conversa com o Jorge, e resolve essa situação. Nós vamos estar te esperando.”

~*~

Em Nova York, Jorge estava sentado no sofá, impaciente. Sabia que André já estava chegando com Margarida, mas não conseguia conter sua ansiedade. Queria vê-la logo, saber que ela estava bem.

Quando a porta se abriu, o advogado prendeu a respiração. Ela havia mudado muito, ele podia ver. Cabelos mais curtos e descuidados, uma cintura mais fina, seios maiores. Algo havia acontecido com ela, Jorge só não sabia dizer o quê.

“Margarida.” Ele a cumprimentou, sério.

“Achei que você não queria me ver nunca mais, Jorge.” Ela rebateu, fria.

“E não queria mesmo. Mas existe um problema: eu sou louco por você. Você é como uma droga, Margarida, e eu não consigo lidar com a sua abstinência.” Jorge se aproximou, tocando o rosto dela. “Eu não quero saber o que você faz ou deixa de fazer da sua vida, contanto que você seja minha.”

“Como?” Ela pensou não ter ouvido direito.

“Você será minha namorada, dona dessa casa, poderá usufruir do meu dinheiro como quiser, fará amor comigo. E eu não vou perguntar ou me interessar por nada que você faça e não queira me contar. Pode ter namorados, amantes, o que for. Pode sair quando quiser.” Ele explicou calmamente. “Só seja minha.”

“Você está sendo doentio, Jorge.” Se horrorizou Margarida, pronta para lhe dar as costas, quando se lembrou de Jack. De como não tinha dinheiro para vesti-lo, para lhe dar comida, para lhe dar um berço. Respirou fundo e perguntou. “Você vai ficar controlando meus gastos?”

“Eu não me interesso com o que faça, Margarida. A única coisa que você não pode é voltar para o Brasil.”

“E visitar a Diana em Boston?”

“Sempre que quiser. Só me avise antes.” Ele explicou, satisfeito.

“Então tudo bem, meu amor... Nós voltamos.”

~*~

Os primeiros dias de convivência foram terríveis, para Margarida e Jorge. Ainda bastante feridos pelo que havia acontecido, não conseguiam se entender. Estavam sempre se alfinetando, brigando, xingando.

Mas nada disso importava para ele, já que sua vida havia voltado aos trilhos. Conseguia comer novamente, dormia afinal a noite tendo Margarida ao seu lado, retomou o trabalho com garra total. E isso tudo apenas com a presença dela ali.

Já Margarida sofria com a falta do filho. Na primeira noite acordou assustada e dolorida, com os seios vazando leite. Comprou e escondeu uma bombinha, e buscou orientação de como proceder. Ordenhava o leite algumas vezes ao dia, congelava e mandava para Boston, para que Diana o usasse para alimentar Jack.

Se sentiu melhor quando, no segundo dia em Nova York, foi a uma loja de bebê e comprou várias roupas, um carrinho e um berço. Quando a amiga lhe mandou as fotos mostrando a alegria do filho diante das novas aquisições, reascendeu sua força.

Quem não gostou de sua atitude foi sua mãe. Mesmo entendendo o porquê da filha fazer aquilo, Vera ainda estava preocupada.

“Filha, apesar de tudo, eu sei que você ainda ama o Jorge.” Disse a mais velha ao telefone. “E você pode se machucar.”

“Mãe, eu estou fazendo isso pelo meu filho, para poder cuidar dele. E bem... Eu tenho o Jorge para mim, do meu lado. Isso é mais do que eu poderia imaginar alguns meses atrás.” Suspirou a morena, sentindo os olhos cheios de lágrimas. “Eu queria poder deixar de amar ele, sabe?”

E ele também queria poder deixar de amá-la. Era isso que pensava a cada vez que ela saia de casa e ele pensava o que ela estava fazendo. Ou quando se trancava no quarto de hóspedes, e ele não sabia o que ela fazia ali. Apesar da curiosidade, estava decidido a manter sua promessa e não interferir nos assuntos dela.

