Gostaria de saber o que ele estava pensando olhando para mim daquele modo tão intenso. Gostaria de saber o que ele tinha falado para os meus pais. Ele tinha brigado com Sean? Não falo nada. Acho que não sei o que falar.
O observo vir até a cama e sentar-se ao lado das minhas pernas. Olho para seus cabelos vermelhos vibrantes e úmidos por causa do banho e depois para seu rosto.
—Me desculpa. - falo e levo as minhas mãos até minhas têmporas pressionando-as.
—Pelo o quê?
Dou de ombros.
—Ter feito você vir para cá, ter feito você ir me procurar... - paro de falar. - A lista é longa.
Como ele não diz nada, olho para seu rosto. Kyle está me olhando de uma maneira estranha. Gostaria de ler sua mente.
—Por que nunca me contou que fugiu de casa?
Sinto meu rosto afogueado.
—Sean contou isso pra você?
Kyle dá de ombros e balança a cabeça ao ver minha reação de espanto.
—Qual o problema de saber disso? Você sempre me pressionou tanto para contar tudo para você, e eu contei.
Dou de ombros.
—Não achei que fosse importante te contar isso. A filha mimada que fugiu de casa por dois dias.
Kyle respira fundo.
—Olha Alice, acho que já estamos juntos tempo suficiente para você saber que eu nunca acharia isso de você.
—Não quero falar sobre isso Kyle. - me deito na cama e sinto as lágrimas quererem transbordar de meus olhos. Me viro de lado, dando as costas para Kyle.
—O que é? Você vai se fechar agora? Eu quero saber quem era aquele cara que tentou te agarrar.
—Kyle, por favor, hoje não. - fecho os olhos. - Eu te imploro. Só quero dormir agora, tudo bem?
Encaro a parede coberta com o papel de parede delicado e absorvo o silêncio dele. Ele não diz nada e eu fecho meus olhos para tentar dormir. Estou exausta.
***
Eu já deveria saber que não conseguiria ter um sono tranquilo. Tive um pesadelo, mais como uma lembrança. Estava correndo em uma floresta, mas não era de noite, era de dia, tudo era silencioso. Eu só ouvia meus passos rápidos enquanto eu corria de alguém que eu não conseguia ver o rosto.
Assustada, acordo me sentando bruscamente na cama ofegante, o coração disparado e o cabelo grudando na testa com o suor. Olho para o relógio digital que marca quatro e duas da manhã em um vermelho brilhante. Fecho os olhos e respiro fundo tentando me acalmar. Está tudo bem. - repito mentalmente para mim repetidas vezes.
Sinto duas mãos em meus ombros e o colchão afundando um pouco quando Kyle se senta.
—Você está bem?
Olho para ele naquele quarto escuro. Apenas uma pequena luz prateada de uma lua distante entra pela janela do quarto.
—Estou. É só um pesadelo.
Kyle suspira e me puxa para ele, me deitando em cima do seu peito. Fecho os olhos e sinto-o acariciar meus cabelos. Posso ouvir os batimentos cardíacos dele contra meu ouvido.
—Ele era do time de basquete e já tentou me beijar uma vez. Sempre foi um idiota. - falo num tom de voz baixo quebrando o silêncio da madrugada. - Nunca imaginei que isso aconteceria comigo. Se... você e o Sean não tivessem chegado...
—Shh. -Kyle me interrompe. - Eu deveria ter acabado com aquele otário.
Suspiro e o silêncio se instala entre nós novamente por um espaço curto de tempo.
—Olha Alice, sei o que eu disse e ainda acho que sua mãe tem razão. - ele dá uma pausa. - Mas não vou te deixar. Sou muito egoísta para deixar você, mesmo que você mereça alguém melhor.
Olho para ele de cenho franzido. Não consigo ver muito de seu rosto por causa da falta de claridade, mas posso ouvir sua respiração calma cortando o silêncio. Não falo mais nada e torno a me deitar em cima dele, minha cabeça em seu peito, sua mão acariciando meus cabelos. Fecho os olhos.
