Muito Além de Mim escrita por Mi Freire


Capítulo 3
O cliente bonitão.




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O movimento no Café está bem devagar essa tarde. Eu já fiz tudo que poderia ter feito para passar o tempo. As meninas estão conversando sem parar enquanto limpam as mesas lá fora, o Mr. Wilson está lá dentro na cozinha preparando algo que tem um cheiro ótimo e eu resolvo pegar meu celular no bolso para ver se tem alguma mensagem do Eli.

Você já ligou para os seus avós?

Não entendo porque ele está sendo tão insistente. Ele é o meu melhor amigo, me conhece melhor do que ninguém e sabe o quanto essa situação é difícil para mim. Sei que as vezes ele acha que está fazendo o melhor para mim, mas não está.

Vou ligar hoje. Mais tarde. Não se preocupe.

Ouço um certo rosnado atrás de mim. Viro-me no mesmo instante, assustada. E guardo o celular no bolso antes que ele veja ainda mais. 

— Estou interrompendo algo, Nina? – Pergunta o Mr. Wilson em um inglês perfeito enquanto me encara friamente.

— Não. De forma alguma. – Dou um sorriso nervoso na direção dele. — O senhor precisa de alguma ajuda?

— Mas é claro! – Ele esbraveja, empurrando na minha direção uma bandeja cheia de brownies de chocolate.

Ele volta para a cozinha e eu começo a organizar o balcão com os nossos brownies que acabaram de sair do forno.

Eles parecem tão deliciosos que preciso resistir ao impulso de roubar um para dar uma mordidinha e saboreá-lo.

O sininho na porta faz um barulho indicando que as meninas acabaram de entrar.

— Porque essa cara de assustada? – Pergunta Sydney ao se aproximar. Ela parece sempre muito preocupada comigo.

— Eu meio que acabei de levar uma bronca do chefe. – Respondo, também em inglês. — Mas tudo bem. Já estou me acostumando.

Elas sorriem para mim ao mesmo tempo.

— Eu adorei seu cabelo, Sid. – Comento, só para mudar de assunto.

— Obrigada. – Ela sorri timidamente. — Estou testando uns novos penteados.

Sydney tem um cabelo loiro claro natural bem fininho, como de um bebê. Imagino que seja difícil para ela fazer certos penteados, já que ele é tão lisinho que mal se segura.

Já a Judy tem um cabelo mais grosso, castanho escuro e ondulado que dão um grande contraste com seus olhos grandes e azuis como o céu.

As duas são muito bonitas.

O silêncio entre nós de repente é interrompido pelo barulho na porta de entrada.

Entra um rapaz mediano, de pele bronzeada, braços fortes mas nem tanto, cabelos castanhos com um topete charmoso e olhos escuros e profundos, usando jeans e uma camisa branca gola V.

Mesmo de longe, posso sentir que ele tem um cheiro ótimo.

Tento não parecer tão chocada, pois provavelmente ele é o cara mais bonito e charmoso que já vi na vida até hoje.

Pelo visto, não sou a única que pensa assim. Assim que ele se aproxima do balcão, as meninas trocam um olhar significativo, concertam a postura e mexem nos cabelos como se já não estivessem perfeitos.

Elas bem que poderiam ser mais sutis.

— Olá, meninas. – Ele nos cumprimenta em inglês com um sorriso torto incrível e duas covinhas.

Não sei porque me sinto tão desconfortável com a presença dele. Tudo bem que ele seja muito gato. Mas, com certeza deve existir vários dele por aí. Eu só não tive a oportunidade de vê-los ainda. Ando muito ocupada.

Ele percorre os olhos pelo balcão: hoje nós temos torta de framboesa, cookies com gotas de chocolate, brownies também de chocolate e pavlova. Um prato típico daqui que experimentei recentemente. É como se fosse uma torta de merengue coberta com suspiros e frutas. Uma delícia!

— Bom, hoje eu vou ficar só com o cafezinho mesmo.

Eu fico estática. Não sei o que devo fazer. Devo servi-lo eu mesma? Devo insistir que ele leve mais alguma coisa? Realmente não sei. Estou apavorada!

As meninas olham para mim sem entender nada. Afinal, eu já deveria estar me mexendo para ir pegar o café e servi-lo. Até porque sou a única que está atrás do balcão.

Lanço um olhar constrangido a elas e balanço a cabeça negativamente.

— O.K. – Judy se apressa. — Vai levar só um minuto.

Abaixo minha cabeça, envergonhada por ser tão útil. Ao meu lado, Judy serve o café e por fim pergunta a ele se gostaria de um pouco de açúcar. Ele diz que sim e agradece. Ela entrega o café, novamente ele agradece. Mas deixa o copo em cima do balcão para pegar a carteira no bolso de trás do jeans.