E tinha certeza que seria mais fácil fazê-lo se não estivesse tão apaixonado por ela.

~*~

“Como você cresceu, meu amor.” Margarida agarrou Jack com força, começando a chorar. “Eu mal via a hora de vir vê-lo.”

“Quase um mês que você foi embora, amiga, ele estava morrendo de saudades.” Contou Diana, feliz de ver Margarida. “E então? Como estão as coisas?”

“Estranhas, Di, muito estranhas. O Jorge exige que eu durma no mesmo quarto que ele, mas sequer olha na minha cara. Eu tenho gastado uma nota em coisas para bebê, e ele não disse uma palavra. Eu saio e ele nem pergunta o que vou fazer, me tranco no quarto para ordenhar o leite e ele nem levanta os olhos. E, no entanto, ele parece mais saudável. A cozinheira me disse que, depois que eu fui embora, ele não comia e nem dormia mais, mas agora que eu voltei, ele se recuperou. Eu não sei o que dizer, Di.” Narrou Margarida, encarando o filho. “Será que ele ainda mama no meu peito?”

“Não sei, amiga, tenta.” Sugeriu Diana, vendo que ela iria fazer. “Ele ainda é apaixonado por você, Marga.”

“E eu por ele, Diana. Mas ele deixou uma barreira entre nós dois, que eu não sei como transpassar.” Reclamou Margarida, vendo o filho começar a mamar.

“Acho que isso é questão de tempo, Marga.” Sugeriu a mineira, se acomodando melhor no sofá. “E você vai contar para ele do Jack?”

“Não, isso não. Ele vai surtar se descobrir do Jack, não sei o que ele pode fazer. Ele pode me proibir de ver meu filho.”

“Você acha que o Jorge faria isso?”

“Ele está imprevisível, Diana. Eu nunca imaginei que o Jorge me faria uma proposta como a que ele me fez.” Suspirou Margarida, cansada. Ela encarou Jack, acariciando seu rostinho. “É horrível ficar longe de você, meu anjo, mas é para o seu bem. Bem materiais não são tudo, mas são importantes, e você vai precisar deles. Um dia nós vamos conseguir ir embora daqui, tenho certeza.”

~*~

Quase três meses haviam se passado, e o clima continuava estranho. Margarida ia para Boston a cada duas semanas, passava três dias lá, e voltava para Nova York. Logo, Jorge começou a desconfiar que ele tivesse um namorado por lá.

Após falar com seu pai, o mesmo sugeriu que começasse a cortejar a namorada. Afinal, tratá-la com a indiferença que vinha tendo não faria as coisas melhorarem. Foi então que Jorge apareceu mais cedo no apartamento, vendo-a no computador.

“Linda?” Ele a chamou por um antigo apelido, assustando a mulher. Ela o encarou, confusa. “O que acha de sairmos para jantar hoje?”

“Cla-claro, Jorge. Eu vou adorar.” Ela sorriu vacilante, vendo-o concordar e ir para o escritório. Ela tornou a digitar, enviando para Diana o relato do que tinha acabado de acontecer. A resposta veio logo e ela leu em voz alta. “Então aproveita, sua boba. Conquista o Jorge novamente e recupera a sua felicidade.”

Os dois então se arrumaram e foram a um restaurante italiano que era a nova moda. Jorge abriu a porta do carro, puxou a cadeira para ela sentar, ficou segurando sua mão. Conversaram de forma amena e o clima ficou mais leve.

“Você vai para Boston novamente?” Perguntou Jorge, em determinado ponto.

“Eu vou passar uma semana com a Diana por lá. Ela vai precisar fazer uma pequena cirurgia, e eu vou lá cuidar dela. Sabe, ela me deu a maior força.” Explicou Margarida, recebendo um aceno afirmativo. Na verdade, seria o primeiro aniversário de Jack, e sua mãe iria para Boston para comemorarem.

