Todos os sonhos do mundo escrita por Marcia Litman


Capítulo 8
Capítulo IX




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Marina desviou o olhar do psicólogo, imaginando que daquela maneira seria possível se esquivar da pergunta deixada no ar por ele. Porém, depois de um tempo do peso imposto pelo silêncio, ela percebeu que aquela tática não funcionaria tão bem quanto ela imaginava.

— Poderia repetir a pergunta? — Marina disse, quebrando o silêncio e voltando a olhar para Jonas.

O psicólogo mantinha a expressão séria, porém leve, inalterada. Ajeitou os óculos no nariz e juntando as pontas dos dedos das mãos.

— Claro, Marina, por que não? Nós chegamos à conclusão que Direito sempre foi sua paixão. Então você consegue me dizer o que fez com que você deixasse o curso?

Ela suspirou fundo, encarando a si mesma pela primeira vez em muito tempo.

— Eu achei que não era boa o suficiente pra isso.

Jonas assentiu, ajeitando os óculos mais uma vez. Então olhou para o caderno de anotações sobre seu colo.

— Não era mesmo? Você disse algumas sessões atrás que estava se destacando bem e sendo bem mencionada por seus professores.

Marina acabou se lembrando dos elogios que recebia por seu destaque e como um ou outro professor tinha mencionado que gostaria de conversar com ela quando o curso estivesse concluído. Em que momento ela tinha esquecido aqueles detalhes?

— Verdade, tive alguns momentos desses.

Jonas se ajeitou no assento.

— Você conseguiria me dizer o que a fez chegar a essa conclusão de que não era boa o suficiente? Pense um pouco, Marina.

As memórias de Marina retornaram aos poucos à mente, trazendo imagens claras de coisas que ela achou ter deixado esquecidas no fundo das lembranças mais doloridas.

.::.

Os papeis e livros estavam espalhados sobre a mesa da cozinha, enquanto Marina buscava o sentido e a organização neles. As semanas de provas se aproximavam e ela queria estar preparada para a maratona que a aguardava.

Em algum momento ela conseguiu achar a linha de raciocínio que unia todas daquelas informações dispersas, começando a pegar os papeis que continham os resumos e anotações em uma ordem que só ela conseguia entender. Olhou para o relógio de canto de olho, percebendo que o ponteiro acelerava o passo muito mais do que ela desejava que acontecesse. Suspirou, colocando a pilha de resumos sobre a mesa, começando a ler, enquanto a mão direita alcançava a caneta azul favorita.

A concentração logo tomou conta da moça, que mergulhou de cabeça no conteúdo explorado nas aulas durante o último mês. A voz do professor de Direito do Trabalho I ecoava em seus ouvidos, e ela quase podia jurar que ele estava ali ao seu lado, como um espectro a guiar os estudos e no que Marina deveria colocar mais foco.

Ela nem percebeu que as horas passaram tão rápido e logo a tarde de sábado escureceu. Em algum momento, Marina se lembrou que precisava de um intervalo, levantando daquele cantinho típico que costumava ocupar quando estudava. Andou pela cozinha, preparou um lanche rápido e movimentou as pernas enquanto se alimentava, tendo como objetivo recuperar a energia e colocar a circulação para funcionar depois de tanto tempo sentada no mesmo lugar.

Nesse exato momento ela ouviu a porta da sala se abrindo e sorriu, reconhecendo ao longe a abertura da porta. Deixou o lanche interminado sobre a pia da cozinha e foi para o outro cômodo, onde encontrou o namorado. Marina gostava da sensação de poder vê-lo e imaginou que talvez ele tivesse resolvido lhe fazer companhia e até aproveitado para estudar um pouco também.

Marina segurou o rosto de Pedro entre suas mãos, beijando-o.

— Achei que você só ia ficar no seu apartamento hoje — ela afirmou, o sorriso ainda visível.

Ele deu uma apertada de leve no queixo dela, tirando uma mecha de cabelo que lhe cobria o rosto.

— De forma alguma que ia ficar longe de você num sábado à noite, Marina. Inclusive — ele pegou a mão dela, indo em direção ao quarto. — coloque aquele vestidinho preto que dei de aniversário pra você, porque hoje vamos dançar um pouco.

O sorriso largo de Pedro não ajudou Marina a manter a expressão animada.

— Dançar? — ela parou no meio do caminho para o quarto, fazendo o namorado parar também.

— Sim, dançar. O quê? Não quer sair comigo?

Marina franziu o cenho, procurando no rosto dele por sinais que contradissessem o que ele propunha.

— Você sabe que eu vou tirar o fim pra estudar, né?

Dessa vez foi o sorriso de Pedro que se desmanchou.

— E por que você faria isso?

— Semana de provas, Pedro, você sabe disso. E, entre o trabalho e a faculdade, é o único momento que consigo me preparar de verdade.

Marina ficou olhando para o namorado, esperando que ele dissesse alguma coisa sobre aquele assunto — de preferência demonstrando entender a situação exposta. Pedro ficou imóvel e era quase difícil dizer se ele ainda estava respirando. A moça então achou que talvez a conversa tivesse que acabar por ali mesmo. Então ela deu de ombros, retornando para a cozinha e tratando de terminar seu lanche antes de voltar para os livros e anotações.