—Eu te amo. A opinião da minha mãe sobre você, ou a sua própria opinião, não vão mudar o que eu sinto por você e nem como eu o enxergo.
Ele fica em silêncio e eu também não sinto necessidade de falar mais nada sobre o assunto.
—Estou feliz por você estar aqui. - digo. - Não sei o que faria sem você, Kyle. - olho para seu rosto.
Sua respiração lenta está e ele olha para meu rosto com ternura. Acaricio seu maxilar com as pontas dos dedos. Momentos como aqueles eram os meus preferidos. Era momentos em que mesmo no escuro eu podia ver cada traço de seu rosto e ler suas expressões, podia ver a cor vibrante de seu cabelo contra a fronha branca do travesseiro e ver a pupila de seus olhos claros extremamente dilatadas pela falta de luz. Sua respiração suave quebrando o silêncio do quarto logo após uma confissão minha.
—Eu te amo, Kyle. Não quero que nada que minha mãe disse para você faça você duvidar do que eu sinto por você. E não quero que você se menospreze por achar que não é bom para mim.
Kyle me abraça. Estou deitada em cima dele com meu rosto enterrado em seu pescoço, minhas pernas ao lado de seu tronco.
—Acho que você é a pessoa mais maravilhosa que eu conheço.
Sorrio de olhos fechados enquanto estou envolvida em seu abraço apertado.
—Nós iremos embora amanhã, tudo bem? Eu não quero que você fique aqui. Mas se você quiser...
— Não. - eu o interrompo. - Não quero.
Sento-me em cima de sua virilha apoiando as costas em seus joelhos. Suspiro e entrelaço seus dedos nos meus. Seus dedos são compridos e há alguns machucados nos nós deles, provavelmente pelo fato de ele ter socado Evan.
—Eu pensei que vir aqui seria legal. - digo sem fitar seu rosto. Continuo fitando nossas mãos entrelaçadas. - Sabe, pensei que seria legal passar o Feriado de Ação de Graças com Sean, ele contando as novidades da faculdade. Íamos come peru e o tradicional macarrão com queijo e conversar até duas da manhã comendo salgadinhos no quarto dele ou no meu.
Paro de falar e respiro fundo. Já posso sentir as lágrimas embaçando minha visão. Meu lábio inferior treme e eu o mordo. Respiro fundo novamente e não me atrevo a olhar para o rosto de Kyle.
—Tive a ilusão de que seria legal. Eu ia chegar aqui e ninguém ia me atacar, achei que ela ia se esforçar, sabe? Mas não. Quando eu cheguei ela logo veio me atacando com o sarcasmo irritante dela.
Sinto uma única lágrima escorrer pelo meu rosto.
—Eu nunca consegui me dar bem com ela e eu não sei o que fazer pra ficar bem com ela. -balanço a cabeça negativamente. - E aí aquele... monstro do Evan... - estremeço e fito o nada. - Quando ele veio pra cima de mim falando aquelas coisas e...
—Alice chega. - Kyle se senta sem me tirar de cima dele. - Olha pra mim.
Olho para ele que está tão próximo de mim. Sinto suas mãos colocarem meu cabelo atrás das orelhas.
—Está tudo bem. Nós vamos embora bem cedo. Meu pai vai ficar muito feliz em te receber, eu tenho certeza.
Concordo fitando a tatuagem no peito de Kyle.
—Não quero que pense naquele... - ouço-o respirar fundo e mesmo que não esteja olhando para seu rosto, sei que ele está fechando os olhos ao fazer isso - Não quero que pense nele te tocando para nada. Ele nunca vai tocar em nenhum fio de cabelo seu, nunca mais. Só quero que pense em mim te tocando.
As mãos de Kyle sobem por minhas coxas mas eu o impeço. Agora atrevo-me a olhar em seus olhos fixamente. Ele arqueia as sobrancelhas levemente.