“Que dia?” Ela explicou que seria na segunda semana do ano. “Tudo bem. Meus pais querem vir me visitar no Natal e ficar até o começo do ano. Você gostaria de ficar conosco? Eles queriam ir para a Califórnia.”

“Seus pais?” Ela perguntou, nervosa. “Jorge, seus pais não devem gostar muito de mim, não é?”

“Por que você me usou?” Ela se amargurou ao ouvir aquilo. “Minha mãe era igual a você, vocês provavelmente vão se dar bem.”

“A noite estava ótima, sabia? Até você vir com esse assunto.” Margarida levantou, jogando o guardanapo na mesa e saindo batendo o pé. Jorge jogou algumas notas na mesa, saindo atrás dela.

“Você está nervosa por quê? Eu não disse nenhuma mentira, disse?” Ele perguntou, a alcançando depressa.

“A verdade é relativa para cada um, Jorge, e você nunca quis ouvir o meu lado da história. Então, se prefere acreditar na sua verdade, que assim seja.” Rosnou a morena, lhe dando as costas. Ele segurou o braço dela, cansado.

“Você não entende, não é? Me dói te amar como eu te amo, Margarida. Eu nunca abri meu coração para ninguém, e quando eu fiz isso, eu fui apunhalado. Você me destruiu de um jeito que ninguém nunca fez, e por mais que eu queira te odiar, eu não consigo. Eu te quero comigo a todo o instante, e ao mesmo tempo, não consigo evitar ser grosso com você.” Ela observou os olhos azuis marejados, se desarmando. “Eu tenho tanto medo que você vá embora.”

“Eu não vou embora, Jorge, você sabe disso.” Ela disse mais mansa, se aproximando dele.

“E por que não?”

Ela queria dizer que era porque o amava da mesma maneira, colocar seus sentimentos para fora. Mas sabia que ele estava machucado, acuado. Ele a havia comparado com sua mãe, e isso não era bom. Ponderou sobre o que responder e por fim disse uma verdade parcial.

“Porque eu preciso de você. Sabe, eu não tenho para onde ir.” Claro que ela tinha, mas ela queria ficar com ele. E Jack precisava dela, e do pai, mesmo que ele não soubesse disso.

Jorge lhe deu um sorriso triste, um pouco cansado. Margarida se aproximou mais, tomando o rosto dele entre as mãos e lhe beijando os lábios demoradamente.

“Você não dormiu noite passada. Vem, vou te colocar na cama.” Ela mandou, segurando sua mão e caminhando até o carro.

Aquela não seria uma relação fácil, tinha certeza disso.

~*~

Foram reconstruindo sua história da melhor forma possível. Ele voltou a ser uma pessoa carinhosa, mesmo que ainda fosse na maior parte do tempo frio e distante. Saiam sempre, fazia amor madrugada a dentro nas noites após os julgamentos difíceis que ele passava.

Margarida ia para Boston por um final de semana a cada três semanas. Jack agora já tinha dois anos e meio e era uma criança inteligente, participativa, brincalhona. Falava com a mãe por vídeo todo dia, a enchia de orgulho com suas pequenas conquistas.

Diana havia saído do trabalho e agora se dedicava integralmente ao afilhado. Margarida enviava dinheiro o bastante para eles se manterem, e até haviam alugado um apartamento um pouco melhor. Jack já ia para a escolinha e falava inglês bem, assim como português. A professora o chamava de “pequeno prodígio”.

Em todo aquele tempo, Jorge nunca questionou seus gastou ou suas viagens. Ficava estranho nos dias antes e depois de ela ir, mas nunca falava nada. Mesmo que não admitisse, havia voltado a confiar em Margarida e a cada dia menos a comparava com sua mãe em sua mente.

Sempre que conversava com seu pai sobre isso, ele dizia a mesma coisa: Margarida e Rosana eram muito diferentes, e a caipira realmente parecia estar se apaixonando mais e mais pelo advogado.

Um dia que chegou mais cedo do trabalho, Jorge encontrou o apartamento em silêncio. Logo ouviu conversas e foi em busca da origem. Pela porta espelhada da cozinha, viu Margarida sentada no balcão com o notebook na sua frente. Quando ia entrar, viu que era uma chamada de vídeo.

