O caminho de volta para meu apartamento foi pura tensão. Kyle não disse uma só palavra e eu não entendia o porquê dele estar bravo comigo. Ele parecia muito irritado então preferi não cutucá-lo ou puxar assunto. O trânsito só fez com que demorássemos mais para chegar em casa e eu estava quase enlouquecendo.
Quando abri a porta amarela do meu apartamento e a segurei para ele entrar, ele passou pela porta tirando sua jaqueta de couro e não disse nada. Franzi levemente o cenho mas não falei nada. Fechei a porta e a tranquei com a chave. Viro-me para olhar para ele e vejo Kyle parado em frente a grande janela de vidro, observando a selva de concreto iluminada por inúmeras luzes.
Não me aguentei e quebrei o silêncio.
—Você está bem?Está calado desde que saímos da clínica. Eu fiz alguma coisa errada?
—Não, só incentivou a loucura do meu pai.
Fecho os olhos por um instante e respiro fundo. Tenho que manter a calma. Não quero brigar. Vou até ele, meu sapato de salto é a única coisa que está quebrando o silêncio no apartamento. Paro ao seu lado e fico observando os carros passando na rua trinta andares abaixo. Cruzo os braços em frente ao meu peito e digo:
—Me desculpe por me intrometer. Sei que é assunto de família.
Kyle não diz nada, nem olha para mim, por isso,contiuo:
—Mas acho que você deveria dar uma chance ao seu pai.
—Ah Alice, por favor! - agora ele olha para mim. Ele parece exasperado. - Uma chance? Ele tentou se matar um mês atrás! Como ele pode ficar sozinho em outro estado? Isso é um absurdo.
—Eu entendo o seu ponto de vista. - pego sua mão e Kyle balança a cabeça negativamente olhando pela janela. -Entendo sim. Mas eu também entendo o lado dele. Kyle, há quanto tempo ele está lá? Há anos! Ele tem os problemas de saúde dele mas, ele merece uma segunda chance. - passo a língua pelos lábios para umedecê-los - Ele sente falta da casa dele e...
—Não há nada pra ele lá, Alice! -Kyle explode gritando e eu me assusto com seu movimento brusco para tirar minha mão de seus braços. - Não há nada além de... Desgraça naquela casa. Não tem o porquê ele querer voltar para lá.
Olho para os meus pés. Não gosto de vê-lo descontrolado, sei que ele só está preocupado com o pai.
—Só houve sofrimento naquela casa. Não entendo o porquê dele querer voltar para lá.
—Talvez ele já tenha superado, Kyle. Talvez ele esteja cansado de não ter privacidade e morar com outras pessoas. Talvez ele só queira voltar para a casa dele, para suas moedas estrangeiras. - dou de ombros.
Kyle sorri debochadamente e balança a cabeça negativamente olhando para seus pés, suas mãos na cintura.
—Eu... vou tomar um banho. - digo num tom de voz baixo.
Me viro e ando até o meu quarto. Tiro os sapatos e entro no closet acendendo a luz. Pego uma calça de moletom cinza e uma blusa de manga comprida rosa para vestir. Está muito frio. Aquela tensão toda me deu dor nos ombros e eu preciso muito relaxá-los. Talvez o banho quente ajude.
Saio do closet e apago a luz, meus  pés agora descalços doem por causa do sapato. Saio do quarto e vou para o banheiro. Fecho a porta e tiro minha roupa. Jogo-a no cesto de roupas sujas para lavar e faço um coque em meu cabelo. Entro debaixo do chuveiro tentando não me sentir ressentida com o jeito rude de Kyle.
***
Paro na porta do quarto quando vejo Kyle sentado sem camisa na beira da cama. Seu corpo está curvado e ele fita o chão. Desvio o olhar antes que ele possa me pegar olhando para ele.
Vou até a janela para fechar a cortina e me demoro mais do que o normal para essa tarefa.
— Ei. - ele diz e eu me viro para olhá-lo.
Kyle está atrás de mim e segura meu cotovelo.
— Desculpe ter gritado com você. - ele acaricia minha bochecha esquerda com o polegar.
Dou um sorriso de lado e balanço  a cabeça negativamente.
—Está tudo bem.
—Não, eu fui grosso. Sei que só estava tentando ajudar.
Suspiro e vou até a cama. Me sento com as pernas cruzadas e encosto minhas costas no travesseiro macio. Kyle se senta ao lado das minhas pernas, as suas para fora da cama. Ele me olha.
—Kyle, está tudo bem. Só acho que você deveria pensar no caso. Só isso. Converse com os médicos do seu pai para ver se é uma possibilidade que eles aprovam. Pode ser bom. Mas é claro que a decisão é sua,você é o filho e você o conhece melhor do que eu.
Ele sorri de lado.
—Obrigada. - ele pega minha mão e entrelaça meus dedos nos seus. - Você foi maravilhosa lá sabia?
Sorrio.
—Por que? Não fiz nada.
—Fez sim. Meu pai estava muito animado em conversar com você sobre... tudo!
Dou risada e dou de ombros.
—Ele é uma ótima pessoa. E, tem um senso de humor incrível.
Kyle sorri.
—Eu não sabia que você falava italiano.
—Você esqueceu de como são meus pais?
Kyle balança a cabeça assentindo.
—Ah, é verdade.
Ri de sua cara.
—Você foi simplesmente ótima. Sei que encantou meu pai.
—Eu amei conhecê-lo. Ele é ótimo, Kyle.
—Ele é.
Ficamos nos olhando em silêncio por um tempo e ele diz:
—Você se importa se eu dormir pelado?
—O quê? - pergunto sorrindo.
—É que eu não tenho roupa, não vou colocar essa roupa suja para dormir.
—Então você vai dormir aqui? -sorrio.
—É,eu pensei em ficar aqui com você já que você saiu do hospital hoje. Mas se você quiser, posso ir embora.
Dou uma risadinha.
—Não, tudo bem, pode ficar. Não vejo problemas de você dormir pelado.
Kyle sorri e estreita os olhos.
—Não mesmo, não é?
Estreito os olhos.
—É só você não me atacar.
—Eu? - ele ri. - Não sou eu quem te ataco.
—Se você está dizendo. - dou de ombros e me deito na cama me cobrindo com o edredom branco.
Kyle se levanta sorrindo e sai do quarto.
Pego meu celular e dou uma olhada nas inúmeras mensagens desde o dia do acidente. Haviam tantas! De Sam, Debbie, Sean, Chloé... Kyle. Abro a de Sean, a mais recente ele mandou ao meio dia e meio dizendo que já estava em Chicago. Respondo bem atrasada um "Que bom que chegou bem. Te amo e já estou com saudades" e coloco o celular debaixo do travesseiro.
Fecho meus olhos e me concentro em ouvir os pingos de chuva batendo contra a janela.