—Desculpa, eu não quero.
—Não quer que eu te distraia?
Hesito um pouco. Eu quero?
—Sabe que posso fazer você se sentir melhor. - sua boca vai para meu pescoço e eu fecho meus olhos.
—Não temos camisinha. - sussurro.
—Isso não é um problema. - suas mãos estão subindo por debaixo da blusa de moletom grande que estou usando enquanto ele mordisca a pele abaixo da minha orelha.
Fito a cabeceira de ferro da cama e balanço a cabeça.
—Desculpa, eu não quero.
Kyle para e suspira me olhando. Ele sorri de lado amareladamente e acaricia minha bochecha com o polegar.
—Tudo bem. Deita aqui do meu lado vai.
Saio de cima dele e faço o que ele disse. Sinto seu braço me puxar para perto de seu corpo e eu fecho meus olhos. Por mais que eu quisesse forçar o sono vir, eu não conseguia. Kyle adormeceu novamente com o braço na minha cintura e eu continuei acordada fitando a janela. Todos os acontecimentos recentes pareceram querer me perturbar naquela noite, até mesmo o encontro por acaso com Matt no aeroporto. Comecei a me perguntar coisas do tipo "Onde será que ele está agora?", "O que ele está fazendo?", "Com quem está?", "Será que na Austrália está frio?". O que era loucura! As lembranças do dia do acidente também me assolaram. O tapa violento que ele me dera, o seu pedido sincero de desculpas no hospital enquanto ele estava completamente vulnerável com aquele pijama horrível do hospital, ele gritando no meu apartamento que estava apaixonado por mim. Por que ele estava apaixonado por mim?
Levanto-me da cama com cuidado para não acordar Kyle e vou para o pequeno sofá embutido na janela que eu costumava sentar para ler ou estudar. Posso ver o gramado iluminado pela luz de led implantada no solo.
Pego o celular e deslizo o dedo pela tela. Há inúmeras ligações de Kyle. Não há nenhuma mensagem de Matt depois da minha resposta para ele. Qual teria sido sua reação ao ver minha mensagem? Talvez eu não deveria ter enviado.
Respiro fundo e sem pensar no que estou fazendo, começo a digitar uma mensagem para ele.
"Matt, não sei o que está me dando. São quase cinco da manhã. Não consigo dormir. O que está fazendo agora? Espero que esteja sendo legal na Austrália. É um lugar que nunca fui, tenho vontade de conhecer. Talvez eu deva viajar para a Austrália quando tiver oportunidade...
Bom, eu estava pensando em você. Nas coisas que aconteceram. Me sinto mal e confusa. Não queria que você me visse do jeito que me vê. Queria que entendesse que Kyle surgiu primeiro para mim. Não tenho culpa e não gostaria de ficar entre a amizade de vocês, que era muito forte. Nada mais parece fazer sentindo. Me sinto tão... infeliz com algumas coisas. Sei que nos encontrarmos no aeroporto foi um simples acaso, sei que são apenas mensagens de texto... Mas não queria que você tentasse nada a mais. Não quero que fique na espreita esperando Kyle vacilar. Ele é ótimo comigo. Você é uma boa pessoa também atrás dessa cara amarrada.
Sorrio inconscientemente ao ler essa última parte. Continuo a digitar.
O que quero dizer é que, eu adoraria que você fosse meu amigo. Que você e Kyle pudessem voltar a se falar e a curtirem algumas festas na fraternidade como costumavam fazer. Adoraria falar com você sem isso se tornar um caos no meu relacionamento com Kyle e sem dar falsas esperanças a você.
Nossa, nem sei mais o que estou dizendo. Só estou... perturbada demais para dormir. Me desculpe" .
Olho para o texto que acabei de escrever e franzo o cenho. O que estou fazendo? Pairo meu dedo sobre o backspace para apagar tudo, mas não o faço. Envio ou não?