“Como está o amor da mamãe?” Perguntou a morena, sorrindo.

Com saudade, mamãe. Quando vem ver o Jack?” Perguntou um garotinho na tela, sorrindo animado.

“Semana que vem a mamãe vai para Boston ver você e a tia Di, meu amor.” Foi a última coisa que Jorge ouviu, antes de correr para seu escritório.

Entrou arfando e fechou a porta, sentando na cadeira e soltando a gravata. Margarida era mãe? Ela tinha um filho? Como, quando? Claro, no ano que passaram separados. Será que ela estava grávida quando foi embora? E quem era o pai daquele menino? Seria Ramon? Ou ele?

Lembrou de um detalhe que chamou sua atenção na criança: os olhos azuis. Os olhos do porto-riquenho eram negros como a noite, e Margarida também tinha olhos escuros.

“Ai meu Deus.” Ele sussurrou, escondendo o rosto nas mãos. Virou depressa para o computador, abrindo o banco.

Puxou o extrato da conta da esposa, vendo as transferências constantes para Diana, além do pagamento mensal de uma escola. Puxou a fatura do cartão, e quase todas as compras eram relacionadas a lojas de bebê.

Com um gesto rápido, puxou o celular e discou um número.

“André? É o Jorge. Preciso que você investigue algo para mim.”

~*~

Margarida havia acabado de chegar do mercado. Havia ido buscar as coisas para fazer chocolate quente, e se surpreendeu ao ver Jorge em casa, empacotando as coisas no escritório.

“Algo errado?”

“Me demiti hoje. Voltamos para o Brasil no final do mês.” Avisou, sorrindo para ela. “Sei o quanto você queria isso.”

“Como?” Ela se surpreendeu, vendo a tranquilidade dele. “O que você vai fazer no Brasil?”

“Abrir meu próprio escritório. Você sabe que eu estava querendo isso há tempos. Já vou com bons clientes, amigos do meu pai. Meus pais inclusive estão preparando nosso apartamento.”

“Ah, sim. Hã, vou fazer chocolate quente, quer?”

“Claro, vou adorar.” Ele sorriu, voltando sua atenção para o que fazia, enquanto Margarida corria para a cozinha, aflita.

Ela discou o número de Diana com os dedos trêmulos, já querendo chorar.

“Diana, eu preciso da sua ajuda. O Jorge se demitiu, nós vamos voltar para o Brasil. O que eu faço?” Ela disse assim que a outra atendeu, tremendo.

Bom, acho que é hora de eu finalmente voltar para casa.” Disse a amiga do outro lado da linha. “Você pode ir morar com a sua mãe, como ela sempre te propôs. E ficar com o Jack, afinal.”

“Isso me ocorreu nesse momento. Resta saber se o Jorge vai deixar.” Suspirou a morena, chorando. “Diana, eu to com medo. Essa atitude dele foi muito repentina.”

“Calma, Marga, vai dar tudo certo.” Prometeu a mineira.

“É, meu amor, vai dar tudo certo. Nós vamos ser uma família, eu prometo.” Sussurrou Jorge, escorado na parede de fora da cozinha, ouvindo toda a conversa escondido.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Vocês estão entendendo que esse é o maior bônus que eu escrevi até agora? Eu tive que ir resumindo as coisas, porque já estava chegando em 10.000 palavras. Sabem quanto é isso? HAHAHAHAHAAH
Obrigada pelos comentários lindos no capítulo anterior, fizeram meu coração transbordar amor. Essa é a história do Jorge e da Marga, uma história bastante contraditória e cheia de desencontros, mas com muito amor. Amor esse que o Jack precisa fazer se acertar!
Comentem o que acharam, se estão gostando. Vou andar um pouco com a história antes de fazer mais um bônus HAHAHAHAAH
Até o próximo, gente!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "20 anos depois - A salvação da Escola Mundial" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.