Ele entrega o dinheiro a Sydney que já está no caixa.

Antes de sair, ele me lança um último olhar do qual não consigo escapar e preciso retribuir para não parecer ainda mais grosseira.

E sem emitir som algum ele diz: Tudo bem. Sorri e vai embora.

— O que aconteceu? – Sydney pergunta.

Ela e Judy veem até mim.

— Eu não sei!

— Meu Deus, Nina! Você não pode agir assim sempre que um cara bonito entra aqui para pedir um café. - Comenta Judy.

— Eu sei. Foi entranho... Me desculpem.

— Tudo bem. – Sydney toca meu ombro de leve. — Na próxima vez você se sairá melhor. Acredite.

— Obrigada.

E então, elas começam a falar sobre o cara que acabou de sair por aquela porta. Falam do quanto ele é bonito, tem um cabelo incrível, um sorriso perfeito e um perfume bom.

Eu não digo nada, mas concordo em tudo. O mais estranho é que não consigo parar de pensar no que ele me disse. Tudo bem. Tudo bem porquê? Por eu ser uma idiota?

O expediente finalmente acaba. Eu tiro meu avental, pego minhas coisas no meu pequeno armário nos fundos e vou para casa.

Mas antes de entrar preciso fazer uma coisa.

Uma ligação.

— Nina?

— Oi, vó.

— Tudo bem, querida?

— Sim... Tudo ótimo. E por aí?

Mesmo que não estivesse nada bem, não era como se eu fosse desabafar com ela. Esse tipo de coisa não é comum entre a gente. Toda nossa conversa é muito superficial.

— Tudo sim. Seu avô mandou um beijo.

— Ah, legal. Manda outro para ele.

E é isso. Fim.

Tomo um banho morno, visto meu pijama, como uma salada que estava por ali, faço minhas lições e espero pelo Eli que mais uma vez desapareceu sem mais nem menos.

— Ei, por onde você andou?

— Você sabe. Procurando um emprego.

Ele tira a jaqueta jeans e a pendura.

— Até essa hora?

Já são quase dez da noite.

— Sim, ué. Talvez como bartender. Nunca se sabe.

— Hum.

— E aí, você ligou?

— Sim. Liguei.

— E o que eles disseram?

— Não muita coisa.

Resolvo ir dormir logo, pois amanhã acordaremos cedo para ir a aula que começa as oito e meia da manhã.

Quando me levanto no outro dia, tomo mais um banho, visto algo fresquinho, pois o dia está ensolarado e como umas torradas. Eli faz o mesmo, logo depois de mim. E quando falta quinze minutos para a aula nós saímos com nossas coisas.

Hoje a professora pede para que formemos trios para treinar alguns diálogos. Eli e eu nos juntamos na hora, mas sempre acaba faltando alguém. O resto da turma já têm seus próprios grupinhos e amigos. Parece que hoje seremos uma dupla...

Como sempre foi.

Até que alguém bate à porta. É o Fernando, o mexicano que faz intercambio com a gente e está sempre atrasado.

Eli odeia ele. Não sei exatamente porque já que ele nunca quer falar no assunto. Mas suspeito que seja porque o Fernando está sempre nos rodeando e parece se interessar por mim de alguma forma. Eu não quero nada com ele, eu já disse isso ao Eli. Mas ele é muito ciumento quando quer.

Dessa vez não há escapatórias.

Hey, guys. - Fernando se senta com a gente.

Eli revira os olhos.

O resto da aula percorre normalmente. Eli é um pouco antipático com Fernando que parece nem se importar. Eu, só tento manter a paz entre nós. Não gosto de ser injusta com ninguém. Ainda mais com um cara como o Fernando que é tão gente boa com todo mundo. As vezes ele exagera nas piadas, mas continua sendo muito gentil e amigável.

— Vamos almoçar juntos hoje? – Pergunta Fernando ao final da aula.

Quando não fala em inglês, ele fala em espanhol. Posso até ser boa em inglês, mas sou péssima no espanhol.

Estou sempre pedindo para ele falar devagar para que eu consiga entender alguma coisa.

— Por mim, tudo bem.

— Não, de jeito nenhum. Cai fora!

Fernando se assusta com a grosseria de Eli. 

— Eli! – Faço uma cara feia para ele.

Ele suspira.

— O.K. Só por hoje, então.

Fernando abre um largo sorriso.