— Se você quiser, Pedro, posso te ajudar com Direito do Trabalho. ‘Tô afiada nessa matéria.

Não veio nenhuma resposta da cozinha e Marina chegou a parar por alguns segundos, pensando em voltar onde tinha deixado Pedro. Talvez eles pudessem conversar e ela até considerava a possibilidade de sair com ele, nem que fosse só para pedir uma pizza. Mas, antes que ela resolvesse o que fazer, Pedro apareceu na cozinha. O semblante fechado mostrava o estado de humor dele naquele momento.

— Sabia que ia acontecer, Marina.

A moça estava virada de frente para a pia, terminando de lavar a louça do lanche improvisado. Parou a tarefa no mesmo instante, fechando a torneira e enxugando a mão de qualquer jeito na roupa. Girou nos calcanhares devagar, ficando frente a frente com o rapaz.

— O que você sabia?

— Que você ia mostrar que não se importa comigo. Algum momento eu tinha certeza que você ia me largar, ia preferir outra coisa. E hoje você mostrou que você se importa mais com a faculdade que comigo.

Marina colocou a mão direita na cintura.

— Não vai começar, Pedro.

— Começar o que? Dizer a verdade? Fazer você perceber que não ‘tá nesse relacionamento do mesmo jeito que eu? Mas você deve saber e nem liga, não é?

Ela fechou os olhos, sentindo o efeito daquelas palavras. Uma parte de si dizia que tudo aquilo era exagero da parte dele e que não era possível que ele estivesse fazendo tanta tempestade num copo d’água. Mas havia aquela voz, — uma que lhe pressionava o pulmão, como se pudesse impedir a entrada de ar — e ela esbravejava que ele estava certo e que ela não estava valorizando a pessoa que estava ao seu lado.

— Não é justo isso o que você ‘tá dizendo.

— E não é justo eu fazer de tudo por você e ser deixado de lado assim!

Marina sentiu um pequeno tremor tomar conta de sua barriga quando Pedro levantou a voz, e o instinto da moça foi deixá-lo para trás na cozinha, buscando refúgio no quarto. Ele a seguiu, contrariando o que ela queria que acontecesse, e Marina só conseguiu se sentar à cama, torcendo para que aquela discussão não continuasse.

— Claro que você vai fugir, não é? — ele continuou, a voz mais baixa. — Quando você está errada reage dessa forma.

— Pedro, por favor…

— Quer que eu te deixe sozinha, não é? Você deve ficar melhor assim, sem mim.

Antes que ela pudesse dizer alguma coisa, Pedro saiu como um raio pela porta do quarto, deixando Marina e seus pensamentos para trás.

.::.

Marina suspirou assim que terminou de contar o que tinha acontecido naquela noite que antecedeu o momento em que ela trancou o curso. Fazia tempo que ela não pensava naquilo e o modo com que ela apertava as mãos mostrava que ainda havia marcas daquele dia em sua alma.

— Nesses meses que vocês se separaram, alguma vez você pensou em voltar a fazer Direito?

Jonas ajeitou os óculos sem de fato encarar Marina.

— Sim.

— E o que impediu que você retomasse?

Marina se mexeu no assento.

— Pedro e eu terminamos a pouco menos de um ano. Mas tem momentos que eu sinto que ele não tirou as coisas do meu apartamento ainda, mesmo quando não encontro nada dele no meu guarda-roupa.

Dessa vez o psicólogo levantou os olhos, franzindo a testa e fechando as anotações.

— Fale mais sobre essa sensação de que ele está presente na sua casa.

Marina apertou os lábios.

— Nós não tínhamos um relacionamento. Era tudo sobre ele. Tudo na minha vida era pra ele: eu tentava agradá-lo e, perto do fim, tudo o que tentava fazer era não deixar que ele se irritasse comigo. Eu fiquei… sufocada demais. E, mesmo agora que estamos separados… parece que ainda ‘tô segurando minha respiração, esperando que qualquer coisa… que algo dê errado.

Ela olhou para baixo, sentindo um leve umedecer em seus olhos, que se embaçaram com as lágrimas. As gotas salgadas desceram em uma velocidade aumentada pela gravidade e caíram sobre o colo de Marina.

— O que você está sentindo é justo — Jonas rompeu o silêncio. — Foi muito tempo se acostumando a se esconder e a achar que deveria apenas ceder. Você está começando a dar esses primeiros passos sem ele e sem essa relação que não fez bem. É muito corajoso estar aqui e admitir isso, acredite.

Marina levantou o rosto para ver a expressão do psicólogo.

— Não acho que esteja sendo corajosa ultimamente.

— Mas está, Marina. Não é fácil enxergar que você estava em um relacionamento que sugava você e dar um basta nisso. Você conseguiu. Pode ter certeza que agora você consegue alçar vôos maiores. Mas faça isso quando estiver pronta, nem antes, nem depois.


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