Ele é bonitinho. Tem cabelo negros bem cortado e uma barba que combina perfeitamente com ele. Seus olhos são igualmente negros, a pele é clara, ele tem algumas poucas sargas e ele é alto e magro.

— Eu preciso ir agora. – Levanto-me minutos após terminar de comer. — Preciso trabalhar.

Dou um beijinho na cabeça do Eli.

— Se comportem, meninos. – Dou uma piscadinha antes de sair.

Após guardar minhas coisas, prender os cabelos e vestir meu avental, me apresso em limpar o balcão e algumas mesas. Judy não pôde vir hoje por questões pessoais. Mas Sydney ainda está aqui para me ajudar no que for necessário.

No exato momento ela está limpando a vidraça por fora.

O sininho da porta toca.

Ergo meus olhos e não posso acreditar no que vejo.

É ele. Ele voltou.

Hi. – Ele me cumprimenta.

Hi. – Sorrio, timidamente.

Sydney está me olhando lá de fora com um sorrisinho intrigante. Balanço a cabeça. Quero que ela perceba que mais uma vez estou em apuros. Ela balança a cabeça de volta. Como se dissesse que dessa vez não pode fazer nada. E eu a entendo. Afinal, seria muito estranho ela largar tudo lá fora só para vir até aqui atender um cliente que eu poderia muito bem atender sozinha.

— O que deseja? – Resolvo perguntar antes que desista de tudo e saia correndo dali o mais rápido possível.

— Um pedaço daquela torta. – Ele aponta. — E um expresso com chantilly. – E então sorri.

Tento me concentrar no que tenho que fazer e por nada no mundo eu olho para ele de volta. Mas tenho certeza que ele não tira os olhos de mim.

Ele senta-se em uma mesa próxima ao caixa e eu vou até lá lhe entregar o pedido.

Thanks.

Volto para o balcão, onde finjo me concentrar em várias outras coisas que não seja o cheiro de mar dele.

Quando ele terminar de comer, Sydney já está de volta atrás do caixa, onde ele paga a ela. Antes de sair, mais uma vez ele se vira para mim e sorri. Mas ele também sorri para Sydney por ultimo. Pelo menos não disse nada dessa vez. Achei que me saí muito melhor do que anteriormente. Tanto é que Sydney me parabeniza.

— Pelo menos não derrubei café nele.

Ela ri e voltamos ao trabalho.

Em todos os outros dias, o tal cara volta ao Café, faz um pedido, come ou bebe, paga, sorri e vai embora.

Nem sempre sou capaz de atende-lo, pois apesar de já estar me acostumando com sua presença por aqui, ainda não me sinto cem por cento segura. Então, tento evitar.

Mas quando as meninas estão ocupadas, eu preciso fazer o meu papel se não posso levar uma bronca do Mr. Wilson bem na frente de todo mundo e seria vergonhoso demais.

As meninas já não parecem tão mais interessadas nele. Elas nem mais concertam a postura quando ele entra. Agora elas parecem indiferentes, como se vissem caras como ele todos os dias. Ao contrário de mim, que cada vez que o vejo fico ainda mais curiosa. Querendo saber sua origem, seu nome...

Sim, parece bobagem. Afinal, ele é só um cara. Eu só não consigo explicar. Ele meio que me fascina de alguma forma.

— E então, já trocou mensagens com o bonitão? – Pergunta Eli certa noite durante nosso jantar.

É claro que já contei a história toda a ele. Pelo menos ele não riu de mim e nem achou ridículo. Ele sabe como eu sou.

— É claro que não. Eu nem tenho o número dele!

— Então, trata de conseguir. Ou você pode não vê-lo nunca mais.

Só de pensar nisso me sinto apavorada.

— Não me importo. Existe milhões dele por aí.

— Você e eu sabemos que isso não é verdade.

É, ele tem razão. Talvez ele seja o homem da minha vida. Ou talvez isso tudo seja um grande exagero da minha parte. Mas ele é bonito, me atraí, me intriga. Quem sabe até queira sair comigo qualquer dia desses para gente se conhecer melhor. Isso não é um absurdo tão grande assim, não é?

O problema é: eu não consigo nem servir um café a ele, quem dirá pedir o número dele como se não fosse nada.

E mais: porque ele notaria logo a mim tendo a Sydney e a Judy ao meu lado que são muito mais bonitas e interessantes e falam inglês perfeitamente? E quem garante que ele já não tenha uma namora por aí que morre de amores por ele?

É melhor eu tirar essas ideias estupidas da minha cabeça e seguir normalmente com a minha vida.

Mas é claro que não é o que acontece.


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Notas finais do capítulo

O que vocês acham que vai acontecer? Comentem!



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